XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA

Centro de Artes - CEART

 

ÍNDICE

 

 

1. Projetos de Pesquisa PIBIC e PROBIC

 

ATUALIZANDO A TRADICAO

Prof. Dr. Acácio Tadeu de Camargo Piedade, Adriano Maraucci Réa..................................................................................

001

 

A RETÓRICA MUSICAL DA MPB: UMA ANÁLISE DE DUAS CANÇÕES BRASILEIRAS

Acácio Tadeu de Camargo Piedade, Allan Medeiros Falqueiro.............................................................................................

002

 

ATOR-CRIADOR, ATOR-AUTOR, ATOR-ENCENADOR... ASPECTOS DA AUTONOMIA DO ATOR NAS CRIAÇÕES DO TEATRO DE GRUPO

André L. A. N. Carreira, Daniel Oliveira da Silva.................................................................................................................

003

 

USO TEATRAL DO ESPAÇO URBANO: EXPERIÊNCIAS DO GRUPO ZAP 18 e COMPANHIA CANDONGAS

André Luiz Antunes Netto Carreira, Patricia Leandra Barrufi Pinheiro................................................................................

004

 

O mito no teatro de grupo

Prof. Antonio Carlos Vargas Sant´anna, Ana Luiza Fortes Carvalho....................................................................................

005

 

MITOLOGIA E IDENTIDADE ARTÍSTICA: UM ESTUDO DA PRESENÇA DE MITEMAS HERÓICOS NO DISCURSO DE PAULO PASTA E DA CRÍTICA CONTEMPORÂNEA

Antonio Carlos Vargas Sant’Anna, Renata Amabile Patrão..................................................................................................

006

 

UMA LEITURA DOS “EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS”

Edélcio Mostaço, Camila Aschermann Mendes de Almeida.................................................................................................

007

 

As representações do feminino no Teatro de José de Anchieta

Edélcio Mostaço,Carla Ladeira Machado...............................................................................................................................

008

 

A Técnica de Modelar o Vestuário e a Moda

Icléia Silveira, Thais Callegari Fernandes..............................................................................................................................

009

 

Poética, Ètica e Estática na pedagogia teatral de jacques copeau

José Ronaldo Faleiro, Evandro Luis Teixeira.........................................................................................................................

010

 

JACQUES COPEAU E O ESPAÇO TEATRAL

Juliano Farias Thomaz, José Ronaldo Faleiro........................................................................................................................

011

 

Identidade Nacional e o discurso estétyco em Glauber ROCHA

Paula A. Hemm.......................................................................................................................................................................

012

 

Memória, Sociedade Florianopolitana e Elegância

Mara Rúbia Sant’Anna, Paula Consoni..................................................................................................................................

013

 

O brasil por suas aparências, uma história da moda

Mara Rúbia Sant’Anna, Roberta Maria Camargo..................................................................................................................

014

 

PRÁTICAS TEATRAIS NO MST

Márcia Pompeo Nogueira, Guilherme Rótulo........................................................................................................................

015

 

Teatro União e Olho Vivo: uma perspectiva de longo prazo de Teatro para Comunidades

Márcia Pompeo Nogueira, Maireli Dittrich............................................................................................................................

016

 

AÇÃO PIANÍSTICA E COORDENAÇão motora: relações INTERDISCIPLINARES

Maria Bernardete Castelan Póvoas, Daniel Silva, Vânia Eger Pontes...................................................................................

 

017

 

Técnica pianística e coodenação motoRA: RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES COM VISTAS À APRENDIZAGEM MOTORA

Maria Bernardete Castelan Póvoas, Vânia Eger Pontes.........................................................................................................

018

 

SOBRE RATOEIRA E WORLD MUSIC: MÚSICA E RELAÇÕES DE GÊNERO EM FLORIANÓPOLIS

Maria Ignez Cruz Mello, Letícia Grala Dias..........................................................................................................................

019

 

RELAÇÕES DE GÊNERO E A MÚSICA POPULAR BRASILEIRA: UM ESTUDO SOBRE AS BANDAS FEMININAS

Rodrigo Cantos Savelli Gomes, Maria Ignez Cruz Mello......................................................................................................

020

 

PROCEdimentos de trasfomação têxtil em TECIDO DE MALHA

Maria Izabel Costa, Ingrid Lagemann Isoppo, Bárbara Jung da Rosa, Melina Makowieck, Geise Fabiane Nazario, Tadeu Damo, Gabriele Louise Ribeiro da Silva................................................................................................................................

021

 

Raízes Antropofágicas: labirintos e paradoxos na constituição formativa do modernismo brasileiro

Raízes e labirintos da formatividade na Arte Brasileira

Marta Lucia Pereira Martins Lindote, Francine Regis Goudel, Muriel Bombana Garcés.....................................................

022

 

Raízes antropofágicas: labirintos e paradoxos na constituição formativa do modernismo brasileiro

Fenômenos Antropofágicos

Marta Lucia Pereira Martins Lindote, Francine Regis Goudel, Muriel Bombana Garcez.....................................................

023

 

Butterfly e a dramaturgia do movimento: da figura à transfiguração do corpo - construindo Kate Sherman

Prof. Dr. Milton de Andrade Leal Jr, Barbara Biscaro, Juarez José do Nacimento, Barbara Biscaro, Samuel Romão,

Monica Siedler........................................................................................................................................................................

024

 

Na busca das origens da dramaturgia do movimento

Prof. Dr. Milton de Andrade Leal Jr, Juarez José Nascimento Nunes, Bárbara Biscaro, Samuel Romão, Monica Siedler..

025

 

IMAGENS, DESENHOS E SIGNIFICADOS DE PROFESSORES E ALUNOS COM necessidade EducaTivas ESPECIAIS EM ESCOLAS COM EDUCAÇão INCLUSIVA

O Desenho como Ferramenta de Integração Social na Educação Inclusiva

Janaí de Abreu Pereira, Neli Klix Freitas...............................................................................................................................

026

 

TRANSDISCIPLINARIDADE E INTERSEMIOSES NO ENSINO DA ARTE – TRANSARTE

Sandra Regina Ramalho e Oliveira, Maria de Lourdes de Azevedo, Cristine Medeiros Esmeraldino, Débora da Rocha Gaspar, Gilberto André Borges, Sandra Conceição Nunes....................................................................................................

027

 

TRANSDISCIPLINARIDADE E INTERSEMIOSES NO ENSINO DA ARTE – TRANSARTE

Sandra Regina Ramalho e Oliveira, Maria de Lourdes de Azevedo, Cristine Medeiros Esmeraldino, Débora da Rocha Gaspar, Gilberto André Borges, Sandra Conceição Nunes....................................................................................................

028

 

Legislação educacional para o ensino de música NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL NA REGIão suL DO BRASIL

Gabriel Ferrão Moreira, Prof. Dr. Sérgio Luiz Ferreira de Figueiredo..................................................................................

029

 

Legislação vigente para a educação musical NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL na região CENTRO-OESTE

Prof. Dr. Sérgio Luiz Ferreira de Figueiredo, Ramon Franco Sezerino, Gabriel Ferrão Moreira..........................................

030

 

A INTERAÇão empresa-UNIVERSIDADE COMO FORMA DE MELHORIA DA QUALIDADE NA Ação de design

Silvana Bernardes Rosa, Marcia Fátima Nitibailoff, Mayara Atherino Macedo...................................................................

031

 

TEATRO DE BONECOS: TRANSFORMAÇÕES NA POÉTICA DA LINGUAGEM

Valmor Beltrame, Kátia de Arruda.........................................................................................................................................

032

 

A revista seduz a elite intelectual de florianópolis

Vera Regina Martins Collaço, Elaine Cristina de Silva.........................................................................................................

 

 

033

 

NOTAS SOBRE O TEATRO DE REVISTA

Volmir Gionei Cordeiro, Vera Regina Martins Collaço.........................................................................................................

034

 

SOLUÇÕES ERGONÔMICAS PARA O DESIGN DE SIMULADORES DE VÔO EM AMBIENTE IMERSIVO DE REALIDADE VIRTUAL

Alexandre Amorim dos Reis, Alexandre Santos Turozi, José Serafim Júnior, Elton Moura Nickel, Felipe Dausacker da Cunha, Ricardo Antônio Álvares da Silva..............................................................................................................................

035

 

Um projeto de pesquisa sobre Teatro de Grupo

André Carreira, Antonio Vargas.............................................................................................................................................

036

 

SUBPROJETO O TEATRO DE GRUPO E A BUSCA DO PÚBLICO: REFLEXÕES SOBRE A PROPOSIÇão e esTRATÉGIAS DO TEATRO DE GRUPO EM RELAÇão SEU PÚBLICO

André L.A.N. Carreira, Adriana Patrícia dos Santos..............................................................................................................

037

 

Ação pianística e coordenação MOTORA: PROCESSOS DE FEEDBACK E APLICAÇão de métodos de análise

Maria Bernardete Castelan Póvoas, Daniel da Silva..............................................................................................................

038

 

OBJETOS PEDAGÓGICOS INCLUSIVOS NO COTIDIANO ESCOLAR

Profa. Dra. Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva, Margarete Bornelli............................................................................

039

 

Tecnologias Produtivas, Design e Pesquisa Participativa – Estudo de Caso do Artesanato de Cipó Imbé em Garuva, SC: Dados e Indicadores de Produção

Prof. Douglas Ladik Antunes.................................................................................................................................................

040

 

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE TEATRALIDADE

Prof. dr. Edelcio Mostaço.......................................................................................................................................................

041

 

O Conceito Schenkeriano de “Organicidade” e a Sonata K533 de Mozart

Guilherme Sauerbronn de Barros, Cristina Capparelli Gerling..............................................................................................

042

 

VINHO SABER: ARTE RELACIONAL EM SUA FORMA COMPLEXA

Prof. Dr. José Luiz Kinceler...................................................................................................................................................

043

 

DESENHO TÉCNICO: PADRÕES DE REPRESENTAÇão gráfica para PRODUTOS DO VESTUÁRIO

Lourdes Maria1 Puls...............................................................................................................................................................

044

 

Império – uma civilização nos trópicos

Mara Rúbia Sant’Anna...........................................................................................................................................................

045

 

TENTANDO DEFINIR O TEATRO NA COMUNIDADE

Marcia Pompeo Nogueira.......................................................................................................................................................

046

 

Algumas reflexões sobre vingança e antropofagia como modelos político e estéticos ainda vigentes na cultura brasileira1

Prof. Dra. Marta Lúcia Pereira Martins..................................................................................................................................

047

 

DESENHOS, IMAGENS E SIGNIFICADOS DE PROFESSORES E DE ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS, EM ESCOLAS COM EDUCAÇÃO INCLUSIVA

PROFESSORES E ALUNOS: SUJEITOS DA INCLUSÃO SÓCIO-EDUCATIVA EM ARTE E EDUCAÇÃO

Prof. Dra. Neli Klix Freitas....................................................................................................................................................

048

 

OUTROS ESPAÇOS EXPOSITIVOS

Regina Melim.........................................................................................................................................................................

049

 

O AQUÉM NA MONTANHA, UM RECORTE SOBRE O OLHAR PAISAGÍSTICO NA AMÉRICA LATINA

Rachel Reis de Araújo............................................................................................................................................................

050

AS INQUIETAÇÕES DO ARTISTA-PROFESSOR

Sandra Maria Correia Favero..................................................................................................................................................

051

 

Florianópolis: Conjuntos históricos urbanos tombados

Sandra Makowiecky, Armando Athayde Carneiro Filho.......................................................................................................

052

 

SOBRE A POÉTICA DE HUBERT DUPRAT

Profa. Dra. Sandra Makowiecky, Luciane Ruschel Nascimento Garcez...............................................................................

053

 

SOCIABILIDADE, CULTURA E MEMÓRIA: relatos de moradores de uma localidade litorânea da Ilha de Santa Catarina

Tereza Mara Franzoni.............................................................................................................................................................

054

 

GROTESCO

Prof. Dr. Antonio Carlos Vargas Sant’Anna..........................................................................................................................

055

 

Mitologia e identidade artística: uma análise da presença de mitemas heróicos nos discursos de artistas e críticos

Dr. Antonio Vargas.................................................................................................................................................................

056

 

A ILUMINAÇão de um palácio - O Teatro Álvaro de Carvalho de 1950 à 1999

Vera Regina Collaço, Ivo Godois...........................................................................................................................................

057

 

AS INFINITAS MÁSCARAS DA CIDADE — O Patrimônio Histórico Cultural como Espaço Espetacular —

Leon de Paula.........................................................................................................................................................................

058

 

O ATOR NO TEATRO DE RUA

Reconstrução do imaginário cênico em espaços públicos: O Grupo de Teatro Menestrel Faze dô, de Lages / Santa Catarina

Loren Fischer Schwalb, Vera Collaço....................................................................................................................................

059

 

Técnicas de modelagens e renderização em softwares tridimensionais

Walter Dutra da Silveira Neto................................................................................................................................................

060

 

POÉTICA, ÉTICA E ESTÉTICA NA PEDAGOGIA TEATRAL DE JACQUES COPEAU

José Ronaldo Faleiro..............................................................................................................................................................

061

 

OBJETOS PEDAGÓGICOS INCLUSIVOS NO COTIDIANO ESCOLAR

Profa. Dra. Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva, Margarete Bornelli............................................................................

062

 

JACQUES COPEAU: Uma vida dedicada à renovação DO TEATRO

Evandro Luis Teixeira............................................................................................................................................................

063

 

Jogando no Intervalo

Proposições colaborativas em Arte

Tatiana Rosa dos Santos.........................................................................................................................................................

064

 

A ILUSTRAÇÃO  DE LIVROS INFANTIS – UMA RETROSPECTIVA HISTÓRICA                                                                             Neli Klix Freitas, Anelise Zimmermann................................................................................................................................

065

 

QUESTÕES  PARA PENSAR UMA TEORIA E HISTÓRIA DA  ARTE FORA DOS GRANDES CATÁLOGOS

Rosângela Miranda Cherem...................................................................................................................................................

066

 

Florianópolis: Conjuntos históricos urbanos tombados

Sandra Makowiecky, Armando Athayde Carneiro Filho.......................................................................................................

067

 

QUEM ESTÁ ATRÁS DO MURO? CRIMINALIZAÇÃO, REEDUCAÇÃO E VIVÊNCIAS NO SISTEMA PENITENCIÁRIO DE FLORIANÓPOLIS NAS ÚLTIMAS DÉCADAS DO SÉCULO XX

Luiz Felipe Falcão, Cíntia Ertel Silva....................................................................................................................................

068

 

1. Projetos de Pesquisa PIBIC e PROBIC

 

 

 

Centro de Artes - CEART

 

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ATUALIZANDO A TRADICAO

 

 

                           Prof. Dr. Acácio Tadeu de Camargo Piedade[1]  Adriano Maraucci Réa[2]

 

 

Palavras chave: Choro, Música Popular, Música Instrumental.

 

RESUMO: O presente artigo pretende identificar e ver mais de perto algumas das modificações que o choro vem sofrendo desde a segunda metade do século XX, tanto em sua concepção e performance como na questão identitária, ou seja,como os chorões de hoje se percebem e vêem a música que praticam e  como os mesmos fazem suas associações (atualizações)com o  gênero.

            A discussão da música instrumental brasileira é permeada de um sem número de ramificações de estilos, maneirismos e de autopercepção (identidade) dos seus praticantes. Quando falamos de música instrumental popular no Brasil, abrimos um guarda chuva de variações sem fim. O fato é que essa música existe e é tocada sendo preciso enxergá-la mais de perto para perceber suas sutilezas.

 Dentro desse amplo espectro de variáveis e escolhas sonoras e de todas as fusões de ritmos brasileiros (como frevo, samba e baião) com as formas e improvisação do jazz (fricção de musicalidades) característico na Música Instrumental-MI[3]-(PIEDADE, 2000), temos uma sonoridade mais tradicional do choro, que está ligada às rodas e encontros em botequins (ambiente informal e popular), tratando-se da execução de peças clássicas consolidadas no período de formação do gênero durante os anos 30 e 40 (PIEDADE, RÉA, 2006). Temos - em contrapartida - um choro que se apossou da instrumentação característica dos conjuntos fusion[4] da década de 70, com a utilização de guitarras, contrabaixo elétrico, bateria; enfim, todo um referencial tido como símbolo de modernidade na época. Aliado a isso, foram enxertadas novas seções para improvisos, seções estas que remetem muito mais (formalmente) ao jazz do que à improvisação chorística,mais colada no tema principal.

Parece que neste período (décadas de 70 e 80), o choro dialoga fortemente com a chamada MI, que não por acaso tem neste gênero sua expressão mais brasileira (ou de brasilidade); porém não se resume a isso. Além disso, pode-se considerar que a canção moderna brasileira-que usava muito o samba e o choro como referencias unânimes no seu processo criativo- (Tom Jobim, Chico Buarque, Edu Lobo...), de certa forma “abriu as portas” para novidades, como foi o caso da harmonia. A canção moderna do Brasil passou a contar com harmonias mais tencionadas, mas que não se distanciavam da intenção harmônica clássica de sambas e choros, dando origem não só a uma nova concepção musical do ponto de vista prático, mas também a uma mudança sonora drástica para seus ouvintes, acostumados com a sonoridade dos boleros e sambas-canção das décadas anteriores. Aconteceu que essas novidades musicais (escolhas sonoras, como o X7sus) e timbrísticas que são os ícones do fusion e da MI começam a migrar também para o mundo do choro dando origem  às primeiras modificações num gênero que se protegia do externo dando origem a um o “choro novo” (ZAGURY) que incorporou características antes crucificadas. O fato, porém é que a partir dos anos 50, o choro passou por um período de retração que iria durar cerca de trinta anos, sendo neste período quase que esquecido pela mídia e pelas gerações mais jovens, que se interessaram muito mais na música dançante das gafieiras, na bossa-nova e nos gêneros associados ao rock'n'roll. Justamente nos revolucionários anos 60, a era da bossa nova, da tropicália, da jovem-guarda, do rock, dos experimentalismos, neste período o choro “desapareceu” das mídias. Nos anos 70, o Brasil jovem voltou-se para o rock e para o cenário internacional, criando certa aversão aos regionalismos e tradicionalismos brasileiros. O choro, porém, atravessou este período na base da reprodução doméstica e parental, e despertou nos anos 80 com uma nova geração de grandes instrumentistas tais como Rafael Rabello, Armandinho, Paulo Moura, Joel Nascimento, Maurício Carrilho, Luís Otávio Braga, Henrique Cazes, Carlos Carrasqueira. Note-se que muitos destes eram parentes dos grandes nomes da geração anterior. De fato, no calor do quintal, ou melhor, da casa, da família, o samba e o choro sobreviveram à longa seca. Ecoa aqui a importância dos laços de parentesco no mundo do choro, um mundo que se mantêm ainda bastante carioca, como modo de tocar e de viver, de rememorar, de ser levemente “de fundo de quintal”, mas hoje em outra dimensão e com uma família e uma fertilidade muito maior.

A partir dos anos 80, surgiram vários intérpretes e compositores de choro que não se restringem ao gênero, como Nailor “Proveta”, Cristóvão Bastos, Paulinho da Viola, Guinga, Hermeto Paschoal e Marco Pereira, entre outros. Ou seja, a palavra choro passou a exibir uma pluralidade bem maior do que anteriormente. Em uma entrevista, Mauricio Carrilho diz:

 

“Hoje, todo disco do Hermeto Pascoal tem choro, mas ninguém fala que ele é um músico de choro”. Uma análise estética da obra do Tom vai revelar que metade dela é composta de choros. Mas se alguém lhe pedir para citar dez choros do Tom Jobim, você vai titubear. Por que as pessoas só tratam como choro as músicas do Pixinguinha para trás? Por que ninguém fala que Edu Lobo, Caetano, Chico são compositores de choro? O choro é uma linguagem que sempre foi usada pelas pessoas, só que ninguém chama de choro. Com o jazz, qualquer coisa que guarde mínima semelhança é chamado de jazz” . ”. (Apud in entrevista de Mauricio Carrilho à revista Teoria e Debate n37, 1998).

 

É a partir desta década que essa “geração do meio”-descendente direta dos velhos chorões - começa a modificar certos aspectos do mundo chorístico. Os músicos da geração que surgiu a partir dos anos 80 tiveram mais acesso a uma formação musical mais ampla, através do contato e estudo de outras músicas. Por exemplo, o grande violonista Raphael Rabello, talvez o maior virtuose desta geração, estudou e gravou música erudita, teve intensos contatos com o violonista Paco de Lucia e a música flamenca. Nos anos 80 e 90, os músicos de choro (se é que podemos restringi-los assim) já não tinham tanta resistência ao externo, aceitavam mais algumas mudanças e aglutinavam às suas interpretações novas particularidades. Paulo Moura é outro exemplo: um exímio clarinetista que estudou no mundo das bandas e depois foi aprender choro e jazz, acabando por desenvolver uma sonoridade muito pessoal e um estilo reconhecido. Mais atualmente, Hamilton de Holanda é um nome de destaque: bandolinista virtuose, usa elementos de improvisação jazzística e tem um repertório abrangente. Depois dos instrumentistas fenomenais da “época de ouro”, esses jovens músicos das gerações posteriores queriam tocar choro, mas ao seu modo, com sua bagagem. Muitos deles também tocaram e gravaram bossa nova instrumental e ouviram gravações dos jazzistas norte-americanos, deixando-se influenciar e trazendo novidades formais para o choro, como o formato chorus de improvisação, aproximando-se do universo da música instrumental (ver BASTOS PIEDADE, 2005). No disco “Todos os Tons”, de Raphael Rabello (RABELLO, 1998), é possível notar um esforço para improvisar sobre harmonias mais abertas, com mais tensões tonais, típicas do jazz, resultando em algo bem diferente do choro convencional.

Neste vai-e-vem de influenciação mútua entre as práticas musicais, as harmonias do choro começaram a se abrir, junto com suas vozes contrapontísticas e as tensões passaram a habitar mais incisivamente o gênero. Até o intocável dois por quatro já está cedendo espaço para outras formas de compassos antes pertencentes a movimentos de música instrumental mais experimentalistas. Na obra de Mauricio Carrilho (que tem bagagem tradicional) já é possível perceber uma preocupação mais camerística que segundo ele, foi iniciada com a composição da suíte retratos de Radamés Gnattali (final da década de 50), escrita para orquestra e depois reduzida para diversas formações como a Camerata Carioca (a de seu quinteto já contava com o acordeom - o que não era comum - de Chiquinho) e que colaborou intensamente para novas instrumentações e arranjos no mundo do choro tanto numa sonoridade mais limpa, quanto nos arranjos e contracantos:

“Assim começamos a aprender. Pouco a pouco, o Luis Otávio e eu passamos a arriscar uns arranjos e a escrever também. Criou-se assim uma escola diferente, um regional com pessoas que liam musica com facilidade e com formação técnica melhor que a dos mestres. Alem disso, tínhamos 'a
disposição instrumentos melhores. Tudo isso nos dava condições de fazer
coisas mais elaboradas. A partir dai', com o exemplo da Camerata, foram
surgindo outros grupos com essa linguagem, como Água de Moringa, No em Pingo d'Água e outros. Hoje a gente vê a influencia desse trabalho no
Brasil inteiro. E' raro ver um regional formado por jovens tocando como
antigamente”. (Apud in entrevista de Mauricio Carrilho à revista Teoria e Debate n37, 1998).

Neste depoimento é possível ver bem a intenção desta comunicação, que é mostrar como a tradição se renova dentro do gênero. Os jovens de hoje tem muitas influências, a informação e a circulação da mesma é muito dinâmica e esse dinamismo acaba desaguando na sua visão de mundo, e consequentemente é expresso em forma de arte. Os conjuntos de hoje tocam não só os clássicos, mas novas tendências que não são as referências da geração anterior, (como Hermeto, Gismonti e até Beatles) atualizando a tradição com novos referenciais, fazendo do choro mais do que nunca se mostre como uma maneira de interpretar músicas. O Trio de Mauricio Carrilho expressa bem essa dualidade (ou dialética),quando a formação remete aos antigos trios de “pau e corda”,que nos mandam à primeira metade do século e, portanto a uma sonoridade bem tradicional, enquanto seu repertório e arranjos caminham tenuamente entre diversos estilos musicais que representam seu mapeamento musical (individualidade, identidade), inclusive no que diz respeito à improvisação:

  “O Trio, que e' um terceiro estágio na abordagem do choro, já' esta' fazendo escola também. Esse grupo existe há 11 anos. A gente tocava de brincadeira, em rodas de choro, mas um dia se reuniu para tocar duas musicas do Radamés na homenagem aos 80 anos do velho. Eu tenho a formação da linhagem dos velhos chorões. O Paulo Sérgio fez música de câmara durante anos e se apaixonou pelo choro. O Pedro Amorim, aos 20 anos de idade começou a tocar bandolim e hoje e' um dos maiores bandolinistas do Brasil, grande compositor de choro, que trabalha com acompanhamento e solo. Com essa formação, a gente faz trechos organizados como conjunto de câmara, outros tradicionais, como um regional, e outros improvisados, que ninguém sabe para onde vai e todo mundo vai junto. Essa forma nova de tocar choro surgiu naturalmente. Foi um casamento de algo novo com a tradição. Isso e' que e' legal. O que existe e' a seqüência de trabalho. Você tem que pôr o pe' em cima de alguma coisa, pisar no chão, que e' a sua tradição, e se trabalhar vai chegar uma hora em que estará' fazendo algo diferente, naturalmente. Não tem que tirar nada da cartola.” (Apud in entrevista de Mauricio Carrilho à revista Teoria e Debate n37, 1998).

  No caso desses novos compositores, especialmente no de Mauricio Carrilho, essas inovações só são viáveis, pois o compositor (Mauricio Carrilho) dá uma ênfase visível (ou audível) à harmonia, com mais tensões e substituições pouco característicos no choro tradicional. As vozes dos arranjos grupais se distribuem em mais instrumentos (como o clarone, clarinete e flauta) e a melodia e os contrapontos são recortados e divididos em vários momentos como se todas as vozes viessem de uma só linha melódica. Somado aos sopros, adiciona-se a formação regional com cavaquinho e pandeiro (seção ritimco-harmônica) além do violão que ajuda tanto na sustentação harmônica quanto no ritmo com os contrapontos. Os improvisos também ganham um destaque diferente, pois solam sobre os contracantos gerando um efeito interessante, onde o destaque é dividido com as outras vozes, o que revela a complementaridade buscada nos arranjos. Aquela sonoridade mais livre, com constantes improvisos rítmico-harmônicos e de contraponto (do pandeiro, do cavaco, e do violão - além do solista) na sua concepção tem estrutura mais rígida, e é neste sentido que aponta a uma música mais camerística, erudita, escrita.

Segundo ele, essa “evolução” é fruto da técnica mais apurada que os músicos têm hoje, a formação mais completa, e o conhecimento tácito de outras músicas que possibilitaram essa fusão entre o erudito e o popular e da técnica com o que não pode ser escrito:

 

 

Nós temos violonistas populares reconhecidos
no mundo inteiro, como Baden Powell, Luiz Bonfa', Rafael Rabello e outros, mas não os temos nas escolas. Violão clássico tem em qualquer universidade. E qual e' o mercado de violão clássico no Brasil? Perto de zero, enquanto o mercado de violão popular e' enorme. Todo conjunto tem violão. Então, fica um monte de gente tocando violão mal e um monte de concertistas desempregados. “Temos que juntar as coisas, aproximar a técnica do violão clássico à música popular para elevarmos seu nível”. (Carrilho)

 

 

                                                                                                                                                                            

Em meados de 1980, Mauricio passou a trabalhar com seu grande mestre, Radamés Gnatalli. Com a então nova geração do choro, Radamés se propôs a criar um novo padrão de execução, um grupo de música instrumental que combinasse a fluidez e espontaneidade da tradição do choro com a qualidade técnica e o equilíbrio da música de câmara. O próprio nome do conjunto (dado por
Hermínio Bello de Carvalho) resumia bem a idéia: Camerata Carioca.

 

“Esta viria a ser provavelmente a principal linha de modernização do choro, tardia em relação à modernização da canção empreendida pela bossa nova” (Carrilho).

 

 

A idéia que está sendo colocada neste artigo é a de cultura como dinâmica social incontrolável e espontânea (que se reproduz sozinha), que sou- como músico- parte dela e que minha interpretação deve contribuir para uma crítica mais concisa e atualizada podendo ser aplicada aos novos paradigmas. No caso da música brasileira, esse dinamismo (diálogo) ocorre tanto dentro dos universos musicais (gêneros) quanto entre eles, dificultando o mapeamento teórico, se essa não for sua maior riqueza. Os chorões mais antigos sempre tiveram um discurso mais conservador a respeito da música que tocavam, como quem guardava um grande tesouro que não pudesse ser tocado, talvez magoados com o fato de perderem espaço para as novidades da época como a bossa-nova. A geração do final dos anos 70(descendente dos grandes mestres) queria espalhar esse gênero, para todos os cantos, fazendo dele meio de vida, sendo esse um grande passo para a profissionalização dos músicos de choro, e em seu discurso é possível ver uma concepção diferente da dos grandes mestres, a ponto de Mauricio Carrilho (maior referência do choro hoje) assumir a importância de artistas como Tom Jobim e Hermeto Pascoal na linhagem do choro. Para tanto,é preciso se misturar,se assumir no mundo artístico atual e tudo que ele representa.Ao meu ver,essas transformações no choro foram não só necessárias mas também inevitáveis,além de serem dinâmicas cronologicamente,ou seja,não estão estacionadas nem nunca estiveram além de acontecerem de várias formas diferentes paralelamente. 

Abaixo serão feitas algumas considerações sobre uma peça de um dos últimos trabalhos de Mauricio Carrilho, as Moacirsantosianas.

 

CONSIDERAÇÕES ANALÍTICAS

 

Moacirsantosiana n.3

 

 

 

A composição se estrutura em forma A-A’-B-B’-A”, típica do muitos choros, com dezesseis compassos em cada parte. A estrutura formal tradicional do gênero aqui se expressa bem caracteristicamente.É possível notas nas “rimas” de 8 compassos, um desenvolvimento harmônico-melódico bem comportado,salvo por algumas tensões e substituição de acordes,mas é basicamente nas tonalidades de Bm (na primeira parte) e D na segunda.

Os compassos 1 e 2, 9 e 10 tem praticamente a mesma articulação rítmico-melódica, apenas com pequenas variações  para preparar os finais de frase e seção, outra característica do choro.Do compasso 1 ao 4 e do 9 ao 12 e possível identificar dois períodos( A e B) que se articulam muito semelhantemente em forma de duas frases(x e z e x’e y). Na primeira frase do primeiro período e na primeira frase do segundo, nota-se uma intenção melódica idêntica, que só se diferenciam na entrada do terceiro compasso (de cada período), bem característico no choro, como geralmente de 4 em 4 compassos se estruturam frases antecedentes e conseqüentes como pergunta e resposta(barroco?).

De forma geral, as “rimas” entre as frases de oito compassos se sucedem intercaladamente nesta primeira parte. Em c, c1 e c2 há uma repetição rítmica também muito usada no choro tradicional, caindo um tom a cada repetição e terminando a idéia em d’ no compasso final do período D. É interessante notar que os compassos 1e 9 e 5 e 13 tem exatamente a mesma configuração rítmica assim como 4 e 12 e 8 e 16,estando as variantes rítmicas entre esses compassos caracterizando uma preocupação composicional de métrica e forma.A harmonia nesta primeira parte também tem forma tradicional salvo algumas tensões um tanto incomuns como nonas maiores e menores e alterações de quinta em acordes dominantes . No primeiro movimento harmônico (compasso um) onde o compositor faz cair a quinta do Bm gera-se um trítono e não por acaso, o mesmo arpejo meio-diminuto é usado sobre G7 na frase z, gerando T[5]3,T5,T7,e T9 com a mesma intenção harmônica do primeiro compasso, mas agora resolvendo-o. Em termos harmônicos essa parte é bem tonal,tendo como exceção somente a cadência V-bII(compassos 3 e 4) e um C7 no compasso 7 que é o bII assumindo papel de subV(X-X7) para resolver na tonalidade principal. Essa cadência não é comum no choro e pode ser entendida como uma substituição de F#7(b13) /C (V7).

Outra nota que destoa da tonalidade é o sol# do  compasso 16 que é compensada na harmonia, sendo a nota colocada no acorde, prática muito comum em jazz que cria um “deslize” harmônico momentâneo que logo se resolve na próxima cadência. Já na segunda parte nota-se uma intenção menos objetiva (em termos de desenvolvimento harmônico em choro), pois a música tecnicamente não assume as modulações de partes, indo para o relativo maior da tonalidade de Bm, mas jogando a gravidade tonal para o Em, o quarto grau de Bm (ou segundo de D), e isso embaralha um pouco a continuidade do ambiente sonoro (dórico) dando uma sensação não tão exata de modulação (tonicização). Temos também nesta parte outro exemplo de substituição de acordes nos compassos 25e 26 onde Gm6 substitui F#7(b13) e F#m6 substituindo B7(9), tendo essa cadência uma condução de baixo não usual em choro, mas com “alma”(intenção) bem brasileira, pois se  desvela um ciclo de dominantes secundárias F#7-B7-E7-A que é muito usado na nossa música popular.

            Neste momento (compasso 28) a peça ameaça ir finalmente para D maior, mas logo se torna Dm e ainda finaliza  a idéia (no compasso 32) fazendo uma cadência de engano para o IVm mas indo para IV(A).

 

BIBLIOGRAFIA

 

 

 

 

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ANEXO

 

 

Moacirsantosiana n.3

 

Maurício Carrilho

Villa de S.Jorge,Alto Paraíso,GO, 28 de julho de 2005.

 

 

     

XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

Centro de Artes - CEART

 

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A RETÓRICA MUSICAL DA MPB:

UMA ANÁLISE DE DUAS CANÇÕES BRASILEIRAS[6]

 

                                   Acácio Tadeu de Camargo Piedade[7], Allan Medeiros Falqueiro[8]

 

PALAVRAS-CHAVE: Retórica musical; análise; canção.

 

RESUMO:  Este artigo tem a retórica musical como objeto de estudo principal. Inicialmente, comentaremos o sistema retórico-musical do período barroco, e em seguida apresentaremos uma análise musical de duas canções da MPB procurando aplicar esta teoria. Estas canções apresentam aspectos opostos, e procuraremos interpretar esta dualidade conforme o sistema retórico-musical.

 

INTRODUÇÃO

 

            A disciplina retórica nasceu na Grécia antiga, por volta do século V a.C., e teve como principais autores Aristóteles, Cícero e Quintiliano. Ainda no século XV fazia parte da educação básica, e “todo homem estudado era um ótimo retórico” (BUELOW, 1980, p.793). A retórica pode ser definida como o estudo da produção e análise do discurso sob a perspectiva da eloqüência e persuasão (CANO, 2000, p.7).

            A música, como todas as outras artes, foi muito influenciada pela retórica durante os séculos XVI, XVII e XVIII, período no qual esta disciplina alcançou seu auge. Diversos tratados foram escritos entre 1535 e 1792 relacionando música e retórica, com o nome genérico de musica poetica (CANO, 2000, p.7). A partir do século XVIII, então, a retórica como um todo entrou em decadência, e somente no final do século XX pesquisadores começaram a se interessar novamente pelo assunto.

 

1 O SISTEMA RETÓRICO MUSICAL

 

            O termo musica poetica foi utilizado pela primeira vez por Listenius, em seu tratado Musica, de 1537 (CANO, 2000, p.39). Os estudos musicais da época eram divididos em 3 áreas: musica pratica, musica teorica e musica poetica. Musica pratica se referia ao estudo dos manuais de execução, musica teorica tratava das questões teóricas sobre o som e da importância da música para os homens. Já a musica poetica (o termo poetica na língua grega se relaciona à idéia de “criar”) tratava da composição musical, sendo a retórica da música uma das áreas estudadas. Os principais teóricos da época foram Listenius, Burmeister, Calvisius, Lippius, Kaldenbach, Nucius, Mattheson, Spiess, Heinichen, Bernhard, Mersenne, Kircher (CANO, 2000).

            A música ocidental pode ser pensada como constituindo uma espécie de discurso, sendo assim que em uma peça musical pode haver uma concatenação de unidades que podem ser “atribuídas de qualidade, ou éthos, isto por meio de convenção cultural (diga-se, histórica e tácita)” (PIEDADE, 2006, p. 64). A relação entre retórica e música vai neste sentido, sendo que no período barroco, através das convenções expressas nos tratados mencionados, a música passou a ser estruturada, criada e embelezada como se fosse um bom discurso.

 

Um dos objetivos fundamentais da aplicação de princípios retóricos na música foi o de proporcionar ao discurso musical a possibilidade de despertar, mover e controlar os afetos do público, tal como os oradores faziam com o discurso falado (CANO, 2000, p.43).

 

            Tais afetos são estados emocionais idealizados, tais como amor, tristeza, ódio, felicidade, dúvida, esperança, entre outros. Cristalizadas em certas figurações musicais, tais afetos habitavam as peças da época, tal como eram ouvidas, embora uma verdadeira teoria dos afetos não tenha sido constituída.

 

Desde o século XIX, livros sobre a música barroca têm se referido constantemente a uma então chamada Doutrina dos Afetos, mas, em fato, nenhuma compreensiva e organizada teoria de como os afetos tinham que ser utilizados na música nunca foi estabelecida na teoria Barroca (BUELLOW, 1980, p.800).

 

            Citado por Cano (2000, p.47) e Buelow (1980, p.801) como uma das principais influências filosóficas sobre os afetos no campo da música, a obra Les pasions de l'âme, de René Descartes, publicada em 1649, revelava que, para o autor, os afetos eram as paixões da alma causadas pelos movimentos dos espiritus animales através do sangue, gerando assim os sentimentos (CANO, 2000, p.47). Os afetos, enquanto realidade biológica, influenciavam tanto na composição como na execução musical.

            Conforme os tratadistas da época, para se alcançar e mover os afetos dos ouvintes é necessário o uso das figuras retóricas, análogas às figuras de linguagem no caso da literatura, aliás, uma versão musical das mesmas, servindo para enfatizar o discurso musical. Outra forma de se mover os afetos dos ouvintes seria pela escolha da tonalidade e do modo da música. Não havia, entretanto, convergência absoluta nas opiniões. Por exemplo, ao se escrever uma música em Fá menor, ela transmitirá aos ouvintes um caráter deprimido, choroso, isto conforme Charpentier; ou ansiedade, tristeza, desespero e relaxamento, segundo Mattheson; já Rameau menciona ternura, lamento e depressão (CANO, 2000, p.66). Estes três teóricos realizaram uma análise dos afetos em cada uma das tonalidades e modos, havendo discrepâncias; mas, em sua maioria, as opiniões são convergentes. Entretanto, “nenhuma tonalidade pode ser tão triste ou alegre por si mesma que não possa representar também um sentimento oposto” (MATTHESON apud CANO, 2000, p.66). Portanto, tonalidade e modo são fatores que podem apenas significar um afeto potencial geral, não que já se possa saber como será uma música inteira somente pela tonalidade.

            Para a retórica clássica de Aristóteles, Cícero e Quintiliano, o discurso está dividido em cinco fases preparatórias: inventio, dispositio, elocutio, memoria e pronunciatio. Segundo CANO (2000, p.73), a memoria foi a única parte que não foi transmitida para as outras artes que não a literatura, caindo em desuso: “a memoria é a única parte do sistema retórico que não foi sequer mencionada pelos tratadistas musicais do Barroco” (CANO, 2000, p.94). O inventio é onde se criam os argumentos que virão a fazer parte do discurso. No dispositio, tais argumentos são ordenados e distribuídos em momentos do discurso. Conforme Cano (2000, p.82), existem diversas formas de organização do dispositio, sendo que ele adota uma divisão em seis partes: exordium, narratio, propositio, confutatio, confirmatio e peroratio. Na Idade Média, era comum se dividir esta parte em initium, medium e finis (CANO, 2000, p.82). O exordium é a introdução do discurso, “é a passagem do silêncio ao som” (CANO, 2000, p.82). O narratio é a apresentação dos fatos. O propositio é a enunciação da tese fundamental que sustenta o discurso. O confutatio é a defesa desta tese, onde se apresentam os argumentos que a confirmem. O confirmatio é o retorno à tese fundamental. Por fim, o peroratio é o epílogo, alguma conclusão ou ênfase da tese. Pode existir uma espécie transição (transitus) entre os momentos, e, entretanto, tais momentos podem ser omitidos, trocados, modificados. Segundo Mattheson, nem todas as composições musicais seguiam rigidamente estas regras (MATTHESON apud BUELOW, 1980, p.794).

            O elocutio é a parte onde se coloca em palavras o material inventado e organizado anteriormente, no caso da música, é o processo final da composição. Conta com certos artifícios para a melhora do discurso, como clareza e beleza. No caso da música, o artifício principal é o decoratio, que, segundo Cano (2000, p.93), é a parte mais conhecida do sistema retórico. É no decoratio que estão presentes as figuras retóricas que, para Buelow (1980, p.794), são técnicas usadas para embelezar o discurso de uma forma mais passional e para ilustrar ou enfatizar palavras. Através da escolha de determinadas figuras, o discurso musical dota-se de uma personalidade própria. Como afirma Cano (op.cit.), a figura torna o discurso belo, agradável, atrativo para quem o escuta: as figuras determinam o estilo (op.cit.p.102). As figuras são responsáveis por mover os afetos e assim cumprir o papel que a música possuía no período Barroco: movere, delectare e docere.

            O pronuntiatio é a parte da execução do discurso. O pronuntiatio aparece nos tratados de música do Barroco na forma de conselhos práticos sobre criação e interpretação musical.

            Os textos musicais da música barroca, portanto, estão repletos de referências às figuras bem conhecidas na época. Através da leitura dos tratados e outros textos teóricos, pode-se proceder uma análise retórica deste repertório, recompondo as figurações musicais ali presentes. A análise retórica é a análise destas fases do discurso, principalmente das três primeiras, inventio, dispositio e elocutio, e das figuras empregadas. Com o intuito de se descobrir os argumentos, como foram organizados e de que forma foram empregados no momento da composição, procura-se descobrir o caráter da peça, seu discurso. Atualmente há diversos especialistas e publicações sobre o assunto (BARTEL, 1997; CAVAZOTTI, 2005). No caso da música brasileira, a dimensão retórica tem sido estudada por Piedade (2006), que procura tópicas retóricas que podem ser tomadas como constituintes da musicalidade brasileira em geral. Esta comunicação se alinha neste esforço, procurando contribuir com uma análise preliminar de aspectos retóricos em duas canções de MPB.

 

2 AS CANÇÕES

 

            A canção, composição em verso (ANDRADE, 1989, p.87), pequena composição vocal, com ou sem acompanhamento (JACOBS, 1978, p.95), é um objeto de estudo de grande interesse musicológico. Para alguns autores, na canção a música está sobreposta por uma letra, servindo essencialmente como base significativa para a declamação desta (TATIT, 1994). O uso de estratégias musicais para enfatizar o conteúdo proposto pela letra acaba por ser algo muitas vezes empregado. Já Calvisius, tratadista barroco, afirmou em 1592 que a música vocal é superior à música instrumental porque, com duas classes de figuras retóricas atuando simultaneamente, “oferece prazer em dobro” (CALVISIUS apud CANO, 2000, p.41)[9]. É interessante pensar a canção como produto de um encontro entre musicalidade e linguagem que, dialogando, produzem uma narratividade que é guiada pela letra, mas não se orienta unicamente por ela. Ou seja, na canção, a música tem letra tanto quanto a letra tem música (BASTOS, 1996; FRITH, 1988). O que pretendemos aqui é buscar um sentido retórico em partes destas peças, utilizando alguns conceitos diretamente dos tratadistas barrocos.

            Na MPB, é comum a composição em parceira em que um é responsável pela música e outro pela letra. Canções resultantes de duas grandes parcerias da história da MPB serão analisadas neste artigo: Tom Jobim e Vinícius de Moraes, com a música Eu sei que vou te amar, de 1959, e João Bosco e Aldir Blanc, com a música Incompatibilidade de gênios, de 1976. Nesta análise, estudaremos a relação letra/música empregando conceitos do sistema retórico-musical desenvolvido pelos tratadistas dos séculos XVII e XVIII.

            A letra da canção Eu sei que vou te amar trata de um amor eterno, uma declaração de amor para toda a vida, mesmo sendo este um amor triste, cheio de sofrimento e fadado a ter que ser vivido à distância[10]. Já a letra da canção Incompatibilidade de gênios expressa o oposto: trata de um amor que, já consolidado através do casamento, acabou desgastado pela convivência e pela descoberta de uma incompatibilidade do casal.

            Apesar da dualidade, as duas canções apresentam claramente uma mesma figura retórica musical: aquela que os teóricos do barroco chamariam de gradatio, que é a repetição em seqüência de um mesmo fragmento melódico em movimento ascendente ou descendente por grau conjunto (CANO, 2000, p.136)[11]. Estas figuras retóricas eram consideradas extremamente efetivas pelos tratadistas, contendo ainda um aspecto místico, pois o movimento ascendente se referia ao amor divino ou ao reino celeste (KIRCHER apud CIVRA 1991, p.128). Para além das significações que esta figura tinha no período do barroco, como pensar este gradatio nestas duas canções? É claro que ele está presente durante todo o decorrer das duas obras, mas em Eu sei que vou te amar é um movimento ascendente, enquanto na Incompatibilidade de gênios é descendente, acompanhando a oposição expressa nas letras das duas músicas. Curiosamente, para os tratadistas do barroco, a figura musical de movimento descendente, chamada catabasis, expressava sentimento de inferioridade e situações deprimentes, e mesmo um descendit ad inferos (CANO, 2000, p.152). Assim, as canções nos propõem uma associação entre a ascensão melódica gradual e a expressão de um grande amor, de um saber da imensidão deste amor, enquanto o caráter descendente se põe ao lado de um desamor tal que se tornou quase uma doença[12].

            Na música Eu sei que vou te amar, o argumento principal é o intervalo de terça, introduzido no exordium, ou seja, na introdução do discurso, pelo intervalo de terça maior entre a quinta e a sétima maior do acorde de Dó. Em seguida, o intervalo é trabalhado na forma de um motivo, onde apojaturas são colocadas entre as notas do intervalo para só depois, no final do motivo, o salto subseqüente ser executado sobre o acorde de Ré menor. 

 

Ilustração 1

 

            Esse motivo é repetido mais duas vezes, em forma de gradatio ascendente, durante a primeira seção da canção. Um novo argumento surge na parte seguinte, segundo o sistema retórico, o confutatio. Este novo elemento é em forma de saltos de longa duração, que juntos também formam um gradatio, mas desta vez descendente. Para Piedade, nesta seção, apesar da fórmula de compasso ser quatro por quatro, revela-se uma intenção de evocar o espírito da valsa brasileira, remetendo a uma tópica chamada época-de-ouro (PIEDADE, 2006, pp. 65-66).  

 

Ilustração 2

 

            Esta primeira parte é repetida do início ao fim do tema principal, ou propositio, para então ir à parte C da música, que constitui um confirmatio, onde o motivo da terça é retomado e trabalhado de forma descendente para se chegar à conclusão da canção, o peroratio.

            O intervalo de terça também é o argumento principal da canção Incompatibilidade de gênios, iniciada igualmente com o salto do quinto grau para o sétimo do acorde de tônica, Lá menor. 

Ilustração 3

 

            Após ser apresentado no exordium, surge no narratio o motivo principal desta música, que será repetido até o final à maneira de um gradatio descendente, sendo que a última nota é sempre uma terça abaixo da nota inicial da próxima repetição do motivo.

Ilustração 4

 

            No confutatio, aparece um motivo em forma de arpejo, com caráter conclusivo. A música é repetida e, ao chegar no final, é executado o motivo do arpejo para se encerrar a música, caracterizando assim o peroratio.

 

 

I PARTITURAS:

 

Ilustração 5

Ilustração 6

 

 

II LETRAS:

 

Música: Eu sei que vou te amar
Autores: Tom Jobim e Vinicius de Moraes

CD: Por Toda a Minha Vida - 1959

 

Eu sei que vou te amar

Por toda a minha vida, eu vou te amar

Em cada despedida, eu vou te amar
Desesperadamente
Eu sei que vou te amar
E cada verso meu será
Prá te dizer que eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida

Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que esta ausência tua me causou
Eu sei que vou sofrer

A eterna desventura de viver

À espera de viver ao lado teu

Por toda a minha vida

 

Música: Incompatibilidade de Gênios

Autores: João Bosco e Aldir Blanc

CD: Galos de Briga - 1976

 

Dotô, jogava o Flamengo, eu queria escutar.
Chegou, mudou de estação, começou a cantar.
Tem mais, um cisco no olho, ela em vez de assoprar,
sem dó, falou que por ela eu podia cegar.
Se eu dou um pulo, um pulinho, um instantinho no bar,
bastou, durante dez noites me faz jejuar.
Levou as minhas cuecas prum bruxo rezar.
Coou meu café na café na calça pra mês segurar.
Se eu to devendo dinheiro e vêm me cobrar,
Dotô,  a peste abre a porta e ainda manda sentar.
Depois, se eu mudo de emprego que é pra melhorar,
vê só, convida a mãe dela pra ir morar lá.
Dotô, se eu peço feijão, ela deixa salgar.
Calor, mas veste casaco pra me atazanar.
E ontem, sonhando comigo, mandou eu jogar
no burro e deu na cabeça a centena e o milhar.

Ai, quero me separar.

 

 

CONCLUSÃO

           

            Nesta comunicação, exploramos a aplicação do sistema retórico para o caso de duas canções da MPB, procurando tecer comentários comparativos. Evidentemente, um sistema semiótico do século XVII, tal como descrevemos na primeira parte deste texto, não pode ser diretamente adequado para compreender canções populares do século XXI, e, por isso, os termos aqui empregados resultam de um exercício preliminar em busca de um sistema retórico próprio, que cremos haver na MPB. Acreditamos que uma retórica se faz presente na música brasileira, articulando figuras musicais que “colocam em jogo identidades e referências culturais que constroem um universo musical entendido como brasileiro” (PIEDADE, 2006, pg. 66).

 

 

 

 

 

Referências:

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BUELOW, George. “Rhetoric and Music”. In Stanley Sadie (ed.) The New Grove Dictionary of Music and Musicians. MacMillan, 1980.

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TATIT, Luiz. Semiótica da canção: melodia e letra. São Paulo: Escuta, 1994.

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ATOR-CRIADOR, ATOR-AUTOR, ATOR-ENCENADOR...

ASPECTOS DA AUTONOMIA DO ATOR NAS CRIAÇÕES DO TEATRO DE GRUPO[13]

 

                                                           André L. A. N. Carreira[14], Daniel Oliveira da Silva[15]

 

 

Palavras Chaves: Teatro de grupo, ator-criador, ator-autor, ator-encenador

 

Resumo: Neste texto são apresentados alguns traços acerca do trabalho de grupos teatrais que diz respeito a interferência do ator nos processos de autoria da encenação e do texto. Os depoimentos dos grupos estudados embasam os primeiros esboços de delimitação de três noções contemporâneas acerca do trabalho do ator: “ator-criador”, “ator-autor” e “ator-encenador”, percebendo suas características centrais, além de zonas de contato e distinções entre estas denominações.

 

            Buscando noções-chave para entendimento dos papéis de ator em processos de autorias compartilhadas (“processo coletivo” e “processo colaborativo”), desenvolvo 2005 um mapeamento dos grupos que desenvolvem processos criativos que enfatizam uma interferência direta do ator na criação textual.

 

Processos horizontais na cena mineira

 

Dos grupos entrevistados em Belo Horizonte nas duas visitas realizadas pelos bolsistas do projeto, pudemos perceber que a maioria dos grupos da cidade parece trabalhar com procedimentos que se assemelham à criação coletiva ou colaborativa. A seguir exponho traços do trabalho dos grupos entrevistados.

Há cerca de vinte e cinco anos trabalhando na cidade, o Grupo ZAP 18, dirigido por Cida Falabella, parece ser um dos grupos mais atuantes e antigos de Belo Horizonte, ao lado de grupos como o Galpão e o Grupo Giramundo. O grupo, que passou por diversas fases, e por uma alternância de diretores, não possui um único caminho criativo, desenvolvendo processos baseados em pesquisas expressivas do ator, resultando em espetáculos bastante diversos, e que dialogam com um perfil distinto de ator, como podemos perceber nos relatos de Cida Falabella:

 

Normalmente, a gente não trabalha muito com o texto "fechado", a não ser em Sonho de uma Noite de Verão e A Menina e o Vento que foram exceções e que correspondem a um período de transição aqui para a sede da ZAP.  [...] Como a gente estava num período de mudança, acho que ficamos inseguros de partir de um texto mais aberto, então usamos dois clássicos. Um da dramaturgia universal e outro brasileiro. Mas também foram bastante modificados no sentido de recortar, enxugar e tal. Eu acho que isso tem muito a ver com o trabalho do ator (Cida Falabella, 2006.)

 

O [trabalho] está muito ligado nessa questão do “ator-criador” [...], com essa fronteira entre ator e personagem. [..] O ator se colocando enquanto ator no espetáculo. A gente trabalha muito com [...] relatos pessoais, [...] o ator buscando “linkar” aquilo que ele está fazendo com a realidade dele, como é que ele vê o contexto [...] E cada vez mais, o nosso processo criativo, está saindo menos de um texto, seja dramático [...] ou não dramático, agora ele está partindo da própria experiência. A idéia é que seja um texto mais aberto mesmo, e que as pessoas venham trazendo suas reflexões. Nesse ponto ele se assemelha um pouco à idéia do “processo colaborativo”. Na verdade eu penso que os grupos todos trabalham muito com essa idéia de uma criação que é mais horizontal (Cida Fallabella, 2006).

 

Outra característica comum aos processos criativos grupais se revela no trabalho da Cia. Candongas: a alternância de diretores ao longo da trajetória de um grupo, o que se assemelha, de certa maneira com o trabalho do Grupo Galpão. No Candongas, que vem trabalhando na cidade há cerca de 13 anos, por vezes é um dos atores do grupo que sai de cena para assumir a direção de uma das montagens. Em outros casos o grupo convida diretores que, a cada novo processo, trazem consigo um novo aprendizado ao grupo.  No que diz respeito ao texto, com exceção de uma montagem em sua trajetória, o grupo tem investido na criação de espetáculos que exploram a linguagem da Commédia Dell’Arte, partindo de roteiros da Commédia e gerando uma dramaturgia coletiva:

 

Mesmo quando o dramaturgo vem com um texto pronto pra gente, a gente já diz: "Olha, a gente não garante a fidelidade total!”. [...]  A gente precisa respirar o texto. [...] Mas a gente está até com vontade de fazer um espetáculo com um texto fechado, de um artista pernambucano que mora aqui, que é o Fernando Limoeiro. A gente vai ver se dá certo, mas o texto dele é um texto fechado. A gente não sabe quando que vai poder improvisar (Guilherme Théo, 2006)

           

A partir das práticas criativas dos grupos de Belo Horizonte, podemos perceber diversas evidências de outros desdobramentos da função do ator, cabendo destacar uma primeira noção, a de “ator-criador”, que só aparece explicitamente nos depoimentos do grupo ZAP 18, mas cujas características se assemelham as do ator que podemos perceber nos depoimentos dos outros grupos. Em comum, os papéis de ator nos grupos citados até aqui, possuem semelhanças no que diz respeito a interferência na autoria do texto, e um diálogo expressivo com a encenação, além do envolvimento do ator na gestão do grupo.

Uma referência que parece um tanto distinta é o trabalho do Teatro Andante, que nos dá pistas, dentro destes processos horizontais, para a percepção de uma outra noção de trabalho de ator: “o ator-autor”. Em entrevista concedida a nosso grupo de pesquisa, Marcelo Bones, diretor do grupo, relata sobre a criação do espetáculo Olympia, solo com a atriz Ângela Mourão que teve um processo muito particular. A concepção do espetáculo é da própria atriz, “uma criação autoral do ator”, segundo o próprio Bones, que começou a trabalhar a partir desta concepção, e que contava com a dramaturgia de Guiomar de Grammont. Segundo Bones[16]:

 

Claro que isso não é teatro colaborativo[17], a gente não faz teatro colaborativo, e pra nós é como essas intersecções e relações que a gente cria na hora de fazer o espetáculo. É um processo particular, um outro processo, cada processo que a gente desenvolve tem uma característica, uma peculiaridade muito grande, que está baseada, de alguma maneira, em quem ‘autoraliza’ o projeto(Marcelo Bones, 2004).

 

Diferentemente do “processo colaborativo”, podemos observar aqui um procedimento em que, ao conceber previamente o espetáculo, o ator passa a ser uma espécie de co-diretor do espetáculo. Trata-se também de um espetáculo que teve sua construção dramatúrgica feita ao longo do processo, cuja autoria dialoga amplamente com as inquietações criativas do ator. Neste processo específico, exemplifica-se o trabalho de um ator que parece um ser um co-autor e co-encenador da obra.

 

Em artigo publicado no Caderno de Textos do Grupo Folias D’Arte, a atriz Ângela Mourão expõe algumas características sobre esta noção ao relatar a experiência do grupo. A atriz compara a escrita poética do ator com a escrita poética de um escritor, que atribui sentidos a partir de sua própria experiência, sendo, por este motivo, um “ator-autor” da escrita.

A referência “ator-autor” foi designada pelo ator e diretor Sérgio Penna, e caracteriza o ator que intervém na criação cênica e dramatúrgica, além de se envolver com autoria dos processos de pesquisa e investigação atoral, num envolvimento global da noção de atuação (FISCHER, 2003, p. 91). Tal noção é também é atribuída ao trabalho do ator no Lume Teatro, noção não definida pelos próprios atores do grupo, que costumam denominar o ator do Lume como um “ator-pesquisador”. Tomo como referência aqui a noção “ator-autor” utilizada pela pesquisadora Stella Fischer para definir a distinção entre o trabalho do Lume e o de grupos que definem o papel de seus atores como “atores-criadores”, ainda que estas pareçam noções muito similares, como veremos a seguir no trabalho do grupo Teatro da Vertigem.

No Lume, podemos observar procedimentos de autoria do texto e da encenação bastante ligados ao ator. O grupo foi fundado pelo ator Luís Otavio Burnier em 1985, e possui hoje uma importante pesquisa acerca da pré-expressividade e da codificação do trabalho do ator. Ao longo de sua trajetória, o grupo desenvolveu diversas montagens, onde o processo não partia de uma dramaturgia prévia, em espetáculos que resultam de procedimentos de pesquisa atoral, como se o produto final fosse a convergência de uma pesquisa técnica que, ao dialogar com os temas de cada montagem, vai aos poucos tecendo a dramaturgia, e alimentando uma proposta de encenação e de relação com o público, num processo bastante radical se pensarmos que a maioria dos processos criativos costuma partir de um texto – seja dramático ou não dramático - previamente escrito.

Na produção textual do Lume, parece forte a idéia de texto como um pretexto para a criação atoral. Temos aqui um modelo de criação de texto que passa diretamente pelo crivo do ator, que algumas vezes é próprio diretor do espetáculo.

 

O teatro paulista e o “ator-criador”...

 

            Um dos mais respeitados grupos do Brasil, o Teatro da Vertigem foi formado por alunos da ECA e da EAD (USP) e por algumas pessoas de fora, que se reunia para desenvolver estudos prático-teóricos sobre a aplicação de princípios da mecânica clássica para o movimento expressivo do ator, elementos que permeiam a criação do grupo até hoje. A abordagem cênica do grupo privilegia a representação em espaços não teatrais, com exceção de seu último projeto, intitulado “A Leitura Cênica de História de Amor (Último Capítulo)”, único espetáculo que se destina ao palco italiano. O grupo tem desenvolvido desde sua criação procedimentos que se apropriam dos depoimentos dos atores para a criação do texto, escolhendo os espaços não convencionais a partir do que cada espetáculo reclama como espaço de representação.

O trabalho do ator estabelece um tipo de relação com a dramaturgia que acaba por desenhar outras formas e denominações para o trabalho do ator, como vemos no depoimento de seu diretor, Antônio Araújo[18]:

 

O que a gente chama de “processo colaborativo”, essa possibilidade de todos darem sua contribuição criativa, propositiva para o trabalho como um todo. Por isso, a gente fala em “atores-dramaturgos”, “atores-encenadores”. Mas é diferente da criação coletiva, onde existe um desejo de destruição das funções por um lado e, por outro, de uma polivalência artística. No Vertigem, tem responsáveis por todas as áreas. Você tem o iluminador, o cenógrafo, o diretor, o dramaturgo. E essas pessoas dão a palavra final, fazem a síntese de todas as contribuições (Antônio Araújo).

 

           

Além das denominações expostas aqui, “ator-dramaturgo” e “ator-encenador”, podemos observar com maior freqüência o uso do termo “ator-criador” para definir o perfil do ator do Vertigem, como podemos perceber nos relatos do elenco do grupo.

O trabalho do Vertigem dá fôlego às discussões sobre os novos lugares do ator no processo criativo, atribuindo ao ator destes processos uma denominação particular: “ator-criador”. Em artigo publicado no Jornal O Sarrafo, a atriz Miriam Rinaldi levanta algumas questões para se pensar esta denominação que começava a ser questionada pela classe teatral:

Certa ocasião me perguntaram: Mas existe algum ator que não seja um criador? De fato, esta pessoa estava certa. O que tentávamos ali [no Teatro da Vertigem] era buscar uma denominação que fosse um pouco mais próxima da experiência em sala de ensaio; uma palavra que desse conta de uma compreensão mais dilatada da tarefa do ator e que percebíamos estar acontecendo não só em nosso grupo, mas em outros que igualmente desenvolviam uma dramaturgia e uma cena em sala de ensaio. (Miriam Rinaldi, 2003)

 

 

Se no depoimento de Cida Falabella, do Grupo ZAP 18, a noção de “ator-criador”, parece ligada um ator que pesquisa seu ofício, este depoimento de Miriam Rinaldi propõe ainda um desdobramento do ator que pensa o todo da obra de seu entorno, em processos onde texto e encenação se constroem durante o processo de cada espetáculo, numa relação mais horizontal com a cena.

A noção de “ator-criador”, apesar de bastante presente, demonstra ainda limites contraditórios. Parece oportuno relatar da falta de bibliografia que dê conta de tais denominações, o que demonstra ser este um campo ainda em delimitação. O estudo que apresento neste texto refere-se aos rastros e evidências que podemos encontrar nos depoimentos de grupos, artistas e pesquisadores sobre o perfil do ator em processos criativos teatrais. A partir das entrevistas realizadas no projeto de pesquisa, podemos perceber diversos relatos que enfatizam a presença de um ator de forte autonomia, cujas denominações apesar de distintas, muito se assemelham.

A seguir exponho alguns aspectos do trabalho do grupo Oi Nóis Aqui Traveiz, que possui uma terceira denominação para o trabalho do ator, para posteriormente podermos comparar as três noções.

 

O “ator-encenador” na Terreira da Tribo

           

Ao longo de seus quase 30 anos, a Tribo de Atuadores Oi Nóis Aqui Traveiz parece ser um dos únicos grupos brasileiros que se dedica a uma prática em “processo coletivo”, procedimento onde a autoria do texto e da encenação é assinada pelo coletivo, privilegiando a interferência completa do ator. O grupo deixa claro em suas entrevistas ou publicações, que as práticas criativas horizontais são um elemento chave para definir a existência de uma prática realmente grupal.

O ator Paulo Flores, integrante desde a fundação do Ói Nóis Aqui Travez, descreve aspectos curiosos do trabalho criativo do grupo em uma de suas montagens[19]:

 

O Ói Nóis sempre desenvolve um processo teórico e prático ao mesmo tempo; as pessoas vão lendo, buscando referências e vão partindo para as improvisações. O [A Saga de] Canudos surgiu das improvisações, como é a prática do trabalho do grupo. Dividíamos em dois grupos, e a partir do mote do texto do César Vieira, improvisávamos, por exemplo, o surgimento do Antônio Conselheiro ou trecho do texto que havíamos estudado. Os dois grupos vão conversar, elaborar as cenas e se aprofundar para apresentar da melhor maneira a cena (Paulo Flores, 2003)

 

A escrita do grupo é construída, portanto, de estruturas criadas a partir de um tema, ou obra literária, que o próprio coletivo determina, gerando autorias sempre coletivas, buscando um teatro em que a figura do diretor se apaga para dar lugar ao coletivo:

 

Acreditamos em “atores-encenadores”. Um ator que seja consciente do seu processo de criação, sobretudo que envolve o teatro que ele pode exercer diversas funções. Poder construir o seu cenário, decidir como será o figurino, música. A idéia do Ói Nóis é criar esse atuador que seja tão consciente do processo todo que possa exercer todas as funções, principalmente quando ele está reforçado por um coletivo que busca a mesma coisa. [...] A gente acredita com certeza no teatro sem diretor e busca fazer esse teatro. [...] (Tânia Farias, 2003).

 

            Observamos, portanto, um outro desdobramento da função do ator: o de dirigir o olhar da platéia e as escolhas estéticas coletivamente. O olhar sobre a obra como um todo, antes papel do encenador, passa a ser dividido entre o coletivo criador, aspecto que sugere algumas distinções e proximidades com as outras denominações como veremos a seguir.

 

 

Aproximações e Afastamentos

 

O trabalho dos grupos apresentados nos ajuda a tatear os desdobramentos da função do ator, no que diz respeito as noções de “ator-criador”, “ator-autor” e “ator-encenador”, denominações que se afastam da noção de “ator-intérprete”, esta que corresponderia a função menos dilatada do trabalho do ator, ocupando uma função ligada unicamente à interpretação.

A partir de tais cruzamentos de informações, poderíamos chegar a um primeiro esquema:

 

Noção

Grupos expoentes

Interferência do ator no texto

Interferência do ator na encenação

 

Ator-criador

 

Teatro da Vertigem, ZAP 18, entre outros

 

Mediada por um dramaturgo, que assina o texto final

 

Mediada por um diretor que assina a encenação

 

Ator-autor

 

 

Lume Teatro

 

Criação do texto se dá a partir do ator com assinatura do ator e/ou do ator junto ao diretor

 

Ampla interferência ainda que esta tenha uma assinatura individual de um diretor

(em alguns casos a direção é assinada coletivamente)

 

 

Teatro Andante

(no processo de Olympia)

 

 

Criação a partir do ator com mediação de um dramaturgo que assina o texto final

 

Concepção prévia do ator que estabelece uma co-direção junto a um encenador

Ator-encenador

Oi Nóis Aqui Traveiz

 

Texto de assinatura coletiva

 

Direção de assinatura coletiva

 

            A partir deste esquema podemos perceber que as noções de “ator-criador” e de “ator-autor” se assemelham bastante no que diz respeito à interferência do ator no texto e na direção. Contudo, num processo específico do Lume, o do espetáculo Café com Queijo, a assinatura de texto e direção são semelhantes às interferências do ator nos processos do Ói Nóis Aqui Traveiz e seu “ator-encenador”. Neste espetáculo, a autoria das funções centrais corresponde coletivamente ao elenco.

A primeira noção exposta, a de “ator-criador”, estaria associada mais diretamente ao “processo colaborativo”, visto que as assinaturas de direção e dramaturgia existem como palavras finais no processo. No que diz respeito a noção de “ator-encenador”, poderíamos dizer que ela está claramente ligada ao discurso do “processo coletivo”, visto que assinaturas individuais inexistem. A noção de “ator-autor”, por sua vez, parece uma noção intermediária, que poderia adequar-se aos dois processos, assim, evidenciando um campo de limites menos rígidos, apesar de ser uma nomenclatura de uso bastante presente.

 

Lugares do Ator: Autonomia e Sujeição

 

A partir das práticas criativas dos grupos apresentados aqui podemos perceber diversas evidências de um ator que, além ocupar o papel de intérprete, está envolvido com as questões de autoria da cena, modos de criação que parecem enraizados no próprio modelo de gestão dos grupos: uma gestão cooperativa. Tais características nos remetem ao momento histórico em que a noção de “teatro de grupo” ganha forma no cenário nacional.

Refiro-me ao modelo de “teatro de grupo” dos anos 70 do século XX, em que a criação de diversos grupos estruturados como cooperativas de produção em São Paulo e no Rio de Janeiro, parecem criar não apenas uma nova forma de se administrar um grupo, mas propor um território onde o processo criativo também se baseia em uma ruptura das hierarquias vigentes, interferindo na qualidade dos produtos artísticos destes grupos. Ao opor-se ao teatro das grandes produções, que em meio à ditadura militar acabava por neutralizar o conteúdo político de certas obras, o “teatro de grupo” dos coletivos que surgem neste momento, criam um mecanismo administrativo e criativo apoiado na coletividade como forma de contestação. O ator, que de maneira geral, ocupava o papel de intérprete, ganha nos coletivos teatrais desta época o lugar de co-autor da obra teatral. (FERNANDES: 1998, p15)

O ator, no âmbito do “teatro de grupo” é, portanto, intérprete, lida com cenários, figurinos, divide tarefas da produção, dedica-se aos projetos pedagógicos das companhias, administra a sede, escreve projetos, e exerce em seu cotidiano uma multiplicidade de funções, o que lhe confere uma grande autonomia como artista teatral.

Ao exercer estas funções, e ter que se aperfeiçoar nelas, este ator dispõe de ferramentas que lhe conferem uma visão dilatada de seu próprio ofício. Podemos supor que esta autonomia reverbera consideravelmente em sua função criativa, pois suas outras facetas exigem uma constante reflexão sobre aspectos exteriores à atuação.

A partir destes aspectos relatados, parece pertinente considerar que um ator que lida com os elementos externos à função de intérprete, conseqüentemente terá maior familiaridade com um processo criativo que dê vazão a autonomia adquirida. Neste sentido, o ator na contemporaneidade, parece bastante ligado aos desdobramentos de sua função de intérprete, passando a exercer os papéis de co-autor e co-encenador, gestor, entre outras.

Esta autonomia do ator parece uma das bases para se compreender as noções de “ator-criador”, “ator-autor” e “ator-encenador”, denominações que com o “teatro de grupo” brasileiro começam a se tornar cada vez mais presentes, abrindo espaços para se perceber territórios ainda em delimitação. Os aspectos relativos ao trabalho do ator parecem ainda bastante defasados no que diz respeito ao seu registro e sua discussão formal, como podemos ilustrar a partir de mais um trecho do Jornal O Sarrafo, que cito aqui para fazer minhas considerações finais:

 

A maioria dos livros de História do Teatro tem como ponto de vista a produção de textos e peças. São poucos os exemplos de uma História da Encenação, ou ainda da História do Ator e de sua transformação ao longo dos tempos. Cabe a nós, atores, refletir, debater e discutir sobre o nosso fazer, para que a nossa arte contribua para deixar mais alguns rastros de sua existência efêmera (Miriam Rinaldi, 2003)

            Referência Bibliográfica:

 

ARAUJO, Antônio. As Margens do Brasil. Entrevista concedida à Leca Perrechil e Daniela Landin.  www.facasper.com.br/cultura/site/entrevistas.php?tabela=dialogoentrevista&id=117. 2005

 

FERNANDES, Silvia. A Criação Coletiva do Teatro. Artigo In: Urdimento – Revista de Estudos Sobre Teatro na América Latina. Florianópolis: Universidade do Estado de Santa Catarina, Nr. 2, Agosto, 1998.

 

FISCHER, Stela R. Processo colaborativo: experiências de companhias teatrais brasileiras dos anos 90. Dissertação de Mestrado da Universidade Estadual de Campinas/SP

 

RINALDI, Miriam. E existe ator que não seja criador? Artigo. In: Jornal ‘O Sarrafo’. https://www.jornalsarrafo.com.br/edicao02/mat07.htm. São Paulo: Abril de 2003  

  

XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

Centro de Artes - CEART

 

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USO TEATRAL DO ESPAÇO URBANO:

EXPERIÊNCIAS DO GRUPO ZAP 18 e COMPANHIA CANDONGAS[20]

 

André Luiz Antunes Netto Carreira[21], Patricia Leandra Barrufi Pinheiro[22]

 

 

 

Palavras-chave: Teatro de grupo, espaço cênico, espaço urbano.

 

Resumo: Este trabalho busca analisar e compreender o uso teatral do espaço urbano com estudo de caso dos grupo ZAP 18 e Companhia Candongas de Belo Horizonte (Minas Gerais), visando estudar e compreender as relações destes grupos com seu espaço cênico no âmbito do teatro mineiro. O interesse principal é relacionar as formas de apropriação espacial que predominam nestes casos, com vistas a estabelecer relações entre as utilizações do espaço com outras dimensões da atividade grupal (política, social), de forma a relacionar o espaço urbano com a construção de um novo olhar sobre a metrópole.

 

1.Introdução

Em viagem de trabalho de campo realizada em 2006, entrevistamos sete companhias teatrais que têm sedes na cidade de Belo Horizonte em Minas Gerais. Foi então possível perceber que todos estes grupos destacam a importância de conquistar um espaço próprio onde se possa desenvolver atividades de ensaio, anseios artísticos e estéticos do grupo, projetos, confecção de cenários e figurinos, mas principalmente prestar serviços à comunidade. As companhias alegam em seus discursos que buscam um espaço com o intuito de estabelecer um diálogo com a cidade e com sua comunidade, de forma a fortalecer a idéia de teatro de grupo como um gestor de espaços culturais para o povo, lhes oferecendo oficinas, promoções, eventos e espetáculos teatrais gratuitos ou de baixo custo. Os grupos de teatro coletivo, principalmente os que possuem um espaço de trabalho na cidade, desenvolvem uma relação profunda com o local onde estão inseridos (o bairro e a própria cidade) e em conseqüência se relacionam melhor com a comunidade. Uma das propostas grupais, também está relacionada à possibilidade de manter uma atividade que tenha outros desdobramentos tanto em relação às pessoas envolvidas com arte, quanto para a população como um todo, buscando um diferencial artístico. Meu subprojeto objetiva analisar e compreender o uso teatral do espaço urbano com um estudo de caso. Tomo então o grupo ZAP 18 e Companhia Candongas de Belo Horizonte, visando estudar e compreender as relações destes grupos com seu espaço cênico no âmbito do teatro mineiro.

2. Teatro de grupo

Segundo Carreira, a idéia de teatro de grupo nos leva a pensar em uma organização duradoura, no ambiente na qual se relacionam os conceitos de cooperativismo e união (2004). Os grupos de teatro de grupo, buscam, por determinadas vezes, a investigação de uma identidade que corresponda à imagem coletiva. Isso é possível mediante a operação de um acordo ideológico e de uma conexão em comum afetiva entre os integrantes, como resultado das atividades que os grupos estruturam com o fim de consolidar seu espaço próprio no âmbito artístico. Para essa articulação coletiva também parece ser necessário um ideal comum de trabalho, com identificações intelectuais e estéticas, de modo a tornar a essência do grupo durável. Outro fator importante é a existência de decisões abrangentes buscando uma harmonia para trabalhos colaborativos dentro do núcleo.

3. Grupos ZAP 18 e Cia Candongas

Em visita à cidade de Belo Horizonte para pesquisa de campo, me deparei com uma cidade cinza, ao menos essa foi a impressão inicial e pessoal do lugar. A primeira questão foi: “O quê, em meio à essas ruas superpopulosas e agitadas, inspira esses grupos a se unirem e fazerem teatro?”. A resposta veio rápida, durante entrevista realizada com estes dois grupos, em suas próprias sedes de trabalho, podendo assim, constatar o amor e dedicação voltados para a cidade e seu povo, no intuito de divertir e fazer pensar. Estes grupos proporcionam apresentações de peças teatrais à grande parte da população de sua cidade. O grupo Zap 18 abre as portas de sua sede com o intuito de estreitar vínculos com o povo da periferia criando um círculo de relações e assiduidade por parte desse público. A Companhia Candongas também abre suas portas para a população periférica da capital mineira, mas seu trabalho é em maior parte voltado para as ruas da cidade, seja o centro ou os bairros de menor ou maior poder aquisitivo.

A Associação Zona de Arte da Periferia - ZAP 18[23] se origina da antiga Cia. Sonho & Drama, grupo fundado em Belo Horizonte em 1979. O ZAP transformou a sua sede em um prolongamento da própria cidade, abrindo suas portas para o povo da periferia de forma acolhedora e social. Segundo Cida Falabella em entrevista cedida ao grupo de pesquisa em setembro de 2006, o objetivo do grupo é "levar uma atividade que tenha outros desdobramentos tanto em relação ao pessoal da classe artística, dos grupos, mas também da comunidade como um todo, acho que é um pouco isso que a gente está buscando...esse diferencial" (Cida Falabella, 2006).

O grupo é um dos fundadores do Movimento Teatro de Grupo de Minas Gerais (MTG) no início da década de 90 e integrou o Movimento Brasileiro de Teatro de Grupo. O galpão, construído com muita dedicação, tornou-se parte da paisagem urbanística de Belo Horizonte, sendo um espaço artístico e cultural que além de montagens teatrais se dedica à formação de atores e educação de jovens através da arte: "O tipo de trabalho que a gente faz é esse, não visa necessariamente o lucro, o objetivo dele antes de tudo é uma relação com a questão artística, cultural, para a formação do cidadão, é possibilitar às pessoas uma nova leitura da realidade, é poesia, é arte, o espaço para reflexão" (Cida Falabella, 2006).

O ZAP 18 aposta em um trabalho de descentralização cultural, trazendo a atenção para a periferia da cidade ao promover espetáculos, cursos e bazares com preços acessíveis: "O espetáculo "Mãe Coragem", a idéia é circular por espaços fora desse centro...porque é isso mesmo, você fica lá no centro, esperando o público sair de casa pra ir te ver...e em muitos bairros da cidade, as pessoas estão a fim de ver alguma coisa e as coisas não chegam nelas, é inverter isso mesmo...não como uma verdade absoluta "Ah, agora só vai fazer na periferia!", acho que o contrário também é legal, trazer as pessoas de lá pra conhecer um teatro bacana...ir em lugares de grupos que tem um trabalho e que tenha esse trabalho pensando em mais coisas do que simplesmente fazer um espetáculo, que já é muito...eu sei que já é muito complicado a gente viver pra fazer espetáculo...mas grupos que já tem uma outra inserção ali, porque aí você vai pro seu trabalho e o seu trabalho tem um significado que não é aquela coisa" (Cida Falabella, 2006).

O grupo Candongas  & Outras Firulas[24] foi fundado a partir de uma oficina de Iniciação Teatral, ministrada através da Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte em 1994. Desta experiência, em 1995, os integrantes foram convidados a participar do projeto “Usina de Teatro”. À partir de 1998, a companhia optou pela independência cênica, desvinculando-se da Usina de Teatro, buscando assim uma identidade grupal. A Companhia Candongas também ministra cursos, principalmente para a comunidade do próprio bairro: "A gente vira e mexe abre oficinas aqui na Casa de Candongas pra comunidade. E geralmente com um preço muito simbólico, porque a comunidade aqui é muito carente e não tem condições de bancar o curso" (Guilherme Théo e Wagner Vasconcelos, 2006)[25]

A maioria dos seus espetáculos são desenvolvidos especificamente para a rua, procurando abranger um grande número de espectadores. As encenações do grupo Candongas são voltadas para todas as idades e classes sociais, mas sua principal preocupação é conquistar a atenção do cidadão comum, que geralmente não possui acesso ao teatro e outras formas de manifestação artística: "Quando a gente encontra esse público de fora da comunidade que não vai a teatro, é muito bom. Não sei se é porque a gente sempre chama a atenção deles e a gente sempre se inspira nesses artistas de rua mesmo. Se você for a uma praça famosa aqui de Belo Horizonte, a praça da Rodoviária, você vai ver uma roda de gente em volta de um artista que fica lá, às vezes vendendo ervas e faz uma apresentação. Esse público que gosta desse tipo de atividade, de manifestação cênica" (Guilherme Théo e Wagner Vasconcelos, 2006)

Um de seus espetáculos de maior destaque na cidade, o  “Commedias a La Carte”, fundamenta-se numa pesquisa prática onde o grupo estudou os roteiros e os arquétipos (máscaras) característicos da Commedia dell'Arte. O nome do espetáculo não é por acaso: como num restaurante, o público tem o direito de escolher entre duas histórias, antes das apresentações, a que deseja assistir: "A gente comemorou o nosso aniversário de 12 anos com ele porque é um espetáculo que a gente pode apresentar na rua, em praças, e a gente queria fazer o nosso aniversário com o povo mesmo. Bem a nossa cara assim, na rua, com qualquer tipo de pessoa, mesmo aquelas pessoas que não tem costuma de ir à uma sala de espetáculos. Foi muito bacana e teve um público bacana demais" (Guilherme Théo e Wagner Vasconcelos, 2006).

O grupo acredita neste trabalho principalmente como provocação à reflexão e prática sobre o fazer teatral, visando desvendar caminhos que proporcionem a construção de um espetáculo de maior eficácia e comunicação com o público[26]: "É lógico que a gente quer chegar num ponto de ter um público pagante interessante. Mas a gente prefere garantir de levar a nossa arte para o máximo de pessoas possíveis" (Guilherme Théo e Wagner Vasconcelos, 2006).

Em seu artigo Urbanismo Efêmero em Belo Horizonte, o arquiteto mineiro Carlos Moreira Teixeira procura explanar sobre as potencialidades artísticas da capital de Minas Gerais:

“Belo Horizonte foi inaugurada em 1897 e se tornou hoje apenas mais uma cidade desplanejada. A poesia das largas avenidas vazias, a perspectiva da avenida Afonso Pena mirando a Serra do Curral, os tempos dos poetas das ruas desertas–tudo isso obviamente foi soterrado depois de cem anos de inoperância e absoluta falta de visão estratégica. Foi uma certa consideração pela potencial ‘teatralidade’ desses vazios como espaços para novas atividades que nos moveu a procurar lugares residuais totalmente inexplorados e que poderiam ser investigados em instalações, intervenções urbanas e projetos arquitetônicos isolados. A transformação desse espaço no próprio palco do espetáculo se encaixa na idéia de reverter os espaços negativos da cidade, aproveitando-os como espaços ativáveis” (TEIXEIRA, 2007).

 

Em seu Dicionário de Teatro, Patrice Pavis define o espaço cênico como o local onde o Homem prescreve suas intenções sociais, humanas e políticas, afim de expor sua proposta, seja ela poética, estética ou crítica. E é isso que os grupos Companhia Candongas e ZAP 18 fazem, cada um a sua forma, na vida da população da capital mineira, retomando o espaço público como um local de participação ativa.

Partindo da idéia de que a busca do lugar, da sede dos grupos é um elemento chave na estruturação do próprio sentimento de grupo, minha pesquisa tem como eixo o entendimento do papel deste local coletivo no desenvolvimento das atividades teatrais e a necessidade de ir além desse espaço.

Segundo Anne Ubersfeld, se o ator é o elemento fundamental no teatro, ele não pode  existir sem um espaço onde se desenvolver, assim, a escolha por determinado espaço cênico também está conectado à noção de identidade grupal (2006). Já no espaço contemporâneo, a existência de uma diversidade experimental não torna concebível encerrar sua definição em uma estrutura imutável. Tornou-se um elemento dinâmico e ágil, visível da fabricação e manifestação do sentido.

O interesse principal é relacionar as formas de apropriação espacial que predominam nestes casos, com vistas a estabelecer relações entre as utilizações do espaço com outras dimensões da atividade grupal (política ou social), de forma a relacionar o espaço urbano com a construção de um novo olhar sobre a metrópole. Neste sentido, busca-se o entendimento da possibilidade de uma identidade espacial no contexto de Teatro de Grupo, considerando que o espaço do grupo tem o potencial de fortalecer o coletivo, ao mesmo tempo em que o trato com as formas espaciais dos espetáculo estão condicionadas, tanto pelo projeto grupal inicial, como pelas condições concretas do dia a dia dos grupos. Também é interessante ressaltar que para o sucesso desses grupos teatrais frente a comunidade é necessário uma produção regular e de boa distinção teatral que alcance essa grande população que não possui o acesso às casas de espetáculos do centro da cidade.

4. Considerações Finais

               O material gerado a partir da aplicação do questionário nas entrevistas efetuadas na cidade de Belo Horizonte, possibilitou o surgimento de idéias e indagações sobre a importância e utilização do espaço urbano por esses grupos estudados. Neste estudo concebe-se o espaço como uma ligação entre texto, representações, público e atuantes. O espaço cênico nos é dado durante a cena teatral, pelo espetáculo, graças aos atores cujas evoluções gestuais circunscrevem o espaço cênico. Com base nisto, e apoiada em pesquisa bibliográfica, considero que o espaço do grupo tem o potencial de fortalecer o coletivo, ao mesmo tempo em que o trato com as formas espaciais dos espetáculo estão condicionadas, tanto pelo projeto grupal inicial, como pelas condições concretas do dia a dia dos grupos.

            Acho importante concluir com uma citação de Silvana Garcia, que em seu livro Teatro da Militância, explica a relação dos atuantes teatrais com a comunidade, da mesma forma que os grupos ZAP 18 e Companhia Candongas se relacionam com a periferia de Belo Horizonte:

“O trabalho artístico-cultural das populações periféricas passa pela organização da própria comunidade e nada impede que os artistas contribuam para essa mobilização, mas sem alimentar a pretensão de se tornarem os seus promotores. Esse trabalho só poderá ser realizado a longo prazo e depende, também, de um movimento mais global, de apropriação, pelas classes trabalhadoras, de seus direitos de cidadania. Isso inclui, naturalmente, o direito de se expressar através da linguagem artística.” (GARCIA, 1990)

 

Referências

 

CARREIRA, André. Distinções entre os conceitos de Teatro de Grupo e Grupo de Teatro. Relatório de Pesquisa. Florianópolis: Udesc, 2004. 2 p. Circulação Restrita CEART – UDESC.

COSTA, Lúcio Coelho. Interação sociedade-espaço urbano no contexto cultural em Belo Horizonte. Faculdade de Letras da UFMG. Disponível em: https://www.letras.ufmg.br/atelaeotexto/pesquisaantonieta1.htm. Acesso em 21 de maio de 2007.

GARCIA, Silvana. Teatro de Militância. São Paulo: Perspectiva, 1990.

GOMES, Paulo César. A Condição urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999. p. 132 - 138.

RAMOS, Célia Maria A. Poéticas do Urbano. Florianópolis: Bernúncia; Naemblu, 2005.

ROCHA, Maria Aparecida Falabella. De sonho & drama a ZAP 18: a construção de uma identidade. Dissertação (mestrado). Belo Horizonte: UFMG, Escola de Belas Artes, 2004. Escola Belas Artes da UFMG. Dissertação defendida em 03 de abril de 2006.

TEIXEIRA, Carlos Moreira. Urbanismo efêmero em Belo Horizonte. Minha Cidade. Disponível em https://www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc027/mc027.asp. Acesso em 14 de maio de 2007.

UBERSFELD, Anne. Espaço e Teatro. São Paulo: Grupo Tempo. Disponível em: https://www.grupotempo.com.br/tex_ubersfeld.html. Acesso em: 10 de dezembro de 2006.  

  

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O mito no teatro de grupo[27]

 

                                                                                                          Prof. Antonio Carlos Vargas Sant´anna[28]   Ana Luiza Fortes Carvalho[29]

 

Palavras-Chaves: mito, teatro, artista 

 

Resumo: O artigo aborda a análise dos discurso do diretor do grupo do tempo Roberto Mallet, buscando identificar possíveis relações com a mitologia heróica, traçando também paralelos referente ao teatro de grupo brasileiro sob essa perspectiva.

 

 

A busca por uma identidade torna-se cada vez mais uma exigência da era contemporânea, repleta de elementos massificadores mesclados com a valorização de posturas individualizadas. A mitologia heróica surge como um instrumento de análise pertinente aos estudos a respeito dessa construção identitária, especialmente no que concerne ao universo artístico. O presente artigo pretende, partindo da análise da entrevista com Roberto Mallet, diretor do grupo Tempo, estabelecer relações entre a mitologia heróica e a construção da identidade artística inserida no contexto do teatro de grupo.

Para a análise proposta, a utilização do termo mito deve ser compreendida no sentido estabelecido pelos autores integrantes do círculo de Eranos[30], ou seja, como uma ferramenta importante para a compreensão da sociedade, especialmente referente às questões de identidade, e não no sentido corriqueiro do termo, empregado no contexto de histórias falsas ou duvidosas.

O mito heróico pode ser dividido em mitemas, que constituem pequenas histórias contidas nas narrativas mitólogicas que repetem-se incessantemente, possibilitando o estabelecimento de uma linha analítica. A trajetória do herói é repleta de mitemas relacionados essencialmente a sua origem, infância, juventude, retorno e morte. (HORN, 2006)

Em termos culturais, o artista possui as mesmas características mitológicas do herói, tornando possível  o estabelecimento de relações entre eles. O herói surge nas sociedades a partir do momento em que os homens passam a buscar algo para divinizar e simultanemante identificar-se: “Por um lado, o herói, justamente por se desviar da norma humana, é tido pela humanidade, isto é, pelo aspecto coletivo, como herói e de origem divina. Por outro lado (...) ele é um homem como os outros, é terreno, mortal e coletivo”  (NEUMANN, 1968, p.110.). Ainda a respeito do desenvolvimento do culto ao herói, Jung afirma que:

 

Como indíviduo, o homem é um fenômeno cujo direito a existência cabe contestar sob um ponto de vista biológico, já que biologicamente o individuo só tem sentido como ser coletivo ou como parte integrante da massa. Mas o ponto de vista cultural concede ao homem uma significação que o separa da massa e que no correr dos séculos conduz a formação da personalidade, com a qual se desenvolveu conjuntamente o culto ao herói. (JUNG, 1993, p.08.) 

 

De forma semelhante as sociedades cultuam seus artistas. A importância da figura do artista é simbólica. De acordo com este princípio, Eliade (1963) estabele que o mito possui a finalidade primordial de fixar os modelos exemplares de todos os ritos e de todas as ações humanas, conferindo significado e valor à existência. Partindo dessas questões é possível compreender o interesse despertado em torno da figura do artista ao longo dos séculos.

De acordo com Vargas, os mitos e manifestações artísticas representam a necessidade humana de encontrar sentido para a própria existência. A análise hermenéutica dos discursos dos artistas pretende desvendar de que forma estas figuras se tornam culturalmente importantes. Para compreender esse fenômeno é preciso estabelecer reflexões de aspectos sociológicos, estruturalistas e também relacionados a antropologia, psicologia e filosofia, especialmente em sua vertente fenomenológica, que concebe que a linguagem artística nunca chega a cortar suas origens com o pensamento mítico, tornando todo o discurso artistíco, essencialmente um discurso repleto de mitologia. 

É preciso compreender que o processo de contrução de identidade artistica ocorre sob dois processos simbólicos:

 

Um é o processo de identificação ou negação dos indíviduos com a figura simbólica do herói. Outro é a identificação do pretenso artista com as práticas e atitudes reconhecidas como artísticas pelas coletividades de inserção do indivíduo (e de outras coletividades que o artista deseja se inserir) (VARGAS p. 28)

 

Dessa maneira, é possível comprerender que o mito do artista existe para que o mesmo se torne um personagem heróico, atuando assim como símbolo de transcendência.

O objetivo do herói é promover sempre uma ação que beneficie a sociedade, em um nível físico (guerreiro) ou espiritual (asceta), sendo que o guerreiro usualmente atua para provocar uma modificação concreta e social, enquanto o asceta busca provocar uma reflexão interior, mas sempre em direção ao benefício coletivo. Nesse sentido, a verdadeira obra de arte é considerada aquela em que o artista vivencia a experiência simbólica do seu heroísmo. Estes ideais permeiam também os discursos dos artistas, permitindo a compreensão dos papéis heróicos que são almejados pelos mesmos.

Nesse contexto, o teatro de grupo configura um objeto de estudo desafiador, uma vez que se baseia não em uma identidade individual, mas sim, na construção de uma identidade coletiva permeada pelas diversas personalidades de seus integrantes. Sendo a mitologia do herói primordialmente baseada na análise da figura individual, é pertinente pensar de que forma esta idéia perpassa a questão da construção de uma identidade heróico-artística grupal. Uma alternativa possível é promover a análise contextualizada dos diversos integrantes do grupo de acordo com suas funções ou mesmo do material publicado em nome do grupo, configurando uma criação identitária coletiva, de forma que este discurso se sobrepõe à questão das individualidades.

O teatro de grupo[31] constitui uma categoria de organização e produção teatral em que um núcleo de atores movidos por um mesmo objetivo e ideal realiza um trabalho em continuidade e, estende sua atuação a outras áreas, à própria concepção do projeto estético e ideológico, criando uma linguagem que o identifica.

A prática teatral coletiva não constitui uma modalidade específica, uma vez que o teatro é uma arte que exige inexoravelmente a pluralidade de relações. Enquanto as artes plásticas, em geral, são solitárias, o teatro além de ser produzido coletivamente, para se concretizar como arte exige a presença de espectadores. A formação de companhias surge, então, como uma estratégia de sobrevivência. Portanto, o ‘teatro de grupo’, aqui qualificado, não é uma mera organização coletiva, mas sim um contraponto artístico (e mesmo heróico) ao teatro comercial vigente.

A seguir, a análise da entrevista com Roberto Mallet discorrerá sobre duas camadas: uma relacionada à construção mitológica da figura artística do próprio Mallet, e outra que busca perceber como ele se posiciona em relação ao fenômeno cultural do teatro de grupo, fornecendo informações de como concebê-lo mitologicamente.

Roberto Mallet é diretor e ator do grupo Tempo, sediado na cidade de São Paulo e fundado em 1992. De acordo com o endereço virtual do grupo (GRUPO TEMPO, 2007) a principal linha de trabalho desenvolvida tem sido a reflexão teórica e prática sobre teatro, arte e filosofia, tendo a poética da ação teatral como questão central.

Ao longo da entrevista esses ideais ficam claros nas falas do diretor do grupo. A busca por levar esse trabalho reflexivo ao público, fazendo-o questionar-se sobre sua própria existência aparece como uma constante, configurando no discurso a reprodução de uma importante característica heróica: a ação em beneficio da coletividade.

 

Acho o Galpão um grupo coerente. Eles fazem teatro para um público. (...) eu acho que eu faço também. As pessoas não gostam do teu trabalho quando não é popular. Mas não é porque não é popular. É porque você está falando umas coisas que elas não querem ouvir. “Ah, então o problema é seu, mas eu estou falando disso para o seu bem, você vai morrer.”[32] (MALLET, 2005, p.63)

 

Ainda nesse pequeno trecho outra característica de Mallet fica evidente: o aspecto contestatório. Este aspecto permeia a entrevista apontando para três importantes mitemas: o do exílio/abandono, o da marginalização social e o domínio das armas relacionado à inteligência, sendo estas características mitológicas observáveis no entrevistado.

O exílio/abandono é representado pelo isolamento do herói e sua conseqüente marginalização social. Este isolamento possui dois aspectos opostos: por um lado fere e por outro protege, pois permite que o herói desenvolva sua prática livre de influências de seu meio social, além de ressaltar sua natureza “única”. “Estes mitemas auxiliam os artistas a aceitarem com mais naturalidade as dificuldades (econômicas, de convívio social, políticas, etc.) de sua escolha de vida” (VARGAS, p. 94)

Ao comentar a prática de pesquisa no teatro de grupo afirmando ser esta completamente oposta à lógica vigente, Mallet evidencia o mitema citado acima: “É nadar contra a corrente, se você quiser de fato, manter princípios, processar tudo com tempo pra chegar numa obra, você está nadando contra a corrente.” (MALLET, 2005, p. 59).

O mesmo ocorre em sua exposição a respeito da ideologia de que quem ousar discordar do que é unânime é “exilado”, mitema que retoma diversas vezes:

 

Existe uma certa censura, só que essa censura já está internalizada na gente. Não é mais preciso proibir porque ninguém fala mesmo. A própria comunidade se encarrega de coibir qualquer um. Ela simplesmente o expulsa do seu convívio. (...) É uma estrutura de bode expiatório. (...) É você ou fulano que é expulso da comunidade, que é castigado pra que ela seja purificada, etc.” (MALLET, 2005, p.52)

 

A esse respeito é interessante notar também que Tadeusz Kantor[33] surge como mestre, um modelo a ser seguido, cuja exclusão no meio cultural promove uma espécie de identificação ainda maior no entrevistado: “Como é possível que o Kantor seja tão mal conhecido nesse país? Um cara que revolucionou a cena contemporânea e que fez coisas admiráveis.” (MALLET, 2005, p.58)

Neste contexto o discurso de Mallet evidencia a sua relação com o mitema do domínio das armas, promovendo uma demonstração de habilidade ligada à luta heróica, apontando especificamente para dois aspectos: a inteligência e o humor, expressos por meio de uma atitude constantemente contestatória, como fica evidente na fala a seguir:

Tem outra influência muito forte que vem da França que é a filosofia pós-moderna, o Derrida, o Deleuze, que fizeram uma crítica à história da filosofia. O Foucault. Foucault “neguinho ama”. Estes caras, se você tomar, por exemplo, um Deleuze, um Derrida, um Foucault, eles estudaram toda a história da filosofia, e fazem uma crítica a ela, a Platão particularmente, a Aristóteles, a Sócrates, enfim, Hegel, Descartes. Os nossos estudantes, os nossos doutores, inclusive, eles estudaram Derrida, Deleuze. Eles não estudaram Platão, Aristóteles. Você precisa de muitos anos de vida pra estudar estes caras. (MALLET, 2005, p.53)

 

Em resumo, os aspectos acima citados indicam que a construção mitológica da figura artística do próprio Mallet evidencia-se no sentido da personalidade asceta, que pretende transfigurar habilidades, permitindo que a sabedoria conquistada na jornada heróica seja apresentada à humanidade para transformá-la, espiritualmente ou existencialmente.

A outra vertente desta análise do discurso de Roberto Mallet busca perceber a sua posição sobre o fenômeno cultural do teatro de grupo. As informações coletadas na entrevista identificam a associação do projeto do teatro de grupo com a jornada heróica da ação em benefício do outro, o que se torna claro na afirmação de Mallet: “Se você quer ter prazer fazendo teatro, abandone esta porcaria. Agora se você quer dar prazer pros outros, pro público, aí sim. Teatro é feito pro público.” (MALLET, 2005, p.63)

Nessa direção os apontamentos de Mallet possibilitam identificar algumas relações entre a mitologia artística e o teatro de grupo. Por exemplo, a construção de uma identidade poética coletiva por meio do treinamento, que pode representar a busca pelo aprendizado heróico, é evidenciada na seguinte fala:

A idéia de continuidade e, portanto, de uma construção, vamos dizer assim, de uma identidade poética que depende também da questão do treinamento, que depende da continuidade do trabalho, enfim, acho essa uma característica fundamental (do teatro de grupo). Porque, se você pega o Teatro de Elenco pra gente contrapor ao Teatro de Grupo, você não tem esse espaço (MALLET, 2005, p. 49)

 

A partir dela é possível estabelecer ainda uma nítida distinção entre o teatro de elenco, e o teatro de grupo, permitindo indicar que este último possui características que o classificam como marginal, que neste caso representa a permissão de um espaço maior para a criação.

Outro objeto interessante de análise mítica no contexto do teatro de grupo é a figura do diretor. A esse respeito Mallet aponta um caminho interessante ao discutir a idéia de processo colaborativo:

Você tem um diretor. Entretanto, o grupo inteiro, incluindo cenógrafo, dramaturgo, etc, cria a própria encenação do espetáculo, então essa figura do diretor não tem uma responsabilidade pela concepção do espetáculo. Quer dizer, pelo menos é esse o discurso. Eu não acredito muito nisso porque quando eu vejo um espetáculo eu vejo que a cara do Tó [Antônio Araújo][34]. Eu acho que eles têm idéias comuns, eles têm projetos comuns, mas não há dúvida que a mão da encenação é muito forte. (MALLET, 2005, p.49)

 

Indicando que a identidade coletiva do grupo surge inevitavelmente das motivações individuais, especialmente a partir do diretor, que ora assume a posição de mestre, direcionando o trabalho, ora a de mais um elemento no processo de criação dessa identidade.

Estas características apontam para uma manifestação coletiva da jornada heróica, o que poderia ser ratificado por outras análises envolvendo os discursos dos outros artistas do grupo e da trajetória desenvolvida pelo mesmo.

Concluindo, a técnica metodológica que explora o mito do herói no discurso do artista possibilita identificar as associações simbólicas que partem do inconsciente coletivo e se materializam em crenças e práticas que incorporam as características míticas pertencentes às divindades.

A identificação com o mito do herói nas produções artísticas é oportuna para aqueles que, em seu trabalho individual ou em grupo, podem se apropriar deste recurso para evoluírem em suas práticas e mesmo em suas vidas pessoais. O mito nos permite vislumbrar possibilidades e ajuda a compreender melhor papéis e funções quando inserido em um contexto específico. Especialmente a função do artista, que necessita acima de qualquer outra qualidade heróica, promover a sua prática em direção ao benefício coletivo.

De fato, o objetivo heróico de promover uma ação que beneficie a sociedade é um mito que permeia quase todo o comportamento ético das diversas atividades humanas, tanto em seu nível físico (guerreiro) quanto no nível espiritual (asceta). Sendo possível evidenciar a partir da análise da prática artistica a sua essencialidade na compreensão das ações humanas, especialmente no que concerne a busca por um sentido de existência pleno.

  

Referências Bibliográficas

 

ENCICLOPÉDIA DE TEATRO. Disponível em https://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_teatro/index.cfm?fuse  action=conceitos_biografia&cd_verbete=69. Acesso em 10/06/2007, 11:40:33.

GRUPO TEMPO. Disponível em: <https://www.grupotempo.com.br> Acesso em 10/06/2007,  10:30:40.

HORN, Maria Lucila.  Mito de artista: o discurso da cultura. 2006. 122 p. Dissertação. Mestrado em Educação e Cultura-Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2006.

JUNG, C.G. Símbolos de transformación. Barcelona: Paidós, 1993.

MALLET, Roberto. Entrevista concedida a Daniel Oliveira da Silva. São Paulo, junho de 2005. Entrevista

MIRCEA, Eliade. Aspectos do mito. Perspectivas do homem. Lisboa: Edições 70, 1963.

NEUMANN, Erich. História da Origem da Consciência. São Paulo: Cultrix, 1968.

VARGAS, Antônio. A Arte do Mito: Considerações sobre a influência da mitologia artística. (Apostilha de disciplina não publicada)

  

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MITOLOGIA E IDENTIDADE ARTÍSTICA: UM ESTUDO DA PRESENÇA DE MITEMAS HERÓICOS NO DISCURSO DE PAULO PASTA E DA CRÍTICA CONTEMPORÂNEA.[35]

 

                                           Antonio Carlos Vargas Sant’Anna[36], Renata Amabile Patrão[37]

 

 

 

Palavras-chave: Mitologia artística – mitologia heróica – Paulo Pasta

 

Resumo: O presente artigo fundamenta-se na Hermenêutica Simbólica do Círculo de Eranos para realizar a análise e reflexão sobre a negação ou afirmação da mitologia heróica no discurso do pintor Paulo Pasta e críticos, verificando-se como o mito do herói serve de mediador na construção da identidade artística e na aceitação e interpretação da obra de arte.

 

 

Ao longo do processo de secularização da arte, a obra sofreu uma perda de potência simbólica, decorrente do não reconhecimento de sua natureza divina. Como estratégia compensatória, verificou-se um deslocamento das características míticas da obra, projetadas agora sobre o autor, configurando-se o mito do artista. Deduz-se, portanto, que o mito exerça um papel determinante na aceitação ou rejeição de comportamentos artísticos, uma vez que media a construção e interpretação da obra de arte.

            A pesquisa foi fundamentada epistemologicamente na Hermenêutica Simbólica e no entendimento do conceito de símbolo e mito utilizado por pesquisadores vinculados ao Círculo de Eranos, como o antropólogo francês Gilbert Durand.

            Durand (1988, p. 15) define o símbolo como “a epifania de um mistério”, uma vez que este remete ao não-sensível em todas as suas formas – inconsciente, metafísica, sobrenatural e supra-real. Em função de sua inadequação fundamental – uma vez que nunca atinge um objeto – o símbolo opera através da redundância, entendida como repetição aperfeiçoadora. Por meio de aproximações acumuladas, a redundância é significativa do mito. Daí a formulação metodológica centrada na compreensão do relato mítico inerente à significação de todo discurso como possibilidade de aproximação da obra, considerando-se que esta também é símbolo.

            Nesta concepção de mundo, o conhecimento do homem começa pelo conhecimento dos deuses e da mitologia como relato de uma história sagrada, atemporal e exemplar, sobre a qual se modela, por repetição, todo acontecimento histórico. Através do conhecimento dos deuses o homem pode chegar ao auto-conhecimento, em virtude das similitudes existentes entre o humano e o divino.

            Segundo Durand (1997), o mito é um sistema dinâmico de símbolos que, sob o impulso de um esquema, tende a compor-se em narrativa. A partir desta concepção, Luis Garagalza (1990) afirma que toda obra deve ser compreendida como um universo que ordena e articula valores e, por serem esses valores de procedência numinosa[38], a compreensão exige uma referência explícita aos grandes mitos, nos quais se implica a numinosidade última. Os deuses intervêm no mito como potências antagonistas personificadas, protagonizando uma história exterior ao tempo, podendo por isso atualizar-se em cada presente. Integrados em mitemas – menor unidade do discurso miticamente significativa, segundo definição antropológica –, os símbolos não esgotam sua significação na seqüência linear da narrativa, agindo pela redundância. Daí a necessidade de uma análise sincrônica dos mitemas inerentes ao relato mítico.

Dentre as narrativas encontradas nas diferentes culturas humanas, os mitos heróicos configuram como as de maior impacto. Em uma introdução ao mito dos heróis, Junito de Souza Brandão (1997) apresenta a trajetória heróica de forma didática e esquematizada, fornecendo uma síntese de suas atividades e características fundamentais. Este ser singular é acompanhado do nascimento à morte, passando pelas importantes etapas de iniciação e aprendizado. Um dos símbolos mais importantes existentes, a vivência heróica emociona porque, apesar de possuir uma origem divina e realizar feitos singulares, o herói também sofre e possui uma existência finita. Porém, ao empreender sua jornada, ele transcende sua condição humana e reverte suas conquistas à comunidade, justificando sua existência.

O método de pesquisa foi adotado a partir da hipótese de que, tanto a definição do resultado da ação artística como Arte, quanto a definição do objeto simbólico, possuem a mesma raiz. Confrontando-se os mitemas identificados no discurso de artistas e críticos com as categorias de heroísmo, foi possível comprovar o redobramento do mito do herói no mito do artista, uma vez que “o mito do artista existe e é necessário porque o artista, [...] enquanto personagem heróico, é símbolo.” (VARGAS, 2004/2005, grifo do autor).

Em um primeiro momento, realizou-se a análise de discurso do pintor paulista Paulo Pasta e de textos de críticos contemporâneos, efetuando-se a decomposição dos mitemas que constituem a sincronicidade mítica do relato. A escolha de Pasta foi determinada pela sua intensa atividade e comprovada inserção no circuito artístico oficial. Foram utilizadas entrevistas e declarações coletadas em sites, livros, vídeo e DVD dedicados ao artista.

Posteriormente, realizou-se a confrontação dos motivos redundantes encontrados nos relatos com as principais categorias de heroísmo, tomando como referência os estudos sobre o mito do artista na cultura ocidental. Considerando-se que o mito atua através da estratégia de “sobreposição” de conteúdos, as categorias heróicas foram substituídas por um conjunto de características e imagens míticas historicamente associadas ao artista que, conseqüentemente, possuem uma representação simbólica.

            Como resultado, verificamos que a decomposição dos relatos coletados e a posterior confrontação com as principais categorias de heroísmo confirmaram a presença de mitemas heróicos no discurso de Paulo Pasta e da crítica. Os relatos recorrem aos mitemas de nascimento ao fazer referência a fatos importantes ocorridos na juventude de Pasta – convívio do artista ainda menino com a obra de familiares, a promessa prematura de ser pintor e o abandono relacionado com o período anterior ao aprendizado e à realização da ação heróica. Seguem-se os mitemas relacionados ao chamado, indicando um momento de revelação, onde o pintor toma conhecimento de sua verdadeira natureza.

Ao aceitar o chamado, o pintor inicia a jornada heróica-artística propriamente dita, iniciando o aprendizado. Os mitemas que valorizam a destreza do herói no domínio das armas passam a enriquecer a narrativa através de relatos que indicam o domínio dos recursos plásticos utilizados por Pasta.

            Assim como o mitema de domínio técnico, os mitemas de superação do mestre também são freqüentes, simbolizados na mediação da obra de Pasta com Volpi e Morandi. O acréscimo de conhecimento, obtido na medida em que o artista recorre aos ensinamentos dos mestres e supera-os, é lido como uma contribuição para a melhoria da coletividade.

            A realização da ação heróica e consqüente melhoria coletiva é resultado de um esforço árduo e muito sofrimento.  Esforço e sofrimento transformam-se em luta, na medida em que Pasta revela sua obstinação em insistir com a pintura, apesar desta já ter sua “morte” decretada. A obstinação pode caracterizar um comportamento heróico-artístico: ao aceitar o desafio da jornada, o herói abdica de seus caprichos individuais e dedica-se a uma causa maior, o que justifica a obsessão no exercício das práticas.

A destreza de Pasta passa a realizar-se pelo domínio das armas interiores (espirituais), associada a imagens relacionadas com as metamorfoses, com as transmutações alquímicas, com a idéia de experimentação e transformação. O poder de transformar o banal em singular é reconhecido e valorizado, uma vez que a verdadeira façanha heróica consiste na reprodução em linguagem mundana dos ensinamento do reino sagrado. O artista cumpre o objetivo final da trajetória heróica quando consegue  transfigurar a sabedoria conquistada e apresentá-la para a humanidade, auxiliando  àqueles que continuam presos ao seu tempo e espaço a transformar suas vidas.

Assim como o herói, Pasta simbolicamente empreendeu uma árdua jornada, superou seu egoísmo humano e teve o direito de conhecer os segredos dos deuses. Ele está pronto para retornar e compartilhar o que aprendeu, garantindo à comunidade sua renovação e transformação.

A verificação da presença de mitemas heróicos no discurso de Pasta e da crítica contemporânea comprova a influência da mitologia nos processos de construção da identidade artística. O mito continua vivo e atuante, servindo de base sobre a qual se estrutura a imagem do artista. A mitologia ensina que a obra de arte é símbolo e, como tal, requer revelação. O artista, enquanto símbolo, possibilita a manifestação desse mistério ao transfigurar o comum em singular. O mundo, agora transformado, pode testemunhar a epifania que denominamos Arte.

 

 

Referências

 

BRANDÃO, J. de S. Mitologia grega. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1997. v. 3.

DURAND, G. A imaginação simbólica. São Paulo: Cultrix, 1988.

________. As estruturas antropológicas do imaginário: introdução à arqueologia geral. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

GARAGALZA, L. La interpretación de los símbolos: hermenéutica y lenguaje en la filosofía actual. Barcelona: Anthropos, 1990.

OTTO, R. O sagrado. Rio de Janeiro: Ed 70, 1992.

VARGAS, A. Do valor da prática à prática de valor. PONTO DE VISTA, Florianópolis, n. 6/7, p. 11-25, 2004/2005.

  

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UMA LEITURA DOS “EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS”[39]

 

 

 

                                               Edélcio Mostaço[40] e Camila Aschermann Mendes de Almeida[41]

 

 

 

Palavras Chaves: Jesuítas, Exercícios Espirituais, Teatralidade, Disciplina

 

RESUMO: Esse artigo emprega o conceito de teatralidade para efetivar uma leitura dos Exercícios Espirituais, obra de Ignácio de Loyola destinada à evangelização e articulada como um treinamento corporal. Emprega ainda, a partir de sugestões de Michel Foucault sobre disciplina, reflexões sobre as relações sociais que marcam tais práticas.

           

                                                                                                                          i.      Exercícios Espirituais

 

            Ignácio de Loyola (1491/1556), autor de Exercícios Espirituais, foi um dos fundadores da Companhia de Jesus. Os Exercícios Espirituais datam de 1538 e estabelecem um conjunto de normas e procedimentos vinculados à prática de orações, visando o exame de consciência. É um processo que envolve corpo e mente, constituindo-se num treinamento orientado, onde o praticante é supervisionado pelo ministrante, o único que tem acesso ao texto dos Exercícios Espirituais. Enquanto dinâmica encontramos, então, uma pessoa que orienta e transmite as experiências e exercícios (ministrante) e outra que, seguindo as orientações, coloca-se no processo da experiência, reflexão e avaliação com o objetivo de superar suas dúvidas.

            Os métodos empregados visam potencializar a capacidade de interiorização, através da distribuição espacial, horários, prática de orações  e posturas corporais, servindo como modelo para o método pedagógico da Companhia de Jesus. O autor divide os Exercícios em quatro semanas, entendidas como etapas de conteúdos a serem absorvidos pelo exercitante, antes de passar para a semana seguinte. São elas:

 *Primeira Semana – eliminar da alma as deformações causadas pelo pecado, reconhecer a desordem criada por ele em nossa vida; a imagem sugerida por Loyola é a do Salvador Crucificado.

 *Segunda Semana – convite a revestir Cristo e sua armadura, tempo de opção do estado de vida, questionando como seguir Cristo.

*Terceira Semana – fortalecer os propósitos de adesão a Cristo, por meio da contemplação; conformando-se com as opções tomadas, como a obediência a Cristo até a morte na cruz.

* Quarta Semana – a vida do Ressuscitado (a morte de Jesus coincide com o começo do Cristianismo) é a esperança de quem faz os Exercícios nessa etapa. Ao final das quatro semanas, Loyola propõe uma contemplação para alcançar o Amor puro de Deus.

            Os Exercícios apresentam uma estrutura textual em dois níveis. O primeiro é dirigido ao ministrante do retiro, representando o nível literal da obra, a sua natureza objetiva e histórica. O segundo texto é dirigido ao exercitante, onde a relação entre os dois interlocutores é de doação, implicando crédito da parte de um, e neutralidade e auxilio por parte do outro. Esse texto usa o mesmo conteúdo que o primeiro, como se um apresentasse o discurso e o outro a argumentação, que pode ser tomada como um texto semântico. Nos dois casos, temos o diretor do retiro como um agente comum, sendo destinatário em um caso e doador em outro. Do mesmo modo, o exercitante será, simultaneamente, receptor e emissor, após ter recebido o segundo texto. Após esta recepção temos ainda um terceiro texto, composto pelas meditações, gestos, práticas posturais e abstenções sugeridas pelo diretor, a parte prática dos Exercícios. Esse terceiro texto se dirige à divindade, através de orações específicas, pedindo que  receba a mensagem, essencialmente alegórica, pois é produto de imagens e imitações. Há ainda um quarto texto, que pode ser considerado analógico, uma vez que é necessário remontar, sucessivamente, da letra dos Exercícios a seu conteúdo e depois à sua ação, antes de atingir esse sentido mais profundo, o signo manifesto pela divindade, como um sinal de que “recebeu” as orações do penitente.

 

Texto Literal

Texto Semântico

Texto Alegórico

Texto Analógico

Inácio

 

 

 

O diretor

o diretor

 

O exercitante

o exercitante

 

 

a divindade

a divindade

 

 

o exercitante

 

Essa estrutura dilatória deve ser mantida, uma vez que os Exercícios não devem ser conhecidos pelo exercitante, especialmente a seqüência dos eventos, sendo ele ator de um enredo cujos elementos lhe vão sendo fornecidos pouco a pouco, gerando a primeira incerteza. A segunda incerteza é se a divindade receberá a “língua” do exercitante e dar-lhe-á, em troca, outra “língua” para decifrar. É por causa dessas incertezas estruturais, previstas e pretendidas pelo sistema, que o texto dos Exercícios é dramático. Segundo Barthes, o drama está, neste caso, contido na interlocução.

Ignácio de Loyola buscou elaborar uma técnica de interlocução, uma nova “língua” circulando entre a divindade e o exercitante. Esse trabalho lingüístico é tanto retórico quanto místico, uma vez que também a retórica almeja um código segundo, uma linguagem artificial. O que se pretende construir é uma língua de interrogação, o que confere aos Exercícios sua originalidade histórica, uma vez que, até então, a única preocupação dos sacerdotes era fazer cumprir a vontade divina. Essa língua compreende dois códigos, o da pergunta dirigida pelo homem à divindade e o da resposta da mesma. O código da pergunta está nas orações previstas nos Exercícios, enquanto o da resposta no diário escrito pelo exercitante, como o conjunto de sinais que recebeu, conformando dois sistemas correlatos.

Segundo Barthes, o imaginário de Ignácio é pobre, mas a imaginação despertada é bastante cultivada, forte, repleta de signos, o que permite fabricar unidades que são imitações, afastando imagens estranhas.

 

“Durante as refeições, considerar Cristo Nosso Senhor, como se o víssemos comer com seus apóstolos, a sua maneira de beber, de olhar, de falar, e esforçamo-nos por imitá-lo”. [42]

 

            Os Exercícios operam uma separação sistemática, classificada como discernimento, onde todos os momentos são divididos, limitados, avaliados, diferenciados, classificados, numerados em anotações, meditações, semanas, exercícios. Pretende-se atingir o signo da divindade, mais que o seu conhecimento ou presença. Loyola faz essas separações por unidades temporais (semanas, dias, momentos), oratórias (exercícios, contemplações, meditações, exames, colóquios, preâmbulos, orações), metalingüísticas (anotações, adições, pontos, maneiras, notas). A imagem deve ser transportada através dessa rede de discernimentos, constituindo uma unidade de imitação, cujas divisões nos permitem imaginar um círculo, ocupado por completo.

 

“Esta unidade não é imediatamente narrativa, sozinha não constrói forçosamente uma cena completa, mobilizando, como no teatro, vários sentidos ao mesmo tempo: a imagem (a imitação) pode ser puramente visual ou puramente auditiva, ou puramente tátil, etc”. [43]

 

 

                                                                                                                        ii.      Teatralidade nos Exercícios Espirituais

 

 

Para compreender os Exercícios Espirituais como portadores de elementos do sistema teatral, foi necessário o alargamento do conceito de teatro, embasado pelas considerações de Josette Feral sobre a teatralidade. Aprofundar tal visada e suas implicações levou-nos à assimilação mais ampla das relações entre o teatro e a vida. Vejamos, portanto, algumas considerações sobre a teatralidade para, logo após, refletir sobre tais aspectos nos Exercícios Espirituais.

O termo teatralidade remete ao fenômeno da recepção, ao modo como o sujeito vê algo, decodifica os signos apreendidos e constrói a mensagem contida no código. A teatralidade afeta tanto o sujeito quanto o objeto percebido, através de uma codificação de linguagem, fenômeno que remete à nossa condição de sujeito.

Entendendo-se o real como o que ocorre na realidade, aquilo que não é ficção, o vínculo entre teatro, teatralidade e vida, pode ser mais bem apreendido. O ato cênico, por empregar corpos de atores, objetos e outros recursos materiais, é um evento primariamente inscrito no real, com o qual opera e cria vínculos. A ficção a que remete é uma instância segunda, dele emanada ou sugerida, daí existir um duplo estatuto cercando todo ato teatral: ele é real, mas também é ficção. Ele apresenta ações que acontecem aqui e agora, ações concretas (ainda que imaginárias) que o espectador pode ver e ouvir, ações presenciais. O teatro recorre a materiais existentes no mundo, que nos levam a percebê-lo como uma representação da realidade, tomando, ao ser considerado em sua dimensão ficcional, outro estatuto: o da presença de uma ausência. Ou seja, o que adensa o problema é saber que estamos, simultaneamente, diante de uma representação e de uma imitação.

            A teatralidade, como uma instância interpretativa do espectador, por não se restringir ao teatro, mas nele encontrar sua melhor e mais reconhecível manifestação, pode ser percebida mesmo no cotidiano, se apresentar pelo menos uma das seguintes características: um objeto, pessoa ou ação que intencionalmente busque produzir ou causar um efeito; ou, então, quando o espectador ali flagrar um comportamento que busque produzir um efeito. Por exemplo, um médico ao receber um paciente no consultório irá preocupar-se com a impressão causada, buscando conquistar a confiança e a tranqüilidade do outro, mesmo quando o quadro clínico seja grave ou preocupante. Temos aqui não uma representação, mas um acting onde o real está controlado, buscando um efeito sobre o interlocutor. Essa e outras situações de teatralidade na vida cotidiana foram extensamente estudadas por Erving Goffman em A representação do eu na vida cotidiana.      

Para Feral, é através desse processo que a teatralidade invade o cotidiano. Os indivíduos comportam-se como atores, desempenham papeis, determinados por forças sociais, psicológicas e naturais. De acordo com a situação, podemos ser espectadores dos outros ou espectadores de nós mesmos, estamos dentro e fora da representação. A teatralidade não pertence somente ao âmbito da realidade mas inclui também os sonhos e o imaginário, e é entre essas duas dimensões que a noção de teatralidade sinuosamente se produz.

Tais pressupostos, tomados em relação aos Exercícios Espirituais, evidenciam seu âmbito extra-religioso, onde os quatro textos antes referidos conformam uma grade de representações entre um olhar e um olhado. Por outro lado, existem correlações entre as funções do diretor teatral/ministrante e o grupo de atores/exercitantes. Em ambos os casos, as relações são feitas em etapas que devem ser ultrapassadas para que novas tarefas sejam cumpridas. Os exercitantes/atores não sabem exatamente onde vão chegar e quais as metas finais dos diretores, acreditando estarem num processo de criação livre e individual, quando na verdade são guiados para resultados por ele estabelecidos.

            Como observado, o terceiro texto dos Exercícios, composto por meditações, gestos e práticas corporais sugeridas pelo diretor, é produzido por imagens e imitações. Encontramos aqui uma nítida evidência de teatralidade. Crente ou leigo, o exercitante está produzindo imitações, subsumidas como religiosas ou não.

 

A Disciplina

 

Entendendo-se os Exercícios Espirituais como uma pedagogia evangelizadora, uma disciplina é necessária para orientá-los. Importante também é saber qual é o real objetivo das práticas propostas, para que possa discernir o sentido dessa disciplina. Para esclarecer tais questões torna-se interessante invocar os conceitos trazidos por Michel Foucault em sua obra Vigiar e Punir.  

            Para um disciplinamento eficaz é importante a distribuição dos indivíduos. Tal distribuição exige um local especificado e delimitado e sua importância está na ocupação desse espaço, evitando grupos e coletivos, priorizando um estar celular. Com este estabelecimento e conhecimento da localização do indivíduo, notar suas ausências e atitudes fica mais fácil. Outra regra é codificar o espaço que a arquitetura deixou pronto para vários usos, gerando assim lugares determinados, que servem para criar um espaço útil, facilitando a vigilância. Assim, cada pessoa vai se definir pelo lugar que ocupa, e não pela sua individualidade. Torna possível o controle de cada um e, ao mesmo tempo, o trabalho simultâneo de todos.         

 

Vejamos o exemplo da ‘classe’. Nos colégios jesuítas encontrava-se ainda uma organização ao mesmo tempo binária e maciça: as classes, que podiam ter até duzentos ou trezentos alunos, eram divididas em grupos de dez; cada um desses grupos, com seu decúria, era colocado em um campo, o romano ou o cartaginês; a cada decúria correspondia uma decúria adversa. A forma geral era a da guerra e da rivalidade; o trabalho, o aprendizado, a classificação era feito sob a forma justa, pela defrontação de dois exércitos; a participação de cada aluno entrava nesse duelo geral; ele assegurava, por seu lado, a vitória ou as derrotas de um campo; e os alunos determinavam um lugar que correspondia à função de cada um e a seu valor de combate no grupo unitário de sua decúria”. [44]

 

            Temos aqui o primeiro resultado da disciplina: a construção de “quadros vivos” que transformam as multidões em células e as multiplicidades em organizações. Outro ditame de disciplina, importante para os Exercícios, é o controle das atividades. Na obra de Loyola, os exercitantes devem passar por fases e somente após ultrapassá-las podem mudar de atividade, recebendo as indicações das próximas semanas. Esse controle dá-se com o estabelecimento de horários, distribuição temporal das atividades, corpo e gestos postos em correlação, articulação corporal, não ociosidade. Esses processos de disciplinamento introduzem a relação entre o indivíduo e o grupo no âmbito da vida cotidiana:       

          

Durante séculos, as ordens religiosas foram mestras em disciplina: eram os especialistas do tempo, grandes técnicos do ritmo e das atividades regulares. Mas esses processos de regularização temporal que elas herdam as disciplinas modificaram. Afinando-os primeiro. Começa-se a contar por quarto de hora, minutos e segundos”. [45]

           

Foucault alerta para a organização da gênese como mais uma forma de disciplina. Podemos dividi-la em quatro processos, estabelecendo um paralelo com as semanas dos Exercícios: dividir a duração em segmentos, não misturando as instruções dadas; organizar as seqüências em um esquema analítico, combinando-os em forma crescente; finalizar os segmentos temporais, diferenciando as capacidades de cada individuo; estabelecer series de series, prescrevendo a cada um, de acordo com o seu nível, os exercícios convenientes.   

            Culminando esse processo, Foucault adverte sobre a forma de fabricar um corpo disciplinado, dócil: a composição das forças. Cujo efeito será elevado através da articulação combinada entre as peças elementares de que ela se compõe. A disciplina é vista agora como um a possibilidade de compor as forças para obter um aparelho eficiente. O corpo singular não é mais definido pela sua potência, mas pelo local que ocupa. Estamos diante de uma redução funcional do corpo, apesar de sua inserção num conjunto, como uma peça de uma maquina. O tempo de um indivíduo deve interferir ou se ajustar ao tempo dos outros, sugerindo que uma peça (individual) da máquina (coletivo) seja responsável pela aceleração das engrenagens, ou ainda, que não cause retardamento na maquina, ajustando-se ao conjunto. Essa engrenagem funciona combinando-se o comando das forças através de ordens, sem precisar evidenciá-las:  

Em resumo, pode-se dizer que a disciplina produz, a partir dos corpos que controla, quatro tipos de individualidade, ou antes uma individualidade dotada de quatro características: é celular (pelo jogo da repartição espacial), é orgânica (pela codificação das atividades), é genética (pela acumulação do tempo), é combinatória (pela composição de forças). E para tudo, utiliza quatro grandes técnicas: constrói quadros, prescreve manobras, impõe exercícios; enfim, para realizar a combinação das forças, organiza ‘táticas’”.  [46]

 

    Como observado, a prática dos Exercícios Espirituais pode ser classificada como uma teatralidade disciplinada, apta a produzir discursos inteiramente controlados e submetidos a resultados previsíveis. Ou seja, efeitos de discurso cujas características combinam uma pedagogia “suave” levada a cabo através de bem elaboradas técnicas disciplinares.

 

Referências

 

ALBUQUERQUE, José Augusto Guilhon; FOUCAULT, Michel. Michel Foucault e a teoria do poder. Tempo Social: revista de sociologia da USP. São Paulo: FFLCH/USP v. 7, n. 1/2, p.105-110, out. 1995.

BARTHES, Roland. Sade, Fourier, Loyola. Lisboa. Edições 70: s/d.

FERAL, Josette. Acerca de la teatralidad. Buenos Aires. Nueva Generación/UBA:  2003.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 27ª. Ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. 13º ed. Petrópolis: Vozes, 2005.

GAMBINI, Roberto. O espelho índio: os jesuítas e a destruição da alma indígena. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1988.

LOYOLA, Inácio de. Exercícios Espirituais. Porto Alegre, 1966.

CARDOSO, Armando. Autobiografia de Inácio de Loyola. 5. ed. São Paulo: Loyola, 1997.

KARNAL, Leandro. Teatro da fé: representação religiosa no Brasil e no México do século XVI. São Paulo: Hucitec, 1998.

LEITE, Serafim. Historia da companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro: INL, 1943.

  

XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

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As representações do feminino no Teatro

 de José de Anchieta[47]

 

                                                                       Edélcio Mostaço[48],Carla Ladeira Machado[49]

 

Palavras Chave: José de Anchieta, sexualidade, discurso, representação.

 

Resumo: Este artigo analisa as figuras femininas na dramaturgia de José de Anchieta, tendo por objeto a verificação das características associadas à sexualidade feminina e o seu papel no teatro transplantado para as Américas. Para tanto emprega alguns princípios teóricos de Michel Foucault, verificando como Anchieta caracterizou questões da sexualidade enquanto fenômeno de discurso e dispositivo disciplinar na catequese indígena.

 

 

 

            A autoria dos escritos anchietanos é polêmica[50]. Sem se estender sobre esse assunto, gostaria, no entanto, para efeito do estudo aqui empreendido, de considerar a importância desses autos, quanto à legitimidade e autoridade de que estão revestidos enquanto fundadores de um discurso. Para  Michel Foucault “não é preciso, pois, conceber o sujeito do enunciado como idêntico ao autor da formulação, nem substancialmente, nem funcionalmente”[51], salientando que, na ordem dos discursos, o importante é determinar qual é a posição que pode e deve ocupar o enunciado, e não, exatamente, sua autoria. Parto desse pressuposto para pensar a escrita sacra que legitima a fundação católica neste território recém-descoberto.

Diante dessa perspectiva,  o presente  trabalho ainda tomará como apoio teórico o estudos   de Brandão [52] e de Carvalho[53]. O primeiro,  ao tratar da importância da moralização de costumes  na fundação do discurso católico; e segundo, ao refletir questões a respeito da  mulher e o discurso de autoridade da igreja.  Assim, durante a  análise dos autos,  busco    refletir de que maneira  a sexualidade feminina[54] foi  colocada em discurso[55], na medida que  pretendia  combater os costumes “pervertidos” e exercer sua autoridade sobre os corpos indígenas.

Do conjunto dramaturgico de Anchieta vamos examinar dois autos, o Auto da Pregação Universal e Na visitação de Santa Isabel, selecionados pelas peculiaridades com que enfocam as figuras femininas, uma vez que podem exemplificar com especial destaque o uso do discurso.

Sendo assim, a análise vai privilegiar duas  representações distintas e de certa forma opostas, presentes nos autos, sendo que a primeira refere-se à mulher em sua simbologia associada à santidade, a partir das referências à Virgem Maria, em contraponto com a da mulher diabolizada, a partir das referências realizadas pelas personagens femininas ou mesmo através da personagem da Velha [56].

Se considerarmos as representações femininas  da Virgem Maria e da Velha como exemplos de como a conduta sexual deveria ser seguida, isso nos permite  pensar no valor pedagógico a elas atribuídos no âmbito das apresentações teatrais.

É importante destacar, também, como a invisibilidade da mulher nesse contexto, das quais as duas figuras selecionadas constituem os únicos exemplos, reforça o discurso coercitivo, através da exclusão. Cabe ressaltar que naquele momento existia a iniciativa da igreja em legitimar o seu poder enquanto representante oficial religioso, e a sexualidade, como nos esclarece Foucault, foi um importante instrumento de regulação social

O presente artigo está divido em dois itens: no primeiro será exposto, brevemente, vida e obra de José de Anchieta No segundo será realizada uma análise das figuras de Maria e da Velha indígena, identificando como a sexualidade surge associada às duas figuras. No terceiro item, procurarei refletir como a sexualidade, enquanto dispositivo moral, serviu para a legitimação da Igreja como a voz da autoridade, instaurando normas e valores a serem seguidos, construindo conseqüentemente um imaginário cultural indígena.

 

1. JOSÉ DE ANCHIETA , E OS COSTUMES “PERVERTIDOS” 

 

Jose de Anchieta (San Cristóbal de Laguna, 19 de março de 1534 – Iritiba, 9 de junho de 1597), ingressa na Companhia de Jesus, em 1551, e chega ao Brasil dois anos depois, em 13 e junho de 1553. A sua obra evangélica, e juntamente com ela a sua obra literária, é a mais significativa, escreveu uma gramática do tupi mais falado na costa do sul, poesia religiosa, épica, foi autor, também de cartas, informações, e autos religiosos.

Quanto á sua obra evangélica, no que se refere à sua atividade, o Padre Anchieta deparou-se com muitos obstáculos. O principal era o fato de os índios não conhecerem conceitos como tentação nem pecado. A catequese significava, portanto, entre outras coisas, alterar aspectos cruciais da organização familiar indígena, levando-os a abandonar seus usos e costumes “pervertidos”, como a antropofagia, a poligamia, a embriaguez, etc. 

A respeito das alterações de costumes  Leite diz :

 

Destros psicólogos, aproveitaram pois os Padres esta disposição inata dos Índios, aceitando deles, a principio, o ritmo e os instrumentos, mas trocando a letra e levando-os, pouco a pouco, à prática da religião e aos costumes portugueses, que se introduziriam assim sem violências escusadas. [57]

 

Brandão, ao analisar na prosa anchietana a ambivalência missionária, constatando o duplo projeto jesuíta de missionário e colonizador, também afirma:

 

Combatendo os costumes contrários à religião católica, compreenderam, no entanto, que deveriam adotar em relação aos elementos externos e secundários da cultura indígena uma política de tolerância para melhor conseguirem seus objetivos. [58]

 

Assim, utilizando a língua de origem dos indígenas, bem como a  dança, a música e os cantos indígenas, Anchieta estrategicamente introduziu os elementos essenciais do seu sistema.

 

[...] Anchieta também julgava que o problema da conversão dos nossos índios não era uma questão doutrinária, mas de moralização de costumes. Para a realização dessa tarefa seria necessário então, eliminar-lhes os “costumes inveterados” [59]

 

Vou partir desse pressuposto para analisar, a seguir,  nas peças teatrais o discurso religioso de Anchieta sobre a sexualidade, ao instituir os preceitos específicos cabíveis a um cristão. A igreja para buscar a autoridade nesses assuntos, restringindo a sexualidade ao seu domínio e controle, empregou como dispositivo importante a retórica ameaçadora, prometendo o Juízo Final a todos os que a transgredissem.

 

                                                                                                                      iii.      2. TEMATIZANDO AS FIGURAS FEMININAS NOS AUTOS

 

A velha representando os maus costumes e o saber a ser combatido pela igreja

            A essa altura, quero retornar a um ponto que citei há pouco, o pecado original, segundo o qual não bastava apenas situar os maus costumes dos índios, era necessário que estes conhecessem   a origem dos seus pecados, e a razão pela qual os desejos carnais por exemplo, eram condenados aos olhos de Deus.Tomando o primeiro ato de A Pregação Universal, percebemos a  introdução à  origem de pecado (pecado original) e a relação que é feita aos  pecados da Velha  e aos dos índios.

No primeiro ato é cantado a alegoria da história  do primeiro pecado, quando um moleiro (Adão), seduzido por uma mulher (Eva ou soberba) perde a sua veste de domingo (graça divina), roubada por um ladrão (o demônio).

Para a ideologia católica, Eva corresponde a figura feminina culpada pela perdição do homem. Por isso, ela se torna símbolo das impurezas e malefícios propagados pelo mundo.  Eva, em contraponto a Maria, também exemplifica como deveria ser o comportamento sexual dentro dos preceitos católicos, no entanto como foi dito, a escolha da Velha deu-se em função da sua maior ocorrência nos autos, o que confere a velha um maior destaque, e talvez Anchieta objetivasse  com isso sua aproximação (percebida nessa análise como representante do  pecado feminino ao desejo da carne ) com a realidade indígena.

            Seguindo a análise do auto, a respeito do II ato,  os diabos Guaixará e Aimberé mostram o mal que fazem no  Brasil. Entre os seus feitos mostrados em cena , a Velha índia  parece ter uma função específica nas tramas, pois é através dela e do cauim [60] que propiciam a bebedeira indígena que os diabos alcançam os  seus feitos, “As velhas tentam os seus com cauim que não acaba.”.

Em função da noção de pecado original, parece que a prática sexual é um dos elementos que se atribui à velha insuflar, “Com drogas do mato e figas, cuidando de ser amadas, fazem-se belas e amigas” e que, associados aos maus costumes, exprimem a presença do demoníaco. É importante notar que a sexualidade está diretamente relacionada com a bruxaria “As velhas são más de fato: Fazendo suas magias,  exaltam as fantasias ..” Parece que Anchieta remonta a antigos valores onde se associa a bruxaria às mulheres, seus hábitos em fazer feitiços para conquistar homens, o seu poder de sedução através de misteriosas poções e  a sua prática sexual corrompida. As velhas, desse modo, através  da bruxaria, ou melhor dos seus saberes mágicos e, conseqüentemente, do poder que lhes conferem seus corpos, seriam os veículos para a satisfação dos desejos. È sabido que no centro da moral cristã está sua total desconfiança com relação aos prazeres carnais, que mantêm o espírito prisioneiro do corpo, impedindo-o de elevar-se na direção de Deus.

Como elemento produzido num determinado contexto histórico-social, não podemos negar que o discurso de Anchieta, principalmente pelas intenções objetivadas, apresenta fortes vinculações com as preocupações que dominavam a mentalidade da época. Com uma quase total ausência de figuras femininas nas peças, porque a referencia às velhas? Não seria pela função espiritual que elas exerciam nas tribos, e que era percebida como uma ameaça? Sabe-se que os índios atribuíam aos idosos grande respeito, sendo eles os maiores responsáveis pela continuidade da tradição. No  Auto Diálogo do Pe. Pero Dias Mártir o diabo diz: “Elas não cessam seus ditos, Estão sempre discutindo:Os seus discursos malditos, Erguem calúnias e mitos,  a aos seus parentes ferindo”

Gostaria de ressaltar que através das falas dos diabos ações em torno da sexualidade feminina são sempre referidas nos  autos: “ E agridem moças sem modos eis que aí tudo se admite” (Na festa de São Lourenço); “Mesmo alguns têm seus prazeres em as ficar espreitando” (Na Aldeia de Guaraparim); referências estas que  remetem à sujeição da mulher enquanto objeto do prazer masculino. A personagem da Velha constitui, nesse sentido, uma exceção.

 

 

A igreja e as  representantes de Deus na terra

 

            Na maioria dos autos  podemos observar como Maria é associada a imagem de  interventora, mediadora e por conseguinte a grande evangelizadora. Para compreender essas representações em torno da Maria,  irei apontar brevemente  um  fato histórico, que parece ter importante relevância. Os séculos XVI e XVII foram marcados, na esfera religiosa, por inflamados embates travados entre católicos e protestantes, que não apenas criaram fronteiras religiosas entre os estados europeus como os opôs quanto a diversas questões de dogmas, e  a legitimação dos santos é um desses dogmas. A Reforma não aceitava qualquer espécie  de intermediação humana  na relação entre cada fiel e Deus, tal como pregavam os católicos, relações estas exercidas pelos santos e também por Maria, mãe de Jesus.

Com isso, a Companhia de Jesus, da qual José de Anchieta fez parte, foi um importante instrumento da contra-reforma, que objetivava a difusão da predica católica e a  legitimação do poder político religioso católico. Nos autos de Anchieta, se considerados como veículos para propagar a ideologia católica, é constante a presença de santos e  santas, e Maria nela ocupa grande destaque, como  temas dos  autos, e muitas vezes essas figuras aparecem nos autos como   intermediadores, encarregados de proteger os espaços demarcados com as  leis e o poder religioso da igreja católica, principalmente quanto às  ameaças religiosas. “ E por esta casa santa , que guarda sempre nas mãos, aos luteranos malsãos, com grande terror espanta, como aos Aimorés pagãos.”  (Na Visitação de Santa Isabel)

Voltando à figura de Maria,   as representações de interventora e medianeira de   Maria,  associam-se a uma a imagem feminina idealizada a suscitar imitação. No caso dos indígenas tal imitação associa-se estreitamente ao esforço de mantê-los dentro da nova religião que abraçavam. Sua castidade, sempre associada a adjetivos como bela e formosa, parece ser o elemento fundamental que a diferencia das demais figuras femininas, conferindo-lhe a mais fundamental das virtudes para suscitar normas em relação ao corpo e ao desejo.

Ao discutir a respeito da constituição da “Igreja doméstica”, Carvalho faz uma interessante comparação:

 

      A Igreja também identifica-se com Maria; ela é a mãe que zela por seus filhos na terra e também mestra, esposa de Cristo e mediadora sem a qual não havia possibilidade de acesso ao Pai. [61]

 

Verifica-se, portanto, que estamos diante de uma realidade maior, mais ampla do que a religiosa, que é a sociedade patriarcal, que reservava à mulher a condição de sujeição, no âmbito da Colônia

 

3. A SEXUALIDADE COLOCADA EM DISCUSSÃO

 

 Ao analisarmos a figuras da Velha e de Maria (ainda que não tenham uma relação direta com a ação dramática) verificamos que suas caracterizações instituem  dois paradigmas:

O primeiro deles através de adjetivos empregados - Bela/ Feia. Semanticamente esses adjetivos acumulam informações que tanto as descrevem quanto expressam um julgamento. São, portanto, um julgamento de valor, sendo a velha índia associada à negatividade e  Maria à positividade.

O segundo aparece constituído pelos substantivos: a Velha representando os gentios e Maria, o cristianismo . Esses substantivos, da mesma forma, expressam julgamentos de valor.

Ao identificarmos nessa construção discursiva tanto uma designação quanto uma valoração, percebemos nessas representações elementos poderosos de exemplificação a serem instituídos através da prática teatral. 

Temos, portanto, modelos de comportamentos sexuais apresentados aos indígenas no século XVI, pautados a partir de uma autoridade - a Igreja - como detentora de saber e de verdade a respeito das condutas humanas, a constituição de sujeitos aderidos à uma determinada ordem.

Assim, a  proposta de refletir a partir  um referencial foucaultiano, diz respeito ao quanto estas alusões teóricas têm ampliado a compreensão dos processos de subjetivação e, portanto, de constituição das identidades. Para se analisar o fenômeno da construção da identidade indigena através do teatro jesuíta no século XVI torna-se importante, nesse caso, levar-se em consideração a rede de formações discursivas que a ele está associada, mesmo quando se faz um recorte minimo como o aqui apresentado.

Foi possível, portanto, através dessa breve analise, identificar como tais relações discursivas apoiavam-se num saber específico, no conjunto doutrinal e teológico erigido para garantir a existência da igreja enquanto instituição,  na qual o  teatro ocupou relevante papel. Como, através dele, os significados associados à sexualidade foram manejados e produzidos, com inevitáveis implicações que reverberam até os dias de hoje.

   

BIBLIOGRAFIA

 

 

ANCHIETA, Joseph de. Teatro de Anchieta. São Paulo: Loyola, Originais acompanhados de tradução versificada, introdução e notas pelo P. Armando Cardoso S. J.  Obras Completas: 3° volume. Edições Loyola: São Paulo, 1977.

BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Catequese e colonização no discurso jesuítico. In: Barros. D.L.P (org.)  Os discursos do descobrimento. 500 e mais anos de discursos. São Paulo: EDUSP, 2000.

CARVALHO, Maristela Moreira de. Sexualidade, controle e constituição de sujeitos: a voz da oficialidade da Igreja Católica (1960-1980). Revista Esboços – Revista do Programa de Pós- Graduação em História da UFSC, Chapecó, v. v. 7, n. 9, p. 159-180, 2001.

GREGOLIN, Maria do Rosário Valencise. O enunciado e o arquivo: Foucault (entre)vistas. In: O enunciado e os Domínios da Linguagem: Discurso, poder, subjetividade.   p. 28

LEITE, Serafim.  História da Companhia de Jesus no Brasil. Tomo II. Livro I. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1999. p.101

TORRES, D.ra Magda Maria Jaolino Torres, As práticas discursivas da Cia. De Jesus e a emergência do “Teatro Jesuítico da Missão”  do Brasil no Século XVI. Tese em História. UnB: 2006.

  

XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

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A Técnica de Modelar o Vestuário e a Moda[62]

 

 

                                                                        Icléia Silveira[63]  Thais Callegari Fernandes[64]

Palavras-chave: ambiente, social, cultural, política

 

 

Resumo: O estudo tem como objetivo identificar o contexto social das décadas de 1900 à 1990. Optou-se pela pesquisa qualitativa e descritiva. Evidenciou-se que as características presentes no contexto social são incorporadas às tendências de moda. Todos os fatos do ambiente econômico, político, cultural e social manifestam-se na vida das pessoas sob diversas formas, na maneira de ser e de se comportar.

 

 

Apresentação do tema

No espaço social inserem-se todos os fenômenos políticos, econômicos, culturais e sociais. Difundem-se os novos conhecimentos, novas tecnologias e adotam-se as últimas novidades. Este trabalho busca verificar a interferência destes fenômenos na moda e na forma do vestuário. Fundamenta-se e contextualizam-se os principais acontecimentos no ambiente social que influenciaram as décadas de 1900 a 1990.

 

Métodos

Buscou-se através da pesquisa teórica, os fatos marcantes do contexto histórico, com interações de leituras e análises interpretativas dos elementos visuais, das imagens características de casa década. Com todas a informações obtidas, discutiu-se o contexto social e o mundo da moda.

 

Resultados

 

Contexto Social

1900

1910

-Período da Era Eduardiana na Inglaterra, La Belle Epoque na França.

-A sociedade eduardiana modelava-se para

satisfazer as exigências pessoais do rei.

-Movimento de

emancipação da mulher.

-Teatro como foco de interesses sociais.

-A roupa revelava a posição social, classe social e idade.

-Sufrágio feminino: mulheres conquistam o direito ao voto.

-Transporte público e viagens aéreas.

-Progresso das comunicações gera a cultura de viagens e férias.

-Primeira Guerra Mundial.

-Fim do cinema mudo.

-Inicia-se a Primeira Guerra Mundial.

-Em 1917 inicia-se a Revolução Russa.

-Em 1918 finda a Primeira Guerra Mundial com a Derrota da Alemanha.

-Em 11 de abril de 1919 é criada a OIT – Organização Internacional do Trabalho.

1920

1930

-Primeiras transmissões públicas e regulares de rádio – Estados Unidos e Grã-Bretanha.

-Literatura mundial – criativas e inovadoras - “Ulisses”, de James Joyce; “Terra Arrasadora”, de T. S. Eliot; e “Sidarta”, de Herman Hesse.

-1928 – o dirigível alemão Graf Zeppelin é a 1ª aeronave comercial a fazer viagem de ida e volta entre Europa e Estados Unidos.

-Invenção da televisão e do gramofone.

-1929 – a Bolsa de Valores de Nova York quebra.

 

-1936-1939 – Guerra Civil Espanhola.

-1937 – o rei Eduardo VIII abdica o trono.

-A crise mundial provocou um estilo de vida mais simples. Milionários ficaram pobres, bancos e empresas faliram e muitas pessoas perderam seus empregos.

-Raymond Loewy – designer que criou o logotipo da Shell.

-Estados Unidos dominam a produção do vestuário em massa.

-Culto ao corpo.

-Regimes autoritaristas na Europa: nazismo e fascismo.

-Produção, invenção e criação cultural intensa.

-1939 – Segunda Guerra Mundial.

1940

1950

-Segunda Guerra Mundial.

-Bomba atômica.

-Racionamento e cupons para adquirir roupas.

-DuPont desenvolve o náilon.

-1947 – Introdução de corantes sintéticos para tingir as novas fibras acrílicas e de poliéster.

-A sociedade retoma o luxo e a extravagância.

-Desenvolvimento dos meios de comunicação.

-Popularização da televisão.

-Desenvolvimento tecnológico e de utensílios domésticos.

-Mulher bela – bem cuidada – dona de casa – esposa – mãe.

-A juventude torna-se rebelde e manifesta-se.

-1955 – movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos.

-1957 – União Soviética lança o satélite espacial Sputnik.

1960

1970

-John F. Kennedy é eleito presidente dos Estados Unidos.

-Revolução Cubana.

-1963 – assassinato de Kennedy.

-Invenção do cabo telefônico transatlântico.

-1965 – Guerra do Vietnã.

-Corrida espacial.

-Guerra Fria.

-Movimento hippie.

-Avanços na medicina – pílula anticoncepcional feminina.

-Nixon e o escândalo Watergate – Estados Unidos

-Festivais de Rock

-Discotecas

-A onda glitter

-Avanço do movimento feminista

-Movimento Hippie

-Movimento Punk

-Estilo Militar

-Fim da guerra do vietnã

-Processo multicultural

1980

1990

-Casamento  do príncipe Charles e de Diana

-1981 – Guerra das Malvinas

-A MTV e os vídeos popularizam os estudos da juventude

-Os seriados de TV Dallas e Dinastia, assistidos por milhões de espectadore no mundo todo, influenciam escolhas de moda relacionadas à ascensão social.

-Mulheres ocupam cargos executivos no mercado de trabalho

-A imagem como meio de comunicação, quando o corpo tornou-se uma vitrine de tudo.

-Primeiros jogos eletrônicos

-1987 – queda da bolsa de valores nos Estados Unidos

-1989 – Queda do muro de Berlim

-Acordos internacionais de comércio GATT e NAFTA.

-Guerra do Golfo, fim do Apartheid, colapso da União Soviética. Reunificação da Alemanha

-Computadores pessoais tornam-se acessíveis

-China reinvidica Hong Kong

-Morre a princesa Diana

-Comércio em recessão.

-O Oriente abre as portas para o mercado internacional. Caem as barreiras de comércio

-A internet agiliza a comunicação – globalização

-Avanço da tecnologia trouxe desenvolvimento – comércio eletrônico – celular. Sistema Linux. A tecnologia CD e DVD

 

 

Conclusão

A moda no final do século XIX privilegiou os novos meios de produção. O que determinava a elegância de um traje era a ornamentação, deixando o corte em segundo plano. O corpo feminino era modelado, dando ênfase à marcação da cintura.

Na década de 1910, no período de guerra, os contextos políticos e a economia foram os que determinaram os rumos da moda, que foi adaptada a um momento de escassez e desemprego. Houve uma mudança fundamental na roupa, porque a mulher foi obrigada a trabalhar e o espartilho deixou totalmente de ser usado. Observa-se nas imagens das roupas que a cor neutra predominou, com formas simples e funcionais para o vestuário usado no trabalho.

A década de 1920 é marcada pela prosperidade econômica e a liberdade. O visual feminino passa a ter um estilo mais jovial, deixando a mulher esbelta e mais solta. No final dessa década e início do período de 1930, o mercado sofreu impacto, com a diminuição do poder aquisitivo do povo em geral. Este contexto econômico contribuiu para mudanças das formas do vestuário, que se tornaram muitos semelhantes entre as diversas classes sociais. O preço das roupas precisava ser diminuído, e os estilistas lançaram uma linha de roupas com preços mais baratos.

Na década de 1940 as roupas tornaram-se ainda mais versáteis, modestas e discretas, fato originado pelo período de crise econômica da segunda guerra mundial. A moda reflete as circunstancias políticas e a realidade econômica vivenciada pela sociedade. Após a segunda guerra mundial, o cenário vai mudando e na década de 1950 o crescimento econômico se acelera, com o desenvolvimento dos meios de comunicação, da industria do vestuário e principalmente dos eletrodomésticos. O posicionamento da mulher na sociedade muda também, ela deve ser boa mãe, seguir códigos de etiqueta e distinção ditados pela moda. Neste período prosperou as inovações tecnológicas e as roupas adaptaram-se ao estilo de vida.

A década de 1960, por sua vez, foi marcada por grandes transformações políticas, econômicas e socioculturais. As imagens deste período mostram o modelo estético e comportamental da moda, representando tendências futurísticas e seus trajes espaciais.  A década de 1970 começou, com jovens idealistas radicalizando uma luta contra a política vigente. A moda sofre influencia dos movimentos hippie e punks. A moda não era mais ditada pelos estilistas, mas ditada pelos jovens das ruas. Através do vestuário e do comportamento os jovens manifestaram seus protestos. A construção do visual buscava mais individualidade, liberdade com uma proposta de luta por uma sociedade mais justa.

Nos anos de 1980, o mundo alcançou estabilidade econômica e a moda ficou mais cara, refletida pela obsessão pelo dinheiro e a consciência de imagem.  Tornou-se mais chique assinalar a própria riqueza usando roupas e acessórios de grifes caras. Todo este contexto foi ampliado na década de 1990, pela influencia da televisão que divulgava todas as produções e as tendências de moda. As formas do vestuário conjugaram modernidade com funcionalidade. As industrias do vestuário alcançaram grande desenvolvimento com as tecnologias e os softwares. A moda torna-se disponível para toda a sociedade e os consumidores influenciam a produção das empresas que segmentam seus mercados para atender maior número de consumidores. Portanto, conclui-se que todos os acontecimentos interferem nos aspectos comportamentais de cada década.

 

Referências Bibliográficas

BAUDOT, François. Moda do século. São Paulo: Cosac & Naif, 2000.

FUSCO, Renato. História da Arte Contemporânea. Lisboa: Editorial Presença, 1988.

LAVER, James. A roupa e a moda: uma história concisa. São Paulo: Cia. das Letras, 5ª ed, 1989.

MENDES, Valerie; HAYE, Amy de La. A moda do século XX. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

MOUTINHO, Maria Rita. A moda no século XX. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2000.

QUEIROZ, Fernanda. Coleção “O mundo da moda”: os estilistas. Volume 1. São Paulo: SENAI CETVEST, 1998.

SEELING, Charlotte. A moda – o século dos estilistas. São Paulo: Könemann, 2000.

PALOMINO, Érika. A moda. São Paulo: Publifolha, 2002.

Instituto de la Indumentária de Kioto. Moda-Desde el siglo XVII al siglo XX.Taschen. Barcelona 2004.

  

XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

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POÉTICA, ÉTICA E ESTÉTICA NA PEDAGOGIA TEATRAL DE JACQUES COPEAU[65]

José Ronaldo Faleiro[66]

 

 

 

Palavras-chave: Teatro do século XX — Ética Teatral — Estudos Teatrais — Prática Teatral

 

Resumo : O presente artigo é um dos resultados do Projeto de Pesquisa “Poética, Ética e Estética na Pedagogia Teatral de Jacques Copeau”, inserido na linha de Poéticas Teatrais e financiado pelo PROBIC/UDESC. Tem por objetivo registrar aspectos da Pedagogia Teatral de Jacques Copeau, nas primeiras décadas do século XX, na França, que o levaram a propor uma escola de formação de atores (École du Vieux Colombier) fundada em 1921.

 

 

            A ação desenvolvida por Jacques Copeau (1879 -1949), como homem de teatro (ator, diretor, crítico, pedagogo), teve grande repercussão no movimento de renovação do teatro francês, norte-americano e sul-americano[67]. Sua atividade como pedagogo influenciou a criação de escolas de arte dramática e a ética a ser adotada por elas.

            Como Stanislavski, Craig ou Meyerhold, Copeau considera que formar o ator é um elemento indispensável para a renovação teatral da sua época. Começa a pensar numa escola relacionada com essa formação já no momento em que cria o seu teatro (COPEAU, 1974). O primeiro laboratório da Companhia do Vieux Colombier foi realizado em Limon, nos meses de julho e agosto de 1913. Para preparar a abertura do teatro no outono do mesmo ano, não cabe simplesmente aprender um texto de cor, como era costume na época, mas experimentar várias atividades que possibilitem o enriquecimento do ator: estudo das peças do repertório nacional e mundial, leitura à primeira vista, explicação de texto, exercícios físicos. Depois disso, Copeau faz uma primeira experiência prática com um grupo de aproximadamente doze crianças, no outono de 1915, no Club de Gymnastique Rythmique [Clube de Ginástica Rítmica] em Paris, sob a direção de Paulet Thévenaz e Suzanne Bing. O primeiro projeto orgânico de uma escola é concebido por ele entre janeiro e fevereiro de 1916. Nesse momento, a Rítmica de Emile Jaques-Dalcroze ainda desempenha um papel importante, como disciplina de base, na prática de Copeau, que se interessa pelo jogo infantil e pelas relações entre jogo e teatro.

 

            A seguir, durante a temporada do Vieux Colombier[68] nos Estados Unidos da América (de 1917 a 1919), faz experimentações pedagógicas, em Cedar Court, com os atores da sua companhia. As notas de agosto de 1920, fundamentais na reflexão pedagógica de Copeau, veiculam a idéia de um ensino visto como o resultado de um método geral único; por outro, são testemunhas da distância de Copeau em relação aos « cabotinos do músculo » e à afetação que os novos métodos correm o risco de produzir. Seu autor considera que os problemas prioritários, na formação do ator, são o conhecimento e a experiência do corpo humano e a busca de uma « sinceridade » compreendida como um estado de calma, de descontração, de silêncio, de imobilidade, indispensáveis para atingir a expressão e para harmonizar, no ator, ação externa e ação interna, gerando um agir/reagir físicos que não sejam falseados por uma premeditação excessiva.

 

            A Escola do Vieux Colombier (1921-1924) introduz cursos de cultura teatral, de cultura geral e sobretudo — seguindo o exemplo de Craig, Stanislavski, Dalcroze e outros — disciplinas técnicas que visem a um treinamento corporal, gestual e vocal mais completo. Cabe salientar, portanto, que nessa escola o ensino é baseado na educação corporal[69].

 

            Quanto à linguagem verbal, à fala, no projeto progressivo-evolutivo de Copeau os alunos não partirão do texto, mas chegarão a ele. Ou melhor: voltarão a ele. Isso não significa de modo algum diminuir a importância do texto, da palavra na ação dramática. Ao contrário: para que a palavra exista, ou para que volte a ser « justa, sincera, eloqüente e dramática », como resultado de um pensamento do ator em todo o seu ser, é muito importante trabalhar o movimento, base da formação do ator. Este deve ser antes de mais nada um ser que age, uma personalidade em movimento[70]. A máscara (ou, inicialmente, um pano que encobria o rosto e obrigava o corpo a « falar ») é, então, o principal meio técnico e expressivo para os exercícios e para as dramatizações. Trabalhar com a máscara compreende, portanto, uma série de exercícios gradativos. Da imobilidade e do silêncio com a máscara neutra, até à dramatização coral.

 

            A utilização das máscaras expressivas é evitada no início dos estudos, devido ao risco de influenciar o aluno e de falsear o seu modo de trabalhar. Primeiramente o principiante precisa confeccionar a sua própria máscara, e ela deve permanecer o mais próximo possível dele. Para ousar ser completamente sincero, o aprendiz vai esconder o rosto. Nessa educação do movimento silencioso, precisa, antes de tudo, evitar o que possa levar à « maneira », à « fabricação », à afetação. Salvo raras exceções, a máscara expressiva poderia tornar-se um outro rosto, e estimular a simulação.

 

            As notas de Suzanne Bing (anos 1921-1922) sobre as possibilidades formadoras e criadoras da máscara mostram que sua utilização pode obter do ator a sinceridade, a ousadia, as quais levam a uma descoberta pessoal e a uma assimilação dos princípios do movimento.

 

            Desde o primeiro ano, após ter-se familiarizado com a máscara neutra, os alunos fazem exercícios de mimo alegórico (A Fome, O Medo, O Cansaço, etc.), base das improvisações e das dramatizações dos anos subseqüentes[71]. Improvisando em grupos, também trabalham sobre o movimento não humano e sobre personagens-tipo da Comédia Nova (um dos objetivos fundamentais de toda a pesquisa de Copeau), ao mesmo tempo em que integram os estudos de pantomima com os exercícios verbais e fonéticos. Tais exercícios são relacionados com o estudo da cultura e do teatro grego nos cursos abertos (dirigidos por Jouvet, Chennevière e Copeau), concentrados numa versão do mito de Psyché [Psique], composta, recitada, dançada e cantada coletivamente.

 

            No segundo ano (1922-1923), continua o estudo da máscara e do mimo durante as aulas de Educação Dramática (integradas com as demais, sobretudo com Teoria e Dicção). Prossegue também o trabalho de dramatização de fábulas, mitos e provérbios[72]. São então incorporados os conceitos básicos da escola: o movimento estilizado (pantomima); as máscaras; a composição rítmica.

 

            No terceiro ano (1923-1924), os alunos se empenharam em desenvolver pesquisas sobre o mimo, a máscara, a voz, os grommelots [gromelôs, blablação] e as improvisações sobre personagens-tipo, através de novos exercícios mais complexos e roteiros mais extensos. Esse trabalho resultou em dois espetáculos de conclusão de ano e de experimentação pedagógica de Copeau no Vieux Colombier: o Nô Kantan[73] e uma antologia de trechos variados[74].

 

—–

 

 

            O trabalho de ator idealizado e praticado por Jacques Copeau não visa, portanto, a tornar o ator um virtuose do músculo, um atleta ou um saltimbanco, mas um ser humano consciente de suas possibilidades expressivas. Adquirida a expressividade, trata-se de pôr o corpo do ator a serviço do poeta dramático e do encenador.

 

            Na Escola do Vieux Colombier, a expressão do corpo em silêncio, a improvisação silenciosa e o uso da máscara possuem uma função instrumental, não constituindo um fim em si. O percurso vai da privação inicial do texto à retomada do mesmo no final dos estudos. A apresentação de fim de ano dos alunos começa sempre com exercícios puramente físicos, e acaba por dramatizações coletivas faladas, depois de haver sido mostrados vários exemplos de improvisações mímicas e sonoras, individuais e coletivas. Assim — quer no plano da organização evolutiva da Escola (com duração de três anos), quer no plano da estruturação de cada ano considerado individualmente, quer, ainda, no plano dos diversos cursos (disciplinas) entre si —, Jacques Copeau e Suzanne Bing concebem claramente que o uso da improvisação corporal e do mimo consistem num recurso provisório, num meio, e nunca num fim. Influenciados por eles, os espetáculos dos Copiaus e dos Comédiens Routiers, os trabalhos iniciais do mimo corporal de Etienne Decroux e os mimodramas de Jean-Louis Barrault dão muita importância às cenas mimadas[75]. Pouco a pouco, pelo que Eugenio Barba chama de « a deriva dos exercícios »[76], o que era um meio torna-se um fim em si mesmo.

 

            Apesar dessa « deriva », restam, porém, do ensino inicial, além das aquisições técnicas e das sugestões temáticas, (a) a influência da Escola do Vieux Colombier quanto à concepção de um ator-criador como sujeito central do fato teatral; (b) a convicção de que a base da educação é a educação corporal, pois o drama é ação, antes de mais nada, e a pesquisa da técnica é prioritariamente uma operação corporal, física; c) a obediência a um esquema evolutivo-progressivo que vai do silêncio temporário para obrigar o ator principiante a sentir interiormente a necessidade de expressar-se, até à expressão pela palavra[77]; (d) a necessidade da existência de uma escola que suscite no ator uma educação total, pela acquisição e pelo desenvolvimento de uma concepção elevada e rigorosa do seu próprio ofício.

 

            Sem ignorar a técnica, portanto, a visão de Jacques Copeau sobre a formação do ator dentro de uma escola de teatro enfatiza a concepção ética, a atitude de trabalho do ator perante si mesmo e perante os colegas, os mestres, o público — perante o outro. A escuta do outro e de si mesmo é fundamental.

 

            Movido pela indignação, como declara no seu manifesto de 1913, Jacques Copeau consegue realizar, embora fugazmente, uma quimera que até hoje ilumina os que sonham com um teatro que renove sem modismos e que seja feito por seres humanos em contato com seres humanos.

 

Não sou nem um sociólogo, nem um moralista autorizado. Sou apenas um trabalhador de boa fé, um conselheiro amistoso que só pode pretender tirar seus conselhos da sua própria experiência pessoal. Assim, posso lhes dizer duas coisas. A primeira é que toda grande mudança só é válida, toda grande renovação só é durável se estiver ligada à tradição viva (...).

 

A segunda é que uma renovação dessa natureza, para dar frutos que não sejam factícios nem efêmeros, deve começar pela pessoa humana. (...) Sejam quais forem os desejos e aspirações de vocês, seja qual for a carreira que se propõem a seguir, seja qual for a técnica que têm a intenção de dominar, antes de tudo tratem de ser homens. Não se deixem dessecar, nem corromper, mas pela vontade apliquem-se para fazer reinar em seu caráter uma bela, uma sólida, uma sorridente, valente e flexível harmonia humana13 .

 

 

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Referências

 

BARBA, Eugenio. A Canoa de Papel. Tratado de Antropologia Teatral. Tradução de Patrícia Alves. São Paulo: Hucitec, 1994.

 

BORGAL, Clément. Jacques Copeau. Col. « Le Théâtre et les jours » [O Teatro e os Dias]. Paris: L’Arche, 1960.

 

CHANCEREL, Léon. Le Théâtre et la jeunesse [O Teatro e a Juventude]. 3e éd. Paris: Bourrelier, 1946.

 

COPEAU, Jacques. « Un essai de rénovation dramatique. Le Théâtre du Vieux Colombier » [Uma Tentativa de Renovação Dramática. O Teatro do Vieux Colombier [Velho Pombal]], in Nouvelle Revue Française, 1er septembre 1913. V. Id., Registres I: Appels [Registros I: Apelos]. Textos coletados e estabelecidos por Marie-Hélène Dasté e Suzanne Maistre Saint-Denis. Notas de Claudse Sicard. Col. Pratique du Théâtre [Prática do Teatro]. Paris: Gallimard, 1974.

 

FALEIRO, José Ronaldo. La formation de l’acteur à partir des Cahiers d’Art Dramatique de Léon Chancerel et des Cadernos de Teatro d’O Tablado [A formação do ator a partir dos Cahiers d’Art Dramatique de Léon Chancerel e dos Cadernos de Teatro d’O Tablado].  2 vol. Université de Paris X - Nanterre. Tese de doutoramento orientada por Robert ABIRACHED e defendida em fevereiro de 1998.

 

GODINHO, Ivens Thiwes. Renato Viana: Educador e Dramaturgo. (Uma Trajetória entre a Semana de 22 e Vestido de Noiva). Dissertação de mestrado de Ivens Thiwes GODINHO, orientada pelo Prof. Dr. Edwaldo Cafezeiro, defendida na UNI-RIO em agosto de 1998.

 

JAVIER, Francisco. « Jacques Copeau et l’Amérique Latine », p. 58-66, in Copeau l’Eveilleur [Copeau, Aquele que Desperta]. Textos reunidos por Patrice Paris e Jean-Marie Thomasseau. Lectoure: Bouffonneries, 1995. nº 34.

 

MOREYRA, Álvaro. As Amargas, Não... Lembranças. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1989.

 

MARINIS, Marco De. Mimo e teatro nel Novecento [Mimo e Teatro no Século XX]. Firenze: La Casa Usher, 1993. 

  

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JACQUES COPEAU E O ESPAÇO TEATRAL[78]

 

Juliano Farias Thomaz[79], José Ronaldo Faleiro[80]

 

 

PALAVRAS-CHAVE: Jacques Copeau, Teatro Francês, Espaço e Ética Teatral

 

RESUMO: O presente artigo é integrante do projeto de pesquisa Poética, Ética e Estética na Pedagogia Teatral de Jacques Copeau – financiado pelo PROBIC/UDESC. E se propõe a pesquisar textos de Jacques Copeau ainda não disponíveis em Língua Portuguesa, bem como de outros autores que discutem sua obra, através das traduções do orientador Prof. Dr. José Ronaldo Faleiro. Assim, o presente artigo se atém às concepções estéticas presentes na obra de Copeau. O crítico de arte, ator e diretor-pedagogo foi um marco importante para a arte teatral. Desenvolveu diversas reformas poéticas, estéticas e éticas/morais para o teatro. Imbuído de indignação em relação ao que era produzido na França, dedicou a vida para renovar a produção cênica que o circundava. Concebeu em seu Teatro do Vieux Colombier e em sua Escola do Vieux Colombier um método de formação para atores visando a uma educação poética, técnica e, principalmente, moral. Sua proposta estética evidenciava o poeta e o texto, porém através da presença primordial do ator. Defendeu a renovação do teatro, entretanto, não apenas no estilo da representação e da encenação, mas também, uma renovação que buscava um “espírito novo” para a arte teatral. E para que essa renovação fosse possível era necessário um “palco nu”, um palco para a ação dramática.

 

 

             O presente artigo é integrante do projeto de pesquisa Poética, Ética e Estética na Pedagogia Teatral de Jacques Copeau – financiado pelo PROBIC/UDESC. E se propõe a pesquisar textos de Jacques Copeau ainda não disponíveis em Língua Portuguesa, bem como de outros autores que discutem sua obra, através das traduções do orientador Prof. Dr. José Ronaldo Faleiro.

Durante o período da pesquisa, foram lidas e analisadas as traduções inéditas, feitas pelo orientador em questão, de parte da obra de Jacques Copeau. De acordo com a estruturação do grupo de pesquisa, cada bolsista dedicou-se a estudar um enfoque específico dos textos[81]. No caso do autor deste projeto o foco inicial, no primeiro ano de pesquisa, apontou para as questões relativas ao conceito de Ética Teatral (2005-2006); em seguida, neste último ano, para as reflexões acerca do conceito de Espaço Teatral (2006-2007).

Neste ano de pesquisa o primeiro passo foi a releitura de toda a bibliografia já traduzida pelo orientador: primeiro com o intuito de reforçar o estudo do ano anterior; e também como revisão das traduções do orientador para uma futura publicação. A etapa seguinte foi estudar a biografia de Copeau, assim como o contexto histórico/social no qual se integrava sua obra com foco nas questões cênico-espaciais. identificando textos e trechos que tratam deste tema.

Dando continuidade a esta trajetória, o autor deste artigo tem como objetivo final concluir este estudo através da elaboração de uma monografia. A proposta é desenvolver um TCC para analisar a evolução do conceito de Espaço Teatral desenvolvido e aplicado pelo encenador-pedagogo no seu Teatro do Vieux-Colombier[82], durante a primeira metade do século XX. Além disso, busca ainda propor uma sistematização das influências recebidas por Copeau, bem como as contribuições espaciais para o teatro subseqüente.

 

UM ESPAÇO PARA A AÇÃO DRAMÁTICA

 

Jacques Copeau [1879-1948] foi crítico de arte, ator e diretor-pedagogo. Viveu do final do século XIX até meados do século XX. Francês, desenvolveu boa parte de sua obra em Paris, durante um período de diversas transformações tanto artísticas, quanto sociais e políticas. Os conflitos políticos entre socialistas e capitalistas eram destaque na capital francesa. Do mesmo modo, e, em certa medida, consequentemente, abrigava conflitos de ordem estética entre as diversas correntes da época: naturalismo, simbolismo, futurismo e surrealismo. A produção artística em todos os gêneros está pautada pelo gosto burguês, mas é a arte teatral o meio para propagar e manter a ideologia burguesa.

 

O teatro, por ser a arte das massas, é tratado com maior rigor do que os outros gêneros, exatamente como o cinema está sujeito às restrições que não se aplicam ao teatro. A partir do meio do século [XIX] e de acôrdo com as intenções do Govêrno, os esforços dos dramaturgos concentram-se na criação de um instrumento de propaganda da ideologia da burguesia, dos seus princípios econômicos, socais e morais. A sêde de divertimento das classes dos governantes, o seu fraco pelas distrações públicas, o seu prazer em ver e serem vistas fazem do teatro a arte representativa da época. Jamais nenhuma sociedade se deliciaria a tal ponto com o teatro.[83]

 

 

Copeau foi um marco importante para a arte teatral. Desenvolveu com muito trabalho diversas reflexões acerca do teatro. Imbuído de indignação em relação ao que era produzido na cena francesa, dedicou a vida para renovar a produção cênica que o circundava. Concebeu em seu Teatro do Vieux Colombier e em sua Escola do Vieux Colombier um método de formação para atores[84] visando a uma educação poética, técnica e, principalmente, moral. Para Copeau, o ator deve ter conhecimento e domínio tanto literário, quanto técnico. Entretanto, antes disso deveria formar-se moralmente, tornar-se um ser humano. Como declara: “Que o ator volte a ser um ser humano, e todas as grandes transformações no teatro decorrerão daí”.[85] Sentia a necessidade de novas formas de conduta para os profissionais do teatro, buscando uma dedicação incondicional, uma disciplina rigorosa, e um domínio técnico exemplar.

Suas reflexões se iniciaram durante a época que Copeau foi crítico literário e dramático, quando também se dedicou ao estudo técnico e histórico do teatro. Neste período alimentou sua indignação em relação à produção teatral, que se originou através da influência primeira de dois grandes mestres: Constantin Stanislavski e André Antoine. 

O primeiro, o encenador russo Stanislavski, influenciou a partir do período em que nega a sobreposição do encenador em relação ao ator, do mesmo modo que não dá mais valor ao cenário; busca uma “emoção verdadeira” para o ator futuro; e clama a todos a sair do teatro e partir para os campos. Copeau explica:

 

Daí [1906] em diante, em sua narrativa, o eu vai substituir o nós, que ele empregava com tanto amor. (...) Ele já não dá crédito à dominação do encenador sobre o intérprete. Também não dá crédito à prestígios da decoração cênica. Reivindica um tablado nu para o ator soberano. Concentra sua única preocupação, e seu recurso, a sua esperança, no desenvolvimento futuro do ator, não como instrumento, mas como fonte criadora da vida artística, de emoção verdadeira. O que ele busca são as leis profundas de uma disposição criadora no ator, “a condição favorável à aparição de uma inspiração por meio da vontade”... (...) Constantin Stanislavski apela para os jovens, para os alunos, para os figurantes, para sair do teatro, se instalar nos campos, formar o núcleo de uma comunidade nova, de uma confraria de atores, e recomeçar tudo.

 

 

            O segundo, Antoine, foi um importante incentivador do trabalho de Copeau logo no princípio do Vieux Colombier. Influenciou principalmente do ponto de vista da dedicação, disciplina e da abnegação pela arte teatral, bem como acerca da idéia de se valorizar os jovens para alcançar uma renovação.

 

(...) ele se dignou a recomendar-lhes – ou, se não a lhes recomendar, pelo menos a lhes indicar – o nosso empreendimento, o que, para nós, meros principiantes, equivalia a um verdadeiro batismo. Lembro o quanto fiquei comovido, grato por essa generosidade. Ele nos levava a sério. Encorajava seriamente aqueles que o haviam seguido a prestar atenção em nós. E esse pequeno discurso terminava com uma exortação que não era sem mérito na boca de um velho leão ferido: Só tenho uma coisa a lhes aconselhar - nos dizia ele - mais ou menos o que Henri Becque nos aconselhava a nós mesmos, quando começamos: Avante juventude, e passem por cima de nosso corpo!.[86]

 

 

Assim, seguindo seus mestres e se opondo, desde a abertura do Vieux Colombier (1913), a todos os exibicionismos que povoavam a cena parisiense, manifestou veemente sua indignação em relação à produção teatral da época. E foi justamente essa indignação que o impulsionou a lutar por uma renovação dramática: “[...] se quiserem que designemos com mais clareza o sentimento que nos anima, a paixão que nos impele, nos subjuga, nos obriga, à qual devemos por fim ceder: é a indignação”.[87]

 

Uma industrialização desenfreada que, dia a dia mais cinicamente, degrada a nossa cena francesa e desvia dela o público cultivado; a monopolização da maior parte dos teatros por um punhado de farsantes a soldo de comerciantes sem vergonha; por toda a parte, e até onde grandes tradições deveriam salvaguardar algum pudor, o mesmo espírito de cabotinismo e de especulação, a mesma baixeza; por toda a parte o blefe, o exagero de todo o tipo e o exibicionismo de toda a natureza parasitando uma arte que está morrendo, e que já nem sequer é discutida; por toda parte apatia, desordem, indisciplina, ignorância e imbecilidade, desdém do criador, ódio da beleza; uma produção cada vez mais louca e vã, uma crítica cada vez mais indulgente, um gosto cada vez mais perdido: eis o que nos indigna e nos revolta.[88]

 

 

           

Copeau iria combater justamente com o que considerava como duas “doenças” do teatro: “industrialismo” e o “cabotinismo”. O “industrialismo” seria o domínio, que se instalava na França, de um teatro comercial que visava lucro e pouco se dedicava a criação poética e artística. Sua falta de técnica, sua indiferença em relação à beleza, sua indisciplina, seus exageros, sua ambição financeira... Revoltava JC.[89]

            O “cabotinismo” seria tudo aquilo que acreditava não poder existir no verdadeiro ator: exageros, espírito exibicionista, falta de treinamento, fraqueza de emoções, pouca dedicação, má conduta, entre outros. Apoiado no “industrialismo”, o “cabotinismo” era “[...] a doença da insinceridade, ou antes da falsidade. Quem foi atingido por ela deixa de ser um indivíduo autêntico, deixa de ser um ser humano”[90].   Ambicionando uma renovação, Copeau desenvolve, em seu Teatro e, principalmente, em sua École (1913-1924), novas concepções de educação e preparação do ator buscando uma formação completa. Através da disciplina, da dedicação, do aprimoramento da técnica, do conhecimento dramático e poético e principalmente de uma formação moral. Sentia a necessidade de dar a seus atores e alunos uma cultura geral que possibilitasse a busca por qualidades humanas e dignidade de artistas.

            Seria necessário fazer brotar no teatro um espírito de luta contra o “industrialismo” e o “cabotinismo”. Um espírito que reergueria a arte dramática; que lhe devolveria o seu valor. Pautado pelo respeito e pela dedicação ao “ofício do teatro”.

 

Sejam quais forem os desejos e as aspirações de vocês, seja qual for a carreira que vocês se propõem a seguir, seja qual for a técnica que vocês têm a intenção de dominar, antes de tudo tratem de ser homens. Não se deixem dessecar, nem corromper, mas pela vontade apliquem-se para fazer reinar em seu caráter uma bela, uma sólida, uma sorridente, valente e flexível harmonia humana. Vejam, meus amigos, importa sobretudo, importa unicamente, no meio de uma confusão dessas, fazer um pacto com a própria alma. E ater-se lealmente a ele.[91]

 

 

Sua proposta estética evidenciava o poeta e o texto, porém através da presença primordial do ator. Sua concepção de treinamento e, posteriormente, sua metodologia de formação de atores, estavam pautadas em buscar uma nova tendência estética — a recusa do naturalismo. Defendeu uma renovação que buscava um “espírito novo”[92] para a arte teatral. E para que essa renovação fosse possível era necessário um ator novo, renovado, com uma formação baseada em novas idéias filosóficas.

 

É, porém, a naturalidade, e não o naturalismo, que Copeau desejava no teatro. É por causa dessa idéia que ele sempre gostou de levar os seus atores para o campo, a fim de preparar os seus jogos. Tais excursões tinham como base a sua formação filosófica. As idéias de Bergson estavam muito em voga naquele tempo. Copeau tentava preencher a sua própria vida com «o élan vital» do filósofo, optar pelo intuitivo, contra o empirismo e o racionalismo. Portanto, para ele, a chave ainda era a personalidade do ator, utilizada não por razões narcisistas, mas a serviço de uma idéia do progresso humano. Para ele, esse progresso não seria baseado no Darwinismo e no mecanicismo científico do século XIX, mas na passagem, no século XX, para uma evolução espiritual e criativa de uma geração a outra.[93]

 

 

Como Marvin Carlson explica: “[...] ele [Copeau] preconiza uma simplicidade estrema no cenário físico, o famoso tréteau nu (palco nu), que permitiria ao ator e ao autor apresentar o texto sem intrusão ‘teatral’”.[94] Suas contribuições acerca da questão referente ao Espaço foram de grande relevância para a essa linha estética que evidenciava o ator e a poesia. Em suas reflexões no tocante cênico-espacial defendia que o texto e os cenários deveriam, como os demais elementos da cena, estar a serviço do “criador dramático”:

 

A cena é o instrumento do criador dramático.

Ela é o lugar do drama, não o dos cenários e das máquinas.

Ela pertence aos atores, não aos maquinistas e aos pintores.

Ela deve estar sempre pronta para o ator e para a ação.[95]

 

 

            Para Copeau, somente através da doação total a seu “ofício” que os profissionais do teatro conquistariam a real renovação do teatro.  Porém antes de atingirem o aprimoramento técnico era necessário conhecer-se; ser um Homem[96], doar-se. Sempre buscando a perfeição poética, respeitando o lugar do poeta (sempre em busca da criação) presente no drama. E sempre procurando destacar que “a cena é o instrumento do criador dramático”, e que é a ele que todos devem servir: “Ali onde ele [o ator] é escravo, é necessário que seja o mestre. Pois ele é o único mestre. E, sem ele, o teatro está hoje sem mestre”.[97]

No entanto, para isso era necessário reivindicar a retirada de todo e qualquer cenário desnecessário, deixar somente um “palco nu” evidenciando as ações do ator.

 

Quanto mais a cena for nua, mais a ação poderá fazer com que nasçam prodígios sobre ela. Quanto mais for austera e rígida, tanto mais a imaginação joga livremente.

É na restrição material que a liberdade de espírito se apóia.

Sobre a cena árida o ator é encarregado de realizar tudo, de tirar tudo de si mesmo.

O problema do ator, do jogo, do movimento íntimo à obra, da interpretação pura, é assim formulado em toda a sua amplitude.

Um tablado nu e atores de verdade.[98]

 

 

Portanto, todas as reflexões e concepções de Copeau para arte teatral visavam um só propósito: revitalizar uma arte que acreditava estar “[...] empobrecida, diminuída, cansada, desacreditada”, uma arte que se perdia em um comercialismo. Assim, desenvolveu suas teorias que hoje são vistas isoladamente, mas que foram concebidas como um todo único, a partir de uma ambição especifica: devolver ao teatro a verdadeira arte do ator; e, ao ator, a consciência humana.

 

No dia em que eu sentir o meu pé fraquejar em cena, no dia em que me faltar voz, em que eu me retirar para viver entre essas três colinas de onde a vista se estende até a linha do Jura, eu gostaria que nesse momento algo em mim ainda continuasse a correr o mundo, algo mais robusto, mais jovem e maior do que eu, algo de que me fosse permitido dizer: foi para isso que eu trabalhei[99]

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

CARLSON, Marvin. Teorias de Teatro: Estudo histórico-crítico, dos gregos à atualidade. Trad. de Gilson César Cardoso de Souza. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997.

 

COPEAU, Jacques. Un Essai de Rénovation Dramatique [Uma Tentativa de Renovação Dramática]. In: Registres I; Appels [Registros I; Apelos]. Textes recueillis et établis par Marie-Hélène Dasté et Suzanne Maistre Saint-Denis. Notes de Claude Sicard. [Textos coletados e estabelecidos por Marie-Hélène Dasté e Suzanne Maistre Saint-Denis. Notas de Claude Sicard]. Paris: Gallimard, 1974. p. 19-32. – Trad. de José Ronaldo Faleiro

 

__________. Appels [Apelos]. In: Registres I; Appels [Registros I; Apelos]. Textes recueillis et établis par Marie-Hélène Dasté et Suzanne Maistre Saint-Denis. Notes de Claude Sicard. [Textos coletados e estabelecidos por Marie-Hélène Dasté e Suzanne Maistre Saint-Denis. Notas de Claude Sicard]. Paris: Gallimard, 1974. p. 105-112. – Trad. de José Ronaldo Faleiro.

 

__________. The Spirit in the Little Theatres. In: Registres I; Appels [Registros I; Apelos]. Textes recueillis et établis par Marie-Hélène Dasté et Suzanne Maistre Saint-Denis. Notes de Claude Sicard. [Textos coletados e estabelecidos por Marie-Hélène Dasté e Suzanne Maistre Saint-Denis. Notas de Claude Sicard]. Paris: Gallimard, 1974. p. 120-130 – Trad. de José Ronaldo Faleiro.

 

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__________. A Cena. In: Registres I; Appels [Registros I; Apelos]. Textes recueillis et établis par Marie-Hélène Dasté et Suzanne Maistre Saint-Denis. Notes de Claude Sicard. [Textos coletados e estabelecidos por Marie-Hélène Dasté e Suzanne Maistre Saint-Denis. Notas de Claude Sicard]. Paris: Gallimard, 1974. p. 217-226 – Tradução José Ronaldo Faleiro.

 

ECO, Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1989.

 

FALEIRO, José R. A Formação do Ator a partir dos Cadernos de Teatro de Léon Chancerel e dos Cadernos de Teatro do Tablado. Tese do Doutorado – Université de Paris X – Nanterre: 1998. Trad. José Ronaldo Faleiro

 

_________________. A Escola do Vieux Colombier. IN: O Teatro Transcende. v. 08 – p. 19-32, Blumenau: FURB, 1999.

 

_________________. Poética, Ética e Estética na Pedagogia Teatral de Jacques Copeau. [Projeto de Iniciação Científica – 2005-2007] Universidade do Estado de Santa Catarina/Centro de Artes – Florianópolis: 2005.

 

HAUSER, Arnold, A História Social da Literatura e da Arte. Trad. De Walter H. Geenen. Tomo II. São Paulo: Ed. Mestre Jou, 1980-1982

 

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SALOMON, D. V. Como fazer uma monografia. 11ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

 

SCHMITZ, Mariana da S.. A VOCAÇÃO PEDAGÓGICA EM JACQUES COPEAU: L´ÉCOLE DU VIEUX COLOMBIER (1920-1924). [Trabalho de Conclusão de Curso] Universidade do Estado de Santa Catarina/Centro de Artes – Florianópolis: 2006.

 

SICARD, Claude. Jacques Copeau et l´École du Vieux Colombier. [Jacques Copeau e a Escola do Vieux Colombier]. IN: Copeau l’Éveilleur [Copeau, Aquele que Desperta]. Textos reunidos por Patrice PAVIS e Jean-Marie THOMASSEAU. « La Cerisaie »/Lectoure: Bouffonneries, 1995. p. 116-126. – Trad. de José Ronaldo Faleiro.

  

XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

Centro de Artes - CEART

 

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Identidade Nacional e o discurso estétyco em Glauber ROCHA

                                                                                                                        Paula A. Hemm1

RESUMO:

 

Discussão da relação entre o discurso estético de Glauber Rocha em dois filmes do Cinema Novo - Terra em transe e Deus e o Diabo na Terra do sol – e sua contribuição no pensar cinematográfico e na busca de uma identidade nacional.

 

Palavras-chaves: identidade nacional, Cinema Novo, discurso estético, Glauber Rocha.

 

Se o real e o imaginário confundem-se na expressão cinematográfica, não é para menos que a transposição textual, verbal e icônica parcial dos elementos que representam a realidade de um país seja um dos meios que permite reconhecer a identidade nacional de uma cinematografia. Na medida em que essa transposição é elaborada a partir da história, da realidade geográfica, social, econômica, e mesmo política do país, ela torna-se igualmente um símbolo da identidade nacional.

Por meio do projeto de pesquisa, que teve por objetivo geral desenvolver material historiográfico e didático sobre a moda no Brasil, enfatizando a construção das relações de poder, a partir da aparência, pude identificar conceitos e períodos importantes chegando em um movimento cinematográfico que esta intimamente ligado nessa constituição e busca de uma identidade nacional.

Um dos imperativos da modernidade contemporânea é a busca da identidade, isto é, da representação e construção do eu como sujeito único e igual a si mesmo e o uso desta como referência de liberdade, felicidade e cidadania (SAWAIA, 2002: 116).

A caracterização da identidade nacional está relacionada com existência da identidade cultural. Assim sendo, é o somatório de valores culturais resultante da vivência, que, apesar de incluir as divergências ou/e peculiaridades regionais e de grupos, seja caracterizáveis por um traço que permita a definição de um perfil hegemônico baseado língua, costumes, religiões, história através do espaço e do tempo.

Flutuando pela cultura cinematográfica brasileira, deparamos com Cinema Novo, movimento de renovação artística e cultural nacional, que teve sua origem em 1952, com o I Congresso Paulista de Cinema Brasileiro e o I Congresso Nacional do Cinema Brasileiro. A idéia era a criação de um novo cinema brasileiro, que fosse esteticamente original, que consolidasse uma identidade própria no panorama internacional, e que tivesse como intuito a reflexão sobre os problemas peculiares ao país e a América Latina como o subdesenvolvimento, o abuso do poder, as grandes desigualdades sociais, o autoritarismo, o papel da religião, a luta pela democracia e, juntamente a todas essas questões, o papel do intelectual e do artista nesse contexto.

Com uma vasta produção teórica, em que expõe suas idéias sobre como fazer cinema no Brasil, Glauber Rocha surge como a figura mais representativa do movimento cinemanovista. E é esse baiano, nascido em Vitória da Conquista, e seus filmes - Deus e o Diabo na terra do sol (1964) e Terra em transe (1967) – que serão analisados neste artigo por sua estética, contexto e sua importância na formação e na busca da identidade brasileira. Com a adesão ao Cinema Novo, Glauber renuncia o esteticismo inicial in voga no país, em favor de uma nova “função social e humana do cinema” (ROCHA, 1985: 26). Dizia ele:

O cinema deve cumprir sua função social como espetáculo em primeira instância. Mas, além disso, pode — e deve — cumprir uma função de mobilizador da consciência do espectador (...) O cinema mais eficaz enquanto obra de arte o é também em sua função mobilizadora (ROCHA, G. 1980).

Percebemos que o Cinema Novo era nitidamente vanguardista, no sentido onde os intelectuais trabalhariam para promover a consciência social dos estratos mais baixos da sociedade. No pensamento de Glauber o povo não seria capaz de sozinho produzir sua própria “libertação”, os intelectuais seriam agentes dessa operação.

Glauber intenta criar uma linguagem própria, de maneira que esta, mais que um instrumento de denúncia, se convertesse em espaço de crítica e reflexão, que não necessariamente estivesse ligada a parâmetros técnicos e estéticos perfeitos. Glauber, em uma matéria para o Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, de 12 de agosto de 1961, diz: "vamos fazer nossos filmes de qualquer jeito (...) com uma idéia na cabeça e uma câmera na mão para pegar o gesto verdadeiro do povo” (ver VILLAÇA), isto é, o autor do filme é visto menos como um técnico que como um crítico inovador, comprometido com as questões de seu tempo - no caso brasileiro: a identidade nacional.

Para Glauber, toda essa urgência e preocupação em construir uma cinematografia do Terceiro Mundo surgem do seu amadurecimento crítico e artístico. A busca de uma identidade nacional no tema somava-se, então, a um caracter especial estético, a busca de uma maneira de fazer cinema que expressasse os próprios procedimentos de construção da realidade e, com isso, captasse uma “super-realidade”.

Em 1965, Glauber publica a Estétyca da Fome, espécie de manifesto do Cinema Novo. Como parte do projeto de descolonização cultural, o manifesto problematiza a relação entre estética e política no contexto de uma economia dependente, estabelecendo o conceito de “cinema ideogramático” - a cultura popular brasileira torna-se frente de resistência, ainda que inconsciente, ao imperialismo cultural e econômico. Assim, os seus elementos devem ser apropriados criticamente pelo “novo” cinema brasileiro, para a recriação de uma nova linguagem, que expresse a “consciência em relação direta com a construção das condições revolucionárias” (ROCHA, G. 1982: 202)

Ao vermos Deus e o diabo na terra do sol reconhecemos as diferentes referências culturais agregadas por Glauber Rocha. Percebe-se um diálogo com a tradição literária e cinematográfica, para impor um novo significado ao político. Nas representações do sertão usa de uma tradição literária específica que vai de Euclides da Cunha à Guimarães Rosa. As referências musicais que incluem o popular (cordel) e o erudito (Villa-Lobos) também são muito importantes para enfatizar a dicotomia entre campo e cidade, na busca de uma musicalidade brasileira. Nesse tema glauberiano as influências teatrais, sobretudo de Brecht, cujo teatro vinha sendo absorvido pelos grupos brasileiros na década de 1960, são muito usadas nas representações do gestual dos atores. As técnicas de Visconti, Eisenstein, Godard, John Ford são indicadas pelo próprio Glauber como suas principais influências e algumas dessas peculiaridades serão analisadas mais adiante.

A Hibridação é, segundo definição de CANCLINI, "processos socio-culturais nos quais estruturas ou práticas culturais, que existem de forma separada, combinam-se para gerar novas estruturas, objetos e práticas” (2008). E Glauber sabia como ninguém usar práticas culturais e técnicas, que não eram originalmente nossas, para formação de uma linguagem nova e colocá-las à disposição das idéias nacionalista. Podemos analisar esta afirmação em um trecho de Deus e o Diabo na Terra do Sol onde Glauber usa referências da Nouvelle Vague2, mais especificamente de Jean Luc-Godard, em Acossado (1959).

No filme, a seqüência do assassinato do coronel Morais por Manuel começa com um longo plano seqüência, ambientado na feira. Tudo se passa a princípio em "tempo real". Desde a conversa da proposta da partilha até o enfrentamento de Manuel com o senhor Morais, onde Manuel apanha de chicote do coronel. Daqui em diante tudo se precipitará rapidamente. O tempo usado do longo plano-seqüência dá lugar aos planos curtos, abruptos, descontínuos. Tudo se passa rapidamente: após matar o próprio coronel, Manuel já está perto de sua casa, onde mata dois jagunços, enquanto um terceiro chicoteia sua mãe até a morte. Rosa está desesperada. Manuel mata o terceiro jagunço. Tudo para terminar em Manuel fechando os olhos da mãe. Um conjunto de acontecimentos que, se fossem filmados em "tempo real" renderiam mais tempo do filme. Já em Acossado de Godard esses mesmo cortes rápidos, elípticos e abruptos ocorre na cena em que Michel, após roubar um carro, dirige em alta velocidade numa estrada. Ao se ver diante de uma blitz policial, não pará e é perseguido por um policial. Após tomar um desvio, Michel pará o carro pensando ter despistado o policial. Logo, porém, chega o policial. A partir daqui as coisas se precipitam bruscamente. Michel, que já havia saído do carro, volta para perto dele e pega uma arma, que está no porta-luvas. Um corte, a camera já nos mostra a mão de Michel, segurando o revólver. Outro corte e a mão ocupa todo o quadro. O próximo corte é ainda mais abrupto: vemos apenas o policial caindo para trás. Mais um rápido e já estamos vendo Michel correndo novamente com seu carro. Só então a decupagem volta ao ritmo "normal". O olhar de Glauber era, então, por assim dizer, um olhar voltado à cultura nacional (a tradição narrativa do sertanejo: sendo esta ligada a linguagem, um modo de falar, de contar os “causos” através de uma não-linearidade, no sentido que a história sofra cortes e descontinuidades) e técnicas importadas (uma técnica de vanguarda do cinema, que foi usado inicialmente em Acossado de Godard, da Nouvelle Vague). Não se trata, portanto, da cultura popular entrar apenas como tema do filme; há um certo modo de ver que é incorporado pela câmera e, sobretudo, pela montagem, criando assim, uma relação com a cultura que não é apenas descrita, mas também crítica.

O roteiro apresenta ainda, dois eventos históricos brasileiros, o primeiro quando o casal sertanejo - Manuel e Rosa  - que, ao se ver obrigado a abandonar seu lar e viver em situação de ilegalidade, atravessam o sertão, envolvendo-se com o massacre de uma comunidade religiosa, lembrando o episódio de Canudos, e o segundo momento é, quando levados por um cego, até o Corisco  e seu bando, cangaceiros que lutam até a morte, ecoando a morte de Lampião. Os três cenários distintos: realista, que expõe as feridas do sertanejo explorado; o mítico, que explícita as contradições entre a fé e a alienação dogmática; e a guerrilha, sustenta a possibilidade de solução de problemas a partir de lutas coletivas. Elementos significativos para esclarecer o título e a miscelânea entre o bem e o mal. A terceira transição (a guerrilha) é vista como alegoria da realidade exterior ao filme, representa não uma passagem do humano para o divino, mas o caminho oposto, em direção ao cruel, ao violento da condição real do explorado, que é o grande fio condutor desse roteiro.

Já em Terra em Transe, o olhar de Glauber passa para outra questão: a do papel do artista na sociedade juntamente com os ideais nacionalistas que se expressa pela onipresença de Getúlio Vargas.

Terra em Transe explicitava em dualidades a grotesca e a futilidade da elite dominadora e ridicularizava o populismo, mostrando-o como uma pobreza submissa e desorganizada. Uma construção em preto-e-branco que abriu perspectivas sobre conceituações morais que mostraram a ganância dos governadores, a incapacidade do povo e a presença direcional da imprensa, fermentando a produção inicial do movimento tropicalista. (THOMÉ, F.)

 

A produção do filme Terra em Transe começou em 1966, mas foi no ano seguinte em que ele foi lançado no Brasil, causando polêmicas e tendo problemas com a censura. Mesmo ganhando prêmios renomados como o Luiz Buñuel e Fipresci no Festival de Cannes, 1967, o Prêmio da Crítica e o de Melhor filme no Festival de Havana e o Grand Prix do festival de Locarno , o filme foi proibido nas salas brasileiras, por ser considerado subversivo e desrespeitoso com a Igreja.

O filme tem seu ponto de partida no país fictício Eldorado, onde o poeta  burguês Paulo Martins vê frustrar-se sua esperança de que o Governador da Província de Alecrim e líder político Vieira fosse uma alternativa ao conservadorismo de Diaz, ditador fascista que apela ao misticismo para preservar o poder. Entre estes, se interpõe a figura do capitalista Júlio Fuentes, que apesar de se declarar de esquerda acaba se aliando ao ditador Diaz. Ao lado de Sara, uma intelectual comunista, Paulo Martins não vê outra solução a não ser entrar no meio do povo e ser um agente em seu favor.

Retomando as questões de hibridação, podemos também analisar Terra em Transe e ver semelhanças com o Cinema Russo de Eisenstein. Assim, como ocorre em A Greve (1925), Terra em Transe primeiro expõe o fato para só depois expor quais as causas desse, o início é o fim do filme. Podemos ver isso já na primeira cena, quando Paulo dirigindo, com Sara a seu lado, toma-se como alvo e é baleado, morrendo na cena seguinte, sendo assim, esse é o resultado do seu percurso, isto é, inicia-se com o fim da personagem, com sua morte. A quebra da narrativa linear é apenas uma das inúmeras provas que em Terra em Transe, Glauber ainda não se desvinculou de sua influência européia, mas sim a utilizou, de modo que a quebra da narrativa linear, forçar-se o espectador a refletir sobre o que está sendo exposto no filme.

Está em jogo, também, o conceito de “cineação”: eliminando a narratividade e recriando uma ação própria, com seus cortes peculiares e seu ritmo modificado, o cinema passa a dar mais ênfase em seu discurso estético. Podemos analisar também, em Terra em transe, o conceito de autor: “o autor é o maior responsável pela verdade; sua estética é uma ética, sua ‘mise-en-scène’ é uma política... (ROCHA, 1963: 14), mesclando ao discurso que o artista é responsável pelo “abrir dos olhos” da população. O “gesto-crítico”, que aparece em várias cenas do filme Terra em Transe, onde os personagens olham diretamente para a câmera, quebrando, a chamada “quarta-parede” do cinema naturalista e invertendo a relação filme/espectador, uma vez que os personagens não são apenas “vistos” pelos espectadores, mas também “vêem” estes, servem de instrumento para o idéia de artista-pensador; a utilização da música como a dicotomia entre o rústico e o moderno.

Com sua obra cinematográfica, Glauber Rocha denúncia as reais condições de vida do povo brasileiro assumindo uma posição dialógica entre história real e ficção a modo de refletir um espelho da sociedade brasileira da época e, com o compromisso de atuar para a transformação dessa sociedade. O cinema está na linha de frente da reflexão, na busca de uma identidade autêntica não só do cinema, como do país e do homem brasileiro, à procura de sua revolução. Defende BENJAMIN, em seu discurso sobre a reprodutibilidade técnica, o cinema mantém uma relação indissolúvel com a realidade:

A natureza ilusionística do cinema é de segunda ordem e está no resultado da montagem. Em outras palavras, no estúdio o aparelho impregna tão profundamente o real que o que aparece como realidade ‘pura’... (BENJAMIN,1985)

Para Glauber Rocha, o futuro do povo brasileiro estaria ligado a direção almejada pelo colonizador, de modo que este conduz à cultura e à economia terceiro-mundista. Essa perspectiva trágica se encontra presente principalmente nos filmes analisados, nos quais o povo surge como “entidade abstrata” (VENTURA, 2000: 210), representante do Brasil inculto e grosseiro, sempre à margem da modernização. Mas com sua estétyca peculiar, Glauber nos permite repensar a questão da identidade brasileira e, sobretudo, o modo de se produzir cinema no Brasil.

No período pós-64, o Brasil encontrava-se em dilemas ambíguos, sendo ele sombrio em seus aspectos políticos e de maior produtividade no que diz respeito a capacidade criativa e cultural. Nas décadas de Ditadura Militar, o desenvolvimento industrial e a demarcação da sociedade de massa no país foram processos conduzidos pelo governo. Sem que fosse possível controlar as manifestações da época, os governos militares revezaram-se no poder por meio da imposição da censura e do terror. A intenção era justamente conter qualquer tipo de representação política, social ou cultural que “ameaçasse o regime”. Mas a contracultura, a criatividade e a ânsia de alguns artistas-pensadores de seu tempo, possibilitou o surgimento do Cinema Novo, do Teatro de Arena, do Teatro Oficina, do Tropicalismo, da Imprensa Alternativa, todos com uma nova proposta sobre modo de fazer arte no Brasil e sobretudo, a busca pela identidade brasileira. Fica claro, assim, que todas as reflexões sobre identidade e estética não se resume apenas ao Glauber Rocha, mas sim a outros - cineastas, músicos, jornalistas, escritores, estilistas, artistas em geral - que como ele, foram críticos e espelharam a sociedade de seu tempo.

REFERÊNCIAS

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Memória, Sociedade Florianopolitana e Elegância[100].

 

 

Mara Rúbia Sant’Anna[101], Paula Consoni[102].

 

 

 

Palavras-chave: Elegância – colunismo social – Florianópolis

 

Resumo: Como a dinâmica do colunismo social possibilitou não somente a visibilidade da elite como consolidou formas de parecer que construíram a subjetividade feminina.  Explorou-se a eleição das “Dez mais elegantes” pelo cronista Zury Machado, nas décadas de 50 a 70. A partir de sua memória, de duas eleitas e duas mulheres que conviviam no mesmo espaço social, buscou-se os sentidos do ser elegante, interpretando que o mesmo confundia-se com uma aparência desejada.

 

 

Com o objetivo de analisar a dinâmica da conquista da aparência idealizada na consolidação de sujeitos do parecer e a construção da subjetividade feminina, a partir da escolha das dez mais elegantes, buscou-se a história oral como metodologia.

Segundo George P. Browne, num trabalho pioneiro editado no Brasil em 1974 a respeito do tema: “História oral é a designação dada ao conjunto de técnicas utilizadas na coleção, preparo e utilização de memórias gravadas para servirem de fonte primária a historiadores e cientistas sociais” (1974, 927). Para Alberti, responsável pela organização do “Manual de história oral” do CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil) da Fundação Getúlio Vargas “a história oral é um método de pesquisa (histórica, antropológica, sociológica etc) que privilegia a realização de entrevistas com pessoas que participaram de, ou testemunharam, acontecimentos, conjunturas, visões de mundo, como forma de se aproximar do objeto de estudo” (ALBERTI, 2004, 18).

Seguindo esta perspectiva, entrevistamos um total de quatro mulheres, sendo duas participantes da lista das dez mais e o restante mulheres que conviviam nos mesmos ambientes públicos, mas que não foram eleitas. Anteriormente a realização das entrevistas, realizamos pesquisas sobre o colunismo social em Santa Catarina, já que o mesmo teve início no contexto do projeto de modernização do Estado e fazia parte do mesmo, quando analisado a partir da lógica cultural. Como instrumento de construção das elites e educação dos gostos diante do moderno, o colunismo social conduziu a formação dos grupos de elite e funcionou como instrumento de poder destes, agenciando a almejada hierarquização social.

O ser parecido[103], como caracteristíca de sua condição, precisou aparecer e os cronistas sociais ofereciam a vitrine transformando o parecido com um outro, o outro que alguém desejava parecer. Dentre as autoridades na dinâmica social estabelecida na exibição, no contexto florianopolitano, o cronista social Zury Machado é importante fonte histórica.

No início dos anos 50, no jornal “a Gazeta”, o cronista estreou um estilo até então inexistente no Estado, onde, a exemplo dos cronistas paulistas e cariocas de sucesso, poderia possibilitar o aparecer que almejavam os exibidos[104] da cidade.  Em seguida de sua estréia passou ao jornal “O Estado”, onde permanece publicando colunas diárias. Além de ter organizado eventos como bailes de debutantes e outros, que se tornaram eventos sociais indispensáveis a vida em sociedade.

Tendo alcançado importante visibilidade foi por muitas vezes convidado pelos colunáveis a jantares e coquetéis em sua homenagem que resultavam em notas na sua coluna no dia posterior. Transformando-se, portanto, em caminho obrigatório a quem desejava entrar para o grupo dos exibidos.

Iara Pedrosa surge no final da década de 60, como colunista, sendo também colunável. Sua coluna assemelhava-se a um diário, onde constavam dicas de beleza à culinária em um tom informal e fala direta ao leitor. Atraia os grupos menos privilegiados com pretensões de ascenção social, sendo um meio, talvez uma fresta, por onde aprendiam sobre o viver da elite e a constituiam como espelho a ser mirado e modelo a ser adotado.

A cronista era uma mulher moderna[105], que falava aos modernos e abria espaço aqueles com a personalidade semelhante a dela. Se Zury se honrava honrando uma sociedade, que não se dispunha a ser vitrine todo o tempo, Iara se ocupava, especialmente, com essa.

Em 1962, Celso Pamplona no jornal “A Gazeta” passa, como o próprio dizia, a falar para os jovens. O cronista promovia shows de talentos e diversos bailes de debutantes e de gala, divertindo os filhos jovens da elite local e de muitas outras que haviam chegado na cidade.

Os cronistas sociais ao exaltar alguns por serem parecidos aos espelhos idealizados,  mantinham a dinâmica da aparência como estratégia de existência social e essa, era reproduzida, na medida em que o aparecido seria sempre um parecido a consumir. Dentre esses, alguns foram eleitos e a prática de sua eleição evidenciava o quanto de poder social a aparência podia instituir aos que detinham considerável Capital-aparência.

Os aparecidos de Zury como os de Celso e Iara não eram plenos, não eram desprovidos de contradição, como todo o Sujeito-moda não o é, e experimentavam, todos, a aventura da modernidade. Uns, buscando a emersão, sem desprender-se de suas âncoras[106], outros, emersos, em busca de uma notoriedade que os singularizassem e os fixassem, fazendo uso também do discurso da boa sociedade para parecerem o que desejavam.

O parecido a consumir era todo aquele que aparecesse freqüentemente, fosse na lista de presentes das ocasiões festivas, que familiarizava seu nome na memória dos leitores da coluna, fosse o belo rosto da jovem das capas do suplemento dominical, que dizia de uma elite que se reproduzia, fosse nas entrevistas ou matérias especiais, nas quais uma imagem de elite se firmava nas atividades filantrópicas que praticava, por suas casas decoradas com objetos de arte trazidos de todo o mundo, pela opção de trabalhar, que muitas das mulheres desse grupo faziam.

Mais uma prática de criar parecer era a lista das dez mais elegantes de Santa Catarina publicada por Zury Machado, no jornal “O Estado”, que ao mesmo tempo legitimava a autoridade do colunista social em avaliar e hierarquizar a sociedade.

A primeira seleção ocorreu em 1954 e, em fevereiro de 1955, com grande pompa, numa festa organizada no restaurante do Lux Hotel, as escolhidas desfilaram e foram aplaudidas.  O evento de caráter beneficiente foi considerado noite de grande gala e descrito como tal, reunindo várias figuras ilustres da cidade, tendo até 1958 mantido o mesmo formato.

Posteriormente, cada vez menos as eleitas queriam se dispor a desfilar e a festa de lançamento das dez mais elegantes foi se extinguindo. As escolhidas passaram a ser fotografadas para uma matéria especial, realizada através das páginas dos jornais e revistas. Acompanhavam as fotos legendas elogiosas, pequena descrição de suas vidas sociais e, logo, justificativas de porque tinham sido escolhidas. Tais matérias exclusivas apareciam no final do ano, quase sempre na edição de 25 de dezembro e ocupavam duas ou três páginas inteiras.

Zury, em entrevista, ativou em sua memória social que, a partir de 1970, foi cada vez menos conveniente realizar as listas e, nos primeiros anos daquela década, concluiu que não deveria mais realizá-las: “Todo mundo fazia e todo mundo era, se era chique, era rica e aí já era elegante, então, não tinha mais sentido fazer isso”. A vitrine que Zury criara para exibir a elite que servia, tornou-se antiquada, não havia mais tantos curiosos por ela.

A eleição das dez mais elegantes perde o seu valor e motivo de existir, mas enquanto se mantinha como vitrine propagava, assim como as colunas sociais, as maneiras do ser elegante que confundiam-se com uma aparência desejeda e construíam a subjetividade feminina. Sendo assim, se considera que o processo de  subjetivação decorre das experiências de vida e da construção de significados a partir daquelas, o que, condicionado pela cultura, dá a positivação maior ou menor do vivido,  o que se constrói como memória social.

Ao investigar este processo de subjetivação a análise da perspectiva dos sujeitos sociais do período foi imprescindível. Contudo, neste sentido, tinhamos a clareza de que a distância temporal entre a ação de testemunhar e a ação contada pela testemunha resulta no desafio de compreender a dinâmica da memória. Compreende-se a memória “não somente como construção, mas reconstrução através da duração que separa o momento rememorado do momento do relato” (FRANK,1999,109).

Buscando trazer para o presente do relato as lembranças das entrevistadas, fizeram-se cartões de tendências de moda contendo breve descrição dos trajes e imagens ilustrativas, bem como cartões de política com imagens de presidentes e governadores da época, cartões de mídia destacando principais novelas, programas de televisão, rádio e revistas e os cartões de cultura trazendo artistas do período. Durante a realização das entrevistas, os mesmos foram apresentados às senhoras.

A partir de apontamentos e comentários sobre os cartões reafirmou-se que no começo dos anos 50 permanecia o significado instituído para a elegância pelo New Look, de Dior, de 1947: “muita discrição e uma feminilidade bastante marcada pela cintura estreita, pelos seios majestáticos, pelo tronco pouco enfatizado e em contrastes com a ampla saia. Uma mulher com proporções de boneca e sempre festiva” (SANT’ANNA, 2005, 335).

O conceito de elegância, adotado por Zury, no mesmo período, contemplava uma maneira de ser elite que implicava em vestir-se com bom gosto, ter peles, jóias caras e vestidos assinados em seu guarda-roupa, mas também em saber organizar recepções e receber com requinte e simpatia os convidados, ter uma casa bem decorada, participar de festas beneficentes, viajar pelo mundo, estar presente aos eventos sociais e, principalmente, denotar discrição e simplicidade de ser diferente como se a elegância fosse um estado natural da eleita.

Maggy Rouff escreveu o livro “La Philosophie de l’Élègance”, publicado em 1942, onde oferecia uma vasta definição do conceito de elegância. A autora também afirmava que a elegância exigia uma natureza, uma aptidão e um arsenal particular que somente reunido resultava naquele “ar superior que se reconhecia ao longe”. Este argumento é ainda hoje repetido pelas entrevistadas quando questionadas sobre o que seria uma mulher elegante, fato este que evidencia uma internalização dos conceitos lidos na juventude. 

Com a consolidação do parecer como lógica social o campo de produção das mercadorias vinculadas à dimensão estética adquiriu um mercado altamente afoito e competitivo. O surgimento do Prêt-à-porter, nos anos 60, está intimamente ligado a esta questão, coroando o novo como ícone de uma geração.

A elegância, neste contexto, adquiriu um novo qualificativo, que desbancava o luxo a que o glamour da elegância anterior se referia, a sofisticação com certa irreverência e ludicidade. Zury, inclusive, nas considerações prévias das listas passou a exaltar os aspectos morais de boa mãe, esposa, pessoa filantropa e da capacidade de receber os convidados.

Quanto mais o padrão da elegância mudava mais a estratégia de ser uma exigia de sua pretendente a competência de ser um outro, fazendo parecer sempre a mesma. Nos fins de 60, a beleza poderia ser construída conforme os gostos – vida profissional e objetivos de vida – estando ao alcance de todas. Ser uma nova mulher era se vestir do novo, ter equilíbrio, saber contrabalançar os opostos ou extremos.

A aceitação do novo que “os ventos” do moderno traziam, conduzia consigo a necessidade de abrir-se a um novo que jamais seria velho; que deveria, para ser realmente novo, ser sempre renovado, efêmero e, assim, quem quisesse ser moderno, como nas cidades cosmopolitas podia-se ser, precisava perder a timidez e se dispor, continuadamente, a viver o inesperado, a permanecer na superfície.

Uma nova relação dialógica entre cronista e leitor menos impositiva nas considerações sobre elegância e preocupada em divulgar as tendências e ensiná-las aos consumidores, bem como apresentá-las através dos editoriais de moda marcava o borbulhar dos novos tempos.

No contexto destas transformações a lista das dez mais perde o sentido de existir. Com a configuração de seres pautados na aparência e sendo esta mutável, pois moderna, as âncoras que sustentavam as justificativas da eleição quebram-se com o peso desta modernidade. Mesmo a entrevistada 1, uma das eleitas, quando indagada sobre a possibilidade de haver ainda hoje uma eleição neste mesmo gênero, respondeu sorrindo que considerava “fora de contexto”.

Nos ditos e não-ditos mais do que relatos pessoais as entrevistas eram narrações do vivido que levaram-nos a caminhos diversos onde a aparência da elegância confundia-se com o ser elegante, porém nossa preocupação não esteve em separá-los ou rotulá-los, e sim direcioná-los para o entendimento da construção da subjetividade feminina. Neste sentido, entendemos que ao repetir o discurso dos colunistas sociais do período no que tange a noção de elegância em seus gestos e falas revelavam a importância destas colunas na constituição destas mulheres.

Seguindo a lógica da elegância como algo natural, intrínseco, constatamos certo descaso por parte das eleitas quanto a listas das dez mais, uma vez que elas consideram-se naturalmente elegantes não precisando de tal aval ou apontamento. Sendo assim, a repercussão da eleição não tem a consistência inicialmente pensada, pois, inclusive, as mulheres da sociedade avaliaram a eleição como maquiada e influenciada pela posição social da eleita.

O ser elegante, deste contexto histórico, encontra suporte em um capital-aparência adequado, mas principalmente na influência familiar como perpetuação de maneiras. Porém, estes espelhos sociais aliados a modernização catarinense tornam possível obter uma aparência idealizada e é, neste sentido, que se percebe a valorização do parecer, logo a construção de uma sociedade de moda.

 

Referências bibliográficas:

 

ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.

BERGSON, Henri. Matéria e memória. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

BOSI, Ecléa. Memória e sociedade. São Paulo: EDUSP, 1987.

BROWNE, George P ; PIAZZA, W. A documentação em História Oral. 1974 [manuscrito]

FRANK, Robert. Questões para as fontes do presente. In: CHAUVEAU, Agnes. Questões para a história do presente. Bauru: Edusc, 1999.

SANT’ANNA, Mara Rúbia. Aparência e poder : novas sociabilidades urbanas, em Florianópolis, de 1950 a 1970 / 2005.

  

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Práticas Teatrais no MST[107]

 

                                                                       Márcia Pompeo Nogueira[108]; Guilherme Rótulo[109].

 

 

Palavras-chave: Teatro em Comunidade; MST; Místicas; CTO.

 

Resumo: Esta pesquisa visa investigar o fazer teatral do Movimento dos trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). No panorama proposto, incluímos as Místicas, que existem desde a criação do MST, em 1984, e o Teatro, sistematizado em 2001 a partir da parceria com o Centro do Teatro do Oprimido. Analisamos como a apropriação do teatro por este movimento político gera uma organização que favorece a disseminação de forma articulada dessa prática.

 

Introdução

A presente investigação faz parte do Projeto de Pesquisa “Banco de Dados em Teatro para o Desenvolvimento de Comunidades[110]”, que inclui entre seus objetivos a proposta de dar visibilidade a práticas de teatro em comunidades, no Brasil.

O interesse pelo teatro do MST partiu do contato com o grupo “Filhos da Mãe... Terra”, do assentamento Carlos Lamarca, de São Paulo. A montagem tinha o objetivo de divulgar as dificuldades do MST em expor, para a sociedade, sua verdadeira luta em função do controle de informação exercido pela mídia.

A presente pesquisa fundamenta-se em dados encontrados em livros, artigos, sites na Internet, e jornais do Movimento, para identificar práticas teatrais desenvolvidas por integrantes do MST. Infelizmente, tivemos dificuldades para acompanhar uma prática teatral dos Sem Terra, ao longo deste ano de pesquisa. Provavelmente, em função de estarem sendo alvo de tentativas de desmobilização, a entrada de pessoas estranhas nos acampamentos e assentamentos está restrita. Todos os contatos feitos encontraram dificuldades e acabaram por não se concretizar[111]. Neste sentido, a pesquisa de campo prevista ficou prejudicada.

Justifico a escolha desse tema por entender que o trabalho de teatro do MST pode trazer mais dados sobre a perspectiva política do Teatro na Comunidade. Ao mesmo tempo, acredito que esta pesquisa pode contribuir para divulgar à sociedade informações sobre o MST e sua prática artística, que muitas vezes fica a mercê do olhar tendencioso da Mídia.

Os dados que encontramos apontam para basicamente duas modalidades teatrais do Movimento, as Místicas e os Grupos de Teatro.

 

As Místicas

As místicas são representações artísticas desenvolvidas coletivamente pelos militantes do MST há cerca de vinte anos. Segundo João Pedro Stedille, elas têm o objetivo de manter o engajamento e a unidade dos militantes, na luta pela reforma agrária no Brasil (Stedille, 1999, p.130).

Segundo Stedille, essas representações são feitas por meio de símbolos que ligam os fatos da luta com uma experiência de elevação da alma, mas não se limitam ao sentido de “diversão metafísica ou idealista” que desmobiliza o Movimento. Elas reavivam e impulsionam os militantes ao avanço da luta pela reforma agrária no Brasil (1999, p.130).

A origem das místicas está vinculada a práticas religiosas e embasa-se na Teologia da Libertação. Elas vêm a liturgia da Igreja Católica a partir de “uma releitura das Sagradas Escrituras na perspectiva dos oprimidos” (Morissawa, 2001. p. 105). Através da utilização de símbolos, conquistou-se uma unidade que contribuiu para que o movimento não fosse logo dissolvido. Hoje, o MST tem proporções nacionais e conta com seus símbolos para essa luta persistir.

 

Nas lutas sociais existem momentos de repressão que parecem ser o fim de tudo. Mas, aos poucos, como se uma energia misteriosa tocasse cada um, lentamente as coisas vão se colocando novamente e a luta recomeça com maior força. Essa energia que nos anima a seguir em frente é que chamamos de ‘mistério’ ou de ‘mística’. Sempre que algo se move em direção a um ser humano para torná-lo mais humano aí está se manifestando a mística (Morissaua, 2001, p.209).

 

As místicas também refletem uma expressão individual. Elas também devem apresentar algo que seja espontâneo, pertencente a um determinado coletivo, que é articulada com a expressão de um grupo que se posiciona em relação a fatos do cotidiano do movimento.

A Mística unifica a luta, fortalece a identidade dos assentados e acampados e torna-se um símbolo para os militantes do MST. Ela não deve ser apresentada somente em grandes eventos, mas realizada em todos os encontros ou festividades que reúnam muitas pessoas, “já que é uma manifestação coletiva de um sentimento” (Stedille, 1999, p. 130).

 

O Teatro

 

Cada grupo de teatro do MST está vinculado a um assentamento ou acampamento e desenvolve-se com a supervisão e assessoria do Coletivo de Cultura[112]. Até o ano de 2006, eram cerca de 38 grupos formados e atuantes no movimento (Santos, 2006. https://www.freelists.org/archives/radiolivre/01-2006/msg00005.html). Destes, os mais novos e com menos experiência atuam num ambiente local, desenvolvendo atividades culturais, de informação e formação política. Os que têm mais tempo de atividade e experiência atuam em âmbito regional  e nacional , desenvolvendo oficinas, debates e seminários, tanto no meio urbano quanto no rural (Bôas, 2006. www.mst.org.br).

 

A parceria entre MST e o CTO

Com a parceria do Coletivo de Cultura com o Centro do Teatro do Oprimido (CTO), de Augusto Boal, em 2000, houve um “curso de capacitação de Multiplicadores de Teatro do Oprimido, exclusivamente voltado para ativistas do MST, oriundos de todo o Brasil” (CTO, https://www.ctorio.org.br/historico.htm).

A relação do MST com o Teatro do Oprimido foi formalizada em 2001. Essa parceria trouxe um caráter sistemático à prática teatral no Movimento. Foram aplicados um conjunto de oficinas para viabilizar uma produção teatral que partisse da vivência das comunidades rurais, buscando fortalecer o diálogo dentro e fora do MST (Bôas, 2006).

 

No contexto atual, o foco principal da parceria é a transferência dos meios de produção teatral para militantes do MST, portanto, há um vínculo entre técnica apreendida e a expressão social dos camponeses, que é matéria política para as peças (Bôas, 2006).

 

O Teatro Fórum, no nosso entender, é a principal modalidade do arsenal do Teatro do Oprimido. Trata-se de uma técnica desenvolvida por Augusto Boal que foca a criação de peças relacionadas com situações de opressão, que possam ser debatidas através da prática teatral. As situações de opressão são trazidas pelos participantes, ou investigadas pelos atores, mas devem sempre trazer um tema que permita uma profunda identificação com o público. A apresentação, chamada de modelo de ação, deixa sempre o final em aberto. Numa segunda apresentação, o público é estimulado a tomar o lugar do oprimido da obra. “O que se deseja é que os ‘espect-atores’[113] intervenham e mostrem o que julgam ser a boa solução para o problema (Boal, 1999, p. 41).

O estímulo parte tanto da peça, como também do curinga[114], que é responsável por dar liberdade para o público se pronunciar e intervir na obra.

A partir desse sistema do CTO, os assentamentos e acampamentos foram desafiados na  busca de soluções para seus problemas. O teatro ganha, neste âmbito não apenas uma perspectiva de engajamento político, mas também um caráter de diálogo entre os militantes.

 

O Teatro do Oprimido vem demonstrando sua capacidade de identificar problemas de opressão e discriminação os quais as comunidades acampadas e assentadas encontram dificuldade para discutir em reuniões e assembléias, como é o caso das peças construídas com os temas do racismo, do machismo, da violência doméstica, da discriminação dos sem terrinha nas escolas da cidade, e o preconceito em torno da educação sexual. (Bôas, 2006).

 

Através dessas influências do CTO, viabilizou-se aos militantes uma primeira forma de elaboração do teatro com função política, não só dentro do MST como fora dele.

 

A Articulação do Teatro no MST: a Brigada de Teatro Patativa do Assaré

Uma detalhada avaliação das oficinas do CTO e os desdobramentos que ela proporcionou, foi realizada. Ela apontou para a necessidade de constituir uma identidade coletiva para os grupos formados no Movimento e proporcionar condições para eles estabelecerem contato.

Com o objetivo constituiu-se, em junho de 2001, um coletivo que se auto-intitulou de Brigada Nacional de Teatro do MST Patativa do Assaré[115]. Desenvolveu-se, então, um amplo sistema de encontros - marchas, cursos, festas e mobilizações, sejam eles nacionais, estaduais ou regionais – onde os grupos tiveram a oportunidade de se apresentar e trocar informações entre si e com o público.

Além desses encontros, criou-se “uma espécie de sistema interno no MST, em que grupos produzem peças, que são registradas por escrito, e o texto é enviado para outros coletivos” (Bôas, 2006). Assim há uma constante circulação das obras entre os coletivos. A Brigada de Teatro age como uma forma de amparar e subsidiar a criação teatral, através de oficinas ministradas por seus multiplicadores, para solidificar as estruturas teatrais dos assentamentos ou acampamentos do MST. Aos poucos, elimina-se “o caráter esponteneísta e [o Teatro] assume uma perspectiva consciente de sua responsabilidade política e estética” (Bôas, 2006.), dentro e fora do Movimento.

 

O Teatro como instrumento na Formação dos Militantes do MST

O  Teatro-Fórum foi apropriado por outros setores do MST e utilizado como processo de avaliação das turmas do Curso Básico de Formação de Militantes, da Escola Nacional Florestan Fernandes (Bôas, 2006).

O teatro toma dimensões que começam a escapar dos limites da encenação da obra de arte, e passa a ter um caráter de formação pedagógica e instrumento de avaliação das atividades do Movimento.

 

[Notamos que] para além de multiplicadores da técnica, teríamos de assumir também a postura de formadores, para melhor trabalhar o vínculo entre a demanda dos conteúdos dos setores e a técnica teatral (Bôas, 2005).

 

A produção teatral para o público externo ao MST

O MST tem um objetivo e a necessidade de informar as comunidades, ao redor dos assentamentos e acampamentos, das reais intenções do movimento, sem que haja um filtro da Mídia.  Dessa forma, pode-se contra-atacar seu caráter de distorcer informações desse movimento.

 

O Teatro se tornou um canal de comunicação, uma forma de entrar em contato com as pessoas que estão fora do Movimento, para que essas entendam suas ações e os objetivos. E por outro lada há uma certa curiosidade dos espectadores de fora do movimento, em ouvir o outro lado da história. (referência)

 

Assim, para o público externo, a produção se caracteriza por ser um teatro de Agit-prop (agitação e propaganda). Este foi desenvolvido e muito utilizado na URSS (ex-União Soviética) e na Alemanha, para engajar politicamente as pessoas numa luta contra o poder que estava instaurado, afirma-lo ou propagandear novos poderes.

Essa forma de fazer teatral tem uma raiz muito mais antiga, como afirma Pavis: “o Agit-prop tem antepassados distantes: o teatro barroco jesuítico, o auto sacramental espanhol e português” (referência).

No entanto, essa forma de teatro foi muito combatida, por sua visão maniqueísta da sociedade e pela rigidez que sua forma adquiriu, levando a um cansaço do Teatro Político, como se esse tivesse sempre que se limitar aos punhos fechados e o uso exagerado de palavras de ordem.

Grupos de teatro político mais atuais, relêem essa forma esteriotipada do fazer teatral. Eles criam e exploram outras vertentes do teatro político. Segundo Pavis, a razão para esses grupos terem feito uma nova leitura do Agit-prop, foi que:

 

Talvez eles hajam compreendido que o discurso político mais exato e mais “ardoroso” não poderia convencer, num palco ou numa praça pública, se os atores não levassem em conta a dimensão estética e formal do texto e de sua apresentação cênica (Pavis, 2005, p. 380).

 

Como não pudemos observar a prática teatral do MST, ficamos impossibilitados de afirmar se o teatro do MST, incluindo a influência do CTO, se embasa nesse novo ou no antigo modelo de Agit-prop, na encenação de suas criticas à sociedade burguesa.

 

Grupos que influenciam o fazer teatral do MST

Dentre as providências tomadas pela Brigada de Teatro, está a de manter um vínculo permanente com grupos profissionais de teatro, entre eles estão: Ói nóis aqui Traveis do Rio Grande do Sul, e a Companhia do Latão de São Paulo.

Esses grupos de teatro se simpatizam com os ideais do MST, unem-se ao Movimento e trazem outras perspectivas do fazer teatral. Com isso a produção teatral não se perde ou fixa-se em formas esquematizadas, o que poderia tornar essa produção ultrapassada e, por assim dizer, precária. Através dessa iniciativa, as experiências teatrais do MST puderam ter novos parâmetros, novos modelos estéticos e novos desafios.

Na Universidade de São Paulo, Guilherme teve contato com o grupo de teatro do assentamento Carlos Lamarca, Filhos da Mãe... Terra, dirigido pelo Militante Douglas Estevam.

Na ocasião, tratava-se de um ensaio aberto da obra Fazendeiros e Posseiros – adaptação da peça didática Horácios e Curiácios, de Brecht. A estrutura utilizada foi bem simples, o palco dividido em duas metades por uma cerca, representando o latifúndio e os Militantes no acampamento que preparavam-se para a ocupação. Os figurinos eram simples e havia a manipulação de ferramentas de lavoura (pás, enxadas e etc).

Identifica-se, na montagem, a forma com que o Movimento dos Sem Terra produzem suas obras teatrais para o público externo. Utiliza-se uma linguagem simples, na qual  o grupo não se posiciona como dono da verdade. Eles argumentam e revelam questões que envolvem a Reforma Agrária, o Agro Negócio e a violência que o MST enfrenta em suas ações. Por fim, realizam um debate onde essas indagações e dúvidas podem ser aprofundadas.

 

Observações finais

A partir desses estudos, pudemos verificar a seriedade com que o MST vem encarando a prática teatral ao transformar o Teatro num instrumento de diálogo interno e externo ao Movimento. Em poucos anos muitas trocas parecem já ter se concretizadas.

Refletindo sobre a relação entre a Mística e o Teatro, notamos as especificidades dessas duas manifestações culturais. Percebemos, através de imagens divulgadas no jornal Brasil de Fato[116], que as Místicas estão se desenvolvendo esteticamente, construindo imagens fortíssimas nos encontros nacionais do Movimento. Essas imagens desafiam ainda mais nossa curiosidade sobre as manifestações teatrais no MST.

 

Bibliografia

 

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MORISSAWA, Mitsue. A História da Luta pela Terra e o MST. São Paulo: Expressão Popular, 2001.

PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2005.

BOAL, Augusto. Jogos para Atores e Não Atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

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Teatro União e Olho Vivo: uma perspectiva de longo

prazo de Teatro para Comunidades [117].

 

                                                                                                                                             Márcia Pompeo Nogueira[118] e Maireli Dittrich[119]

 

Palavras-chave Teatro para comunidades; teatro popular; TUOV; sustentabilidade.

 

Resumo:  Este artigo traz em linhas gerais a história do Grupo Teatro Popular União e Olho Vivo, sua fundação e, de maneira breve, fatos do inicio de sua história. Propõe ainda mostrar as premissas do grupo, sua opção de fazer teatral e como se dá a realização de suas peças. Este fator direciona o estudo para os anos atuais onde se busca, compreender os pilares de sustentabilidade do grupo.

 

Introdução

O Banco de Dados para o desenvolvimento de teatro comunidade foi criado na intenção de reunir dados sobre grupos de teatro na comunidade do país, a partir do preenchimento de um formulário on line. Estando em prática há dois anos, infelizmente, os resultados almejados estão longe de ser atingidos. Por mais que sejam enviados e-mails ou feitos contatos de diferentes formas, o preenchimento continua bastante limitado.

Tentando manter o objetivo do projeto de coletar dados sobre a prática de teatro na comunidade, optamos por pesquisar grupos específicos, de forma a redigir artigos que possam ser disponibilizados no site do Banco de Dados.

A escolha do grupo foco deste artigo foi motivada pelo trabalho de longo prazo na área do Teatro Comunitário: os grupos de teatro comunitário têm, geralmente, pequena duração, sendo raros os que conseguem estar ativos por mais tempo. Um destes grupos é o Teatro Popular União e Olho Vivo (TUOV) que está ativo há 41 anos na cidade de São Paulo.

O TUOV atua no que chamamos de “Teatro para Comunidades” (Nogueira, não publicado). Sua prática tem motivado a criação de diferentes grupos de “Teatro com a Comunidade”, isto é, grupos de pessoas de comunidades que se motivaram a criar seus trabalhos teatrais a partir do apoio do TUOV.

Mas, o que faz com que um grupo como o TUOV esteja vivo há tanto tempo? O que sustenta um grupo como este e o faz prosseguir e estar presente em vários festivais nacionais e internacionais?

Por estas perguntas fez-se uma visita à sede do grupo nos dias 14 e 15 de abril de 2007. Nossa intenção era conviver com o grupo e conhecer como fazem e por que fazem teatro. Neste sentido, o presente artigo se fundamenta em livros escritos pelo grupo e sobre o grupo, em sites da internet e da observação de um encontro de trabalho deste grupo.

A Formação do TUOV

TUOV é apelido do Grupo “Teatro Popular União e Olho Vivo”. Criado em 1966, está há 41 anos na luta por um teatro popular de qualidade, expondo seus pensamentos e ideais.

Criado por estudantes, em 1965 levava o nome de “Teatro do Onze”. Sua sede era o Centro Acadêmico XI de Agosto, do curso de direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo, USP. Seus precursores foram, entre outros, Silnei Siqueira, Neriney Moreira e César Vieira (pseudônimo do advogado Idibal Pivetta), sendo este último seu principal líder.

Duas peças de César Vieira foram precursoras do TUOV: “O Evangelho segundo Zebedeu”, foi apresentada pelo Teatro do Onze e dirigida por Silnei Siqueira e “Corinthians, meu amor”, representada pelo Teatro Casarão, grupo atuante da época que tinha sede em um casarão da Rua Brigadeiro Luiz Antonio. Após essas montagens, componentes do Teatro do XI se uniram a alguns remanescentes do Grupo Casarão para discutir idéias de teatro popular, algumas questões referentes ao público que gostariam de atingir e a circulação em bairros periféricos a preços acessíveis. (GARCIA, 1990, p.132). A primeira peça deste novo grupo foi “Rei Momo”, em 1973.

Neste período o grupo se desvincula do Centro Acadêmico e passa a se denominar “Teatro Popular União Olho Vivo”. O nome é originário do último espetáculo, Rei Momo, e se refere ao “Grêmio Recreativo Escola de Samba União e Olho Vivo”, que figurava na peça.

A Escolha do Público Alvo

As primeiras convicções firmadas pelo grupo foram as de que seu teatro, para chegar da maneira que queriam, no público que queriam, deveria ser apresentado próximo àquelas pessoas, em seu próprio território e com preço compatível ao poder aquisitivo de sua platéia.

Dessa maneira, discutiram como deveriam ser as peças, seus contextos e temas. Para “Rei Momo” escolheram a forma de desfile de escola de samba. A “ópera-samba” conta a História do Brasil em forma de revista durante a eleição do rei do carnaval em um baile no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. (CACCIAGLIA, 1986, p.143)

 

Chegou-se a conclusão de que um espetáculo com as intenções a que o grupo se propunha deveria ter ingredientes populares e trazer consigo uma mensagem de defesa dos interesses dos oprimidos (VIEIRA, 1980,p. 39).

Para essa apresentação foi retomado o terreno do Teatro do XI. A lona foi levantada pelos integrantes do grupo e as novas instalações foram adquiridas por doações e empréstimos.

As apresentações[120] foram destinadas a classe média, com preços inferiores aos dos teatros convencionais. Logo o grupo começou a receber convites para se apresentar em comunidades.

Uma das ideologias do TUOV começou a ser praticada. Passou-se a vender espetáculos para colégios e centros acadêmicos e, com esse dinheiro, cobriam-se as despesas das apresentações na periferia. Essa é chamada “Tática Robin Hood”, ainda executada.

Como os integrantes do grupo, além de fazer teatro, trabalhavam fora, o grupo decidiu que, para fazer uma apresentação era preciso saber o motivo pelo qual essa população a havia solicitado: para tal engajavam pessoas do bairro na panfletagem e divulgação.

Mas como tirar o público de casa para assistir a peça? A solução foi inspirada no carnaval. O ritmo de samba embalou apresentações: em forma de “desfile”, os moradores foram convidados a prestigiar a peça, na Zona Norte de São Paulo.

As escolhas que norteiam a proposta estética do grupo

A partir da prática, outras questões surgiram: como levar o material de cenário e figurino para o espaço sendo que, para todos os 50 membros, apenas 03 ou 04 possuíam carro? Como trabalhar a iluminação para locais que não tinham capacidade?

Foi a partir destas mesmas apresentações que as dúvidas foram sanadas. Passou-se a pensar em cenários práticos e simples: O TUOV utiliza desde então cubos pretos de vários tamanhos como cenário, que são montados a partir da necessidade da cena (um barco, um trono, etc.).

Logo em seu início o grupo já conseguia colocar em prática suas intenções. Mais que fazedor de teatro, o TUOV se mostrava transmissor de idéias.

Essa fluência de comunicação entre o grupo e sua platéia fez com que alegassem que as peças do TUOV eram manifestações políticas. Por três meses, durante o ano de 1973, ficaram sem pratica.  Parte do material fora apreendido e elementos do grupo foram detidos. (VIEIRA, 1997 p. 43)

Ao retorno das atividades vieram os primeiros convites internacionais. O grupo aceitou viajar: Polônia, França, Itália e Iugoslávia. A imprensa internacional deu grande divulgação ao grupo.

De volta ao Brasil, o TUOV continuou com suas apresentações, suas táticas e seus pensamentos. Integrantes saíram, outros entraram. Peças novas foram montadas sempre com o mesmo enfoque: “Teatro popular [que] será escrito e montado por elementos populares, com tema em defesa de seus próprios interesses, apresentado num local popular a preços accessíveis ao poder aquisitivo da população do lugar.” (VIEIRA, 1980, p.54).

No ano de 2006 foram comemorados 40 anos de grupo: desde “O Evangelho segundo Zebedeu” até “João Candido do Brasil”, última peça montada pelo grupo.

Princípios que norteiam o TUOV

O TUOV é o grupo popular mais antigo do Brasil. Como o grupo sobreviveu? O que o faz existir há tanto tempo? Mesmo a ditadura não foi capaz de desintegrá-lo. Sem dúvida, é uma trajetória surpreendente! Talvez o que tenha auxiliado nessa longevidade sejam as regras criadas pelo grupo em seu inicio:

São 20 premissas que regem o grupo, subdivididas em: Grupo, Temas, Espetáculo, Apresentações, Relação do grupo com o Bairro, Relação do grupo com a realidade social e Relação com outros grupos, originárias dos três princípios básicos:

            1 – Estrutura semelhante à de um clube de futebol: formado por pessoas humildes que pratiquem regularmente o teatro durante o final de semana e que discutam os problemas pessoais, do grupo e da comunidade;

            2 – Prática semelhante à da capoeira: para atingir aquilo ou aqueles, devem usar de indiretas cênicas para que não sejam julgados ou caçados;

            3 – Preços acessíveis às periferias e a seus moradores.

Estas “regras” criadas em 1974 vigoram até hoje, sofrendo as alterações necessárias com a época em que estão. (GARCIA, 1990 p.133)

A Opção pelo Social

As peças montadas são de cunho social. Mostram algum fator histórico contado, mas, muitas vezes, de uma maneira mais suave. São relacionados à cultura popular e a favor das necessidades e aspirações populares.

Característica deste teatro popular social, a proposta do TUOV “descarta o teatro enquanto mero entretenimento e determina um compromisso de solidariedade do produtor com os problemas e necessidade das populações periféricas (...)” (GARCIA, 1990, p.124). O teatro do TUOV quer trazer algo do povo para o povo.

Mesmo que comandado por uma pessoa de classe média, (o TUOV em seus 41 anos é dirigido por César Vieira), comumente os integrantes do grupo são de baixa renda.  Mas qualquer pessoa que sentir-se atraída pelo estilo do grupo, suas peças e pensamentos, pode fazer parte do TUOV, passando por um período de adaptação e aceitando a proposta do grupo:

(...) [O] TUOV entende que seu trabalho deve estar a serviço dos movimentos populares no processo de mobilização e organização de suas reivindicações (...) (GARCIA, 1990, p. 127).

Após uma apresentação é feito um debate com o público. Mais do que contar por que estão ali, o TUOV quer ouvir sugestões acerca da peça, das falas, das personagens, dos figurinos e do cenário. Se surgir algum comentário relevante, pode-se alterar a peça, de acordo com comentário do público e com o olhar do grupo para aquela criação.

O Processo Criativo e a base na dramaturgia

O processo de escolha de um tema não tem período para acontecer. Pode demorar meses ou anos, desde que a peça seja de acordo com os ideais do grupo. Cada integrante deve trazer de três a cinco sugestões de fatos históricos sociais, estudar e argumentar a favor da montagem desse tema. Definido este, dados e fontes históricas são trazidos para o grupo e a história vai sendo remontada a partir da visão de todos.

            É feita a coleta de informações para subsidiar a construção da dramaturgia. Cada integrante pode escolher este ou aquele fato ou personagem para que seja incluído na cena. Ao notarem que já possuem materiais suficientes de pesquisa, a comissão responsável começa a escrever o texto.

Para cada montagem são montados grupos específicos – comissões - para cuidar do figurino, do cenário, da iluminação, das músicas e da dramaturgia, sempre liderada por alguém especialista. Já tendo algo pronto fazem uma demonstração para o coletivo que opina, acatando ou propondo alterações.

Durante o processo de criação de arte vão acontecendo os ensaios.  A escolha dos personagens é feita de acordo com a desenvoltura de cada um. A vontade de fazer uma personagem pode ser acatada, dependendo da aceitação do coletivo e do diretor.

            A base da criação vem da dramaturgia. Para cada nova peça todos se envolvem, não tendo motivos para se sentirem isolados ou excluídos. Todos devem dar sua contribuição para o bem do grupo. Essa característica, conforme Garcia, foge dos padrões do teatro comercial e profissional (GARCIA, 1990 P.133).

A Busca do Acordo de Grupo

Não é difícil de imaginar que um grupo grande como o TUOV (hoje com cerca de 20 integrantes) tenha desavenças em suas relações pessoais. Para essas o grupo criou a “comissão de anteparo”. Quando existe discordância entre os participantes, esta comissão, composta pelos integrantes mais experientes, conversa, buscando resolver a questão.

Para aqueles que conhecem o grupo, é muito atraente a forma como os assuntos gerais são resolvidos: todos devem expor sua opinião. Um por um, sem censura nem crítica, vai expondo sua sugestão.

O Contato com outros grupos de Teatro na Comunidade

O grupo começou um projeto de disseminação do teatro no bairro do Jaraguá, também em São Paulo. Apadrinharam um grupo de pessoas e cederam, a estes, uma de suas peças, no caso, “Barbosinha Futibó Crubi”. O grupo, “Fonteatro” existiu por dois anos. Infelizmente não germinou. Hoje integrantes do “Fonteatro Jaraguá” estudam a possibilidade de ingressar no TUOV.

O TUOV possui uma sede própria no bairro do Bom Retiro, São Paulo. Cada final de semana uma dupla é responsável pela limpeza, organização, manutenção, etc.

Na sede, o grupo demonstra suas preocupações com o social: no galpão de madeira, que servia de deposito, habita há cerca de oito anos o Sr. Joaquim[121], enfermeiro e ex-morador de rua; um dos camarins foi transformado em “quarto” e é habitado por um dos integrantes, estudante e sem condições financeiras de pagar aluguel.

A sede também é emprestada para apresentações e recebe o encontro de artistas e teatro de rua da cidade de São Paulo.

A sustentabilidade do grupo

O que faz com que o grupo esteja firme há tanto tempo, sobrevivendo a mudança de elenco, problemas políticos, culturais, sociais e financeiros?

Não se podem tirar conclusões sobre o grupo sem conhecê-lo profundamente. Ao analisarmos as perspectivas do TUOV, não é difícil de considerar sua sustentabilidade como utópica: os integrantes são oriundos das camadas populares da população, trabalham ou estudam durante a semana e praticam o teatro nos sábados e domingos. Não recebem muitos cachês ou salário. Mas, por mais difíceis que sejam as situações pessoais ou grupais, estão lá, fiéis, trabalhando.

            Analisando a trajetória do grupo, identifico fatores que auxiliam na permanência do grupo há tanto tempo:

- A conversa no ambiente interno, onde todos têm direito e dever de manifestação, é exemplar e faz com que o grupo seja verdadeiro em suas relações e opiniões;

- As comissões, que se alteram de acordo com o projeto, permitem que todos vivenciem algo novo e aprendam um pouco de tudo, trazendo sempre à tona o interesse pelo desconhecido;

- Ter um responsável nestes 41 anos na busca de um teatro popular de qualidade;

- O amor que os integrantes sentem pelo grupo, pelo teatro, pelas questões sociais que abarcam e pela mensagem que transmitem (o mais poético e verdadeiro pilar).

Esses pilares que edificam o TUOV mostraram-se efetivos já que o grupo conseguiu se manter por todos esses anos. Será que outros grupos de teatro comunitário poderão se beneficiar deste conhecimento? Esperamos que este artigo possa contribuir para divulgar ainda mais a prática do TUOV, de forma a que sua história sirva de inspiração para outros grupos comprometidos com a democratização do acesso ao teatro.

 

7.Referências:

CACCIAGLIA, Mario. Pequena historia do Teatro no Brasil. São Paulo: Edusp, 1986.

GARCIA, Silvana. Teatro da Militância. São Paulo: Perspectiva, 1990.

NOGUEIRA, Márcia Pompeo. “Teatro na Comunidade”. Artigo não publicado.

VIEIRA, César. Em busca de um teatro popular. São Paulo: Unesco, 1977. https://paginas.terra.com.br/arte/tuov/index.htm https://www.teatropopularolhovivo.hpg.ig.com.br/index1.htm    

XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

Centro de Artes - CEART

 

017

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AÇÃO PIANÍSTICA E COORDENAÇÃO MOTORA: RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES[122]

 

Maria Bernardete Castelan Póvoas[123], Daniel Silva[124], Vânia Eger Pontes[125]

 

Palavras-chave: ação pianística - coordenação motora - interdisciplinaridade -                  técnica pianística

 

Resumo:

Este artigo representa parte da pesquisa “ação pianística e coordenação motora – relações interdisciplinares” cuja origem está no fato de o movimento, um ato motor, possibilitar a realização músico-instrumental. As bases teórico-metodológicas são interdisciplinares, com aportes na literatura sobre técnica pianística e demais áreas que tratam do movimento humano. O objetivo estabelecido para esta parte da pesquisa foi levantar e discutir argumentos interáreas, estabelecendo-se conexões teórico-práticas entre aspectos relacionados à coordenação e a atividade pianística.

 

 

INTRODUÇÃO

 

O fato de o elemento meio de uma realização músico-instrumental ser o movimento, um ato motor, é a origem desta proposta de investigação. Levantar pressupostos interdisciplinares com vistas à otimização do desempenho técnico-instrumental com base na investigação sobre o fator do desempenho coordenação motora e o estabelecer conexões teórico-práticas com a ação pianística são objetivos desta pesquisa.

 Para este artigo, optou-se pelo destaque a argumentos que definem e explicam fenômenos da coordenação e controle motor que mais diretamente se aplicam à ação pianística e que podem interferir na sua prática. Paralelamente, buscou-se mostrar que movimentos complexos, sobretudo aqueles que são necessários à execução de situações musicais que agregam dois ou mais eventos musicais, dispostos a uma média ou longa distância uns dos outros, podem ser simplificados em sua concepção inicial, por meio da redução das distâncias entre eventos quando da organização do movimento em ciclos (Póvoas, 1999). A citada redução permite que, para grande parte das situações de desempenho músico-instrumental, encontremos a trajetória demovimento mais funcional.

Ao final desta pesquisa, pretende-se avaliar se o conhecimento e o treinamento pianístico conforme a proposta, permitem que a realização de determinadas situações técnico-interpretativas sejam otimizadas tanto nos aspectos técnicos quanto musicais, por meio da realização de análises quantitativa (experimento biomecânico utilizando-se a cinemetria  ou cinematografia como método de análise) e qualitativa. O experimento será realizado no Laboratório de Biomecânica do Centro de Educação Física, CEFID-UDESC e deverá contar com o auxílio de técnicos e a participação de dois grupos de sujeitos pianistas.

 

 

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

 

Dentre os pressupostos que deram origem à proposta destaca-se aquele de Rasch quando diz que o desempenho humano é “a expressão de vários componentes denominados fatores do desempenho”. (RASCH, 1997: p.183). Esta afirmação motivou-nos a seguir no aprofundamento das relações entre aspectos pertinentes à coordenação motora e questões técnico-instrumentais.

A coordenação, na atividade humana “é a harmonização de todos os processos parciais do ato motor em vista do objetivo, da meta a ser alcançada pela execução do movimento”. (MEINEL, 1987: p.2). Coordenação significa “ordenar junto” e o significado desta ordenação se altera dependendo da atividade a que se aplica. Este fator está presente em todas as ações motoras, como na prática pianística, e influi na agilidade. (Moreira, 2000). O corpo humano realiza uma série de movimentos, que emergem de “uma integração entre o indivíduo, a tarefa e o ambiente”. (HUMWAY-COOK & WOOLLACOTT, 2003: p.02).

Quanto maior for o controle e a “perfeição” com que as ações motoras são treinadas e assimiladas, ao nível de domínio ou “integração interna”, maiores serão as possibilidade de que se tornem independentes do ambiente (Kaplan, 1987; Knapp, 1989; Rasch, 1997). Não há dúvidas de que a habilidade motora é parte integrante da prática pianística, pois que esta depende de movimentos voluntários para atingir sua meta, a realização sonora. Para esta prática utiliza-se, sobretudo, da habilidade motora fina que requer o controle de pequenos músculos das mãos e dedos, e um alto grau de precisão para tocar as teclas certas, na seqüência e tempo corretos.

Deve-se considerar que exercícios que levam as articulações além do seu arco de movimento podem causar lesão ao comprimir uma base óssea sobre outra, além de provocarem tensão muscular e estiramento nos tendões (Sakai, 2006), muito embora a flexibilidade seja um fator preponderante na ação pianística. Fink (1997) enfatiza a necessidade de uma atenção especial sobre o que denomina de “movimentos fundamentais” durante a prática quando se refere à flexibilidade. Estes seriam os movimentos relacionados ao trabalho específico para os dedos, punho, de rotação do braço, entre outros.

A coordenação motora engloba diferentes formas de manifestações, independentes entre si, e tem uma influência preponderante na agilidade (Moreira, 2000) e envolve a ação de várias articulações e pequenos movimentos que se manifestam simultaneamente com o movimento básico. Todo o corpo pode ser subdividido em segmentos que são unidades de coordenação, definida por Santos (2002) como um segmento corporal constituído por dois elementos rotatórios capazes de girarem simultaneamente em sentidos opostos.

São qualidades de proficiência da habilidade motora: a certeza em realizar, reduzir o tempo de um movimento e de minimizar o gasto de energia, o que torna a qualidade do movimento determinante para o seu sucesso (Schmidt & Craig, 2001). Atos voluntários transformados em automatismos são reflexos de hábitos adquiridos, produto final da aprendizagem motora. Para Kaplan (1987: p.45), “do ponto de vista da execução instrumental, a aquisição e posterior reorganização dos hábitos” estão na base da construção da técnica.

Torna-se essencial que a preparação dos saltos seja acompanhada da sensação corporal durante a execução do movimento utilizado, aliada ao controle cinestésico, condição para a realização de movimentos mais ágeis e no andamento adequado com maior facilidade, por exemplo, além de possibilitar uma consciência da relação entre o movimento e a obtenção de uma determinada sonoridade. Independente dos afastamentos entre segmentos (direito e esquerdo) há situações em que, para desenvolver-se uma melhor consciência das diferenças entre os movimentos essenciais para a execução de diferentes linhas musicais ao mesmo tempo, em suas particularidades de articulação, fraseado, agógica e planos sonoros, faz-se igualmente necessária uma prática minuciosa e organizada do movimento, com treinamento dos segmentos direito e esquerdo separadamente.

Hábitos motores corretos, a partir da individualização de movimentos primários (Finck, 1997) para depois reorganizá-los, permitem ao pianista direcionar sua atenção aos movimentos segmentados e ao aprendizado do conteúdo musical específico para cada mão, constituindo-se em habilidades essenciais à execução de movimentos complexos. Este tipo de treinamento é eficaz e simplifica os conceitos intelectuais e a coordenação motora (Knapp, 1989; Maggil, 2000). Desta forma, a possibilidade de simplificar movimentos em sua concepção inicial, reduzindo-os, teria suporte nestes autores.

Quanto à orientação espacial de movimentos relacionada ao planejamento de distâncias é apontada como uma das estratégias mais importantes a ser utilizada durante o treinamento pianístico. Kochevitsky (1967: p.62) refere-se à realização ao piano de “distâncias” entre eventos musicais para as duas mãos como a questão mais difícil a ser resolvida, isto devido à conformação assimétrica do teclado. As mudanças de posições devem então ser previstas e mentalmente preparadas anteriormente à realização do movimento e, quando for o caso, em direção ao evento seguinte, o que exige do pianista um planejamento do trabalho. Assim, no treinamento pianístico de um trecho musical em que as linhas a serem executadas são opostas e distantes entre si, muitas vezes, pelo fato de o executante não conseguir visualizar as duas mãos ao mesmo tempo devido à distância entre eventos, há necessidade de buscar movimentos mais objetivos e mais econômicos para realizá-las.

 Segundo Magill, “depois de praticar cada parte independentemente, o aluno pode reuní-las para praticá-las em uma única unidade, com a sua atenção agora dirigida para as solicitações da coordenação temporal e espacial da ação dos braços (...)”. (MAGILL, 2000: p. 279). É ”provável que o treino com elementos isolados se tenha revelado mais eficaz, não só porque simplificava os conceitos intelectuais, como também simplificava a coordenação motora” (CROSS apud Knapp, 1989, p.75). “[Quanto] maior for a perfeição com que é aprendido, mais a seqüência dos atos se torna independente do ambiente e mais a integração é interna” (KNAPP, 1989, p.154). Partindo-se dos pressupostos anteriores, o instrumentista deverá, primeiramente, adquirir uma forma motora ou movimento o mais próximo possível daquele que será teoricamente o mais adequado para, posteriormente, dedicar-se ao trabalho daquela forma a fim de torná-la um hábito motor.

 Para Kaplan (1987), “dissociação muscular” é o domínio das sensações de contração e de relaxamento e que além de um controle sobre as sensações, a dissociação possibilita desenvolver a capacidade de auto-observação e, igualmente, a controlar e a coordenar conscientemente o próprio corpo em função do objetivo musical a ser atingido.

Quando da escolha e utilização de técnicas e estratégias de treinamento para a execução instrumental, deve-se considerar a coordenação de movimentos discretos e complexos, caso contrário, corre-se o risco de adquirir hábitos insalubres que refletem na qualidade da técnico-sonora, entre outras particularidades referentes à saúde corporal do pianista que variam desde a ineficiência no desempenho, fadiga e mesmo danos fisiológicos “senão irreversíveis, de difícil recuperação”. (LEHMKUL & SMITH, 1997: p. 58).

O aprendizado do piano, da leitura e a formação de uma concepção musical baseada no conhecimento da teoria, desde o seu início, não prescindem do trabalho consciente dos movimentos necessários a cada nova situação de execução. O controle do movimento, quando adequado ao design da obra em estudo, abre a possibilidade de que sejam aplicadas diretamente ou ajustadas a experiências subseqüentes. O papel dos professores de instrumento na busca da excelência dos processos de aprendizagem motora ao nível de estratégias de ensino é fundamental. Torna-se essencial conduzir o aluno no sentido de uma vivência e conscientização ótimas, para que os reflexos ao nível de segurança sejam satisfatórios. Da organização do trabalho para uma prática objetiva depende o alcance de metas.

Questões relacionadas ao feedback, informações sensoriais fornecidas ao indivíduo, devem também ser consideradas durante ou após a execução de uma ação. Denominam-se feedback intrínseco (ou proprioceptivo) e feedback extrínseco (ou aumentado). O primeiro é fornecido por meio dos órgãos sensoriais (como a audição e a visão) do próprio sujeito que realizou o movimento e pode fornecer um grande número de informações sobre o movimento realizado, como nível de precisão, postura do corpo e dos membros envolvidos na ação, entre outras informações. Pode auxiliar o músico na detecção e correção de erros cometidos durante ou após a conclusão do movimento durante a execução de uma peça; torna-se mais efetivo em ações que envolvam movimentos lentos e voluntários, pois assim o executante pode fazer compensações durante a ação. O mesmo não acontece em movimentos rápidos devido ao tempo de resposta não acompanhar o tempo de execução do movimento. (Piekarzievcz, 2004). Quando a ação planejada não alcança sua meta, esta pode estar sendo prejudicada por algum erro no planejamento do movimento, tendo o feedback nesse caso uma função de detectar quais aspectos estão influenciando nesse desempenho.

O feedback extrínseco ou aumentado é fornecido ao indivíduo que executou o movimento a fim de informar-lhe a respeito de suas ações e tem um papel importante no transcorrer do processo de aquisição de uma habilidade motora. Pode ser fornecido pelo professor sobre um movimento executado ou  através de uma gravação sonora ou áudio-visual do desempenho. (Maggil, 2000). O professor pode selecionar e enfatizar, primeiramente, o padrão de movimento mais importante envolvido na ação e, depois que o aluno tenha dominado esse padrão, progressivamente fornecer feedback sobre outros aspectos do movimento. (Schmidt e Wrisberg, 2001). O feedback auditivo referente aos parâmetros musicais, têm um importante papel no processo de memorização, influenciando na leitura musical e no desempenho das peças estudadas. (Finney e Palmer, 2003).

O feedback quando dado após a execução de uma ação correta, é chamado de feedback de reforço. Tem a função de assegurar uma maior confiança na ação desempenhada e aumentar a probabilidade que esta ação será repetida em outra situação semelhante. Chiviacowsky e Tani (1997) apontam a importância de desenvolver-se o chamado reforço subjetivo, em que o executante desenvolve a sensibilidade de detecção e correção de seus próprios erros.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

 

Entre as ações realizadas para este trabalho estão: a revisão de literatura articulada em dois eixos, o primeiro percorre abordagens técnico-teóricas da área pianística; o segundo eixo se refere aos pressupostos interdisciplinares de áreas que tratam do movimento humano e que nos permitem estabelecer conexões entre a ação pianística e a coordenação motora, com o objetivo de justificar a proposta de que movimentos complexos podem, em sua concepção inicial, ser reduzidos e, por conseqüência, simplificados. A proposta de simplificar movimentos complexos, por meio da redução de distâncias, foi inicialmente avaliada aplicando-se o recurso à nossa prática e à orientação de alunos em situações musicais específicas. As opções de organização são construídas a partir do texto musical e, posteriormente, aplicadas, observadas e avaliadas quanto a sua operacionalização na prática.

A Figura 1 ilustra um dos trechos escolhidos onde foi aplicado o recurso de redução das distâncias entre eventos visando otimizar o desempenho a partir da orientação da trajetória do movimento a ser seguida. O movimento deve seguir no sentido parabólico e paralelo para os segmentos direito e esquerdo (braços e mãos). No compasso [15], por exemplo, cada ciclo de movimento pode iniciar “tocando-se” as oitavas acentuadas (>) com um gesto para baixo e para a esquerda que serve de impulso para atingir os acordes (m.d., m.e.) em stacatto (.), seguindo-se um movimento para cima e para a direita, em arco (discreto), a partir do próprio acorde que, por sua vez, serve de impulsão para atingir a oitava seguinte ou um novo ciclo. O desempenho é otimizado se os movimentos forem executados de forma contínua, evitando-se um excessivo movimento do punho para baixo na execução dos acordes que devem ser tocados na continuidade do movimento iniciado nas oitavas. O procedimento contrário causa um maior dispêndio de energia: aumenta a trajetória e diminui a velocidade do movimento.

 

 

 

 


                                    

 

 

 

 

 

 

Figura 1a: Prelúdio 18 (compassos [14]–[16]).

Fonte: CHOPIN, 1996: p.37.

 

 

Em um primeiro momento pode-se experimentar os ciclos tocando-se as oitavas e acordes em uma mesma altura, ou suprimir a oitava superior para entender mais facilmente as relações harmônicas por meio da simplificação do movimento através da redução da distância para, somente depois, executar os eventos na altura em que estão escritos.

 

 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Figura 1b: Redução do movimento - supressão de oitavas. Oitavas suprimidas. Prelúdio 18 (compassos [14]–[16]). Fonte: CHOPIN, 1996: p.37.

 

 

Para a realização do trecho musical anterior, o movimento proposto segundo os ciclos de movimento e os objetivos desta pesquisa, consta de movimentos no sentido parabólico e no sentido horário. Neste modelo, a orientação serve para ambas as mãos. Estratégia equivalente àquela utilizada no modelo anterior (Figura 1) foi aplicada à situação técnico-musical mostrada na Figura 2a e 2b (redução), mostrando-se igualmente funcional.

 

 
 

 

 

 

 

 

 

 

 


Figura 4a: Étude XII, “Pour Les Accords” (comp. [1]-[3]) de Debussy. Fonte: DEBUSSY (1916, p.26)

 

 

 

 

 

 

 
 

 

 

 

 

 

 

 


Figura 4a: Redução do movimento - supressão de oitavas. Étude XII, “Pour Les Accords” (comp. [1]-[3]) de Debussy. Fonte: DEBUSSY (1916, p.26).

 

 

 

 

4 DISCUSSÃO E RESULTADOS

 

A aplicação dos modelos na prática de alunos apresentou, no decorrer das aulas semanais, uma melhora significativa no resultado técnico e interpretativo de execução. Observou-se uma melhora no nível de atenção ao resultado sonoro. A questão mecânica, uma vez superada pela compreensão das possibilidades e superação dos limites deixou de ser, em muitos casos, o principal foco do treinamento. Os alunos sentiram-se mais seguros e passaram a desenvolver, cada vez mais e com maior prontidão, a capacidade de encontrar as melhores soluções mecânicas em função das solicitações de execução da peça em estudo.

Com a prática de redução e simplificação de trechos musicais mais complexos, em termos de densidade da escrita e de seqüência de eventos a serem executados dispostos à média e longa distância entre si, os alunos tiveram oportunidade de pesquisar, experimentar, tentar possibilidades e de comprovar suas próprias opções ou aquelas orientadas pelo professor. Verificou-se, na maior parte das experiências pessoais e com alunos, que a preparação de um ato motor complexo a partir de sua prévia simplificação de movimentos por redução das distâncias, abre a possibilidade de que mais rapidamente se adquira e domine a habilidade motora de executá-los.

A possibilidade de sucesso e de atingir patamares de desempenho além dos habituais, após a comprovação da eficiência do mecanismo adotado a partir da experiência pessoal, tem se mostrado motivadora. Detalhes sobre os “acertos” são discutidos e reafirmados com o objetivo de se estabelecer hábitos motores funcionais permanentes. Dizemos funcionais porque quando o foco é encontrar a solução técnica mais adequada para execução de uma situação musical específica e em função da melhor mecânica do movimento para um(a) aluno(a) em particular, as características individuais de cada um devem ser consideradas. 

 Dependendo do tempo de experiência com o piano e da densidade da escrita é necessário que movimentos discretos (dedos, punho) sejam trabalhados separadamente, ou que a parte destinada ao trabalho dos segmentos direito e esquerdo sejam praticados individualmente. A individualização ou fragmentação de movimentos simplifica os conceitos intelectuais, como também a coordenação motora. Esta estratégia permite ao pianista concentrar sua atenção no movimento dos segmentos separadamente e aprender o conteúdo musical (partitura) determinado para cada mão (ou lado do corpo) sem o compromisso de fixar-se na coordenação de todo o conjunto de eventos musicais ao mesmo tempo. O aprendizado pode ser otimizado e, conseqüentemente, o tempo de estudo. Posteriormente, as ações podem ser reorganizadas, constituindo-se assim as habilidades motoras necessárias para a execução do trecho musical na sua totalidade.  Este tipo de trabalho auxilia no sentido de evitar, desde os primeiros contatos com uma obra, contrações corporais desnecessárias, facilitando o controle e a coordenação dos movimentos.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Com base nos pressupostos levantados e na aplicação do recurso proposto em situações de estudo e de aula, verificou-se que a preparação de um ato motor complexo a partir de sua prévia simplificação mostra-se eficiente, pois possibilita a aquisição da habilidade motora de executá-lo em espaço de tempo menor do que em situações de execução equivalentes em que o recurso não foi aplicado.

A aplicação dos modelos (1 e 2) mostrou que, para a sua execução pianística, faz-se necessária uma prática atenta ao percurso dos movimentos, uma vez que hábitos motores corretos são transferíveis para situações similares ou adaptáveis a situações semelhantes. Deve-se também considerar o fato de que, sobre o trabalho intensivo de habilidades motoras, desenvolvem-se hábitos sobre os quais nosso domínio técnico se fundamenta. Estabelecer-se hábitos motores corretos desde o início do estudo do piano ou mesmo em níveis mais avançados da experiência musical torna-se um procedimento essencial para o desenvolvimento do trabalho técnico-interpretativo e de sua eficiência.

A evidência de que a prevenção e a solução de problemas que interferem no desempenho instrumental estão, em grande parte, em argumentos de áreas, como fisiologia, ergonomia, biomecânica vem, cada vez mais, justificando a realização de estudos interdisciplinares e de procedimentos experimentais. Métodos de análise biomecânicos possibilitam medições de parâmetros cinemáticos de movimentos executados por pianistas e os resultados, tanto os matemáticos quanto visuais, podem ser essenciais no auxílio e avaliação de diferentes fatores que interagem no desempenho do instrumentista.

A investigação e formulação de recursos técnicos, aplicáveis a situações específicas de execução, traz à tona argumentos que auxiliam no desenvolvimento de estratégias de treinamento músico-instrumental, ao mesmo tempo em que ampliam as possibilidades de melhoria no nível do desempenho pianístico. As informações até então obtidas poderão contribuir como fonte de informação para profissionais e alunos. O diálogo interáreas e as conexões resultantes constituem-se em um campo de investigação ainda em aberto na pesquisa em práticas músico-instrumentais, no Brasil.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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SHUMWAY-COOK, Anne; WOOLLACOTT, Marjorie H. Controle motor: teoria e aplicações práticas. 2. ed. Barueri: Manole, 2003.

  

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TÉCNICA PIANÍSTICA E COORDENAÇÃO MOTORA: RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES COM VISTAS À APRENDIZAGEM MOTORA[126]

 

                                                           Maria Bernardete Castelan Póvoas[127], Vânia Eger Pontes[128].                                                  

 

 

Palavras-chave: Técnica pianística. Coordenação motora. Interdisciplinaridade.

 

 

Resumo: Esta investigação faz parte da pesquisa Ação Pianística e Coordenação Motora: Relações Interdisciplinares, na qual propõe-se realizar um estudo relacionando aspectos da técnica pianística com o fator do desempenho coordenação motora, estabelecendo-se conexões entre questões técnico-instrumentais e argumentos de áreas como ergonomia, cinesiologia e biomecânica.

 

 

Introdução

 

  Para um melhor aproveitamento e aprimoramento do movimento durante a ação pianística, realizou-se um estudo sobre técnica pianística e coordenação motora e foram selecionados assuntos ligados ao conceito de aprendizagem motora para um maior aprofundamento, sendo eles: classificação de habilidades motoras, processo de aprendizagem e tipos de prática. Além dos objetivos de estudo ja citados,  neste trabalho primou-se também por realizar correspondências entre o material estudado e a prática pianística. Utilizando-se os ciclos de movimento, verificou-se se este recurso técnico-pianístico de flexibilização do movimento proposto por Póvoas (1999) integraria em suas estratégias conceitos relacionados à coordenação motora e se poderia ser classificado como um recurso técnico-instrumental interdisciplinar. Dentre as ações inseridas neste trabalho,foram realizados levantamento e aplicação de exercícios para o desenvolvimento de uma maior consciência do membro superior; pesquisa bibliográfica em áreas selecionadas, visando o favorecimento do estudo ao piano através da  interdisciplinaridade. Os bolsistas da presente pesquisa, sob orientação, fizeram uso do princípio de relação impulso-movimento – ciclos de movimento (Póvoas, 1999), com o intuito de otimizar o estudo pianístico, visando um trabalho mais eficiente em função do resultado sonoro pretendido e, paralelamente a este estudo, fez-se conexões com a bibliografia pesquisada.

 

Resultados

 

A partir da seleção de situações técnico-musicais estudadas, mostra-se a seguir um exemplo de aplicações de procedimentos pesquisados em trecho em que estabeleceram-se correlações interdisciplinares que podem auxiliar na avaliação risco – benefício quando de sua utilização.

 O trecho referente à Figura 1 mostra uma passagem musical que consiste de distâncias entre eventos[129] de oitavas e acordes a serem percorridas através da realização de movimentos rápidos, movimentos estes considerados complexos já que possuem várias mudanças de direção em um curto espaço de tempo.  Para mudar a direção de um movimento com trajetória em linha reta, a única opção é interrompê-lo, vê-se que não há como manter o movimento regular. O princípio de relação impulso-movimento – ciclos de movimento (Póvoas, 1999) foi utilizado como auxílio neste trecho, dentre outros. Observando-se a Figura 01 estão as setas, seus sentidos côncavo e convexo que orientam a trajetória do movimento por uma inflexão do punho. Para a realização da trajetória ilustrada pela seta convexa entre o primeiro evento e o segundo evento o punho, como condutor do movimento, deve iniciar de uma posição mais baixa ou paralela ao teclado e, por um impulso que serve de trampolim, atingir o segundo evento. Deste segue, por um movimento no sentido côncavo gradativo na medida em que realiza o(s) evento(s) dentro da linha (seta), até o quarto evento, onde retoma a posição inicial, e assim por diante.

    

Figura 01 - Aplicação do princípio proposto por Póvoas (1999), no trecho referente aos compassos [142] a [145] do Allegro marcato.

Fonte: GINASTERA, 1954, p. 05 e 06.

                                                                                                                              O uso do gesto de deslocamento do punho no sentido parabólico é um recurso que permite a mudança de direção em uma trajetória sem a interrupção do movimento, realizando-o com maior regularidade. Com este tipo de direcionamento da técnica tem-se uma maior consciência do controle cinestésico, que produz informações sobre “a posição das partes do corpo relativas umas às outras; a posição do corpo no espaço; os movimentos corporais; a natureza dos objetos com os quais os corpo estabelece contato”. (HAYWOOD & GETCHELL, 2004, p. 187).

 

Discussão

 

Coordenação Motora

 

A coordenação do movimento é uma “ordenação, organização de ações motoras no sentido de uma meta determinada, bem como um objetivo” (FOSTER, 1902 apud MEINEL, 1987, p.3). De acordo com Turvey (1990) apud Magill (2000, p. 38), “coordenação é a padronização dos movimentos do corpo e dos membros relativamente à padronização dos eventos e objetos do ambiente”. Tocar piano subentende a realização de uma série de movimentos complexos que devem acontecer de forma organizada, em concordância com alguma referência ou texto musical. Há uma interação entre a realização dos movimentos do pianista e à mecânica do piano. 

 

O desenvolvimento das habilidades motoras dos diversos tipos – para atender às exigências musicais de uma partitura – consiste, principalmente, em melhorar a rapidez e a precisão com que o sistema nervoso central coordena a atividade. (KAPLAN ,1987, p. 20).

 

 

A coordenação motora está ligada a uma séria de fatores determinantes na realização do movimento, “inúmeros fatores e processos isolados [...] atuam conjuntamente num movimento simples”, (MEINEL, 1987, p. 03), o mesmo autor acrescenta que

 

na anatomia funcional como na cinesiologia são compreendidos por coordenação de movimento, em primeiro lugar, ordenações comprovadas na atividade de cada músculo e de grupos musculares. A biomecânica considera sob o conceito de coordenação os parâmetros codeterminantes do decurso do movimento, sobretudo os diferentes impulsos de força a serem coordenados na ação motora. (MEINEL, 1987, p. 02).

 

 

Aprendizagem motora

 

De acordo com Shumway-Cook & Woollacott (2003)  a prendizagem é definida como a aquisição do conhecimento ou da capacidade. Aprendizagem motora diz respeiro ao ganho relativamente permanente de habilidades associados à prática ou à experiência ( Schmidt & Lee 1999 apud Haywood & Getchell, 2004).

De acordo com Shumway-Cook & Woollacott (2003, p.02), o corpo humano realiza uma série de movimentos, que emergem de “uma integração entre o indivíduo, a tarefa e o ambiente” e estes movimentos são coordenados pelo controle motor, entendido como a capacidade de orientar ou regular os mecanismos essencias na realização do movimento.

O processo de aprendizagem, em seu decorrer (Magill, 2000), pode ser observado de acordo com quatro características gerais do desempenho: aperfeiçoamento, consistência, persistência e adaptabilidade. - O aperfeiçoamento trata de situações em que a habilidade, se realizada corretamente, ao longo do tempo apresenta-se aperfeiçoada. É importante salientar que se a aprendizagem da habilidade for ineficiente ela pode piorar ao longo do tempo; - a consistência, nela os níveis de desempenho melhoram mais rapidamente de uma tentativa para outra à medida em que a aprendizagem avança, não como no início em que há mais variações nos níveis de consistência; - a persistência, de acordo com Magill (2000) é a terceira característica geral observada na aprendizagem, onde o desempenho aprimorado é marcado por quantidade maior de persistência,  “a capacidade de desempenho melhorada se estende por períodos maiores”(p.137); - a adaptabilidade mostra que cada vez que desempenhamos uma tarefa as condições, sejam emocionais ou ambientais, estão diferentes, por mínimas que sejam e adaptamo-nos a elas e o desempenho continua sendo bem sucedido. Como se pode perceber, além da dedicação do indivíduo, a aprendizagem de uma nova habilidade depende de diversos fatores, que podem ser observados e aperfeiçoados para o sucesso da tarefa pretendida, seja ela qual for.

No processo de aprendizagem pianística são visíveis as transformações das características comentadas no parágrafo anterior, na prática pianística busca-se constantemente o aperfeiçoamento e um desempenho consistente. Devido à dificuldade de deslocar seu instrumento pessoal à locais de recital, o pianista, ao decorrer de sua carreira, toca em pianos que apresentam variações mecânicas entre si. Este é um exemplo prático de adaptabilidade. Mesmo que o estado de algum instrumento dificulte a execução de algumas passagens, o profissional adapta-se e seu desempenho não necessariamente será prejudicado, isto dependerá também, em parte, da consistência em seu processo de aprendizagem.

 

Classificaçao de habilidades motoras

 

Define-se como habilidade motora habilidades que exigem movimento voluntário corporal para atingir uma meta (Magill 2000). Os tipos de habilidades são muitas e diversas, por exemplo, tocar piano, acertar a bola com a raquete no jogo de tênis, arremessar uma bola no beisebol, dançar, dirigir um carro, andar de bicicleta, dentre outras. Além da habilidade, outros fatores influenciam no controle motor, o fator afetivo e também cognitivo, capacidade de concentração e de raciocínio. Magill (2000) relata que muitos enfoques foram desenvolvidos para classificar as habilidades motoras, mas considera quatro deles: precisão do movimento, caráter bem definido dos pontos iniciais e finais, estabilidade do meio ambiente e controle por feeedback ( retroinformação).

Schimidt & Wrisberg (2001) explicam três esquemas classificação de habilidades os quais adotaremos para a explanação deste assunto. O primeiro esquema tem como base o modo como o movimento é organizado. Este primeiro sistema de classificação engloba por sua vez, tipos de habilidades denominadas habilidade discreta, habilidades seriadas e habilidades contínuas. A habilidade discreta caracteriza-se por ser geralmente de breve duração e ter início e fim bem definidos. As habilidades seriadas requerem um tempo mais longo, são ações mais complexas formadas a partir de uma série de habilidades discretas, neste caso a ordem dos elementos pode ser determinante no êxito da realização da tarefa. As Habilidades contínuas caracterizam-se por serem geralmente repetitivas, o que acaba por sugerir que não tenham início e fim definidos, a exemplo da natação ou do pedalar de uma bicicleta, pois que dependem de circunstâncias no momento do seu início e final (variáveis).

O segundo esquema trata de habilidades classificadas pela importância relativa dos elementos motores e cognitivos. “Em resumo, uma habilidade cognitiva é aquela que enfatiza “saber o que fazer”, enquanto uma habilidade motora enfatiza, principalmente, a “execução correta”. (SCHIMIDT & WRISBERG, 2001, p.21). Um exemplo dado pelos autores citados é o do jogo de xadrez em que a velocidade com que se move a peça (habilidade motora) não tem o mesmo grau de importância quanto à decisão de estratégia adotada pelo jogador (habilidade cognitiva). De acordo com este sistema, o modo mais apropriado de classificação das habilidades motoras é considerar quanto de cada elemento, motor e cognitivo, contribui para a execução da tarefa. Na prática pianística observamos diferentes situações envolvendo estas duas habilidades. Quando não se está seguro com relação às notas ou estrutura de uma certa passagem musical, vê-se que a habilidade cognitiva interfere na habilidade motora. O executante não poderá realizar o movimento cosistentemente já que não tem certeza da direção ou do percurso do movimento, ou seja, do objetivo de sua trajetória.

O terceiro esquema de classificação leva em conta o nível de previsibilidade ambiental. Neste esquema trata-se de habilidades fechadas e abertas. As habilidades fechadas são aquelas realizadas em ambientes estáveis e previsíveis, como em situações em que se realizam séries de ginástica ou se nada sozinho na raia de uma piscina. Já nas habilidades abertas, o ambiente em que a ação é realizada é imprevisível e variável, como em situações de um jogo de tênis em que se golpeia a bola após seu quique. Neste caso “o executante deve utilizar os processos de precepção, reconhecimento de padrão e tomada de decisão para ajustar o movimento, geralmente em uma pequena quantidade de tempo”. (SCHIMIDT & WRISBERG, 2001, p. 22). Na prática pianística este tipo de habilidade é comum, pois em muitos momentos tomam-se decisões em um curto espaço de tempo sem que haja interrupção da música. Um exemplo seria o de momentos em que o instrumentista tenha um suposto lapso de memória, ele precisa dar continuidade à música, seja retomando de outro trecho da partitura ou improvisando.

 

Tipos de Prática

 

Com o treinamento de determinada habilidade, pretende-se desenvolver a habilidade de tocar piano e, para isto, várias tarefas devem ser realizadas até obter determinados graus de prática necessários na realização da habilidade. “O problema que confronta professores [...] é como seqüênciar a prática de uma variedade de tarefas dentro de uma sessão, a fim de maximizar a aprendizagem.” (SCHIMIDT & WRISBERG, 2001, p. 247). Dentre inúmeros estudos existentes sobre este tema, considerar-se-á duas escalas ou seqüênciamentos de prática a partir de informações encontradas em Schimidt & Wrisberg (2001), a prática em blocos e a prática randômica. Estas influem na aprendizagem e seus efeitos serão aqui comentados. Suponhamos que um indivíduo preste-se a aprender duas ou mais tarefas razoavelmente diferentes (como parafusar um parafuso, recortar uma folha de papel e abrir uma lata com abridor), na prática em blocos uma situação comum é a de treinar repetidamente a mesma tarefa. Os objetivos são de fixação, refinamento e muitas vezes o indivíduo só passa para a próxima tarefa quando a anterior já pode ser realizada com o desempenho satisfatório.

Já na prática randômica realizam-se diferentes tarefas sem ordem específica, evitando-se ou diminuindo o número de repetições consecutivas de uma tarefa, “a ordem de treinamento de um número de diferentes tarefas é interligada, ou combinada, durante os períodos de prática, [...] os aprendizes [...] em casos mais extremos nunca desenvolvem a mesma tarefa duas vezes seguidas.” (SCHIMIDT & WRISBERG, 2001, p. 247).

No estudo do piano podem ser observados estes dois tipos de prática entre os estudantes, porém, com base em estudo e orientações, percebe-se que a prática randômica é a mais eficaz. (Schimidt & Wrisberg 2001). Com relação à aprendizagem, a prática randômica mostra-se mais eficiente do que a prática em blocos, a qual acarreta em um melhor desempenho apenas na prática inicial da tarefa. No caso da aprendizagem e estudo pianístico, a prática em blocos que sugere inúmeras repetições é usada, mas sugere-se que sejam tomados certos cuidados. Há risco de ineficiência no desempenho técnico instrumental, já que a atividade de tocar piano envolve diversas estruturas corporais e todo movimento realizado repetidamente por um longo intervalo de tempo ocasiona gasto de energia, havendo risco de o indivíduo  entrar em estado de fadiga muscular devido ao fator peso e ao tamanho da estrutura segmentar envolvida neste contexto: dedos e mãos. A alternância de tarefas mostra-se eficiente, pois, possivelmente, haverá utilização de outras posições e movimentos corporais de acordo com a variedade ou não de elementos textuais contidos na partitura.

 

Conclusão

 

A utilização do  princípio de relação impulso-movimento – ciclos de movimento (Póvoas, 1999) auxiliou no sentido de desenvolver o controle motor, como em situações de precisão em passagens que exigem saltos com trajetórias longas entre eventos, aumentando as possibilidades sucesso na execução pianística, já que possibilita uma maior percepção da posição dos membros superiores em relação teclado.

A partir das informações pesquisadas e conexões traçadas entre as áreas do conhecimento selecionadas, conclui-se que tocar piano é uma habilidade que pode ser auxiliada a partir de diversas vertentes. Na aprendizagem motora não subentende-se que  serão aprendidas apenas habilidades de forma correta, movimentos e hábitos incorretos também são incorporados à tarefas diárias realizadas pelo ser humano. Por isto, há uma série de fatores a serem observados, tais como a postura corporal, a eficiência do método utilizado para a aprendizagem, o meio em que a tarefa deve ser realizada ou aprimorada e outros demais fatores tais como a quantidade de força empregada durante o treinamento, intervalos entre períodos de prática ao instrumento, entre outros.

Na ação pianística tem-se a prática randômica como auxiliar na aprendizagem, além de auxiliar na manutenção das estruturas envolvidas, previne fadiga ou possíveis lesões. Um maior contato com conceitos e pressupostos básicos de áreas que estudam a coordenação motora, aprendizagem motora, técnica pianística e demais áreas que tratam do movimento possibilitam um maior entendimento das habilidades desenvolvidas por pianístas e fornece subsídios para o aperfeiçoamento do desempenho.

 

Referências Bibliográficas

 

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MAGILL, Richard. Aprendizagem Motora: conceitos e Aplicações. São Paulo: Edgard Blücher, 2000.

 

MEINEL, Curt. Motricidade I: Teoria da Motricidade Esportiva sob o Aspecto Pedagógico. São Paulo: Ao Livro Técnico, 1987.

 

PÓVOAS, Maria Bernardete Castelan Póvoas. Princípio da Relação e Regulação do Impulso-Movimento. Possíveis Reflexos na Ação Pianística. 236p. 1999.Tese (Doutorado em Música) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul,  Porto Alegre, 1999.

 

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SHUMWAY-COOK, Anne; WOOLLACOTT, Marjorie H. Controle motor: teoria e aplicações práticas. 2. ed. Barueri: Manole, 2003.

  

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SOBRE RATOEIRA E WORLD MUSIC: MÚSICA E RELAÇÕES DE GÊNERO EM FLORIANÓPOLIS.

 

                                                           Maria Ignez Cruz Mello* , Letícia Grala Dias***

 

As representações da subjetividade feminina na música, bem como a reprodução do modelo da masculinidade no código musical têm sido objetos de análise de vários autores, como Susan McClary (1991), Krammer (1990), Citron (1993), Cusick (1994), Walterman (1993), Mello (2006) entre outros. Estes estudos analisam composições, arranjos e interpretações femininas a fim de perceber de que forma a subjetividade das mulheres que se envolvem com a produção musical alcança sua expressão. Outros estudos, como Diniz (1949), Kater (2001) e Holanda (2006), trazem à luz trabalhos de compositoras que, devido à forte dominação masculina, não apareceram no cenário musical/social de sua época.

Com o intuito de investigar o impacto que as questões de gênero exercem na produção musical atual, buscou-se com o presente trabalho investigar a atuação de algumas mulheres no cenário musical da região de Florianópolis. Para tanto, procuramos conhecer suas escolhas musicais e apresentar estratégias das quais elas se valem para ocuparem um espaço onde ainda representam uma minoria. Assim sendo, foram realizadas observações de dois universos distintos: o Grupo de Convivência do Ribeirão da Ilha e o Grupo Vocal Andara, ambos formados exclusivamente por mulheres. Tais observações se deram tanto durante ensaios quanto em apresentações, e também foram realizadas entrevistas com algumas das participantes de cada grupo.

Este trabalho segue a orientação da metodologia qualitativa de pesquisa, no sentido de enfatizar as especificidades de um fenômeno ao levar em consideração fatores como as origens e razão de ser do objeto em estudo, além de valorizar o ponto de vista dos sujeitos participantes (HAGUETTE, 1992). Essa orientação tem como uma de suas bases principais a preocupação com o processo, que é muito mais importante do que o produto final, perspectiva em que os sujeitos têm atenção especial do pesquisador.

 

 

            O Grupo de Convivência do Ribeirão da Ilha

            Este grupo é formado por cerca de trinta “senhoras da terceira idade” e existe há mais de 30 anos.

             Segundo elas, alguns homens também participaram do grupo, mesmo assim, em número reduzido. Depois destes, não houve mais participantes homens e, hoje em dia, muitas delas não desejam a participação masculina, pois alegam que não há atividades no grupo para eles e elas sentem-se mais à vontade só entre mulheres.

            Um aspecto interessante observado durante nossos encontros foi a autonomia do grupo: mesmo que algumas delas exerçam maior liderança, a opinião de todas sempre foi solicitada nas decisões a serem tomadas. Elas próprias decidem se querem/podem aceitar convites de eventos e promover atividades.

            Percebe-se que os encontros das senhoras do Ribeirão da Ilha têm como sua principal função promover atividades nas quais as participantes possam se inserir no meio social de forma mais ativa. Ou seja, nesses encontros são planejados passeios, ensaios para participação em eventos[130] e para cantar na “missa” [131], festas nas quais às vezes executam a Ratoeira, entre outras atividades.

            Tomamos como objeto de reflexão a “Ratoeira” contada a partir da experiência dessas senhoras, tanto na forma como era praticada em sua juventude como hoje, na velhice, e também a partir de breve revisão bibliográfica. A Ratoeira é uma manifestação cultural de origem açoriana que se configurou de forma específica em Florianópolis.             Daniela Bunn, citando o historiador catarinense e professor da UFSC, Vilson Francisco de Farias, diz que esse autor:

designa essa como uma cultura de base açoriana catarinense devido às modificações provocadas na cultura local, em meados do século XVIII, pelos imigrantes vindo dos Açores. Ao mesmo tempo em que adquiriam novos hábitos, os açorianos influenciavam os habitantes locais com sua vivência, [...] desde que dois grupos culturais entrem em contato surgem desde logo modificações e visões/olhares sobre a cultura do grupo oposto. (2006, p. 2)

Da mesma forma, Silva (2005) diz que a cultura açoriana do litoral catarinense deve ser entendida como “um caldeamento de culturas, uma história crioula” (p. 21).

Um dos aspectos da cultura açoriana local, ressaltado por Silva e apurado neste trabalho, é o universo “bruxólico” que, conforme esse autor é um aspecto importante na Ratoeira, por ser esta uma “prática musical eminentemente feminina”. Diz que o “‘bruxólico’ caracteriza, com seu lado sobrenatural, um poder feminino informal dentro da sociedade” (op.cit. p. 26). Sobre o mundo “bruxólico” em Florianópolis, Maluf (1993) salienta que a bruxa aparece como uma figura transgressora. Quando as mulheres abandonam ocupações designadas socialmente a elas para adentrar em espaços considerado masculinos, é chamada de bruxa. Essa atitude transgressora das regras sociais pelas mulheres representa um perigo à autoridade masculina. Conforme a autora:

A bruxa representa uma inversão dos papéis masculinos e femininos construídos pela sociedade, o que confere um poder às mulheres e ameaça a autoridade masculina (MALUF, 1993 apud Silva, 2005 p. 27).

 

                 Sendo cantada e dançada, a Ratoeira é uma brincadeira na qual, em roda, os participantes entoam versos improvisados[132], intercalados por uma espécie de refrão onde todos cantam. Segundo relatos de algumas senhoras do Ribeirão, os versos eram destinados a um pretendente de namoro: “Hei, você que está tão longe/Venha aqui mais para perto/A minha vista está cansada/De te ver neste deserto”.

Elas contam que hoje não se faz mais a Ratoeira com o intuito do namoro, como era no passado. Quando cantam, ou é para alguma apresentação ou para se divertirem apenas. Percebe-se então que a Ratoeira passou, ao longo dos anos, de interação amorosa entre jovens à manifestação artística, apresentando propósitos diferenciados da sua função original. Atualmente somente mulheres praticam a Ratoeira, configurando-se assim numa prática basicamente feminina.

Pôde-se perceber, portanto, que através desta ressignificação, a Ratoeira que na juventude destas mulheres era tida como uma forma de diversão atrelada ao namoro e à paquera, na velhice passou a ser vista como manifestação artística, e como forma de manterem-se inseridas e ativas na sociedade.

 

 

            O Grupo Vocal Andara

            Este é um grupo vocal formado por oito mulheres, na faixa dos quarenta anos, originado em Florianópolis. As integrantes vêm de diferentes lugares: Argentina, Uruguai e Brasil (RS e SC), e além das vozes, o grupo conta também com instrumentos de percussão como balafon, reco-reco, charango, tambor marroquino, ovinho, caxixi, pau-de-chuva, chocalho andino, pandeiro, tambor, castanholas, bumbo-leguero, xequerê, clavas, moringa, djambé, triângulo, repinique e também alternativos como “caixa sonora, peneira, chulé-fone”.

            A iniciativa de formar o grupo surgiu por parte de uma das integrantes que resolveu se articular e convidar pessoas que gostassem de cantar para fazerem um trabalho com canto. A partir daí surgiu o grupo Andara. Também relataram que já antes desse encontro algumas delas haviam formado um grupo coral na Costa de Dentro (bairro de Florianópolis). É interessante ressaltar que essa primeira formação do grupo vocal deu-se devido aos encontros que aconteceram em função de uma condição basicamente feminina que tinham em comum: todas eram mães e se reuniam em por causa dos filhos pequenos. Descobriram a partir desses encontros uma outra condição em comum: todas gostavam de cantar.

            Segundo Silvia, uma das integrantes do grupo Andara, há grande afinidade musical com grupos como Anima (de Campinas –SP) e Mawaka (São Paulo - capital) que já possuem um espaço bem conquistado na mídia, tendo sido estes dois grupos as maiores influências estéticas do grupo.

No repertório do grupo Andara encontram-se músicas da tradição oral brasileira e também gêneros variados, numa fusão de estilos e sonoridades, assim como canções de culturas diversas. No repertório aparecem músicas como: Malaika (canção de ninar africana), Ojos Azules e Dona Ubenza (carnavalito argentino e baguala argentina), Fiandeiras (tradição oral brasileira), Mais de Oito (Comadre Fulozinha) - essas com arranjos realizados pela regente Vitória Aftalión, além  de Manan Ciroua (canção haitiana) com arranjo de Geraldo Dirié.  Desta forma, a música do grupo está fortemente ligada à reprodução, resgate e ressignificação de músicas étnicas, numa conformação que mescla, funde e une vários elementos de gêneros musicais e culturas diversas. Este tipo de fusão caracteriza o que atualmente vem sendo chamado de World Music.

            Estas mulheres ressaltam que o objetivo do grupo não é o de realizar um trabalho comercial, mesmo que busquem estratégias para seu reconhecimento. As integrantes enfatizam que o objetivo do grupo é  celebrar a vida, e procuram  expressar com a música um compromisso com valores éticos e ideológicos de cada uma.

 

A partir do estudo destes grupos, pode-se inferir que as mulheres que os integram não seguem as regras de um mercado competitivo. Ambos os grupos fazem parte de um circuito não comercial de música, ligados a um imaginário de comunhão e fraternidade, entre membros de uma comunidade real (como as mulheres do Ribeirão) ou entre musicalidades do mundo todo (como as músicas do grupo Andara). Neste universo musical unplugged, acústico, que parece ir na contra-mão do mercado fonográfico, a força condutora vem da união de “energias femininas”. A Word Music e a Ratoeira representam nesse caso, formas de expressão musical sustentadas tanto pela subjetividade feminina como pela força da cultura popular.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

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XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

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RELAÇÕES DE GÊNERO E A MÚSICA POPULAR BRASILEIRA:

UM ESTUDO SOBRE AS BANDAS FEMININAS.[133]

 

 

                                                                                                     Rodrigo Cantos Savelli Gomes[134], Maria Ignez Cruz Mello[135].

 

 

PALAVRAS-CHAVE: relações de gênero e música; bandas femininas; etnomusicologia.

 

RESUMO: Esta comunicação trata da temática das relações de gênero na música popular brasileira a partir da perspectiva etnomusicológica, investigando a participação das mulheres em grupos de música popular, especialmente no rock, samba, pagode e hip-hop. Através de relatos, observações e pesquisa em diferentes mídias, procuramos apontar para os diversos espaços que vêm sendo ocupados atualmente por estes grupos femininos, bem como para os diálogos que vêm sendo estabelecidos entre eles, e de que forma a organização dos mesmos tem possibilitado a contestação e a transformação dos papéis de gênero vigentes.

 

 

Esta investigação tem como objetivo refletir sobre como as relações de gênero, instituídas de poder, prestígio, hierarquia e discriminações, afetam, modelam e estruturam o discurso e a performance[136] musical das integrantes das bandas femininas da região da Grande Florianópolis, Santa Catarina. Pretende-se, assim, discutir em que medida a produção e o discurso musical das integrantes destas bandas revelam questões relacionadas à temática de gênero, seja através da organização social no momento da performance musical, seja através das letras das canções, das narrativas recolhidas através de entrevistas e depoimentos, bem como dos processos composicionais empregados pelas musicistas.

 Sendo a música uma das manifestações culturais mais próximas do cotidiano das pessoas, esta pesquisa parte do princípio que a mesma pode estar diretamente afetada por essas determinações (BRETT e WOOD, 2002)[137], seja reproduzindo, afirmando ou contestando modelos e costumes vigentes.

Apesar do grande avanço, nas diferentes áreas do conhecimento, em estudos sobre as relações de gênero, alguns setores da sociedade ainda não exploraram o tema em seus mais variados aspectos, como é o caso dos estudos sobre a produção musical feminina.

No Brasil[138], as grandes temáticas que permeiam as discussões em torno da categoria de gênero têm pouca repercussão nos estudos sobre música, sendo abordado, na maior parte das vezes, as questões que dizem respeito ao trabalho, violência e sexualidade.

Os estudos que envolvem a questão de gênero na música brasileira apontam predominantemente para a análise do discurso embutido nas letras das canções, onde se coloca em evidência a representação feminina, os estereótipos e a imagem da mulher narrada pelos cancioneiros em seus versos.

Estes estudos são, na sua maioria, dirigidos por áreas do conhecimento alheias à musicologia, como é o caso dos estudos em Letras e Literatura (BELTRÃO, 1993; SANTA CRUZ, 1992; BARBOSA, M., 2005), Ciências Sociais e Ciências Políticas (COSTA, 2006; BARBOSA, V., 2006), História e História Social (FARIA, 2002; ERTZOGUE, 2002, VEIGA 2006; MATOS, 2004).

Outra vertente tem se dedicado a identificar onde estão as mulheres no meio musical, que funções exercem e qual a importância delas no contexto social da sua época. Nesta linha também se destacam os estudos biográficos de mulheres que tiveram significativa repercussão nos ambientes artístico-musicais de sua época (STIVAL, 2004; BARONCELLI, 1987; CHAVES, 2006; SARTORI, 2006; MEDIA, 2006; PACHECO e KAYAMA, 2006; WELLER, 2005; DINIZ, 1984; KATER, 2001; LIRA, 1978; SCARINCI, 2006).

A antropologia tem dado certo destaque a esta discussão, ao olhar para a questão de gênero e música a partir de outras culturas, principalmente as indígenas, como é o caso dos estudos em Etnomusicologia que vêm sendo realizados nas aldeias indígenas brasileiras (MELLO, 2005; PIEDADE 2004; BASTOS, 1999).

Na Musicologia, Holanda (2006) trás em sua tese[139] uma importante discussão sobre a questão de gênero na linguagem musical, acompanhada no campo da Educação Musical por Helena Lopez da Silva (2000) que conduz proveitosas reflexões em relação à construção da identidade de gênero na adolescência a partir dos usos simbólicos da música no espaço escolar. 

Desse modo, este trabalho procura fomentar o debate sobre a temática de gênero a partir da perspectiva (etno)musicológica. Para tanto, desde o início desta investigação vem-se realizando uma sondagem – tanto a nível regional como nacional – a fim de identificar a presença das mulheres nos grupos de música popular brasileira. Num primeiro momento, o trabalho consistiu em uma sondagem sobre quais são os grupos femininos, quem e quantas são as integrantes, onde moram, onde e para que tipo de público se apresentam, que instrumentos e estilos de música tocam ou cantam. Indiscutivelmente, um dado que veio à tona logo nas primeiras buscas é que a quantidade de grupos formados exclusivamente por homens supera exorbitantemente o número de grupos musicais femininos.

Algumas bandas com ideologias e/ou atitudes feministas se destacaram por expressar em suas letras o desejo pela igualdade entre os sexos, a quebra do preconceito racial e sexual ou, simplesmente, por se autodeclararem feministas em seus depoimentos e entrevistas. Curiosamente, todas as bandas encontradas classificam-se dentro do gênero rock, o que evidencia a preferência das mulheres ativistas por este gênero musical. Entre as investigadas ressaltaram-se as bandas Bulimia (Brasília/DF), Close (Olinda/PE), NoDolls (Goiânia/GO), Cosmogonia (São Paulo/SP), Dominatrix (São Paulo/SP), S.A.44 (São Paulo/SP), The Hats (São Paulo/SP), Female (Belo Horizonte/MG), Afasia (Uberlândia/MG), Insana Z (Ponta Grossa/PR).

Algumas se distinguiram por explorar através do nome do grupo a combinação excêntrica de seus integrantes, como, por exemplo, a banda de pop/rock Elas e Eu (São Paulo/SP) e o grupo de Mpb Ele por Elas (Rio de Janeiro/RJ), que identificam a sexualidade de seus membros através do nome escolhido para seu conjunto musical.

Outras bandas formadas por mulheres também fazem questão de identificar esse diferencial na sua identidade, apresentando-se como “banda estritamente feminina”, ou “banda só de garotas” como é o caso dos grupos de rock Lazy Moon (Cuiabá/MT), Punkake (Curitiba/PR), RNA (Serra/ES), Ladies Die (João Pessoa/PA), Veno (Rio de Janeiro/RJ), e a banda Jaspe (São Paulo/SP) na linha gospel.

Em Florianópolis, foram encontrados cinco grupos musicais formados apenas por mulheres. Devido à aproximação territorial, com estas bandas foi possível realizarmos uma pesquisa mais circunstanciada[140], pudemos assistir suas apresentações, registrá-las em diários de campo, áudio, fotografia e filmagens, bem como realizar entrevistas e conversas com algumas de suas integrantes. Por esta razão, foram tomadas como centro principal para a discussão deste trabalho os seguintes grupos:

 

Entre Elas. Com oito garotas e uma empresária, este conjunto de pagode vem se destacando a cerca de um ano na região, realizando diversos shows em bares e casas noturnas, apresentando-se nos principais eventos da cidade e do estado, participando, eventualmente, em programas de rádio e televisão nas emissoras locais.

Declínio do Sistema. Conjunto de hip-hop formado por três mulheres, atualmente em fase de reformulação. Trabalham com composições próprias, explorando em suas letras questões relacionadas à temática feminina, preconceito sexual e racial.

Dorotéia vai à Praia. Com cinco integrantes, este grupo realizou diversas apresentações musicais pelo Estado de Santa Catarina nos últimos anos, tornando-se um dos principais representantes na cidade no gênero rock’n’roll.

Cabeça de Alface. Formado em 2003 por três garotas, desenvolvem um trabalho de composições próprias, no estilo rock alternativo, com letras baseadas na literatura “nonsense[141].

Carpe Diem Septem. Conjunto de rock constituído recentemente por cinco adolescentes que vem, aos poucos, realizando apresentações musicais nos bares e eventos da cidade.

 

Durante esta sondagem foi possível perceber que, no rock, a presença de mulheres é muito mais significativa que em outros gêneros musicais. Isso fica claro ao perceber que, das 23 bandas citadas até então, 19 se enquadram neste gênero. A mesma constatação se deu em Florianópolis, onde das cinco bandas femininas, três são adeptas do rock’n’roll[142].

A preferência das mulheres pelo rock promoveu o surgimento de uma nova categoria ou subgênero, conhecido como “rock com vocal feminino”[143] e a promoção de encontros e festivais específicos para elas, como por exemplo, o Festival de Rock Feminino de Rio Claro (SP); Festival Nacional de Punk Feminino de Goiânia (GO); Festival de Música Mulheres no Volante de Juiz de Fora (MG); a criação da Rádio Feminina[144] de Goiânia (GO), especializada no gênero rock’n’roll; bem como a criação do programa Mundo Rock de Calcinha[145] filiado à rádio Mundo Rock de São Paulo (SP).

            Apesar da ampla atuação das mulheres neste gênero musical, o rock ainda é entendido como um universo masculino, conforme vários autores puderam constatar (JACQUES, 2007; WALSER, 1993; CHAVES, 2006; MEDIA, 2006; SARTORI, 2006). Segundo Jacques (2007) atribuições como potência, força, “pegada forte”, resistência física e poder são características presentes no rock que são mais comumente ligadas ao ideal da masculinidade, enquanto que sensibilidade, suavidade, afetividade, são características associadas ao feminino, as quais não são bem assimiladas neste gênero musical. Por esta razão, a atuação das mulheres nem sempre foi bem vista pelos adeptos do rock, considerando a presença delas uma impureza[146] (JACQUES, 2007), relacionado-as a um estilo mais comercial, subordinado ao gosto das grandes gravadoras, o que, em certa medida, pode ser usado como justificativa para a alocação em um subgênero específico para a produção feminina.

 

Alguns pontos serão levantados nesta discussão, enfatizando o discurso das mulheres entrevistadas ao longo da pesquisa. Nestas falas, percebemos que, embora as mulheres ainda formem a minoria no meio musical, já não há mais tanta dificuldade em se estabelecer neste espaço pelo fato de ser mulher.

 

“antigamente mulher pra entrar no hip-hop tinha que usar calça larga, boné, tinha que andar jogadona. A mulheres que estão entrando agora já não, tão tudo de salto, andando normal do jeito que sempre gostou, de saia curta”.[147]

 

Não só o preconceito parece ser menor, como é um diferencial e um atrativo na hora da contratação pelos bares e casas noturnas.

 

 “pelo fato de ser só mulher a gente está entrando em muitas festas pela curiosidade das pessoas”.[148]

 

“no começo, uma banda feminina é sempre super valorizada, por que não é uma coisa normal você ver uma banda com mulheres, é sempre novidade, algo que sempre atrai o público, independente do estilo ou qualidade. Então, é preciso aproveitar isso para mostrar o seu potencial. O problema é quando a banda se destaca e rola a conversa do tipo: ‘é só porque  é banda só de mulher...’”. [149]

 

“poucas mulheres se expõe no meio do rock. As que o fazem, causam surpresa, claro”.[150]

 

A justificativa para formar uma banda feminina aparece, em alguns casos, como uma alternativa para suprir a pouca oferta de grupos com essas características no mercado musical.

 

 “não tem em Florianópolis um grupo só de mulheres”. [151]

 

“o grupo começou porque queriam uma banda só de mulheres pra tocar e, como não tinha nenhuma, elas montaram essa. Foi aí que a banda começou”. [152]

 

Jacques (2007) também aponta em sua investigação sobre o rock em Florianópolis para relatos de homens que dizem que as coisas seriam mais ‘facilitadas’ para as mulheres.  “Por serem minoria, elas são tidas como diferenciais para as bandas e, para fazer parte destas, não precisariam tocar tão bem quanto os homens, pois trariam ‘glamour’” (op.cit. p.99).

 

 “a gente sabe que nosso diferencial é o fato de ser [uma banda] só mulheres, mas a gente não quer que fique só nisso, a gente quer estar nos lugares pela qualidade do nosso som, [...] não adianta ser só mulher e não tocar bem”. [153]

 

 Contudo, apesar do diferencial ser um atrativo, o caráter exótico traz uma certa desconfiança embutida de preconceito, tanto do público quando dos contratantes.

 

“Em casa noturna é assim, os caras querem que a gente toque mas falam: – ah, queria ver vocês tocar antes” . [154]

 

“há receio na hora de fechar os shows. Há uma certa desconfiança de que uma banda formada por mulheres é capaz de dar conta do recado”. [155]

 

“todo mundo ficava parado, esperando pra ver se realmente sabe tocar”. [156]

 

Quanto à peculiaridade entre homens e mulheres na execução musical, Brett e Wood (2002) levantam a questão de serem a sexualidade e o gênero audíveis ou não nas próprias notas musicais. Em seu artigo colocam a polêmica trazida pelo Jornal New York Times que, ao analisar gravações de compositoras lésbicas, “chega à conclusão que a preferência sexual, como o sexo, é inaudível”, chamando atenção de tal “conclusão ser inevitável”. Mas, os autores defendem que “as notas não se deixam tão facilmente separar de seu contexto (de execução, palco, gênero e audiência, bem como alusão musical): se despojadas de todas as associações – uma impossibilidade –, não podem gerar sentido” (BRETT e WOOD, 2002).

Esta é umas das questões que nos têm intrigado ao longo desta investigação. Até que ponto o fator gênero – e a orientação sexual, como nos estudos de Brett e Wood (op.cit.) – pode se expressar na produção musical de homens e mulheres. Ao tratar o tema a partir da análise de composições (partituras) a restrição torna-se ainda maior, visto que a “tradição musicológica esteve sempre muito mais voltada para análises formais do que para questões sensíveis às humanidades” (MELLO, 2006), como por exemplo, a performance, os espetáculos, as audiências, o contexto sócio-cultural, onde, sem dúvida, a questão de gênero desponta com muito mais evidência.

Ao questionar se há diferenças entre homens e mulheres na execução musical os relatos apontaram que é comum ouvir da audiência comparações neste sentido.

 

“a gente já escutou falar assim: – ah, pra mulher elas tocam bem”. [157]

 

“questão de técnica, isso aí, homem e mulher pode ter igual, [...] a única diferença que vai ter é a questão de agüentar um show por mais tempo, resistência por mais tempo, a força da batida, de agüentar a música inteira num pique maior”.[158]

 

No hip-hop, a técnica não se apresentou com o mesmo grau de importância, sendo que a diferença principal entre mulheres e homens aparece no discurso presente nas letras das canções.

 

“A gente luta por nós mulheres, a gente mostra a realidade das mulheres [...] e essa realidade os rapazes não mostram. Nossas músicas giram em torno da causa feminina, sempre da causa feminina. Temos até um CD que fala de saúde, tudo da causa feminina, de aborto, sobre o corpo, tudo isso”. [159]

 

Por outro lado, embora majoritariamente os relatos se encaminhem para uma minimização das diferenças entre os sexos, surge em determinado ponto uma certa desqualificação em relação à audiência feminina.

 

“é muito mais fácil encontrar homem que esta na ‘night’ que sabe diferenciar a qualidade de um som bom do que uma mulher. Nesse meio do pagode é difícil ver uma mulher tocando, então é mais difícil ela entender”. [160]

 

“as mulheres não tem muito interesse pela música, são poucas ainda. Há mais homens no mercado por que eles se interessam mais”. [161]

 

Jacques (2007) também debate sobre a questão, referindo-se especificamente ao universo do rock, onde revela que alguns autores tendem a “relacionar as mulheres mais como fãs”, sendo que a ligação delas “se dá mais pelo interesse pelos ídolos do que pela música” (op.cit. p.96).  

 

Considerações Finais

Através dos relatos, observações e pesquisa em diferentes mídias, procuramos apontar para os diversos espaços que vêm sendo ocupados atualmente por grupos femininos na música popular brasileira; os diálogos que vêm sendo estabelecidos entre esses grupos e as organizações feministas; e de que forma a organização desses grupos musicais tem possibilitado a contestação e a transformação dos papéis de gênero vigentes.

            Embora considerado um espaço masculino, percebemos ao longo do trabalho que a participação feminina no rock, abriu espaço para o surgimento de uma nova categoria – rock com vocal feminino –, bem como a promoção de eventos musicais específicos para elas, o que tem demonstrado que sua participação ao longo dos anos não as coloca como meras coadjuvantes, mas sim como condutoras de transformações significativas para este universo musical.

No hip-hop percebemos que as mulheres, em especial mulheres negras, estão encontrando um significativo espaço para fomentar discussões sobre as causas femininas, promovendo através das letras das canções a conscientização das mulheres sobre temas como aborto, cuidado com o corpo, uso de anticoncepcionais. Este também é um locus para a divulgação dos seus direitos civis, como por exemplo, licença maternidade, aposentadoria para donas de casa e domésticas, denúncia à violência contra mulheres, etc.

A crescente participação das mulheres no meio musical – seja como produtoras ou consumidoras – faz transparecer a necessidade de novos estudos e reflexões sobre o tema, que continua sendo pouco pesquisado, apesar da conquista de novos espaços e da crescente visibilidade de grupos femininos. No entanto, novos estudos demandam uma base teórica e o domínio de metodologias que ultrapassem o caráter descritivo e auxiliem na compreensão das especificidades que as relações de gênero vêm construindo no âmbito das manifestações artístico-musicais.

 

 

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PROCEDIMENTOS DE TRANSFORMAÇÃO TÊXTIL

EM TECIDO DE  MALHA[162].

 

 

Maria Izabel Costa[163], Ingrid Lagemann Isoppo[164],  Bárbara Jung da Rosa4, Melina Makowieck[165], Geise Fabiane Nazario[166] , Tadeu Damo[167], Gabriele Louise Ribeiro da Silva6

 

 

Palavras-chave: moda – design têxtil – tecido de malha – transformação têxtil

 

 

Resumo: Este texto apresenta resultados parciais da pesquisa que objetiva a criação de novos produtos têxteis, a partir da transformação da estrutura e do design de superfície do tecido de malha circular, fornecido pela empresa Sun Camisetas Ltda (SC). Aplica Procedimentos de Transformação Têxtil Estrutural, Construtivo, Colorístico e Combinado bem como a Sinética como técnica facilitadora do processo criativo.

 

A pesquisa que envolve a transformação têxtil tem sido valorizada no âmbito da moda, pois permite agregar valor técnico/estético diferenciado a um produto industrializado, proporcionando maior variedade estilística ao profissional de moda e maior otimização da matéria prima ao empresário. Pesquisar a transformação da malha circular vem completar uma série de pesquisas da UDESC, na área têxtil, como a transformação do nãotecido (COSTA,2003), pesquisa desenvolvida em parceria com a empresa Freudenberg (SP); transformação do tecido plano (COSTA, 2005), desenvolvida na disciplina Desenho Têxtil II;  e em malha retilínea (BERVIAN, 2005), pesquisa desenvolvida em Trabalho de Conclusão de Curso com a Empressa Téssere Malharia(RS). Contudo, o emprego dos Procedimentos de Transformação Têxtil ainda não foram empregados e testados com o tecido de malha circular - ponto Jersey . Acredita-se que, pode-se gerar uma série de bandeiras (amostras de tecidos) com diferencial agregado em termos de estrutura e estética de superfície. Neste escopo, coube a seguinte questão de pesquisa: como propor novas estruturas têxteis a partir da transformação do tecido de malharia circular com vistas à utilização intencional para o produto de moda?  No momento, já se  concluiu a etapa de desenvolvimento de bandeiras têxteis em laboratório experimental,  que será o foco deste artigo, e parte-se para a segunda etapa que consiste na aplicação destas amostras em coleção de moda  visando o estudo da viabilidade funcional dos tecidos criados.

 

Conforme, Ribeiro (1984, p. 63) “Tecido é um produto manufaturado, em forma de lâmina flexível, resultante do entrelaçamento, de forma ordenada ou desordenada, de fios ou fibras têxteis entre si”. Pela forma como os fio ou fibras são trabalhados para a formação de uma estrutura têxtil, tem-se diferentes tipos de tecidos. Quanto a sua formação, o autor classifica os têxteis em Tecidos Comuns (tecidos planos, formados pelo entrelaçamento de fios de urdume e trama em ângulo reto); Tecidos de Malha (constituídos pelo entrelaçamento de fios em forma de laçadas); Tecidos de Laçada (o mesmo que tecido de renda, obtido por laçadas completas em forma de nós); Tecidos Nãotecidos (desenvolvidos por tecnologia especifica que resulta na compactação de fibras e/ou fios sem que estes estejam tramados), e Tecidos Especiais (formados pela junção de mais que um tipo de estrutura acima descritas ou resultantes da adição de polímeros em forma de filmes). O tecido deve apresentar, segundo Araújo (1987, p.919), o comprimento e a largura significativamente superiores à espessura, sendo a sua resistência mecânica suficiente para lhe dar coesão.

Considerando-se a matéria prima e objeto de transformação têxtil deste estudo, abordar-se-á apenas as propriedades do Tecido de Malha.

Independentemente de sua produção (artesanal ou industrial), tecidos de malha podem ser definidos como os “resultantes da formação de laços que se interpenetram e se apóiam lateral e verticalmente, provenientes de um ou mais fios” (RIBEIRO, 1984, p. 65).

Os tecidos de malha podem ser produzidos por dois métodos básicos: urdume e trama. Para a produção de malha por urdimento, tem-se o processo que utiliza o método de entrelaçamento de malhas no sentido do urdume (sentido vertical), empregando numerosos fios que se entrelaçam lateralmente e podem alimentar uma ou mais agulhas. Caracterizam-se pela boa estabilidade dimensional e, devido a isso, não se deformam facilmente. Também, possuem menor elasticidade que os tecidos de malha por trama e são indesmalháveis.

Os tecidos de malha por trama são estruturas resultantes do entrelaçamento de um único grupo de fios entre si através de laçadas no sentido da largura do tecido,ou seja, na direção da trama – sentido horizontal. Todas as agulhas são alimentadas por um mesmo fio ou grupo de fios e as malhas são formadas sucessivamente. A malha por trama pode ser circular (produzida na forma de um tubo) ou retilínea (consiste numa malha aberta, geralmente com largura variável entre 1,40 cm e 1,60 cm, fabricada em máquinas planas). Estes artigos de malha por trama caracterizam-se pela pouca estabilidade dimensional, o que facilita a sua deformação, além de apresentarem elasticidade nos dois sentidos. São também tecidos desmalháveis. As estruturas fundamentais da malharia por trama, segundo Andrade Filho e Santos (1987), resumem-se nos pontos jersey (meia-malha), rib (canelado) e ponto reverso (links).  A malha jersey  “é formada pela repetição da laçada normal na direção das colunas e na direção das fileiras [cursos]” (ARAÚJO, 1984, p. 483). Sua principal característica refere-se ao entrelaçamento de pontos na mesma direção, no lado direito da malha, enquanto, no avesso, as laçadas aparecem de forma semi-circular. A malha jersey “apresenta um certo desequilíbrio pelo fato de o lado direito apresentar laçadas, ao passo que o lado avesso técnico só apresenta listras horizontais” (SMITH, 1989, p. 16). Por esse motivo, a malha jersey possui uma única face, ao contrário das malhas rib e de ponto reverso, ambas com duas e com a mesma aparência tanto do lado direito quanto do avesso, ainda que suas estruturas sejam completamente diferentes. Outra característica atribui-se ao fato da malha jersey desmalhar livremente em qualquer um dos lados.

O tecido da empresa Sun Caminestas Ltda, utilizado nesta pesquisa, é uma  malha de trama, de ponto Jersey (meia-malha) e, portanto, para a transformação têxtil, foram observadas estas características acima apontadas.  

Por transformação têxtil, entende-se as mudanças artesanais ou industriais, ocasionadas na estrutura do substrato têxtil (tecido), ou em seu relevo, ou na coloração ou combinação destas.

A designação de procedimentos Estrutural, Construtivo, Colorístico e Combinado surgiu a partir de pesquisa desenvolvida com o substrato têxtil nãotecido (COSTA,2003). Hoje, estes procedimentos são adotados na disciplina de Desenho Têxtil do Curso de Bacharelado em Moda – UDESC e tem propiciado a organização da prática experimental na transformação têxtil artesanal de diversos substratos têxteis.

O Procedimento Estrutural caracteriza-se pela mudança da estrutura do substrato têxtil. No caso da malha, deve-se atuar no sentido de descaracterizá-la enquanto estrutura em forma de laçada. Sendo assim, as intervenções como recorte em tiras para posterior emprego de técnicas como a tecelagem, malimo, macramé, fuxico, entre outras, são válidas.

Procedimento Construtivo é aquele que utiliza a sobreposição de tecidos uns sobre os outros, ou modifica-se a superfície do substrato a ser transformado visando dar ênfase ao relevo, textura, como também, reforço dos substratos de baixa gramatura. Emprega-se técnicas de sobreposições/apliques, “esculpimentos”, bordados, bem como matelassês e tecidos dublados, entre outras.

O Procedimento Colorístico caracteriza-se pela transformação da matéria-prima têxtil pela agregação de cor. Neste procedimento estão agrupadas as técnicas que objetivam colorir os tecidos, através de tingimento (coloração total do tecido) ou aplicar desenhos através de estamparia (coloração parcial). Várias são as técnicas de estamparia e de tingimento (tie-dye, batik, descoloramento, pintura a mão, carimbo, serigrafia, sublimação, estamparia digital, etc.).

O Procedimento Combinado, caracteriza-se pela utilização de mais que uma das técnicas descritas anteriormente. Se os procedimentos anteriores já possibilitam o desenvolvimento de uma grande quantidade de bandeiras, com este (Procedimento Combinado), as possibilidades criativas se ampliam ao máximo. Para organizar o processo criativo e melhor visualizar as possibilidades de utilização deste procedimento, empregou-se o quadro “Formação do Procedimento Combinado” (COSTA, 2003), que consiste no cruzamento dos Procedimentos de Transformação Têxteis entre si, com suas respectivas técnicas de desenvolvimento dos tecidos.

O cruzamento pode dar-se também entre técnicas do mesmo procedimento.

Além da fundamentação teórica que envolve o produto e processo da malharia e os procedimentos de transformação têxtil , o estudo a respeito da Sinética  também foi considerado para embasar a pesquisa, servindo de instrumento facilitador do processo criativo.

Para Virgolim (1994), Sinética é uma palavra de origem grega, que significa a associação de elementos diferentes e aparentemente irrelevantes. Segundo Baxter (1998, p.69), a palavra sinética é derivada do grego e significa juntar elementos diferentes, aparentemente não relacionados entre si. A técnica tem como objetivos: permitir que o indivíduo perceba a realidade de forma não corriqueira, fazendo com que um grupo de pessoas faça emergir, do nível inconsciente, várias idéias visando à solução do problema proposto; aumentar a consciência e os mecanismos que podem ser utilizados para chegar soluções novas de um problema; obter respostas de qualidade e não a quantidade delas.

A sinética reconhece dois tipos de mecanismos mentais: transformar o estranho em familiar e transformar o familiar em estranho. Este segundo recorre a quatro tipos de analogias: analogia pessoal; direta; simbólica; fantasiosa (ALENCAR,1995, p.22). Destas, utilizou-se, a analogia Direta que consiste na comparação direta de fotos, elementos vivos, conhecimentos ou tecnologias paralelas. Esses paralelos são buscados em situações da natureza e, por isso, muito empregados na biônica. Para se fazer a analogia direta fez-se a seguinte pergunta: De que forma o reino vegetal utiliza-se para reforçarem as suas estruturas? De que forma se encontra na natureza exemplos ou modelos de beleza para dar-se como característica a um Tecido?

Através da sinética direta e, utilizando-se sementes brasileiras como referência para a inspiração do desenho têxtil, empregou-se diversas formas de análise (diacrônica, sincrônica, estrutural, morfológica) utilizadas por Aquistapasse (2001). A Análise Diacrônica consistiu em pesquisa bibliográfica para retiradas de imagens e dados. Na Análise Sincrônica, realizou-se uma pesquisa bibliográfica na intenção de verificar um universo mais amplo onde houvesse a presença da semente, em outros campos, como na história da arte. A Análise Estrutural consistiu em realizar a escolha da semente que seria a referência da criação, bem como as partes da planta, fruto e flores. A Análise Morfológica, permitiu que se retirassem a cor (tabela de cores com as tonalidades), a forma (uma interpretação mais geométrica do desenho e outra com traços mais gestuais) e a textura das sementes.

Cabe ressaltar também que o estudo de simetrias contribuiu para desenvolver uma série de outros padrões a partir de uma figura estabelecida. Neste sentido, quanto a simetria e ao jogo resultante das análises combinatórias entre elas, (GOMES,1994 apud AQUISTAPASSE, 2001), em suas considerações sobre composição de “elementos, motivos e padrões” gráficos, nos diz que estes podem ser iniciados seguindo algumas leis de simetria, a saber: isografia, homeografia, singenografia, catagrafia e heterografia.

Estes estudos teóricos contribuíram com o processo de transformação do tecido de malha que foi concretizado, metodologicamente, pelas seguintes etapas:

1- Estudo das características e propriedades da matéria-prima a ser transformada. Nesta etapa, passou-se a conhecer o substrato têxtil analisando e identificando, por meio de dados fornecidos pela empresa, a composição, a gramatura, tipo de malha, sua forma de apresentação para comercialização, campo de aplicação original, suas características técnicas e estéticas;

2- Experimentação dos procedimentos de transformação têxtil: Estrutural (elaboração através de estruturas), Construtivo (elaboração através de sobreposições de materiais e/ou apliques), Colorístico(elaboração através de tingimento/estamparia )e Combinado ( empregando-se mais do que uma das técnicas  dos procedimentos anteriores);

3- Testes e adequação. Nesta etapa, as transformações foram testadas através de lavagens em máquina doméstica onde verificou-se a resistência dos procedimentos aplicados.

4- Elaboração e Preenchimento de Fichas de Registro Têxtil – memorial descritivo e fotográfico do produto. Além das características técnicas, os apelos estéticos, dirigidos pela percepção, – visão e tato – mesmo sendo mais subjetivos e culturais, foram analisados e registrados, procurando-se como critério, a própria comparação entre a matéria prima original estudada. Assim, a cor, o desenho, o brilho, relevo e textura são os principais fatores visuais aos quais se juntam os fatores táteis. Estes, traduzidos em sensações de maciez e aspereza, de quente e de frio; de dureza e moleza, de flexibilidade e rigidez, de elasticidade; de volume (espessura), de peso e outros, compõem o atributo “toque”.

5- Aplicação em produtos de moda (esta última fase ainda está em estudo).

 

Como resultado, neste primeiro ano (Jul 2006-Jul 2007) foram pesquisadas as características técnicas/estéticas do tecido de meia malha e produzidas 119 bandeiras têxteis de 0,50m de comprimento X 0,40m de largura, sendo que:

  21  são do Procedimento Estrutural;

  22    “             “           Construtivo;

  36    “             “           Colorístico;

  40    “             “           Combinado.

Todas as bandeiras criadas já possuem suas Fichas de Registro Têxtil elaboradas constando todas as informações referente à matéria prima, composição ( %fibra têxtil utilizada); tamanho amostra têxtil; descrição  procedimento/ técnica de elaboração do produto; registro fotográfico, entre outros dados.

Foram realizados diversos estudos para estamparia corrida e localizada empregando-se a técnica “Sinética Direta” com o tema sementes brasileiras como fonte de inspiração para o desenho têxtil.

A metodologia de transformação têxtil desta pesquisa foi adotada como conteúdo em uma unidade da Disciplina de Desenho Têxtil II, da 7ª fase do Curso de Bacharelado em Moda,  e tem sido positiva ao ensino, ois emprega o trabalho reflexivo/prático  envolvendo os alunos à pesquisa.  maioria das bandeiras da pesquisa (95%) já foram catalogadas e encontram-se na Teciteca do Ceart.

 

Concluindo, pode-se dizer que a pesquisa tem mostrado que é possível realizar todos os procedimentos de transformação têxtil no tecido de malha circular. Desta forma, um tecido básico, utilizado geralmente para a confecção de camisetas, é passível de transformações tanto na sua estrutura quanto em sua superfície. O valor estético agregado pode ser utilizado em outras peças do vestuário, proporcionando maior variedade estilística ao produto.

Observa-se uma maior quantidade de bandeiras criadas a partir do procedimento Combinado que emprega mais que uma técnica para a transformação têxtil, pois vem possibilitar uma maior aproximação do tecido criado com o tema proposto – sementes brasileiras.

As características próprias do ponto jersey - malha por trama-  de apresentar pouca estabilidade dimensional, foi utilizada como recurso positivo, principalmente na construção de rolotês. Contudo, a característica “desmalhável” não foi muito utilizada, pois a malha muito fina de algodão não desmalha tão facilmente quanto um tecido de tricô. No Procedimento Estrutural, a técnica de tecelagem e malimo foram as mais utilizadas, a partir do corte transversal da malha em tiras. Através do Procedimento Construtivo, pode-se desenvolver novos produtos que atenderão principalmente a meia estação e o inverno por apresentarem sobreposições de materiais elevando a gramatura têxtil. O desenvolvimento de bandeiras com o Procedimento Colorístico torna-se acessível na maioria das técnicas de estamparia e tingimento por ter a meia-malha estrutura de superfície lisa e, em geral, ter composição 100% algodão que é uma fibra que aceita facilmente corantes e pigmentos. A estamparia digital não foi experimentada.

A utilização da técnica de criatividade sinética foi produtiva na resolução de problemas que dizem respeito mais à criação estética que a problemas de resistência têxtil ou de deformidade da malha. Este fato deveu-se a um maior interesse da equipe de pesquisa nos aspectos estéticos. A escolha de sementes não tinha como objetivo o estudo da função e resistência destas na natureza para servir de modelo para a resolução de problemas técnicos/funcionais do tecido.

A participação dos alunos da Disciplina de Desenho Têxtil em parte específica desta pesquisa tem mostrado o lado positivo da integração ensino-pesquisa. Da mesma forma, o interesse da empresa e sua atitude de colaboração, sem interferência na parte criativa dos designers (equipe de pesquisa) tem facilitado o processo. Contudo, a resposta da viabilidade da pesquisa para a área de confecção, ainda está em andamento e, em breve, virá com o término da última etapa, onde as bandeiras serão transformadas em peças do vestuário na concretização de uma coleção de moda. 

 

 

 

1 Projeto de Pesquisa CEART/UDESC.

2 Orientadora, Professora do Departamento de Moda – Centro de Artes - Av. Madre Benvenuta, 2007 - CEP 88035-001- Florianópolis - SC.

3 Acadêmica do Curso de Bacharelado em Moda – CEART/UDESC, bolsista PROBIC 2007/1

4 Acadêmicas do Curso de Bacharelado em Moda – CEART/UDESC, bolsistas PROBIC 2006/1

5 Acadêmica do Curso de Bacharelado em Moda – CEART/UDESC, bolsista PIVIC 2007/1

6 Acadêmicos do Curso de Bacharelado em Moda – CEART/UDESC, bolsistas PIVIC 2006/2

 

 

Referências_____________________________________________________________________

ALENCAR, EUNICE M.L. SORIANO DE.  Criatividade.  Brasília:  Editora Universidade de Brasília, 1995.

AQUISTAPASSE, LUSA ROSÂNGELA LOPES. Cultura Material: a estamparia têxtil como fator de inovação no comércio de tecidos de lã. Dissertação de mestrado. Programa Pós-Graduação em Engenharia de Produção. PPGEP – UFSM, 2001

ANDRADE FILHO, JOSÉ FERREIRA DE & SANTOS, LAÉRCIO FRAZÃO DOS. Introdução a Tecnologia Têxtil. Rio de Janeiro: SENAI/CETIQT, 1987.

ARAÜJO, MARIO DE & CASTRO, E.M. de Melo. Manual de Engenharia Têxtil. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1987.

BAXTER, M. Projeto de produto. São Paulo: Editora Edgard Blucher Ltda., 1998.

BERVIAN, BRUNA. Malharia Retilínea: um universo de possibilidades para a empresa Téssere Malharia Retilínea. Trabalho de Conclusão de Curso. UDESC/SC, Florianópolis, 2005.

COSTA, MARIA IZABEL. Transformação do Nãotecido: uma abordagem do design têxtil em produtos de moda. Dissertação de Mestrado- Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção . UFSC/SC, Florianópolis, 2003.

__________________,. Chita Bacana: Aplicação dos Procedimentos de Transformação Têxtil em Tecido Plano. In: Anais  3° CONGRESSO INTERNACIONAL EM PESQUISA E DESIGN, 2005, Rio de Janeiro/RJ, 2005.

RIBEIRO, LUIZ GONZAGA. Introdução à Tecnologia Têxtil. Rio de Janeiro: SENAI/ CETIQT, 1984.

SMITH, GARY W. Controle de qualidade na indústria de malhas. Rio de Janeiro: SENAI/ CETIQT, 1989

VIRGOLIN, A. M.R; Alencar, E.M.L.S. Criatividade: expressão e desenvolvimento.  Petrópolis: Vozes, 1994.

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XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

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Raízes Antropofágicas: labirintos e paradoxos na constituição formativa do modernismo brasileiro[168]

Raízes e labirintos da formatividade na Arte Brasileira[169]

 

 

Marta Lucia Pereira Martins Lindote[170], Francine Regis Goudel[171], Muriel Bombana Garcez[172]

 

 

Palavras-chave: Antropofagia brasileira, Semana de 22, Raízes do Brasil, Vanguardas brasileiras.

 

Resumo: O texto configura-se em uma análise reflexiva de bibliografias sugeridas, abordando desde a colonização a introdução da arte no Brasil, passando pelo primeiro modernismo paulistano de 22, seguido pelas vanguardas, incluindo esse reflexo no contexto da produção de arte contemporânea no país. O enfoque é dado principalmente nos fenômenos Antropofágicos, relacionando concomitantemente a Antropofagia ritual Tupinambá do Brasil Colônia à Antropofagia da Semana de 22.

 

            O modernismo brasileiro que se instaura a partir da Semana de Arte Moderna em 1922 é um tópico cultural com relação ao passado colonial e ao futuro da globalização. Neste contexto ainda prolifera um modelo de irreverência que sustenta um regime ético e estético como modo estratégico de inserção cultural dentro e fora do país.

A constituição formativa do modernismo brasileiro além de resgatar um vínculo com o passado colonial e buscar uma forma vanguardista, ao formular um projeto de construção de identidade brasileira, cria a problemática da Antropofagia cultural no conceito oriundo das idéias manifestadas pelo poeta e ensaísta Oswald de Andrade, desenvolvidas nas décadas de 20 e 30. Tal conceito auxilia no entendimento de um momento cultural onde os artistas e intelectuais brasileiros estão focados em dois problemas: por um lado, uma apreensão das formas de ruptura com a tradição acadêmica proveniente das vanguardas européias instauradas em nosso meio no início do século XX, com o propósito radical de repensar o problema da representação e do caráter ilusionístico das artes plásticas; e por outro lado, a antropofagia cultural volta-se para uma apreensão da cultura popular do nosso próprio país utilizando-a como temática, o que se encontra estritamente relacionado ao projeto estético de uma arte à brasileira. Juntamente com esse novo pensamento artístico vem a notória vontade e afirmação dos modernistas em passar a idéia aos representantes da arte no momento, com certo caráter pedagógico, correlativo com a intenção de difundir para o público espectador. Assim os modernistas adotam meios de disseminação dos seus conceitos, publicando manifestos e textos, como modo de entendimento direto a quem os assistia[173].

 

Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses. [...] Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade de ouro. [...] Contra as sublimações antagônicas. Trazidas nas caravelas. [...] Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civilização que estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o Jabuti. (Trecho do Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade)

 

            A busca pela nacionalidade e por um caráter único de assimilação e repulsa que gostariam de promover os modernistas, com relação ao que era produzido na Europa, tem suas concepções criadas a partir do entendimento de escritos épicos como o do viajante alemão Hans Staden. Ele vem ao Brasil no século XVI e é capturado pela tribo indígena dos Tupinambá, com sorte, consegue voltar à terra natal e escreve um livro dedicado ao príncipe H. Philisen, contando sua trajetória no país ermo e como quase fez parte de um ritual Antropofágico.

 

Quando eu ia indo pelo mato, ouvi dos dois lados do caminho uma grande gritaria, como costumam fazer os selvagens, e avançando para o meu lado. Reconheci então que me tinham cercado [...] Eu orava e esperava o golpe; porém, o rei, que me queria possuir, disse que desejava levar-me vivo para casa, para que as mulheres me vissem e se divertissem à minha custa, depois do que matar-me-ia e Kawewi pepicke*, isto é, queriam fabricar a sua bebida, reunir-se para uma festa e me devorar conjuntamente. (STADEN, 1557, pp.68 - 70)

 

Sabe-se que esse ritual faz parte da idéia de apropriação do outro; um “comer” o inimigo para dele abastar-se, um assimilar o outro para dele aproveitar o que há de bom. Nesse sentido, os modernistas foram vorazes em suas traduções da cultura prima brasileira e citam em seus manifestos vanguardistas a força dessa assimilação do que vem de “fora”, no sentido de absorvê-la e recria-la, não na acepção de “engoli-la” e reproduzi-la. Era essa a idéia que gostariam de embutir no país, essa “nova” maneira do fazer artístico; era a concepção de encarar, conhecer e recriar que gostariam que se mantivesse nos trabalhos produzidos por quem representava a cena modernista brasileira em arte, literatura, música, etc.

            Nessa busca da criação de uma identidade para esse país que se reinventa, alguns escritores desenvolveram obras para discutir sobre o Brasil ainda não pensado; o ensaio poético: O Brasil não é longe daqui (1955), de Flora Sussekind, traça entre devaneios literários e relatos de viagem uma composição figurada para esse país descrito exótico e ainda paisagístico.

 

A obsessão pela origem o que traz consigo?* Possíveis romances familiares. Alguns imensos, em vários tomos. Árvores, genealogias insaciáveis, com raízes firmes e em contínua, vertiginosa, multiplicação de ramos exemplares. Alguns menores possíveis de cortes abruptos, fins de linha ou linhas duplas. [...] Também possíveis histórias de desenvolvimento individual, romance de aprendizado. Ainda aí, imagem vegetal – semente, fruto – enlaçada à árvore familiar, ao reiterado jogo de espelhos entre biografia e biologia, à mão única socialmente prefigurada para o aprendizado, o amadurecimento. (SUSSEKIND, 1955, p.11)

 

Sérgio Buarque de Holanda, precursor das idéias de composição do Brasil não analisado em seu Raízes do Brasil (1936) relata uma construção social e historiográfica para ler nossa constituição cultural através de imagens descritas. Holanda, preocupado em analisar nossa herança colonial, compreendeu a formação da cultura nacional por meio de sentimentos e relações pessoais que destacavam o homem brasileiro aos olhos dos outros povos. As diversas reflexões sobre a identidade nacional manifestadas na obra de Holanda classificam o texto como instrumento para a compreensão da nossa realidade e vem confirmar certo compromisso da intelectualidade brasileira de traçar uma interpretação geral do país. O maior interesse do autor consiste na idéia de definir o Brasil, o brasileiro e a identidade nacional ao examinar possibilidades, direções e limites dessa civilização, motivo pelo qual afirma no parágrafo de abertura de Raízes do Brasil: “[...] somos ainda uns desterrados em nossa terra”.

Outro ensaísta, Silviano Santiago, em As raízes e o labirinto da América Latina (2006), se debruça sobre os escritos de Sérgio Buarque de Holanda para construir sua narrativa, na década de 70, pensando questões que o próprio título do livro elucida. O autor levanta reflexões críticas detalhadas e manipula uma invasão, também poética, a esse universo de nossas raízes e o labirinto intrínseco que se encaixa a América Latina num tempo globalizado. Porém toda essa narrativa de Santiago é atravessada por outro texto produzido pelo próprio em 1978: "O entre-lugar do discurso latino-americano", que se encontra no livro Uma literatura nos trópicos. O autor ressalta que está no entre-lugar quem se nega a adotar o discurso e a identidade do outro como seu, mesmo sabendo que estes serão de certa forma “criados”.

 

Entre o sacrifício e o jogo, entre a prisão e a transgressão, entre a submissão ao código e a agressão, entre a obediência e a rebelião, entre a assimilação e a expressão, ali nesse lugar aparentemente vazio, seu templo e seu lugar de clandestinidade, ali se realiza o ritual antropófago da literatura latino-americana. (SANTIAGO, 1978, p.28)

 

E assim os modernistas se encaixam nesse entre-lugar no discurso em que se encontram. Por um lado não gostariam de ser aquelas mesmas coisas que já foram “os estrangeiros” e por outro, sabem que precisam buscar nas suas raízes mais íntimas suas concepções de base. Aí nasce um dilema: vão ao âmago das percepções do que é a sua origem e história, trazendo a tona o parente índio e o que foi sua cultura em confronto com o homem branco quando em face deparados, criando assim um referencial inovador da própria narrativa.

Por sua vez, os movimentos vanguardistas brasileiros seguintes à Semana de 22, também trazem consigo a idéia modernista de inovar o pensamento artístico nacional. O Concretismo Brasileiro nos anos 50, o Neoconcretismo na década de 60 e seus desdobramentos nos anos conseguintes[174] consolidaram um modo inovador de fazer arte no país, um modo que não se encontrava em catálogos estrangeiros. Porém, como na ruptura modernista de 1920, os movimentos vanguardistas em geral carregam a premissa de uma arte elucidativa, explicativa. Seus representantes criam concepções, discutem e escrevem sobre seus ideais e não as deixam de publicar num jornal de grande circulação.

Isto gera uma interrogação presente aos educadores, produtores e artistas contemporâneos: refletindo a possibilidade em nosso país de ainda hoje desvincular o objeto artístico ou a teoria da arte, da produção simultânea de espectadores e leitores numa nação que ainda não achou suas raízes, nessa mesma que está no labirinto intrínseco de sua própria história e que se re-significa a todo o momento.

Assim, dentro de um ritual Antropofágico de assimilação e recusa, dentro desse estado de entre-lugar que cita Silviano Santiago, o modernismo brasileiro cria um projeto estético estritamente relacionado à idéia de uma preocupação formativa e pedagógica que deixa rastros para as próximas divagações, porém deixando o gancho para estas serem sempre em torno das questões nacionalistas.

 

Referências Bibliográficas

ANDRADE, Oswald. Manifesto Antropófago. In: Revista de Antropofagia, Ano 1,   Nº 1, maio de 1928.

 

HOLANDA, Sérgio Buarque de. (1936). Raízes do Brasil. SP. Companhia das Letras. 2006.

 

REIS, Paulo R. O. Arte de Vanguarda no Brasil: nos anos 60. RJ. Jorge Zahar Ed. 2006.

 

SANTIAGO, Silviano. As raízes e o labirinto da América Latina. RJ. Rocco. 2006

 

________________ . Uma literatura nos trópicos - Ensaios sobre dependência cultural. SP: Debates. 1978.

 

STADEN, Hans (1557). Viagem ao Brasil. Coleção a Obra-Prima de cada autor. SP. Martins Fontes. 2006.

 

SUSSEKIND, Flora (1955). O Brasil não é longe daqui. SP. Cia das Letras. 1990.

  

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Raízes antropofágicas: labirintos e paradoxos na constituição formativa do modernismo brasileiro.[175]

Fenômenos Antropofágicos[176]

 

 

Marta Lucia Pereira Martins Lindote[177], Francine Regis Goudel[178], Muriel Bombana Garcez[179].

 

 

Resumo

O enfoque do artigo é dado principalmente aos fenômenos Antropofágicos, relacionando concomitantemente a Antropofagia ritual Tupinambá do Brasil Colônia à Antropofagia da Semana de Arte Moderna, abordando desde a colonização, a inserção da arte no Brasil, bem como a inserção do Brasil na Arte, passando pelo primeiro modernismo paulistano de 22, que garantiu ao país, uma arte de caráter nacionalista, incluindo esse reflexo no presente contexto da arte no país.

 

Palavras-chave:

Raízes do Brasil, Antropofagia Brasileira, Modernismo Brasileiro, Semana de Arte Moderna.

 

O modernismo brasileiro que se instaura a partir da Semana de Arte Moderna em 1922 é um tópico cultural com relação ao passado colonial e ao futuro da globalização. Neste contexto ainda prolifera um modelo de irreverência que sustenta um regime ético e estético como modo estratégico de inserção cultural dentro e fora do país.

A constituição formativa do modernismo brasileiro além de resgatar um vínculo com o passado colonial e buscar uma forma vanguardista, ao formular um projeto de construção de identidade brasileira, cria a problemática da Antropofagia cultural no conceito oriundo das idéias manifestadas pelo poeta e ensaísta Oswald de Andrade, desenvolvidas nas décadas de 20 e 30. Tal conceito auxilia no entendimento de um momento cultural onde os artistas e intelectuais brasileiros estão focados em dois problemas: por um lado, uma apreensão das formas de ruptura com a tradição acadêmica proveniente das vanguardas européias instauradas em nosso meio no início do século XX, com o propósito radical de repensar o problema da representação e do caráter ilusionístico das artes plásticas; e por outro lado, a antropofagia cultural volta-se para uma apreensão da cultura popular do nosso próprio país utilizando-a como temática, o que se encontra estritamente relacionado ao projeto estético de uma arte à brasileira, refletida ainda no presente contexto da arte nacional e internacionalmente.

A partir dos anos 20 houve uma vigorosa corrente de renovação nas artes visuais, tanto no Brasil como na América Latina, essa corrente teve sua origem no Modernismo Europeu, devido ao fato de que quase todos os artistas latino-americanos que abraçaram o modernismo o fizeram no estrangeiro, onde ocorreram radicais transformações das artes visuais, durante as primeiras décadas do século XX, sob influência dos movimentos do fovismo, expressionismo, cubismo, dadaísmo, purismo e construtivismo.

Contudo, o Brasil, bem como a América Latina, estava à procura de uma caracterização cultural, motivo pelo qual, a partir da percepção das diferenças entre Arte Brasileira, e ou Arte Latino Americana em contraposição a Arte Européia, inicia-se a busca a uma Arte com especificidades. “[...] Os artistas que voltavam para a América Latina, depois de uma temporada [...] no estrangeiro, passaram a criar de um modo diferente, valendo-se de formas do modernismo que eram especificamente americanas.”(ADES, 1997, p125)

Nas obras desses artistas, o mais freqüente era ver a tradição sendo reavaliada, bem como o período colonial e a cultura europeizada do século XX comumente sendo rejeitados, em troca de uma tradição cultural indígena de raízes mais fortes. “[...] O nacionalismo por oposição ao internacionalismo e o regional como idéia contrária àquilo que é central e cosmopolita [...]” (ADES, 1997, p.126)

Para os modernistas a iniciação no modernismo envolvia, antes de tudo, uma completa ruptura com o seu passado e a sua formação artística acadêmica. Assim, romperam com os dogmas herdados das academias Européias e utilizaram-se das técnicas e abordagens pictóricas estrangeiras aliadas as peculiaridades de sua nacionalidade para modernizar suas obras à fim de atender a demanda de um mercado globalizado. Os artistas modernistas latino-americanos que já tinham entrado em contato com movimentos mais radicais das vanguardas na Europa, proporcionavam em suas obras uma linguagem visual sentida como mais capaz de exprimir as mudanças causadas pela rápida modernização e pela industrialização do mundo.

Estes artistas visionários buscavam uma identidade cultural e artística específica. Exibindo características particulares da nacionalidade latino-americana, através das obras principalmente literárias e plásticas, por meio de manifestos e textos publicados em revistas, eventos, telas inusitadas, pinturas murais e arte pública, política e social, valendo-se da identificação de uma nação, bem como da consciência de uma “arte para todos”, uma “arte para o povo”, “uma arte revolucionária”, inspirada na notória vontade reacionária dos modernistas de passar a idéia aos representantes da arte no momento, utilizando de certo caráter pedagógico correlativo à intenção de difundir para o público espectador.

Desse modo, o Modernismo no Brasil estabeleceu forte relação entre arte radical e política revolucionária, vista a reação de escritores, artistas e intelectuais, marcada, sobretudo, pelos movimentos e manifestações à cerca da Semana de Arte Moderna realizada nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo.

Já nos primórdios dos anos 20, Oswald de Andrade, antecipava os preparativos à celebração da Semana de 22 na publicação do Jornal do Comércio, onde anunciava: “Cuidado, senhores da camelote (reacionários), a verdadeira cultura e a verdadeira arte vencem sempre. Um puglio pequeno, mas forte, prepara-se para fazer valer o nosso centenário”. (ALAMBERT, 1992)

Então, na Semana de Arte Moderna, no interior do teatro, foram apresentados concertos e conferências, enquanto no saguão foram montadas exposições de artistas plásticos, como os arquitetos Antonio Moya e George Prsyrembel, os escultores Vítor Brecheret e W. Haerberg e os desenhistas e pintores Anita Malfatti, Di Cavalcanti, John Graz, Martins Ribeiro, Zina Aita, João Fernando de Almeida Prado, Ignácio da Costa Ferreira, Vicente do Rego Monteiro e Di Cavalcanti [o idealizador da Semana e autor do desenho que ilustra a capa do catálogo].

Os “modernistas” brasileiros formavam um grupo específico cuja primeira manifestação pública foi a Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo, da qual constaram exposições, recitais de poesia, concertos e conferências. Graça Aranha falou sobre o papel primordial da música e das artes visuais: “a música de Villa-Lobos, a escultura de Brecheret, a pintura de Di Cavalcanti, Anita Malfati, Vicente do Rego Monteiro, Zita Aita”, bem como a “audácia dos jovens poetas...” (ADES, 1997, p. 132)

 

A semana de 22, Semana de Arte Moderna, foi um grande marco para a Arte do Brasil, evento caracterizador de uma nova concepção do fazer e compreender a obra de arte, caracterizador também das nossas raízes, onde fez-se alusão a Antropofagia Brasileira, decretando a redução imediata de todas as influências externas a modelos nacionais.

A nova arte, moderna e antropofágica, aparece inicialmente através da atividade crítica e literária de Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Mário de Andrade e alguns outros artistas, que, se conscientizando do tempo em que vivem, não deixavam de transmitir um sentimento de ruptura e animação em suas fragmentadas afirmações do mundo moderno.  

Oswald de Andrade alerta para a valorização das raízes nacionais, que devem ser o ponto de partida para os artistas brasileiros, escreve:

O Manifesto da Poesia Pau-Brasil, usando a expressão “a selva e a escola”, abordava, de maneira nova, o Brasil com sua cultura mulata e sua atmosfera tropical contrastando com a indústria moderna. Isso representava uma extraordinária mudança de consciência nos poetas e artistas ricos, bem-educados e altamente europeizados que constituíram o grupo de modernistas – uma mudança não para uma versão qualquer do nacionalismo, mas num sentido que tinha a ver com a forma de colonização. ( ADES, 1997, pp. 132-133)

 Assim, cria movimentos e escreve para os jornais expondo suas idéias à renovadores de grupos de artistas que começam a se unir em torno de uma nova proposta estética.

Em 1928, Oswalde Andrade publica na Revista Antropofagia, o Manifesto Antropofágico, que propunha basicamente a devoração da cultura e das técnicas importadas e sua reelaboração com autonomia, transformando o produto importado em exportável.

Só a antropofagia nos une. [...] Única lei do mundo. [...] Contra todos os importadores de consciência enlatada. [...] E as inquisições exteriores. [...] Contra o mundo reversível e as idéias objetivadas. [...] E o esquecimento das conquistas interiores. [...] Já tínhamos o comunismo. [...] Tínhamos a relação e a distribuição dos bens físicos, dos bens morais, dos bens dignários. E sabíamos transpor o mistério e a morte [...] Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civilização que estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o Jabuti. [...] Antropofagia. Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo em totem. [...] antropofagia carnal, que traz em si o mais alto sentido da vida e evita todos os [...] males catequistas. [...] Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que estamos agindo. Antropófagos. (ANDRADE, 1928)

A idéia do manifesto surgiu quando Tarsila do Amaral, para presentear o então marido Oswald de Andrade, deu-lhe como presente de aniversário a tela Abaporu, cujo título foi encontrado em um dicionário de tupi-guarani, [aba = homem; poru = que come]. Assim, o nome do manifesto recuperava a crença indígena de que os índios antropófagos comiam o inimigo, supondo que assim estavam assimilando suas qualidades.

Sabe-se que esse ritual faz parte da idéia de apropriação do outro; um “comer” o inimigo que se recusa para dele abastar-se, um devorar o outro para assimilar suas qualidades. Nesse sentido, os modernistas foram vorazes na identificação e disseminação da cultura brasileira, motivo pelo qual, citam em seus manifestos vanguardistas a força do fenômeno de assimilação e recusa, no sentido de “engolir”, “digerir” e recriar, e não no sentido de absorver, aceitar e reproduzir o que vem de “fora”, o estrangeiro, o “inimigo”. Era essa a idéia que os modernistas esforçaram-se para embutir na caracterização da identidade do país; apresentando uma inusitada maneira do fazer artístico, uma nova concepção capaz de simultaneamente assimilar e recusar, reinventar o que vem de “fora” de uma maneira transcendente e original, originalidade esta encontrada nos vestígios do ritual indígena antropófago.

Desse modo, as origens da Antropofagia Brasileira, são provenientes do ritual indígena antropófago, que encontra-se ilustrado nas gravuras e trechos do livro Viagem ao Brasil, escrito pelo artilheiro alemão Hans Staden no século XVI. O livro consta entre as primeiras narrativas de testemunho dos viajantes europeus ao Novo Mundo, nele o autor relata os primeiros registros de viagens escritos sobre o Brasil do período colonial, e conta dentre outras aventuras, a sua detenção de nove meses entre os Tupinambás onde viveu a experiência de ser ameaçado constantemente pela possibilidade de vir a ser objeto de antropofagia ritual.      

“Tudo isto eu vi e presenciei” - declara o autor em seus escritos. Partindo da premissa, constituída a partir dos relatos de Staden pode-se afirmar, que o ritual antropófago, consiste no ritual de devoração do inimigo regado á cauim, uma bebida embriagante feita a partir das raízes da mandioca, cujo preparo é parte essencial do cerimonial. Vale descrever conforme o capítulo XV do livro, Como fabricam as bebidas com que se embriagam e como celebram essas bebedeiras.

As mulheres é que fazem [...] as bebidas. Tomam as raízes da mandioca [...] a ferver em grandes potes, e quando bem fervidas [...] as moças assentam-se ao pé a mastigarem as raízes, e [...] tornam a pôr a massa mascada nos potes, que então enchem d’água, e misturam muito bem, deixado tudo ferver de novo. Há [...] umas vasilhas especiais, que estão enterradas até o meio [...] Aí despejam tudo e tampam bem; começa a bebida a fermentar e torna-se forte. [...] depois do que, bebem e ficam bêbados. [...] Cada cabana faz sua própria bebida. E quando uma aldeia inteira quer fazer festas, [...] reúnem-se todos primeiro em uma cabana, [...] passam depois para outra [...], e assim por diante até que tenham bebido tudo em todas elas. Quando bebem assentam-se ao redor dos potes [...] Alguns ficam de pé, cantam e dançam [...] O beber dura a noite inteira [...] e, quando ficam bêbados, gritam, tocam trombetas e fazem um barulho formidável. [...] São [...] muito liberais, e o que lhes sobra em comida repartem com outros. (ADES, 1997, pp.146-147)

Staden descreve ainda no capítulo XXIX do livro, Com que cerimônia matam e comem seus inimigos. Como os matam e como os tratam, afirmando que: “Não o fazem por fome, mas por grande ódio e inveja”. Toda essa descrição vem a ilustrar não só o ritual antropófago na sua origem, mas também a origem do fenômeno antropofágico de assimilação e recusa, o qual os Modernistas consideravam como sendo a principal característica da identidade da Arte e do povo brasileiro.

Quando trazem para casa os seus inimigos, as mulheres e as crianças os esbofeteiam. Enfeitam-nos depois com penas pardas; [...]; dançam em roda deles, amarrando-os bem, para que não fujam. Dão-lhes uma mulher par os guardar e também ter relações com eles. Se ela concebe, educam a criança até ficar grande; e depois quando melhor lhes parece, matam-na e a devoram. Fornecem aos prisioneiros boa comida: tratam assim deles algum tempo, e ao começarem os preparativos, fabricam muitos potes especiais [...]; ajuntam feixes de penas [...]. Trançam também  uma corda comprida a que chamam Messurana [muçurana] [...]. Terminados todos os preparativos, marcam o dia do sacrifício. Convidam então selvagens de outras aldeias para aí se reunirem naquela época. Enchem todas as vasilhas de bebidas, conduzem o prisioneiro uma ou duas vezes pela praça e dançam ao redor dele. Reunidos todos os convidados, o chefe da cabana lhes dá boas-vindas [...]. No mesmo dia, pintam e enfeitam o bastão chamado de Iwera Pemme (ibirapema) com que matam o prisioneiro [...], penduram-no em uma cabana desocupada e cantam ao redor dele toda a noite. Do mesmo modo pintam a cara do prisioneiro, e enquanto uma das mulheres está pintando, as outras cantam. E logo que começam a beber, levam o prisioneiro para lá, bebem com ele e com ele se entretêm. Acabando de beber, descansam no dia seguinte; fazem depois uma casinha para o prisioneiro [...]. Ali ele fica durante a noite [...]. De manhã antes de clarear o dia, vão dançar e cantar ao redor do bastão com que o devem matar. Tiram o prisioneiro da casinha e a desmancham [...]; amarram a muçurana ao pescoço e em redor do corpo do prisioneiro, esticando-a para os dois lados. [...] e muitos deles a seguram a corda pelas duas pontas. Deixam-no assim ficar por algum tempo; [...] as mulheres [...] andam em redor ameaçando de devorá-lo. [...] elas estão pintadas e prontas para, quando o prisioneiro estiver reduzido a postas, comerem os quatro primeiros pedaços ao redor das cabanas. [...] Isto pronto, fazem fogo a cerca de dois passos do prisioneiro para que este o veja. Depois vem uma mulher correndo com o ibirapema; [...] grita de alegria e passa pelo prisioneiro, para que este o veja. Feito isto, um homem toma da clava; dirigi-se para o prisioneiro; pára na sua frente e lhe mostra o cacete para que ele o veja. Enquanto isso, aquele que deve matar o prisioneiro vai com uns 14 ou 15 dos seus e pinta o próprio corpo de pardo, com cinzas. Volta então com os seus companheiros para o lugar onde está o prisioneiro, e aquele que tinha ficado em frente deste lhe entrega a maça. Surge agora o principal das cabanas; toma a clava e enfia por entre as pernas daquele que deve desfechar o golpe mortal. Isso é por eles considerada uma grande honra. [...] Então desfecha-lhe o matador um golpe na nuca, os miolos saltam e logo as mulheres tomam o corpo, puxando-o para o fogo; esfolam-no até ficar bem alvos [...]. Uma vez esfolado, um homem o toma e lhe corta as pernas, acima dos joelhos, e também os braços. Vêm então as mulheres; pegam nos quatro pedaços e correm ao redor das cabanas, fazendo um grande vozeirio. Depois abrem-lhe as costas, que separam do lado da frente, e repartem entre si; [...] as mulheres [...] Comem os intestinos e também a carne da cabeça; os miolos, a língua e o mais que houver são para as crianças. Tudo acabado, volta cada qual para sua casa levando o seu quinhão. Aquele que foi o matador, ganha mais um nome, e o principal das cabanas risca-lhe o braço com o dente de um animal feroz. Quando sara, fica a marca, e isto é a honra que tem. [...] (ADES, 1997, pp. 159-166)

A marca, deixada como vestígio do ritual antropófago, materializa a transcendência do ritual, e vem a demarcar a honra aos seus, a honra de uma descendência, de uma nacionalidade, de uma nação, o que motiva os Modernistas Brasileiros a identificar e resgatar na Antropofagia uma defesa nacional contra o domínio exterior, capaz de impedir a adesão total a um colonialismo cultural.

Ao longo de quatro séculos, a antropofagia havia sido reprimida e com isso havia se tornado um elemento interditado tanto no discurso “culto” do país, quanto dentro da própria cultura indígena, sendo resgatada no primeiro movimento modernista com voraz veracidade, impulsionada pela busca de uma nacionalidade e por um caráter único de assimilação e recusa, que reconhece na Antropofagia Brasileira a identidade do país, considerando que a característica peculiar brasileira se dá a partir de um caldo cultural constituído de elementos formativos que ainda se colocam na problemática da produção e da criação artística do país no presente. “Havia lá um futuro: escorrem ainda pelos muros do labirinto, e entre raízes, as babas do cauim.” (MARTINS, 2006)

 

Referências Bibliográficas:

 

ADES, Daw. Arte na América Latina. S.P.: Cosac & Naify, 1997.

ANDRADE, Oswald. Manifesto Antropófago. In: Revista de Antropofagia, Ano 1,   Nº 1, São Paulo, maio de 1928.

ALAMBERT, Francisco. A Semana de 22. São Paulo: Editora Scipione Ltda, 1992.

MARTINS, Marta. Babas no muro do labirinto. Texto apresentado no Colóquio Pós-crítica, na Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Dez/2006.

STADEN, Hans (1557). Viagem ao Brasil. Coleção a Obra-Prima de cada autor. SP. Martins Fontes. 2006.

  

XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

Centro de Artes - CEART

 

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Butterfly e a dramaturgia do movimento:

da figura à transfiguração do corpo - construindo Kate Sherman[180]

    

 

                                               Prof. Dr. Milton de Andrade Leal Jr[181]   Barbara Biscaro[182]

Participantes da pesquisa: Juarez José do Nacimento[183], Barbara Biscaro[184], Samuel Romão[185], Monica Siedler[186].

 

 

Palavras–chave: corpo  -  dramaturgia  -  grotesco  -  personagem -  dança

 

Resumo: O presente artigo é resultado de uma pesquisa teórico-prática que discute as relações entre os procedimentos técnicos do treinamento do ator e a construção de novas abordagens dramatúrgicas nas artes cênicas. A noção de um espaço dramatúrgico que deve ser edificado revela-se como um terreno fértil para o jogo e para a criação do movimento e define a busca de significação e construções simbólicas em sala de trabalho e sua aderência no campo da pesquisa teórica e dramatúrgica. A partir da contextualização temática, passa-se a tratar do processo de composição da personagem Kate Sherman para o espetáculo “Butterfly”, resultado prático desta pesquisa, descrevendo procedimentos utilizados e relacionando-os com termos como o grotesco. A artista plástica norte-americana Cindy Sherman é citada, como uma das principais bases de inspiração e apropriação de procedimentos para a composição da personagem. Deste modo, compreende-se como o processo prático de construção do ator dialoga com pesquisas teóricas, criando um espaço de reflexão e compreensão dos materiais abordados no processo da pesquisa e da composição de uma dramaturgia pautada no movimento corporal.

 

            A montagem de Butterfly[187] foi o universo estabelecido para o desenvolvimento de pesquisas teórico-práticas acerca da formação técnica do ator-dançarino, da composição corporal através do movimento e as possibilidades de recriação cênica e sistematização de uma dramaturgia baseada no corpo do intérprete.

            Primeiramente foram estudadas as referências literárias, como a obra original Madame Butterfly (1898) do escritor americano John Luther Long (1861-1927) e sua posterior versão lírica Madama Butterfly (1904) do compositor italiano Giacomo Puccini (1858-1924), como bases para a elaboração de um pré-roteiro e de possíveis funções dramáticas a serem exploradas. Porém, o estudo acerca dos mitos envolvidos nos elementos aparentes deste imaginário proposto, como a borboleta e suas significações simbólicas e culturais em diversos lugares do mundo, seus ciclos de transmutações em larva, crisálida e “ser que voa”, serviram de aporte para a ampliação das chaves de leitura das referências iniciais e de combustível para a composição de padrões de movimentos, matrizes e criações individuais de cada ator-dançarino.

            A transformação cíclica da borboleta engloba uma metáfora na qual o corpo do ator-dançarino sofre sucessivas transformações até constituir-se elemento estético, pleno de interioridade e um foco de significação expressiva, fruto de seu trabalho e de seu contexto. Pois o corpo não apenas relaciona-se com o ambiente, mas ele próprio é um ambiente que se funde ao entorno.

 

Já há alguns anos o “onde” deixou de ser apenas o lugar em que o artista se apresenta, transformando-se em um parceiro ativo dos produtos cênicos. Ao invés de lugar, o onde tornou-se uma espécie de ambiente contextual. (...) Mas o que importa ressaltar é a implicação do corpo no ambiente, que cancela a possibilidade de entendimento do mundo como um objeto aguardando um observador. Capturadas pelo nosso processo perceptivo, que as reconstrói com as perdas habituais a qualquer processo de transmissão, tais informações passam a fazer parte do corpo de uma maneira bastante singular: são transformados em corpo. (GREINER e KATZ, 2005: 130)

 

 

            Esta noção de espaço corporal fundido ao espaço externo que envolve o corpo é um conceito amplamente exercitado dentro da técnica da dança moderna. Neste aspecto técnico acerca do treinamento do corpo é possível encontrar as bases para o ator-dançarino compreender que a relação do corpo com o espaço é de fusão e reciprocidade. O corpo que dança luta com o próprio peso, sucumbindo ou vencendo-o, inserido em um esquema rítmico e eucinético, de transporte de apoios, de variação de densidades, de consciência da direcionalidade do movimento. O espaço corporal usa o espaço em torno como o meio onde é possível prolongar os limites do corpo, onde é necessário agir e sofrer ações, mutuamente. 

            E desse mesmo modo, pleno de reciprocidades, é que o contentor dramatúrgico propõe a delimitação de diversos espaços onde o corpo vai inserir-se e agir, de modo a criar significados, proliferar imagens. São funções dramáticas adotadas por cada ator-dançarino, são objetos que se constituem como uma condensação do espaço, são relações desenvolvidas entre corpos que se movimentam, é o universo sonoro selecionado que se constitui como espaço audível e espaço dramático a ser composto pela dramaturgia do movimento.

            Vassily Kandinsky (1866-1944), artista plástico russo que desenvolveu seu trabalho com pintura abstrata na Europa, no início do século XX, desenvolve uma teoria sobre as “correspondências” entre as artes e os efeitos cinestésicos por elas causados, “chegando ao ponto de tentar estabelecer uma série de equivalências entre sons, cores e movimento, os três elementos que, em sua terminologia, compunham a “obra de arte monumental” (SANCHEZ, 1999: 16, trad. Nossa). Kandinsky afirma que a composição cênica possui três elementos: o movimento musical, o movimento pictórico e a dança.

 

Do mesmo modo que os dois elementos principais da pintura (as formas gráfica e pictórica) têm uma vida independente e falam através de meios próprios e exclusivos, e do mesmo modo que a composição pictórica surge da combinação destes elementos e de todas as qualidades e possibilidades, assim surge a composição na cena com a colaboração dos três movimentos citados. (KANDINSKY, 1972: 106-108, trad. nossa)

 

            Deste modo, Kandinsky revela mecanismos de composição da pintura abstrata que possuem equivalências nos modos de composição de outras artes, frisando que o domínio dos instrumentos de criação e a noção de combinação entre as diversas partes desenvolvidas possibilitam ao artista o desenvolvimento de sua capacidade de composição.

            Este tipo de teoria ajuda a compreender os princípios de criação da dramaturgia do movimento, ou uma dramaturgia pautada no corpo do intérprete. O domínio de uma técnica corporal, aliado a um espaço dramatúrgico delimitado e amplamente pesquisado, a utilização de objetos, volumes, peças de vestuário nos processos de criação, a definição coerente de um universo sonoro que se relaciona com a temática proposta são alguns dos elementos motores da criação de materiais a serem organizados e compostos a fim de darem origem a essa dramaturgia pautada no movimento, seja ele corporal, sonoro ou visual.

            Compreendendo então estes princípios é possível aprofundar a reflexão acerca do trabalho de criação do ator-dançarino, inserido neste contexto de composição e estruturação de uma dramaturgia do movimento.

 

            A partir deste princípio de construção dramatúrgica e desse universo específico abordado pela pesquisa, uma das funções femininas a serem desenvolvidas foi a figura de Kate, a esposa americana do marinheiro Pinkerton, homem que ilude e conduz ao destino trágico a gueixa Cio-Cio San no libretto da ópera Madama Butterfly (1904) de Giaccomo Puccini.

            A personificação desta “mulher americana” e suas relações com as outras funções dramáticas selecionadas na dramaturgia estabeleceu-se como o ponto de partida para o trabalho da atriz-dançarina. A pesquisa prática realizada, então, com objetos, roupas, acessórios cotidianos e abstratos foi baseada no princípio de transfiguração do corpo feminino. Ao reproduzir os antigos moldes dos jogos de “recorte e cole”, deu-se vida a uma teatralidade implícita na ambigüidade da figura construída. A beleza convive com a monstruosidade provocando o estranhamento do olhar, evocando um universo divertido permeado pela incerteza: será que é isso mesmo que meus olhos vêem? Esta incerteza permanente no olhar do espectador impulsiona a multiplicação dos significados emitidos pela figura, que é desconstruída repetidamente, esfacelando qualquer desejo de rótulos ou impressões estáticas.

            Esta multiplicação de significados dentro da figura construída se remete ao conceito de grotesco, mecanismo abordado e utilizado de diversas formas na história do teatro ocidental. Tem suas origens como reflexão estética no Prefácio de Cromwell (1827), texto de Vitor Hugo  (1802-1885), no qual ele aponta o grotesco como o lado dionísiaco a ser explorado no teatro, que irá estabelecer contraponto com a estética apolínea e permitir refundar a teatralidade de sua época. Porém, cumpre ressaltar que a Commedia dell´arte e o Teatro Medieval utilizaram amplamente os mecanismos do grotesco para desenvolver suas potencialidades, herança esta que será recuperada por pesquisadores e renovadores da linguagem teatral novecentista como Vsevolod Meierhold (1874-1940).

            O mecanismo de construção da figura do ator em prol da desconstrução e ampliação dos significados presentes em uma dramaturgia teatral se remete às pesquisas do encenador russo  Meierhold, que desenvolveu suas pesquisas teatrais no início do século vinte. O grotesco, mecanismo presente nos métodos de sua pesquisa teatral junto aos atores, elucida procedimentos que transformaram o conceito de dramaturgia teatral, ajudando a devolver a teatralidade para a composição cênica, eliminando o culto ao texto dramático e ao poeta como os elementos mais importantes do teatro. A definição do grotesco para Meierhold é:  

 

(...) a exageração e transformação intencional (alteração) de dados naturais. Além de associar objetos que a própria natureza ou a nossa experiência cotidiana habitualmente não conciliam, coloca em relevo as características de uma acentuada deformação. (BONFITTO, 2002: 42)

 

            Meierhold utiliza o grotesco para definir a própria teatralidade. Ele não considerava o grotesco um estilo, mas um método. A busca pela descoberta de novas significações a partir das relações entre a ação física e os objetos está presente em toda obra de Meierhold. E este procedimento relaciona-se diretamente com os processos de composição do espetáculo teatral, onde o universo dramatúrgico estabelecido pelo texto dramático será expandido, recriado, colocado em contradição e re-proposto. Isto se dá a partir do próprio corpo do ator e o modo como este corpo se relaciona com objetos, com a deformação do corpo através do vestuário e próteses e com a relação entre corpo e espaço cênico, ampliando a gama de signos teatrais a serem desvendados pela pesquisa dramatúrgica e seu processo de composição.

 

Meierhold parece reconhecer no grotesco, a possibilidade de dar uma unidade às suas pesquisas, de ser um denominador comum resultante a observação e do estudo de diferentes formas teatrais. O grotesco enquanto revelador de estruturas profundas da realidade a partir da utilização de contrastes: cômico e trágico....Mas o grotesco também enquanto definição de um tipo de ator, um ator sintético. (BONFITTO, 2002: 42-43)

 

            Deste modo, a transformação do corpo do ator é uma busca incessante de novos estados corporais, da ampliação de limitações naturais impostas pelo corpo e seu aspecto anatômico; porém somente o exercício estilístico de transmutações sucessivas pode renovar a teatralidade da construção corporal.  O movimento ou o não-movimento gerado pela experimentação prática deve estabelecer paralelos com os elementos delimitados em um universo dramático, uma gama de significações e seus correspondentes culturais, suas referências em outras formas artísticas e seus equivalentes no mundo cotidiano. Deste modo, a construção plástica ganha interioridade, emana significados múltiplos a serem organizados em cena e exibe uma função eficaz na edificação da dramaturgia composta a partir do corpo do ator.

 

Este perpétuo movimento de inversão das perspectivas provoca a contradição entre o objeto realmente visto e o objeto imaginado: visão concreta e abstração intelectual caminham sempre juntas.” (PAVIS, 1999: 189)

 

            No processo de composição das figuras femininas ligadas ao imaginário da “mulher americana”, na pesquisa acerca do universo de “Butterfly”, uma das aproximações realizadas com outras linguagens artísticas como referência para a construção corporal foi a obra da artista plástica americana Cindy Sherman (1954 - ).[188] Na série fotográfica Untitled Film Stills, (do período de 1977-1980), Sherman realiza um trabalho em que fotografa si mesma em várias situações, encarnando diferentes figuras femininas. Estas figuras, construídas com esmero através de roupas e maquiagem, se remetem a estereótipos femininos, divas do cinema, mulheres em situações cotidianas, compondo um retrato multiforme da identidade feminina onde por trás de cada imagem há somente uma pessoa: a própria artista. Este jogo denuncia que o olhar do outro pode ser a origem da construção da identidade, fazendo da imagem um suporte para a projeção dos desejos de quem a observa. E este fluxo entre a imagem construída e as projeções implícitas em sua aparência é o ponto de partida para compreender quem pode ser esta  “mulher americana”, que corpo evoca e que relações pode produzir na relação com os outros elementos do universo dramatúrgico.

           

Aquelas pequenas fotografias em preto-e-branco de Sherman personificando várias personagens femininas dos filmes B e filmes noir falou para um geração de mulheres que havia crescido absorvendo aquelas imagens glamourosas em casa, nas suas televisões, tomando tais retratos como pistas para seus futuros. Com cada série subseqüente de fotografias, Sherman imitou e confrontou variadas alegorias representacionais, explorando os milhares de modos onde as mulheres e o corpo são retratados por eficazes produtores de imagens contemporâneos, incluindo a mídia de massa e fontes históricas como contos de fadas, a arte dos retratos e a fotografia surrealista. (CRUZ, 1997: 1, trad. nossa)

 

            Cindy Sherman relata no texto The Making of Untitled (2003) escrito para o catálogo The Complete Untitled Film Stills (2003) que um dos procedimentos para a composição de seu trabalho foi dirigir-se para locais públicos ou para o escritório onde trabalhava vestida com as figuras que criava, envergando aquela imagem diversa da dela dentro do seu cotidiano, destacando-se como uma figura colorida em um mundo preto-e-branco. Deste modo, sem tentar interpretar a figura teatralmente, ela testava a eficácia de sua composição e podia compreender como uma mulher se moveria ou precisaria se comportar se envergasse aquelas roupas ou aquela aparência e como seria a reação daqueles que a observam. Este procedimento foi transposto para a presente pesquisa do seguinte modo: a atriz, ao invés de ir trabalhar com roupas adequadas para a realização dos movimentos exigidos pelo treinamento físico e pela dança, ia aos ensaios envergando uma figura composta, não importando se as roupas ou acessórios limitassem os movimentos. Mas esta figura feminina composta não poderia ser “normal”: precisava apresentar elementos como exageração de partes do corpo, amarras em articulações, prolongamento dos membros, omissão de partes do corpo. Deste modo, o corpo que comparecia ao trabalho exibia uma série de limitações, porém exigia que fossem encontrados outros mecanismos motores para fazer com que cada figura dançasse, ao seu modo. Assim, figuras eram selecionadas e descartadas, dando material para as pesquisas dentro do universo proposto.

            A figura feminina construída reproduz o afeto evocado pelo olhar externo, jogando com os planos do vazio e do cheio: a significação é dada pelo olhar exterior que termina de compor a figura projetando nela as suas próprias referências pessoais. Se é possível reconhecer uma aeromoça ou uma enfermeira é porque aquele olhar propõe esta leitura, porém o processo de composição não é permeado pela escolha desse tipo de temática para ser desenvolvido. Como uma boneca que ganha vida através da menina, como um anúncio publicitário que ganha valor através da identificação ou do desejo de se tornar algo que mora na imagem, o jogo de formação da figura está na elaboração de combinatórias que possuam um molde plástico que vai terminar de ganhar valor no confronto com o outro. Uma colagem de referências culturais e da construção do mito feminino através das imagens geradas pelo cinema, pela pintura, pela moda, pela publicidade e outros meios de veiculação altamente difusores de imagens dos modelos femininos. Estes princípios estão também na base do trabalho fotográfico de Sherman:

 

Já que as personagens de Sherman em Untiltled Film Stills não são especificadas, nós ficamos livres para construir nossas próprias narrativas para essas mulheres. Sherman encoraja nossa participação, ao sugerir, através da natureza deliberada de suas poses, que ela é o objeto da contemplação de alguém. (CRUZ, 1997: 3, trad. nossa)

 

            Porém, a empatia gerada por esta  figura com elementos estranhos à forma natural do corpo é essencial para disparar um mecanismo de reconhecimento e repulsa, através do qual se compreende até que ponto se é atraído ou repelido pela compreensão do corpo feminino construído que dança. A empatia com a figura, o deslumbramento é necessário para o estabelecimento de vínculo e a eficácia do elemento estranho/bizarro que vai manchar a figura, estilhaçar o olhar do espectador e inverter a ordem do mundo na busca pela teatralidade. A beleza evita a compaixão, o elemento estranho evita a plastificação da figura, deixando os procedimentos em consonância com as idéais de Meierhold sobre o grotesco:

 

O que é essencial no grotesco é o modo constante com o qual ele desloca o espectador de um plano perceptivo que acabou de intuir, para um outro que ele não esperava. (BONFITTO, 2002: 43)

 

            Todas as pessoas possuem um grau de construção de si mesmas a partir de colagens de referências do mundo exterior que reverberam ante os desejos do mundo interior. O desejo provoca a construção de uma imagem que satisfaça o olhar individual e o olhar externo: aquilo que pareço diante do mundo dá pistas claras sobre aquilo que desejo ser ou que desejo ser tomado como.  Assim, pode-se dizer que as informações que circulam dentro e fora do corpo, ao se tornarem concretamente reais, ao agirem no espaço e no tempo presentes, não são meros dispositivos estéreis à espera de significação somente a partir do outro: elas se transformam em corpo e habitam a ação, indissociáveis de seu ambiente e plenas de significação em diversas camadas semânticas.

 

O corpo não é um lugar onde as informações que vêm do mundo são processadas para serem depois devolvidas ao mundo.

O corpo não é um meio por onde a informação simplesmente passa, pois toda informação que chega entra em negociação com as que já estão. O corpo é o resultado desses cruzamentos, e não um lugar onde as informações são apenas abrigadas. (GREINER e KATZ, 2005: 130-131)

 

            Neste sentido, a construção das figuras femininas colocadas dentro da dança revela um jogo natural do ser humano de querer ser: mas este corpo preparado é colocado em movimento e a partir de suas contenções e possibilidades gera um tipo de movimentação que compõem o universo em que a figura emerge. A partir então do jogo corporal e da relação com o outro, que projeta e recebe os desejos sobre o corpo construído, a figura ganha autonomia de signos e compõe um universo paralelo dentro de um outro ponto de ambigüidade: densa, e ao mesmo tempo superficial, a figura feminina construída constitui-se como informação e abre o olhar do espectador, corroborando ou destruindo as referências pessoais, possibilitando alargar as chaves de leitura acerca de um pré-conceito sobre a identidade desta “mulher americana” re-proposta pelo trabalho da atriz dentro do contentor dramatúrgico estabelecido.

            Retomando as reflexões acerca da composição de uma dramaturgia do corpo, podemos concluir que é necessário estipular parâmetros concisos dentro das pesquisas teatrais e em dança que aprofundaram estas relações estéticas e técnicas e fizeram emergir uma nova teatralidade dentro do corpo que dança e a possibilidade cada vez mais explorada de compor novas dramaturgias, renovando as pesquisas estéticas nas artes cênicas.

            O uso de recursos de encenação, antes pertencentes a outros universos artísticos, são transpostos para as obras de dança, e isso resulta na sua fusão com a teatralidade e a indefinição dos gêneros antes distintos. Esses recursos apóiam a estruturação de novas dramaturgias, agora pautadas no movimento.

 

Disso resulta a criação de uma fábula e de uma dramaturgia que contam uma história a partir das ações simbólicas das personagens – que permanecem no seu papel e são condutoras da dramaturgia. ( PAVIS, 1999; p. 84)

 

            O corpo do ator-dançarino, então, torna-se o terreno onde se fundará estas experiências de fusão das linguagens, aproximando o movimento abstrato de ações miméticas, aproximando a construção de figuras ou personagens com sua capacidade cinética, aproximando a técnica da dança com a criação de estados corporais e núcleos de significações simbólicas dentro de um contexto de criação dramatúrgica.

 

Ao valer-se contemporaneamente dos ingredientes de uma encenação teatral, como inserção de textos, cenografia, objetos-figurinos, a dança-teatro acaba investindo na criação de uma dramaturgia que conta uma história: as ações simbólicas das personagens são ligadas em algum grau, ainda que de maneira abstrata, a motivações psicológicas ou sociológicas. ( NASPOLINI, 2006; p. 59)

 

            Deste modo, a composição da dramaturgia do movimento, aliada à busca de novas respostas corporais por parte dos intérpretes diante do desafio de estruturar uma obra cênica, corresponde ao trabalho incansável de edificar núcleos poéticos a serem desenvolvidos em pesquisas na área do teatro e da dança, provocando sucessivos rompimentos com as fronteiras que separam este teatro poético e cinético de linguagens como a música e as artes plásticas, retornando ao espectador com resultados genuínos de investigação artística.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

BONFITTO, Matteo. O ator compositor. São Paulo: Perspectiva, 2002.

 

CRUZ, Amada. Movies, Monstrosities, and Masks: twenty years of Cindy Sherman. In. Cindy Shermana: Retrospective. New York: Thames & Hudson, 1997.

 

GREINER, Christine e KATZ, Helena. Por uma teoria do corpomídia. In. O Corpo – pistas para estudos indisciplinares. São Paulo: Anna Blume, 2005

 

KANDINSKY, Vassily. De lo espiritual en la arte. Barcelona: Barral Labor, 1972.

 

NASPOLINI, Marisa. Corpos em Ação: a construção da personagem na dança. In. Tubo de Ensaio - Experiências de Dança e Arte Contemporânea. Florianópolis: Ed. Do Autor, 2006.

 

PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999.

 

SANCHEZ, José (ed). La Scena Moderna- manifiestos y textos sobre teatro de la época de vanguardias. Madri: Ediciones Akal, 1999.

 

SERVOS, Norbert. Entre a Alegria e a perfídia. In. Revista Bravo n. 39.  São Paulo: Editora D´Ávila, 2000.

SHERMAN, Cindy. The Making of Untitled. In: The Complete Untitled Film Stills. New York: The Museum of Modern Art, 2003.

  

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Na busca das origens da dramaturgia do movimento [189]

 

Prof. Dr. Milton de Andrade Leal Jr[190]   Juarez José Nascimento Nunes[191]

 

Participantes da pesquisa: Juarez José do Nascimento[192], Bárbara Biscaro[193], Samuel Romão[194], Monica Siedler[195].

 

Palavras – chave: Composição, dramaturgia do movimento, dança-teatro.

 

Resumo: Este artigo procura, através de um breve estudo sobre as origens da dança moderna alemã, extrair o conceito dramaturgia do movimento como um modelo de composição dramática presente  na atualidade cênica.

 

            O conceito dramaturgia do movimento vem se tornando corriqueiro na atualidade cênica, no entanto, é fundamental afirmar que isto só é possível devido a um novo olhar direcionado ao texto dramático. “A definição de texto dramático é preciso não ser encarada de maneira estrita e tradicionalmente em cânones literários dramáticos “ (Guinsburg, 2001; p. 13)

Precisa-se compreender que “dramaturgia do movimento” refere-se a um procedimento de composição não literário; encontrado numa zona cinzenta, um espaço de intersecção de duas expressões artísticas de onde é possível extraí-lo – a dança e o teatro.

Se, partirmos do sentido elementar de dramaturgia como composição de um drama, conclui-se que a dramaturgia do movimento é a composição de um drama através do movimento.

E, sendo assim, se, movimento no seu sentido físico é a variação espacial de um objeto ou ponto material no decorrer do tempo, a dramaturgia do movimento é a composição dramática de um deslocamento.

            Para Pavis “dramaturgia é no seu sentido genérico a técnica da arte dramática que procura estabelecer os princípios de construção da obra, o que pressupõe um conjunto de regras especificamente teatrais." (1999, p. 113). A dramaturgia clássica examina exclusivamente o trabalho do autor e a estrutura narrativa da obra, enquanto que a partir de Brecht esta noção abrange o texto de origem e os meios da encenação. Pavis afirma ainda: que a dramaturgia enquanto atividade do dramaturgo instala os materiais textuais e cênicos, destaca os significados complexos do texto ao escolher uma interpretação particular orientando o espetáculo num sentido escolhido”. (1999, p. 113)

Enquanto realização de uma equipe, do encenador ao ator, a dramaturgia designa um conjunto de escolhas estéticas e ideológicas. Em seu sentido mais atual, a dramaturgia ultrapassa o estudo do texto dramático articulando texto e encenação permitindo espaço a outras abordagens como da dramaturgia do movimento.

A dramaturgia do movimento, enquanto composição de um drama, segue um conjunto de regras ampliando a noção clássica de dramaturgia abrangendo meios cênicos que vão além dos textuais.

Porém, se temos abdicado o trabalho clássico do dramaturgo enquanto autor, nesta zona cinzenta, da dança-teatro, onde encontramos a dramaturgia do movimento, teremos o trabalho do dramaturgo diluído entre o ator-dançarino e o coreógrafo-encenador.

Conclui-se, assim, que a dramaturgia do movimento aqui abordada é uma decorrência histórica da fusão entre a dança, o teatro e a arte do movimento, e enquanto elemento cênico é uma forma não literária de composição dramática que utiliza as leis do drama e as leis do movimento como elementos de linguagem. Decorre daí a importância de se estudar as origens da dança-teatro no início do século XX.

 

Consoante Patrice Pavis:

 

Dança-teatro (expressão traduzida do alemão Tanztheater) é conhecida, sobretudo através de P. BAUSCH, porém tem sua origem no Folkwang Tanz-Studio, criado em 1928 por K. JOOSS que foi professor de BAUSCH e proveio ele próprio da Ansdruckstanz, a dança expressionista alemã. A esta corrente da criação coreográfica contemporânea pertencem igualmente JOHANN KRENIK e seu teatro coreográfico, R. HOFFMANN e G. BOHNER, na França M. MARIN, os quais apesar de não utilizarem este termo, são conhecidos como coreógrafos abertos à teatralidade e favoráveis à descompartimentação das artes cênicas.” (PAVIS , 1999; p. 83).

 

 

A dança-teatro surge como reação aos formalismos da dança moderna, ultrapassando as oposições como: corpo e linguagem, movimento puro e fala, pesquisa formal e realismo; e objetiva a coexistência entre “cinese” e “mimese”. Além disso, a dança-teatro recoloca o dilema da dança entre o movimento puro e a pantomima com seu gosto por uma história simples, procurando produzir o efeito do teatro ( Pavis, 1999,  pp. 83 e 84).

 

O termo dança-teatro, segundo Isa Partsh Bérgsohn[196], nos leva aos anos 20 na Alemanha quando Rudolf Laban, distanciando-se da dança como expressão de sentimentos subjetivos, publica em 1920 a sistematização do seu pensamento sobre o movimento da dança no livro Die Welt des Tänzers (O Mundo do Dançarino). Com a Companhia de Dança de Hamburgo, Laban provou suas teorias na prática em torno das leis fundamentais do movimento humano, trabalhou para representar no palco sua nova forma de dança (dança moderna), distinguiu movimento coral e dança-teatro.

 

 

O movimento coral servia para dar uma experiência ao leigo, enquanto que na dança teatro dançarinos profissionais treinados apresentavam a forma de arte da dança.

Diferenciava as danças de acordo com sua estrutura como orquestra, dança coral ou câmara, incluindo danças menores como a sonata e a canção. (Partshh-Bergsohn, 1988)

 

 

            Com a distinção entre movimento coral e dança-teatro abre-se o caminho a ser seguido por dois alunos de Rudolf Laban: Mary Wigman e Kurt Joos. Wigman colaboradora de Laban dançava às vezes sem acompanhamento em busca de sentir o ritmo corporal e, procurando seu próprio caminho, foi mais específica sobre sua concepção de dança teatro. Segundo Partsch-Bergshon, para Wigman “a humanidade é o tema básico de uma ilimitada e eternamente significativa seqüência de variações. Suas danças eram abstratas, claras em forma e expressionistas em seu uso de distorção, algumas realizadas em completo silêncio.” (Partsh-Bergsohn, 1988).

            Após ter passado por uma experiência difícil com a montagem de Totenmal (Monumento para os mortos, coreografia de 1930, sem música para o poema de Alberto Talhof), Wigman reavaliou se o grau de abstração empregado neste trabalho ainda estava no campo da dança.; objetivou o renascimento contemporâneo do teatro grego antigo, criou ritmos espaciais através de simples locomoções unificadas em grandes ações de coral e colaborou com diretores alemães de destaque. Em uma de suas obras escreveu:

 

“A irredutível exigência da dança coral no seu criador, o coreógrafo é a simplicidade, e uma vez mais a simplicidade na organização do espaço, no seu conteúdo rítmico, nas nuances dinâmicas do caminho da atitude corporal e do gesto”. (Wigman, cit. in Partsch-Bergsohn, 1988)

 

 

Wigman contribuiu de forma relevante dando passo importantes na direção de definir a dança teatro do início do século XX, como também atingiu um balanço extraordinário das diferentes formas de arte.

Kurt Jooss, outro aluno de Laban entendia a dança-teatro como uma ação grupal dramática. Conheceu Laban nos anos 20, estudou com este, foi membro da Cia. de Hamburgo e em 1925 tornou-se diretor de dança no teatro Münster, criando aí sua primeira coreografia; migra para Essen onde se torna co-fundador e diretor de dança da Folkwang Schule, seguindo os ideais de Laban combinando música, dança e educação da fala.

Do ponto de vista pedagógico e coreográfico, formou dançarinos de acordo sua concepção de dança-teatro; no espetáculo Mesa Verde (1932) levou a fundo a questão do conteúdo. Para Jooss o conteúdo concreto em um trabalho artístico ganha significado.  Considerando o conceito de drama em relação à palavra, Jooss argumentou que a eliminação do discurso verbal enfatiza o gesto que será intensificado.

Muda com sua companhia, em 1933, para Inglaterra onde estabelece uma escola, esteve também na Holanda e Suécia, viajando nos anos 30 por toda Europa, onde segundo Isa Partsh Bérgson, o público viu o estilo Jooss como “uma forma modernizada de balé”.

            Outro expoente da dança-teatro, Pina Bausch, ainda viva, graduou-se em 1959 na Folkwang Hochschule de Essen, estuda na Julliard, escola de música em New York, onde trabalha com Antony Tudor – coreógrafo do balé britânico que criava seus personagens mostrando suas motivações psicológicas através de gestos expressivos.

Nesta época em Nova York, havia uma forte reação à formalidade técnica da dança moderna coma a vanguarda buscando alternativas e experimentando danças e estilos. Cansados de heroísmos segmentos da dança ficavam os movimentos de pedestres e observando relações básicas do ser humano em seu cotidiano.

Bausch esteve receptiva a questões do meio ambiente, direitos civis, feminismo, minorias, preocupações antinucleares expressos em todas as artes dos anos 60 e em novas maneiras de produzir significados.

Em 1962, retorna para Folkwang Hochschule na Alemanha, recebendo de Jooss a posição de solista líder no recente formado Folkwang Ballet e leciona técnicas de dança moderna.

Partsh-Bergshon considera que Baush é consciente da dinâmica do espaço, refinou gestos e fraseados e aguçou sua observação aprendendo articular movimentos de dança e o uso orquestral da companhia.

Com o histórico acima apresentado, em relação às primeiras definições apontadas no início deste artigo, podemos observar que: (a) se o teatro clássico e mesmo o moderno mantém como um de seus elementos essenciais o texto dramático, compreendido em seu sentido canônico literário, a dança-teatro o substitui pelo movimento. É através do movimento que a dança-teatro, herança da dança moderna, compõe seu drama possibilitando-nos nomear esta composição de dramaturgia do movimento; (b) a dramaturgia do movimento é resultante histórico de um distanciamento da "dança como expressão de sentimentos subjetivos" em Laban, tornando-se uma “ação grupal dramática, técnica de coreografia dramática” em Jooss.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

GUINSBURG, Jacó. Da Cena em Cena. São Paulo: Perspectiva, 2001.

 

PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999.

 

PARTSCH-BERGSOHN, Isa. “DanceTheatre from Rudolph Laban to Pina Bausch” in Dance Theatre Journal, vol 6, no. 02 outono de 1988, pp. 37 a 39. Tradução de Ciane Fernandes (Universidade Federal da Bahia) A Dança-Teatro de Rudolf Laban a Pina Bausch – Tradução

Ciane Fernandes. Site: https://www.revista.art.br ; Acessado em 02/07/07.

  

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IMAGENS, DESENHOS E SIGNIFICADOS DE PROFESSORES E ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS EM ESCOLAS COM EDUCAÇÃO INCLUSIVA[197]

 

O Desenho como Ferramenta de Integração Social na Educação Inclusiva[198] 

 

Janaí de Abreu Pereira[199]; Neli Klix Freitas[200]

 

Palavras-Chave: Arte-educação – socio-interacionismo - necessidades educativas especiais.

 

Resumo - Partindo  da  abordagem historico-cultural de Vygotsky, dialogamos  com as implicações para o debate sobre a educação inclusiva na escola, na arte-educação e na sociedade, levando em conta a complexidade que caracteriza o processo de ensino-aprendizagem e o desenvolvimento infantil. A educação para a diversidade é considerada fundamental para que a inclusão possa realmente acontecer.

 

           

             Cumprir o dever de incluir todas as crianças na escola regular, supõe uma reavaliação de todo o sistema educacional e extrapola a simples inovação educacional. Implica no reconhecimento de que o outro é sempre diferente, a diferença é a regra e não a exceção. A educação inclusiva tem conseguido seu espaço após inúmeras pressões sociopolíticas, econômicas e educativas. Atualmente temos inúmeras medidas legislativas, tais como: Constituição Federal (1988), Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei n.9394/96, Declaração de Salamanca (1994), Convenção Interamericana (1999) entre outras, que atestam o direito dos portadores de necessidades educativas especiais (PNEE), de freqüentarem as instituições regulares de ensino, independentemente de suas condições físicas, cognitivas, sensoriais, origem sócio-econômica, étnica ou religiosa. Isso implica na conquista de um novo espaço social . No decorrer da história, os  PNEE eram isolados do convívio social, submetidos algumas vezes a torturas, abandono e maus tratos.          

            A Declaração de Salamanca (1994) atesta que todas as crianças devem aprender juntas, independentemente de suas dificuldades ou diferenças, ou seja este aprender juntas, leva em consideração o contexto social, histórico e cultural em que estão inseridas. A idéia do ser humano imerso num contexto histórico, enquanto “[...] corpo e mente, enquanto ser biológico e social, [...] membro da espécie humana e participante de um processo histórico” (OLIVEIRA, 2005, p.23). Isso coincide com a concepção histórico-cultural ou socio-interacionista, com ênfase nas contribuições de Lev Semenovich Vygotsky.         

            Profundamente influenciado pelas teorias marxistas, das premissas do método dialético, afirma que as origens das atividades psicológicas mais sofisticadas do ser humano acabam se formando nas relações sociais, na relação indivíduo/sociedade/cultura. O mesmo não é somente um produto do meio, mas um agente ativo na criação e modificação do meio em que está inserido. Enfatiza o papel da linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento. Sua questão central é a aquisição do conhecimento em interação social. Assim,  resulta que “[...] ao mesmo tempo em que o ser humano transforma o seu meio para atender suas necessidades básicas, transforma-se a si mesmo” (REGO, 2004, p.41). As funções psicológicas especificamente humanas, como a percepção, a imaginação, as representações mentais se originam na interação das relações do indivíduo com  o seu contexto cultural e social.

            A importância que Vygotsky dá ao papel do outro social  baseia-se em que  “[...] o aprendizado e desenvolvimento estão inter-relacionados desde o primeiro dia de vida da criança” (VYGOTSKY, 2003a, p.110). Existe um processo de desenvolvimento em parte definido por um processo de maturação do organismo biológico individual, e em parte realizado no aprendizado social e cultural.               Existem, pelo menos dois níveis de desenvolvimento identificados por Vygotsky: um denominado real, onde o desenvolvimento das funções mentais da criança, já foi  adquirido e refere-se ao que ela consegue fazer sozinha; e um potencial, ou seja, a capacidade de aprender com outra pessoa. A aprendizagem interage desta maneira com o desenvolvimento, e a distância entre estes dois níveis produz o que Vygotsky (2003) denomina de zona de desenvolvimento proximal.

            Esta potencialidade para aprender não é a mesma para todas as pessoas, ou seja, a distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial, é singular e único. É na interação social que ocorre o processo de construção das funções psicológicas humanas. Levando em consideração este aspecto é que o ambiente educacional regular pode contribuir significativamente  para o processo de aprendizagem. Esta inserção possibilita a troca de experiências, a  socialização, tendo como finalidade o desenvolvimento dos PNEE, em seus aspectos físicos, psicológicos, intelectuais, emocionais e socias,  construindo neste ambiente de diversidade um campo privilegiado da experiência educativa. Segundo Vygotsky, esta interação com o mundo ocorre por meio de mediações, ou seja não é uma relação direta, mas uma relação mediada, sendo os sistemas simbólicos os elementos intermediários entre o sujeito e o mundo, “[...] a analogia básica entre signo e instrumento repousa na função mediadora que os caracteriza” (VYGOTSKY, 2003a, p.71).

        Poderíamos pensar no conceito de mediação de Vygostky (2003a) relacionando a arte  como sendo mediadora no processo sócio – histórico do desenvolvimento do ser humano enquanto sujeito do conhecimento, através da construção de representações da realidade, operado pelos sistemas simbólicos de que dispõe. Coloca-se ênfase na construção do conhecimento como uma interação mediada por várias relações, ou seja, o conhecimento não está sendo visto como uma ação do sujeito sobre a realidade mas, pela mediação feita por outros sujeitos ou objetos.  O outro social, pode apresentar-se por meio de objetos, da organização do ambiente, do mundo cultural que rodeia o indivíduo. Segundo Vygostky (2003a), a atividade criadora é uma manifestação exclusiva do ser humano, pois só este tem a capacidade de criar algo novo a partir do que já existe, levando em consideração a memória. O homem pode imaginar situações futuras e formar outras imagens a partir das imagens com que ele interage. A ação criadora desta forma residiria na não-adaptação do ser, que se constitui como tal, em uma constante construção.

            Nesta pesquisa foram coletados, analisados e interpretados dados de trinta professores e dez alunos com necessidades educativas especiais como sujeitos da educação inclusiva. O método  empregado de análise dos dados  foi a Análise de Conteúdo, segundo Bardin (1977). Aos participantes da pesquisa, crianças com necessidades educativas especiais, foi solicitado que participassem, executando visualidades (desenho, pintura, colagem e outros), em uma série de dez, e relatassem o significado atribuído às mesmas, falando sobre o que realizaram. Todos os dados foram coletados em escolas públicas. Entende-se esta atividade como processo, a criança cria e interpreta as visualidades, ressaltando sobretudo a linguagem verbal, nunca como algo terminado, pronto “[...]o processo da atividade gráfica é permeado por interações entre as crianças, por momentos de emergência de jogo simbólico e isso não aparece no desenho finalizado” (FERREIRA; SILVA, 2001, p.147). Consiste numa produção gráfica e estética, que é socialmente constituída, é a exteriorização de uma maneira de ver o mundo. Não se originam do nada, mas da interação que a criança tem com seu meio social,  que integra-se com a linguagem, na visão de Vygotsky (2001), de imagem mais palavra, no processo de atribuição de significados.

            Levando em consideração a teoria histórico-cultural de Vygotsky, para que a criança realize tais atividades é necessário um amadurecimento nas áreas neuromotora, socioafetiva e cognitiva. Na arte  faremos um recorte para o desenho, tendo em vista o número elevado deste apresentado na pesquisa. O desenho é um signo empregado pelo homem e é constituído nas interações sociais.

            Edith Derdyk (2003) enfatiza um entendimento do ato de desenhar como atividade inteligente e sensível, reclama a sua autonomia e sua capacidade de abrangência como um meio de comunicação, expressão e conhecimento, possui a natureza aberta e processual.

Neste ato de desenhar está implícita uma conversa entre o pensar e o fazer. A percepção e a sensibilidade são as janelas para o mundo que possibilitam a troca permeável entre o que está dentro e o que está fora. Segundo Derdyk (2003, p.112) “[...] o desenho traduz uma visão porque traduz um pensamento, revela um conceito”. Estão contidas referências do cotidiano, alusões à fantasia, lembranças, significações, interpretações, elaborando correspondências, relacionando, simbolizando, significando num jogo contínuo entre o real, o percebido e o imaginário.

            No livro Imaginación y El Arte en la Infancia, Vygotsky (2003b), aborda que a constituição do homem se dá no plano da intersubjetividade. Enfatiza que a imaginação é uma atividade mental vinculada com a realidade que tem sentido e significado. A criança ao desenhar interpreta esta realidade, por meio da fantasia e da imaginação. Por isso, o enfoque da pesquisa se dá na fala da criança sobre sua visualidade, seu desenho. A fala é o signo fundamental que possibilita a ponte  com o conhecimento de sentido subjetivo atribuído ao desenho. Portanto é o pensamento expresso através da fala da criança que explicita seu mundo, e não somente os traços, rabiscos e figurações que, sozinhos remetem a muitas interpretações.

            A imaginação e a fantasia se alimentam do já existente, do vivido, do experienciado, da lembrança de vivências concretas. Desta forma, o desenho da criança está pautado na realidade conhecida por ela, criando outra realidade, com significados próprios. Segundo o autor a imaginação não se limita à reprodução de imagens historicamente constituídas, mas  leva em consideração esta bagagem imagética e cria novas combinações. Desenhando objetos reais, por exemplo, a criança  expressa o significado e o sentido das coisas que vê, não é a realidade material do objeto, tal como ele é, mas sim uma realidade vista por sua lente, uma realidade conceituada, é essa a realidade percebida por ela, é o mundo dos significados.

Vygotsky (2003b) afirma que a criança não desenha o que vê, mas sim o que conhece. Referente a isso destaca o papel da mediação, seja pelos signos ou pelo outro social. O papel da mediação na teoria histórico-cultural tem inicío a partir do surgimento dos signos psicológicos. Uma nova força irá participar e alterar a constituição do sujeito, nas relações entre desenvolvimento e aprendizado, e estaria mais centrada nos fatores sociais do que nos biológicos. Qualquer função psicológica no desenvolvimento intelectual da criança aparece em dois momentos, primeiro no plano social, interpsicológica e logo depois no plano psicológico, intrapsicológica.

É na relação com o outro que a criança toma consciência de si mesma.

            Desta forma, ao trabalhar com visualidades das crianças com necessidades educativas especiais,  nessa pesquisa são estes princípios norteadores. Quando o processo de produção das visualidades, traz à tona figurações, fantasias e imaginação, esses representam o real possível, elaborado pelas vivências da criança que é constituída socialmente, mediado através do signo verbal. O significado é auto-atribuído pelo autor da visualidade.A fala também é mediadora de outras atividades da criança, como o jogo e o brinquedo.

            Como Vygotsky (2003b) relata, a imaginação depende da experiência. A riqueza do processo gráfico constitui-se  através da fala, da motricidade e outros sinais corporais. No processo de coleta dos dados foi importante observar a interação da professora com os alunos, dos alunos entre si e com a pesquisadora.  Por isso, o  registro do momento da produção gráfica é importantíssimo, e  não somente no produto final. É surpreendente verificar a dimensão sociocultural no grafismo, relações estabelecidas entre o pensamento e o real, mediada pela atividade simbólica e pela linguagem nas crianças com necessidades educativas especiais, em interação social nas escolas com educação inclusiva.

            Pensar na escola inclusiva é pensar que estas visualidades são determinadas pelo contexto sócio-cultural, que ninguém pinta, desenha, ou molda aquilo que vê, mas o que aprendeu a ver. A importância da arte é expressiva no processo educativo de desenvolvimento e aprendizagem da criança como sujeito que se expressa e se insere no mundo, ampliando repertórios e somando experiências que irão alimentar seu imaginário. É possível identificar, na produção visual mediada por verbalizações, que as crianças mostram vivências familiares, gostam de mostrar seus trabalhos aos colegas, à professora. Diante da oportunidade de desenhar, o significado de expressar-se surge como estímulo para outras expressões compartilhadas. Essas questões resultaram da análise dos desenhos.

Quanto aos professores, na coleta de dados esses referiram-se a imagens do passado e do presente, relacionando a formação com o exercício atual da docência nas escolas com educação inclusiva. A interação social foi evidenciada, o que ocorreu tanto no material dos professores, quanto no  dos alunos.Trata-se de uma evidência que corrobora o princípio básico proposto por Vygotsky.

                Para a educação inclusiva o direito à diferença constitui um dos princípios fundamentais que sustentam um modelo de educação que visa à construção, pelos PNEE, de seus valores de forma racional e autônoma.

              É uma possibilidade que se abre para o desenvolvimento e para o benefício de todos os alunos, com ou sem necessidades educativas especiais, nas escolas regulares de ensino, trazendo consigo um conjunto de fatores, para que todos possam ser inseridos totalmente na sociedade em todos os seus segmentos: trabalho, lazer, saúde, dentre outros.

            A inclusão se concilia com uma educação para todos e com um ensino especializado ao aluno, mas não se consegue implementar uma opção de inserção tão revolucionária sem enfrentar um desafio ainda maior: o que recai sobre o fator humano. Os recursos físicos e os meios materiais para a efetivação de um processo inclusivo escolar de qualidade cedem um espaço de prioridade para o desenvolvimento de novas atitudes e formas de interação na escola, exigindo uma nova postura diante da aceitação e valorização das diferenças individuais, da convivência na diversidade humana, e da aprendizagem por meio da cooperação (FREITAS, 2006).

            Um ensino que leva em conta a aprendizagem parte do princípio de que todos os alunos podem aprender alguns podem necessitar algumas adaptações curriculares, fruto da existência infinita de perfis de aprendizagem. Pensando na aprendizagem e nas dificuldades de aprendizagem é possível dialogar com os alunos com necessidades educativas especiais na própria escola para que todos tenham acesso ao conhecimento socialmente produzido. Este processo envolve o aluno, o docente, a escola, a família e a sociedade como parceiras.

            Na perspectiva Vygotskiana, o ensino escolar desempenha um papel importante neste processo,  e este aspecto ficou evidente nos dados já analisados. Cumpre salientar ainda que a pesquisa permitiu um contato direto com o processo da educação inclusiva como um todo, com os sujeitos envolvidos: professores e, no caso dos participantes, crianças com necessidades educativas especiais, mas também com o contexto escolar e familiar envolvidos neste processo. Vivenciar o conhecimento estabelecido nas mediações sociais, históricas e culturais, através dos relatos e visualidades dos mesmos possibilitou o acesso à compreensão dos aspectos positivos e negativos da educação inclusiva, do que deve ser melhorado.

                A educação inclusiva, na perspectiva da pesquisa, volta o olhar para o coletivo, mas não  homogêneo, por isso a arte é um meio de diálogo possível, porque parte de uma singularidade  para a coletividade, traça este diálogo mediante a heterogeneidade humana, a valorização da diversidade, dos múltiplos olhares e sensibilizações, como um elemento enriquecedor do desenvolvimento pessoal e social.

 

Referências

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FREITAS,N.K.Tramas Conceituais:Imagens e Significados em Arte e Educação. IN: Revista Teoria e Prática da Educação,Vol.10, UEM, 2006.

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                                 TRANSDISCIPLINARIDADE E INTERSEMIOSES NO ENSINO

 DA ARTE – TRANSARTE. [201]

 

Sandra Regina Ramalho e Oliveira[202], Maria de Lourdes de Azevedo[203], Cristine Medeiros Esmeraldino[204], Débora da Rocha Gaspar,[205] Gilberto André Borges[206], Sandra Conceição Nunes[207].

  

Palavras-chave: Ensino de Arte; Transdisciplinaridade; Intersemioses.

 

Resumo: Neste artigo são relatados aspectos sobre a segunda etapa do Projeto TRANSARTE, que se desenvolveu em Florianópolis, tendo como participantes professores e estudantes de escolas públicas. O TRANSARTE-Transdisciplinaridade e Intersemioses no Ensino da Arte é uma proposta de ensino de arte baseada na Semiótica Discursiva. Foi feita uma primeira experiência (TRANSARTE I) em uma escola pública federal; e a segunda etapa teve como objeto professores e alunos das redes públicas estadual e municipal. Devido a diversas dificuldades a proposta foi reduzida de transdisciplinaridade para interdisciplinaridade, em ambas as experiências. No entanto, foram obtidos resultados positivos dos estudantes, se forem considerados os desempenhos nos pré e pós-testes, em ambas as experiências, igualmente.

 

                 O Projeto TRANSARTE teve início em uma pesquisa desenvolvida entre 2004 e 2005 com o título de “Intersemioses e Transdisciplinaridade no Ensino da Arte”. Trata-se de uma proposta de transdisciplinaridade entre as linguagens artísticas no ensino da arte, tendo como base os princípios da semiótica discursiva, visando à construção coletiva de aulas de arte, com professores das três áreas: artes plásticas, artes cênicas e música.

     Dados os resultados desta primeira pesquisa, percebeu-se a necessidade da continuação em uma segunda etapa; mudou-se o nome para “Transdisciplinaridade e Intersemioses no ensino da arte” e criou-se a sigla TRANSARTE para o projeto. A mudança de nome deu-se pela percepção que, nas escolas, a palavra “intersemioses” causava estranhamento e, por si só, já afastava os professores, ao passo que a palavra “Transdisciplinaridade” era mais familiar.

      Então o TRANSARTE foi dividido em TRANSARTE I e TRANSARTE II, sendo que o TRANSARTE I foi desenvolvido num colégio público federal modelo no Estado de Santa Catarina, no ensino da arte. Naquele colégio tem-se o estudo das três linguagens artísticas artes plásticas, artes cênicas e música; isto é indispensável para que haja a transdisciplinaridade: cada professor ministra conteúdos e práticas dentro de sua área especifica, mas acrescentam conceitos e exemplos de fenômenos estéticos análogos das outras áreas, relações possíveis a partir de planejamento e avaliações permanentes e conjuntas. Entretanto, no colégio onde se desenvolveu o TRANSARTE I, as aulas de arte eram ministradas multidisciplinalmente, cada professor ministra conteúdos de sua área, sem relação entre eles.

A pesquisa deu-se no primeiro semestre de 2005 e teve como resultados aprendizado considerável dos alunos, mas não foi obtido a transdisciplinaridade. Conseguiu-se apenas a interdisciplinaridade, pois houve falta de integração entre os professores, o que dificultou a troca de conhecimentos. Devido a este resultado, percebeu-se a necessidade de uma segunda etapa, em outro contexto.

     Os seguintes conceitos foram adotados: a polivalência é uma proposta de ensino na qual um mesmo professor ministra conteúdos de todos os campos da Arte sem fazer inter-relação entre eles. A monodisciplinaridade é o resultado do trabalho de um professor ministrando uma só linguagem. Na multidisciplinaridade, cada professor ministra seu conteúdo especifico, sem se preocupar com o que ministram os demais professores, das outras áreas. A interdisciplinaridade é um trabalho articulado entre professores que trabalham com diferentes programas, linguagens, metodologias, atividades, objetivos, sem que nenhum deles perca de vista o que o outro está ministrando, nem o conceito de aluno que estão juntos formando, mas cada um trabalha exclusivamente dentro da sua área. A transdisciplinaridade (que é a proposta do TRANSARTE) - além de ser inter (entre) áreas, os conteúdos e práticas de uma linguagem artística ou estética possam atravessar as demais e vise-versa o que estabelece um trânsito que possibilite perceber analogias, e destacar distinções, em cada uma das áreas.

      Em termos de diretrizes gerais que direcionam a pesquisa, o conceito de aluno com o qual se estaria trabalhando é o de “um ser humano vivenciando experiências para a vida, as quais, em termos de conhecimento da linguagem, não podem se restringir à alfabetização, pois é necessário conhecer um referencial mínimo sobre aspectos em comum e aspectos distintos existentes entre diferentes linguagens, para ter acesso aos conteúdos expressos nos bens estéticos, sem o qual não se dá o efetivo exercício da cidadania.”.

      A proposta leva também em conta a idéia de que na escola, não estamos formando artistas, mas cidadãos. Assim, esse referencial mínimo propiciaria a “imagemização”, ou seja, a alfabetização estética. Imagemização é um neologismo, ou seja, um conceito criado para designar um processo para o qual ainda não se tinha um nome. Trata do processo inicial de acesso à linguagem, a visual, a cênica e mesmo a musical, já que a música pode ser entendida como uma “paisagem sonora” segundo M.Schaeffer.

      A primeira dificuldade para trabalhar a transdisciplinaridade entre as linguagens artísticas é o fato de que muitas escolas possuem apenas um professor de Arte e esse geralmente é da linguagem visual, conforme constatado na relação de professores da Rede Estadual.

      Portanto, o problema deste estudo é como a escola vai dar conta da preparação do sujeito cidadão “imagemizado”, e como irá ministrar as diversas linguagens artísticas, tendo apenas um professor de arte (habilitado em uma área especifica)?

     O projeto teve como objetivos: desenvolver estudos anteriores feitos pela coordenadora do projeto acerca das relações entre as linguagens plástica, cênica e musical; propor uma mudança no ensino das Artes nas escolas, por meio de base teórica e metodológica inovadora; proporcionar ao aluno uma visão integrada de todas as linguagens estéticas, desde as artes até as do seu cotidiano; testar a abordagem metodológica construída a partir de princípios intersemióticos em escolas públicas; avaliar os resultados obtidos em um grupo de alunos do ensino formal; promover a integração entre profissionais da educação e seus saberes; ensejar experiência paradigmática para consolidar a prática interdisciplinar, em outras áreas do saber escolar; propor uma concepção de ensino de Artes que, ao contrário da polivalência, aborde diferentes linguagens, mas de modo inter-relacionado, intersemiótico e trans-disciplinar.

      Como método utilizamos observação, registro fotográfico e análise de auto-avaliação com base no pré e pós-teste. A escolha destes parâmetros metodológicos se deu em função dos seguintes motivos:

  

a)      Observação: em se tratando de experiências com seres humanos, e ainda mais, para tratar de processo educacional, o experimento é aberto a múltiplos acontecimentos, reações, resultados. Assim, nada melhor do que a observação, com registros escritos e fotografados no momento em que acontecem.  

  

  Pré e pós-teste: este procedimento tem sido adotado em diversas pesquisas anteriores sobre o mesmo assunto ou temas relacionados no âmbito da arte e mesmo em sala de aula, como avaliação da disciplina. O procedimento de pré-teste e pós-teste, por outro lado possibilita verificar o contexto pesquisado antes e após a aplicação da variável, neste caso, uma abordagem de ensino, extraindo de cada uma dessas situações dados para análise.

      Quando o pré-teste e o pós-teste pode ser comparado pelo próprio aluno, como foi o caso, nesta pesquisa, é o aluno, o objeto da aprendizagem que faz sua própria avaliação, cotejando seus conhecimentos antes e após aquelas aulas, tornando-se assim não só um objeto, mas um sujeito do seu aprendizado, ao auto-avaliar-se.

      Verificaram-se como principais resultados que,assim como na primeira etapa TRANSARTE I,os alunos conseguem estabelecer relações entre as linguagens, porém igualmente como no TRANSARTE I a maior dificuldade foi reunir professores para planejar e avaliar a proposta educacional.

      Foi comprovado por meio desta pesquisa, que o método é efetivo para o ensino correlacionado das linguagens artísticas, como se pôde constatar pelos resultados que os alunos apresentaram. A proposta foi desenvolvida em duas classes de artes plásticas, em apenas uma escola municipal; e o que difere esta abordagem de uma abordagem polivalente foi o fato de que um professor de música e um de artes cênicas acompanharam ativamente o planejamento e a avaliação das aulas de artes plásticas.

     Graças a esta participação foi possível alcançar as intersemioses entre as três linguagens artísticas. Um aspecto a destacar é que os alunos jamais haviam assistido a uma peça de teatro; e a professora de cênicas levou um espetáculo infantil para ser estudado pelos alunos da amostra. Entretanto, não houve transdisciplinaridade, apenas interdisciplinaridade no TRANSARTE II, tal como no TRANSARTE I. E o motivo foi o mesmo: a impossibilidade de reunir professores fora do horário de aulas para estudar, planejar e avaliar.

     Constatou-se a necessidade de continuar a pesquisa em outro contexto, pois como os objetivos do projeto foram obtidos parcialmente. Isto é a proposta metodológica mostrou-se eficaz para o aprendizado intersemiótico dos alunos, mas seria importante verificar resultado em uma escola que tivesse a disponibilidade de professores das três áreas. A grande dificuldade da obtenção da trandisciplinaridade é a reunião dos professores. O TRANSARTE III deve ser feito em uma escola particular, que é um contexto que ainda não foi testado.

     O ensino de arte intersemiótico possibilita ao aluno dar-se conta de processos estéticos relacionáveis entre as linguagens, o que permite que ele mesmo seja o construtor do seu aprendizado, pois pode fazer a tradução de um fenômeno em um texto visual para um musical, por exemplo.

      O acesso às linguagens estéticas e artísticas não se constitui em um supérfluo; ao contrário, nosso cotidiano é permeado de imagens; é preciso saber decodificá-las. Isto é tão importante quanto à alfabetização verbal, pois disto depende o exercício da cidadania.

 

 

Referências Bibliográficas:

 

AUMONT, J. (Jacques). A imagem. 2. ed. Campinas: Papirus, 1995.

DONDIS, D. A (Donis A.) Sintaxe da linguagem visual. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

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GREIMAS, Algirdas Julien; COURTES, Joseph. Dicionário de semiótica. São Paulo: Cultrix, c 1979.

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LANDOWSKI.E.Do Inteligível ao Sensível: em torno da obra de Algirdas Julien Greimas. São Paulo, EDUC, 1995.

MUKAROVSKY, J. Escritos sobre Estética e Semiótica da Arte. Trad. port. de Manuel Ruas. Lisboa, Estampa, 1988.

OLIVEIRA, Ana Claudia de. Fala gestual. São Paulo: Perspectiva, 1992.

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RAMALHO E OLIVEIRA, S.R. Fenomenologia da Experiência Estética: uma alternativa na preparação de educadores. Porto Alegre, Programa de Pós-Graduação em Educação, UFRGS, 1986, Diss. Mestr., vols.

RAMALHO E OLIVEIRA, S.R. Leitura de Imagens para a Educação. São Paulo, Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica. PUC/SP, 1998, Tese de Dout.

SANTAELLA, L. O que é semiótica. São Paulo, Brasiliense, 1989.

SCHAFER. R. Murray. O ouvido pensante. São Paulo: UNESP, 1991.

SOURIAU, E. A Correspondência das Artes. Trad. de Maria Cecília Queiroz de Moraes Pinto e Maria Helena Ribeiro da Cunha. São Paulo, Cultrix/USP, 1983. 

  

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   TRANSDISCIPLINARIDADE E INTERSEMIOSES NO ENSINO DA ARTE – TRANSARTE. 1

 

 

Sandra Regina Ramalho e Oliveira2, Maria de Lourdes de Azevedo3, Cristine Medeiros Esmeraldino4, Débora da Rocha Gaspar5, Gilberto André Borges5, Sandra Conceição Nunes5

 

 

RESUMO

 

 

 

Este artigo relata aspectos acerca da segunda etapa do Projeto TRANSARTE, desenvolvido em Florianópolis. Trata-se de uma proposta de ensino de arte baseada na Semiótica. A primeira experiência (TRANSARTE I) se deu em uma escola pública federal; e a segunda (TRANSARTE II), tem como objeto professores e alunos das redes públicas estadual e municipal. Diversas dificuldades reduziram a proposta de transdisciplinaridade para interdisciplinaridade, em ambas as experiências. Entretanto, os resultados obtidos dos estudantes são muito animadores, se considerados os desempenhos nos pré e pós-testes.

 

 

PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Arte. Transdisciplinaridade. Intersemioses.

 

Introdução

 

Neste artigo, apresenta-se a segunda etapa do Projeto TRANSARTE, que iniciou no ano de 2004 com a pesquisa Intersemioses e Transdisciplinaridade no Ensino da Arte. A pesquisa inicial, em virtude dos resultados obtidos preliminarmente, demandou a ampliação e aplicação da proposta em outros contextos, transformando-se assim no Projeto TRANSARTE, cujo desenvolvimento vem acontecendo em etapas, então denominadas: TRANSARTE I, TRANSARTE II e TRANSARTE III, este último em desenvolvimento.

 

1 Projeto de Pesquisa CEART/UDESC.

2 Orientadora, Professora do Departamento de Artes Plásticas – Centro de Artes – Av. Madre Benvenutta, 1907, Itacorubi, Florianóplois/SC, CEP 88.035-001.

3 Acadêmica do Curso de Licenciatura em Educação Artística – Habilitação Artes Plásticas – CEART/UDESC, bolsista de iniciação científica do PROBIC/UDESC.

4 Acadêmica do Curso de Bacharelado em Educação Artística – Habilitação Artes Plásticas – CEART/UDESC, bolsista de iniciação científica do PIBIC/CNPQ.

5  Professores de Arte do Ensino Formal – Voluntários.

O projeto TRANSARTE consiste em testar uma proposta de ensino transdisciplinar, baseada em princípios da semiótica discursiva para a construção coletiva de aulas de arte, correlacionando artes plásticas, música e artes cênicas.

Durante a primeira etapa do Projeto (TRANSARTE I) trocou-se o título original do projeto: “Intersemioses e Transdisciplinaridade no Ensino da Arte”, para “Transdisciplinaridade e Intersemioses no Ensino da Arte”, pois a palavra “transdisciplinaridade” era mais familiar aos professores, o que possibilitou também gerar a sigla TRANSARTE.

Para situar a segunda etapa do TRANSARTE ou TRANSARTE II, é necessário um breve resumo do TRANSARTE I. Esta etapa ocorreu em uma escola pública federal, com alunos de uma primeira série do ensino médio, durante o primeiro semestre de 2005. Os resultados dessa intervenção atestaram que os alunos conseguem estabelecer as intersemioses. Entretanto, a transdisciplinaridade foi reduzida à interdisciplinaridade. Diante destes fatos, surgiu a necessidade de testar a proposta em outro contexto escolar.  

O projeto TRANSARTE desenvolve os três eixos propostos pela Proposta Curricular de Santa Catarina e pelos Parâmetros Curriculares Nacionais: fazer (ou criar) formas artísticas, o fruir (ou ler) e refletir (ou contextualizar); mas tendo como proposta de partida a leitura de imagens. O sujeito contemporâneo encontra-se na era da ploriferação de imagens; cabe proporcionar ao educando conhecimentos que possibilitem perceber o conseqüente poder das imagens sobre sua subjetividade. Assim, o acesso à significação torna-se imprescindível, ou melhor, tão importante quanto a alfabetização verbal, em relação à linguagem verbal.

O problema deste estudo é como a Escola vai dar conta da construção de um sujeito cidadão “imagemizado” [1] , quando possui, em seu quadro de funcionários, um professor formado em uma única linguagem artística?

Deste modo, formulou-se como hipóteses, a possibilidade (ou não) de uma proposta educacional transdisciplinar, concebida a partir de princípios semióticos, inter-relacionando imagens visuais, cênicas e musicais, aplicadas em alunos de uma série específica de uma escola pública, propiciar a leitura das mesmas “linguagens”, de um modo articulado e complementar.

O objetivo deste Projeto, portanto é testar uma abordagem transdisciplinar baseada na semiótica discursiva, correlacionando artes plásticas, música e artes cênicas, áreas pertinentes ao ensino de Arte, entendendo que os conteúdos e práticas das três linguagens possam “atravessar-se” mutuamente, estabelecendo e percebendo analogias e distinções entre si, estendendo percepções para as vivências cotidianas.

No tocante ao conceito de transdisciplinaridade estudou-se Basarab Nicolescu (2002), Antoni Zabala (2004) e os brasileiros Melo, Barros e Sommerman (2002); quanto à interdisciplinaridade Ana Mae Barbosa (1984). Outras fontes teóricas foram buscadas, destacando-se os princípios semióticos de A. G. Greimas e seus seguidores (fundamentos), D. Pignatari (poesia e arquitetura), A. C. Oliveira (linguagem visual) e J. Plaza (intersemioses); em artes visuais, F. Ostrower, R. Arnheim, W. Kandinsky; M. Schaefer (música) e P. Pavis (teatro).

Os fundamentos semióticos, ao abordarem as linguagens da Arte como textos estéticos, favorecem o estabelecimento de inter-relações, instigam a observação, desaceleram o olhar, possibilitam estabelecer analogias e distinções. Analisando relações entre a expressão e o conteúdo ou entre a Arte e seus efeitos de sentido, a semiótica discursiva proporciona uma visão integrada de todas as linguagens estéticas, da Arte ao cotidiano, por meio de parâmetros. Assim, os conhecimentos sobre uma determinada “linguagem” contribuem para a compreensão das demais.

Adotou-se como método a aplicação da proposta em uma escola do ensino formal, sua observação, registro fotográfico e análise da auto-avaliação dos alunos com base em pré e pós-teste.

Verificou-se que, assim como na primeira etapa - TRANSARTE I, os alunos conseguem estabelecer relações entre as linguagens; porém, igualmente como no TRANSARTE I, no TRANSARTE II, a maior dificuldade foi reunir professores para planejar e avaliar o processo.

[1] Imagemizado é um neologismo criado, pela coordenadora desta pesquisa, para denominar o processo de aprendizagem de um referencial mínimo para acessar às linguagens estéticas visuais, audiovisuais, cênicas e mesmo musicais, uma vez que o sistema musical, conforme Schaeffer (1991), pode ser considerado uma paisagem sonora; “imagemização” substitui a expressão “alfabetização visual”.

 

 

Método

 

Inicialmente é importante definir os termos. A transdisciplinaridade, para efeitos desta pesquisa, é entendida no sentido de todos os professores articulados transitando em todos os âmbitos da área de Arte.

A semiótica discursiva propicia o entendimento da produção artística como um tipo especial de “linguagem”, possuindo ela em comum, entre outros aspectos, o plano de expressão e o plano de conteúdo; tendo como parâmetros ou categorias de análise: texto, plano de expressão (que se “subdivide” em elementos constitutivos e procedimentos relacionais) e plano de conteúdo, os quais variam de “linguagem” para “linguagem”.

Considerando-se o conceito de população em pesquisa com seres humanos, a população pesquisada é de alunos de escolas públicas. A amostra estudada foi composta por duas turmas de 6ª série da Escola Básica Osvaldo Machado, situada em Ponta das Canas, Florianópolis, pertencente à rede municipal de ensino. A comunidade desta localidade foi originalmente formada por pescadores e trabalhadores braçais, foi atingida pela escalada do turismo e pela explosão imobiliária que assola a Ilha nas últimas décadas; questões que interferem na identidade e na estabilidade emocional das crianças e muitas abandonam a escola com a chegada do verão.

Em termos de varáveis, além da própria abordagem metodológica, existiam diferenças entre as turmas. Embora as aulas fossem ministradas pela mesma professora, as duas turmas, sobre as quais recaiu a pesquisa, estudavam em períodos distintos, ou seja, matutino e vespertino, e em dias da semana diferentes.

Buscou-se, no TRANSARTE II, priorizar técnicas de coletas de dados previstas e indicadas para abordagem qualitativa em pesquisa, adaptando-as. Desta forma, foram usados como técnica de coleta de dados, nesta pesquisa: a observação sistemática, os testes e a análise de conteúdo. As observações realizadas foram anotadas em caderno de campo e fotografadas. Os testes, utilizados na pesquisa, seguiram o entendimento de Lakatos e Marconi (1999), como testes de rendimento (ou de conhecimentos), consubstanciados em pré e pós-teste.

A análise dos conteúdos deu-se sobre a auto-avaliação realizada pelos alunos avaliando e comparando seu desempenho no pré e pós-teste. O procedimento adotado para a análise de conteúdo foi a classificação segundo categorias focando na construção do repertório imagético dos alunos nas três linguagens da Arte.

Foram observadas as seguintes etapas metodológicas:

Primeiramente, formou-se uma equipe de professores estaduais e municipais voluntários, realizando-se encontros quinzenais durante o primeiro semestre de 2006, para discutir-se a base teórica e metodológica.

Em julho do mesmo ano, iniciou-se a construção coletiva do Projeto de Ensino, que teria uma orientação geral comum, porém flexível as particularidades e preferências de cada professor.

Chegado o início do segundo semestre, quando deveria dar-se a aplicação das aulas planejadas, restou no grupo apenas uma professora em exercício direto em sala de aula, com formação na linguagem de artes plásticas e atuando no ensino municipal, na Escola Básica Osvaldo Machado. A proposta prosseguiu com a única professora restante em sala de aula no grupo, que passou a construir suas aulas, nas áreas que não eram de sua formação, juntamente com os demais professores das outras áreas, quais sejam: artes cênicas e música.

Assim, dando início a aplicação da abordagem foi realizada a avaliação preventiva - o pré-teste, consistindo em uma “leitura”, com descrição verbal, escrita e individual realizada pelos alunos, de uma propaganda televisiva da Coca-Cola, com a duração de 30 segundos. Na seqüência, foram sendo desenvolvidas as aulas planejadas em conjunto pelos professores das três linguagens.

Efetuou-se o registro visual e verbal das atividades e a avaliação ao longo de todo processo, propiciando alterações nos planos de ensino, quando se fez necessário. Finalizando a aplicação da proposta foi realizada a avaliação somativa, consolidada no pós-teste, que por sua vez consistia na leitura, pelos alunos, da mesma imagem utilizada no pré-teste.

Por último, a professora solicitou aos alunos uma auto-avaliação da construção de seus conhecimentos durante o semestre, analisando e comparando suas leituras no pré e no pós-teste. Estas análises comparativas foram consideradas a principal fonte de dados para a pesquisa.

 

 

Resultados

 

 

Do mesmo modo que o TRANSARTE I, o TRANSARTE II não conseguiu articular a transdisciplinaridade; limitou-se a uma abordagem interdisciplinar, pois embora os conteúdos fossem planejados e avaliados de 15 em 15 dias, contando sempre com a participação ativa de professores de Cênicas e Música, esses professores não aplicavam a proposta em sala de aula, um por não ter turmas e a outra por ter se engajado em meio ao processo, o que impediu a transdisciplinaridade.

A dificuldade para reunir professores continuou se dando tanto por questões institucionais quanto pessoais (de deslocamento, gravidez, novo emprego, adoecimento), culminando com uma greve dos professores, definitivo fator de desarticulação do grupo. Contudo, três professores, de Música, Cênicas e de Plásticas continuaram o trabalho até o fim. 

Como ocorrido no TRANSARTE I, os resultados obtidos com os alunos superaram as expectativas, considerando-se que se deu em apenas um semestre, bem como o contexto em que estão inseridos os sujeitos utilizados como amostra, ou seja, em uma escola pública municipal, com alunos que têm pouco acesso à arte. Os dados registrados em observações dos pesquisadores, fotografias, desenhos, textos, pré e pós-teste, na auto-avaliação e no diário do bordo dos alunos, demonstraram que eles conseguem, com facilidade, estabelecer relações entre as “linguagens”.

Analisou-se o texto elaborado pelos alunos (auto-avaliação), avaliando o seu próprio desempenho no pré e pós-teste. Após a organização e análise dos dados, as falas dos alunos foram classificadas em categorias, que são as seguintes:

1 - consciência da ampliação do repertório: 20 observações. Exemplos: “No segundo eu entendi...” (Aluno C); “Na primeira folha só falei besteira (...) Na segunda folha já coloquei a maioria dos itens já estudados. Teve muita mudança.” (Aluno M).

2 – uso do repertório: 14 observações. Exemplos: “.... porque eu podia ver que tinha linha, cor, narrador, etc.” (Aluno A); “Eu poderia ter escrito sobre luz artificial (...) poderia ter botado a textura, a luz, cor.” (Aluno K); “... instrumentos musicais, narrador, ensaio (...) ponto, linha, luz, som.” (Aluno R).

3 – consciência da importância da ampliação do repertório na expressão: 13 observações. Exemplos: “Na primeira análise tinha muito menos coisas para botar, porque eu não sabia de nada ainda, mas depois eu ia saber. (...) Eu acho que melhorou tudo ou quase tudo, eu botei um monte de coisas que eu aprendi.” (Aluno P); “Na primeira avaliação eu falei se o programa era legal (...) na segunda eu já coloquei todos esses elementos que a professora ensinou...” (Aluno R).

4 – percepção de distintas linguagens na publicidade televisual: 12 observações. Exemplos: “Eu consegui falar o que eu acho de música, teatro e artes visuais.” (Aluno C); “Na primeira folha eu não falei sobre as três linguagens diferentes.” (Aluno M).

5 – ampliação da dimensão do texto verbal: 8 observações: “A primeira teve poucas linhas e a segunda não.” (Aluno E); “Eu acho que eu fiz a segunda análise melhor porque eu me expressei mais.” (Aluno S).

6 – percepção de diferenças na mesma linguagem: 2 observações: “Cada som tem um toque diferente e alguns têm o som igual.” (Aluno G); “... linhas que tinha (reta, curva, etc.) ...” (Aluno X).

7 – reconhecimento da necessidade de uma análise mais detalhada: 11 observações: “Poderia ter feito esquemas sobre a propaganda”  (Aluno K); “Na segunda eu fiz alguns desenhos, a imagem da coca-cola, no segundo desenho eu botei como a música foi.” (Aluno Q).

Por outro lado, os diários de bordo, sugeridos pela professora da turma, constituem-se em outra fonte de dados; entretanto, como não era previsto e acabou parecendo para os alunos, um diário secreto, seu conteúdo não será analisado como dados de pesquisa. Entretanto, uma observação evidente em uma folha do diário, que bem exemplifica as intersemioses percebidas pelo aluno, entre a “linguagem” visual e a “linguagem” audiovisual, merece ser aqui transcrita: “Às vezes a novela fica chata. Chata como uma linha reta que não tem fim e não pára de correr.”

Há uma última questão a considerar: uma das professoras do grupo atuava em uma escola indígena o que gerou outro projeto de pesquisa, específico para aquela realidade, consistindo em mais um resultado do TRANSARTE.

 

Discussão

 

A aplicação da proposta demonstrou que ela possibilita e auxilia na leitura de imagens sincréticas; percebeu-se, na análise dos dados obtidos, que após o desenvolvimento da proposta metodológica, os alunos realizaram a leitura da imagem (propaganda televisiva) com maior propriedade, conseguindo assim melhor apreensão dos elementos significantes e avançando no alcance do significado dos textos estéticos.

A análise da auto-avaliação permite extrair dos relatos que a maioria dos alunos percebeu a ampliação de seus conhecimentos, assim como tem consciência da importância do enriquecimento de seu repertório estético e da importância destes conhecimentos para a apreensão das imagens.

 

Conclusão

 

No TRANSARTE II, assim como no TRANSARTE I, não se conseguiu desenvolver uma proposta transdisciplinar; porém alcançou-se a interdisciplinaridade, que foi concebida com base em princípios semióticos, inter-relacionando as três linguagens da Arte, música, artes cênicas e artes plásticas, junto aos alunos de 6ª série da professora de plásticas. Portanto, conseguiu-se também estabelecer as intersemioses, atestando que os alunos conseguem perceber paralela ou simultaneamente – ou seja, em relação - os fenômenos estéticos que se estruturam nas “linguagens” distintas (visual, cênica, audiovisual, sonora).

A maior dificuldade encontrada foi conseguir reunir os professores, fator indispensável para haver a transdisciplinaridade. Esta depende da adesão, compromisso e disponibilidade dos professores, condições que se apresentaram difíceis de conseguir. Porém, para atingir o objetivo do projeto de pesquisa, é preciso que aconteça, ainda, a participação de profissionais das três áreas da Arte que são ministradas em Santa Catarina e o predomínio é dos de Plásticas.

Há uma dicotomia nos resultados: ao passo que é tão conseguir trabalhar transdisciplinarmente com professores, os resultados obtidos dos alunos, ainda que de modo interdisciplinar, são surpreendentes, pois que obtidos em uma antiga colônia de pescadores, numa comunidade que sofre com drásticas mudanças sociais e identitárias.

Percebeu-se que o sistema educacional público vigente revela-se incapaz de gerar as transformações que se fazem prementes na instituição Escola. Seja pelo piso salarial da classe, que obriga os docentes a assumirem uma jornada de trabalho cada vez maior, a fim de obterem os recursos necessários à sobrevivência (refletindo-se na escassez de tempo disponível da categoria para atualização e troca de seus saberes e para o planejamento das aulas); seja pela não oportunização e facilitação de cursos de atualização de conhecimentos.

Observou-se ainda, que os professores não dispõem de recursos financeiros para a aquisição de bibliografia, materiais educativos, inscrição em cursos de atualização e, obviamente, para visitação e freqüência a eventos artísticos, fator este, essencialmente relevante na construção da subjetividade do professor de Arte.

Os motivos acima expostos demandaram a busca de uma escola particular para implementar novamente a Proposta, experimentando-a em outra realidade, dando seqüência ao TRANSARTE III.

 

Referências Bibliográficas:

 

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PAVIS, P. Diccionnaire du Théâtre. Paris: Éditions Sociales, 1990.

 

PIGNATARI, D. O que é Comunicação Poética. São Paulo: Brasiliense, 1989.

 

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XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

Centro de Artes - CEART

 

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LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL PARA O ENSINO DE MÚSICA

NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

NA REGIÃO SUL DO BRASIL[208]

 

Gabriel Ferrão Moreira[209]

Prof. Dr. Sérgio Luiz Ferreira de Figueiredo[210]

        

 

Palavras-chave: Educação musical, Legislação educacional, Séries iniciais do ensino fundamental.                                                                                                      

Resumo:Este trabalho trata da legislação brasileira que diz respeito à educação musical nas séries iniciais do ensino fundamental. As discussões aqui apresentadas fazem parte do projeto de pesquisa, em andamento, “Os efeitos da legislação educacional para a educação musical nas séries iniciais: 10 anos de LDBEN e outros documentos”, cujo objetivo principal é analisar a legislação que rege as séries iniciais, observando de que forma essa legislação afeta a educação musical neste período escolar. Este texto apresenta uma breve revisão de literatura sobre a legislação educacional que afeta a educação musical e questões de legislação dos estados da região sul do Brasil

 

 

INTRODUÇÃO

            A partir de 1996, com a aprovação da LDBEN (Brasil, 1996), diversos documentos têm sido produzidos em todos os estados brasileiros, assim como em todos os municípios, com orientações sobre diversos aspectos educacionais. O objetivo principal desta pesquisa é conhecer e analisar parte destes documentos especificamente no que diz respeito à orientação para a educação musical escolar nas séries iniciais.

Este texto apresenta questões referentes à revisão da literatura sobre a legislação educacional que afeta a educação musical e uma discussão específica sobre a legislação para a educação musical nas séries iniciais do ensino fundamental nos estados da região sul do Brasil.

 

METODOLOGIA

 A primeira etapa da pesquisa envolveu a revisão bibliográfica sobre a legislação para a área de educação musical, incluindo documentos oficiais e publicações que discutem esta legislação. Foram pesquisados os websites das 26 secretarias de educação dos estados brasileiros e do Distrito Federal.

Para a revisão bibliográfica foram estudados, primeiramente, textos legais que se referem à educação nacional em nível federal e estadual. Num segundo momento foram revisados artigos e textos que discutem a legislação educacional com relação ao ensino de arte e ao ensino de música.

Uma discussão preliminar sobre a documentação legal em educação e educação em música das séries iniciais no sul do Brasil foi realizada a partir dos documentos legais encontrados nos websites das secretarias de educação dos três estados integrantes dessa região.

 

O Ensino de Arte em documentos federais  

 

            A LDBEN (BRASIL, 1996) estabeleceu em seu artigo 26 que “o ensino de arte é componente curricular obrigatório em todos os níveis da educação básica”. Num certo sentido, parece haver um avanço com relação à legislação anterior que se referia à educação artística. Naquela prática, estabelecida pela lei 5692 de 1971, um professor de educação artística deveria ser responsável por várias linguagens artísticas na escola. Tal prática superficializou o ensino de todas as linguagens artísticas na escola, o que é reconhecido pelo próprio texto dos PCN.

Penna (2004b) considera que mesmo com a LDB integrando o ensino de arte com uma das obrigatoriedades curriculares, não há garantia para a presença da música nos currículos. Quando a LDBEN utiliza a expressão ´ensino de arte´ ao invés de ´educação artística´ parece haver uma tentativa de mudança na concepção desta área educacional, mas que ainda não se concretizou na realidade escolar. A prática da polivalência é uma realidade para diversos contextos educacionais.

            O Parecer CNE/CEB nº 22/2005 Conselho Nacional de Educação - CNE (BRASIL, 2005) indica claramente que o termo educação artística deve ser suprimido dos sistemas educacionais sendo substituído por ensino de arte. O parecer homologado faz a “retificação do termo que designa a área de conhecimento 'Educação Artística' pela designação: 'Arte, com base na formação específica plena em uma das linguagens: Artes Visuais, Dança, Música e Teatro'” (BRASIL, 2005, p. 1).

            Esta mudança, infelizmente, não tem trazido alterações significativas para o ensino das diversas linguagens artísticas nas escolas. Em muitos casos houve apenas a substituição simples de educação artística por arte, mantendo-se ativa a proposta polivalente tão combatida por educadores das várias áreas de artes.

 

Parte das novas medidas educacionais se refere à extinção do termo educação artística, e conseqüentemente à ‘polivalência’ para as artes, prática que significava que um único professor deveria ensinar música, desenho, artes plásticas e teatro. De acordo com a nova legislação não há mais o uso desta terminologia, mas também não há indicação clara do tipo de profissional que se espera atuando na escola. (FIGUEIREDO, 2003, p. 19)

 

Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte - PCN Arte, de certa forma complementam a LDB demarcando quatro linguagens artísticas: Artes Visuais, Dança, Música e Teatro.

 

No ensino fundamental a Arte passa a vigorar como área de conhecimento e trabalho com as várias linguagens e visa à formação artística e estética dos alunos. A área de Arte, assim constituída, refere-se às linguagens artísticas, como as Artes Visuais, a Música, o Teatro e a Dança. (BRASIL, 1998, p. 19)

 

Os PCN não têm caráter de lei, mas são “uma proposta flexível, a ser concretizada nas decisões regionais e locais sobre currículos” (BRASIL, 1998, p. 10). Estão indicados, naqueles documentos, a fundamentação, fins e objetivos, conteúdos e avaliação para o ensino de Arte na escola.

Os objetivos do PCN para a área de música são considerados por Penna (1998), de um modo geral, adequados. A autora destaca um dos objetivos específicos propostos.

 

De modo global, consideramos que os objetivos gerais para o campo da música são adequados. Destacamos, principalmente, a pertinência do 6º objetivo [...] 'interpretar e apreciar músicas do próprio meio sócio-cultural e as nacionais e internacionais, que fazem parte do conhecimento musical constituído pela humanidade no decorrer da sua história e nos diferentes espaços geográficos, estabelecendo interelações com as outras modalidades artísticas e as demais áreas do conhecimento'. (PENNA, 1998, p. 64)

 

A não obrigatoriedade dos PCN permite que cada instituição defina o que entende e o que pratica como ensino de arte em seu projeto pedagógico. Isto quer dizer que a prática da polivalência também seria uma alternativa a ser definida pela escola, já que em nenhum documento produzido oficialmente está indicado com clareza que o professor de arte deverá atuar de forma específica de acordo com sua habilitação na universidade.

            Fernandes (2004) amplia este debate apresentando paralelamente à questão da polivalência, a presença constante do ensino de artes plásticas na escola.

A presença de diferentes linguagens nem sempre acontece na prática e isso merece um exame cuidadoso. O que se encontra, na realidade, é, muitas vezes, a exclusividade da aula de artes plásticas, fazendo com que os alunos não entrem em contato com as outras linguagens artísticas, como a música, a dança e o teatro. (FERNANDES, 2004, p. 76)

 

Contudo, as novas diretrizes curriculares nacionais para todas as áreas de artes são apresentadas pelo MEC separadamente. A Resolução CNE/CES 2/2004 (BRASIL,2004a) trata exclusivamente da constituição do curso de Graduação em Música como área de conhecimento específico. Da mesma forma existem diretrizes para cada uma das linguagens artísticas também publicadas pelo Conselho Nacional de Educação. Para o Teatro a Resolução CNE/CES 4/2004 (BRASIL, 2004c) define a construção do seu curso superior específico enquanto a Resolução CNE/CES 3/2004 (BRASIL, 2004b) define o mesmo para o Curso de Graduação em Dança.

 

 

Documentos do estado do Rio Grande do Sul

No website da Secretaria de Educação do estado do Rio Grande do Sul não foi encontrado documento que regulasse a educação musical especificamente para aquele estado. Contudo, encontrou-se no Plano Estadual de Educação do Rio Grande do Sul (200[0]) uma certa regulamentação e apresentação da responsabilidade do estado no que diz respeito ao ensino de arte.

 

[...] é de responsabilidade dos respectivos sistemas de ensino, através de seus órgãos normativos, regulamentar as estratégias específicas de atendimento escolar do campo e flexibilizar a organização do calendário escolar, salvaguardando, nos diversos espaços pedagógicos e tempos de aprendizagem, os princípios da política de igualdade, de prevalência dos direitos humanos, de cooperação, de integração social e cultural, de liberdade de aprender, de ensinar, de pesquisar e de divulgar o pensamento, a arte e o saber. (RIO GRANDE DO SUL, 200[0], p. 1)

 

            A Constituição do Estado do Rio Grande do Sul (RIO GRANDE DO SUL, 1965) versa sobre diversas esferas administrativas do estado, e no título VII, capítulo segundo, seção I, especificamente trata da educação no estado. Dentro desse capítulo, a única citação sobre arte (sobre música não foi encontrada nenhuma) é a seguinte: “Art. 197 - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:[...] liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber” (RIO GRANDE DO SUL, 1965, p. 1).

            Na seção II do mesmo capítulo, que trata da cultura no estado do Rio Grande do Sul, há mais citações sobre arte do que na seção que tratava da educação, inclusive citando a educação artística como forma de educação.

 

Art. 221 - Constituem direitos culturais garantidos pelo Estado: [...] a liberdade de criação e expressão artísticas; [...]o acesso à educação artística e ao desenvolvimento da criatividade, principalmente nos estabelecimentos de ensino, nas escolas de arte, nos centros culturais e espaços de associações de bairros; [...]o amplo acesso a todas as formas de expressão cultural, das populares às eruditas e das regionais às universais; [...]o apoio e incentivo à produção, difusão e circulação dos bens culturais [...]. (RIO GRANDE DO SUL, 1965, p. 1) 

 

 

 

Documentos do estado de Santa Catarina

 

No website da Secretaria de Educação do estado de Santa Catarina, a Proposta Curricular de Santa Catarina cita diversas linguagens artísticas (SANTA CATARINA, 2005). Nesse documento existe uma afirmação sobre a importância da presença do “conhecimento científico” e da arte na rotina escolar, colocando o conhecimento científico e a arte em categorias especialmente distintas. “Reafirmamos a necessidade da rotina privilegiar a experiência com o conhecimento científico e a arte, buscando favorecer às crianças uma exploração prazerosa desse conhecimento, da descoberta do mundo” (SANTA CATARINA, 2005, p. 63).

Também neste mesmo documento, existe a garantia legal da formação continuada para professores estaduais. “É importante reiterar que [...] não pode ser esquecida a formação continuada do professor, a elaboração do Projeto Político Pedagógico, a escolha do livro didático e o tipo de avaliação desejada” (SANTA CATARINA, 2005, p.102). Apesar de não apresentar as especificidades da formação continuada pretendida, pode-se deduzir que se as áreas de artes fazem parte do conjunto de disciplinas curriculares estabelecidos no estado de Santa Catarina, cada uma delas deveria, também, ser contemplada neste processo de formação. No entanto, pouca ênfase tem sido dada para esta formação continuada para as áreas de artes no estado, como demonstrou o trabalho de Oltramari (2006).

Outro documento encontrado no website da Secretaria de Educação do estado de Santa Catarina, o Plano Estadual de Educação, versa mais livremente sobre as definições concretas acerca da disponibilização da educação em arte pela escola. Entre as metas da educação estadual enfatiza-se o respeito à

 

diversidade regional, assegurando as características das distintas faixas etárias das crianças e suas necessidades no processo educativo quanto a [...] oficina de artes [...] incluir nas séries iniciais do ensino fundamental, o ensino de uma língua estrangeira, arte, educação física e ensino religioso, com professores habilitados na área. (SANTA CATARINA, 2004, p. 32)

 

Nesse documento também é explicitada a necessidade de “arte” nas séries iniciais do ensino fundamental e que o profissional a ministrar a aula deve ser habilitado para tal. Contudo, o documento não expõe que tipo de habilitação se espera do professor de “arte”.

            Apesar da quantidade de documentação e determinações encontradas sobre ‘arte’ no website da Secretaria de Educação do estado de Santa Catarina, a mesma atenção não é observada na prática, onde não há clareza sobre o tipo de profissional que deve atuar como professor das diversas linguagens artísticas.

                        Em relação aos conteúdos e pressupostos metodológicos da música na Proposta Curricular de Santa Catarina: Disciplinas Curriculares são encontradas pequenas e confusas observações para um desenvolvimento adequado desta área na escola. Maiores aprofundamentos na análise deste documento serão realizados oportunamente.

 

 

Documentos do estado do Paraná

 

No website da Secretaria de Educação do estado do Paraná em um documento intitulado Currículo Básico da Escola Pública no Paraná (PARANÁ, 2003), os conteúdos são divididos entre as matérias, e nessa divisão pode-se encontrar diversos conteúdos de arte em disciplinas como história, por exemplo.

Em todo o documento, o nome da disciplina que trata de arte é Educação Artística, são citados alguns conteúdos específicos de música, mas não existe a indicação clara do perfil desejado para o professor de arte.

As Diretrizes Curriculares da Educação Básica no Paraná: Arte e Artes (PARANÁ, 2006), expõem a visão do Estado do Paraná em relação às artes. O documento distingue a existência das linguagens: música, artes visuais, teatro e dança.

 

Para que o processo pedagógico se efetive, espera-se que o professor trabalhe com os conhecimentos de sua formação – Artes Visuais, Teatro, Música ou Dança; que faça relações com os saberes das outras áreas de arte, e que proporcione ao aluno uma perspectiva de abrangência do conhecimento em arte produzido historicamente pela humanidade.  (PARANÁ, 2006, p. 54)

            O documento também procura orientar sobre como se trabalhar cada linguagem artística.

Na linguagem musical, a simples percepção e memorização dos sons presentes no cotidiano não caracteriza conhecimento musical. Há que se priorizar no tratamento escolar dessa linguagem, a escuta consciente de sons percebidos, bem como a identificação de suas propriedades, variações e maneiras intencionais de como esses sons são distribuídos numa estrutura musical. (PARANÁ, 2006, p. 37)

 

            Contudo, não libera essas linguagens para serem disciplinas distintas, destacando, por exemplo, o “ensino de Música na disciplina de Arte” (PARANÁ, 2006, p.44).

 

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A LDBEN garante potencialmente a presença da música na educação, já que torna obrigatório o ensino de arte. De acordo com Penna (2004 b, p. 8) “a música integra potencialmente , o campo da arte [...].” A legislação em vigor não facilita o trabalho do educador musical, que, em diversos casos, é solicitado a atuar de forma polivalente nas escolas, ou seja, ensinando um pouco de cada linguagem artística.

Os PCN (Arte) também acentuam essa potencial presença da música nas salas de aula trazendo um currículo específico para música. Contudo, por ser apenas uma sugestão, as escolas podem elaborar projetos de ensino de arte usando a perspectiva polivalente ou escolhendo as linguagens artísticas que desejarem. Os dados coletados até este momento demonstram uma diversidade de tratamento da música nas séries iniciais do ensino fundamental nos documentos dos estados da região sul do Brasil. Mas de um modo geral, há poucas referências e esclarecimentos sobre como deveria ser esta disciplina incluída nos currículos escolares. Esta ausência de orientação não tem estimulado a presença da aula de música na escola e as práticas do passado – educação artística, polivalência – ainda predominam em diversos sistemas educacionais. A revisão destes documentos é, portanto, necessária para que se modifique qualitativamente a situação do ensino de música nas séries iniciais do ensino fundamental.

 

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FERNANDES, José Nunes .Normatização, estrutura e organização da música nas escolas de educação básica do Brasil: LDBEN/96, PCN e currículos oficiais em questão.Revista da ABEM, Porto Alegre, V.10, 75-87, mar. 2004.

 

FIGUEIREDO, S. L. F. A educação musical de professores generalistas. Cuadernos Interamericanos de Investigacíon em Educacíon Musical. UNAM,México. Vol. 3-5, 2003. Disponível em: https://www.ejournal.unam.mx/ciinvedmus/vol03-05/cem0502.pdf. Acessado em 11/0707.

 

OLTRAMARI, D. C. Proposta curricular: o investimento do estado na formação continuada do professor de arte de 1995 a 2005. Florianópolis: UDESC. Trabalho de Conclusão de Curso (não Publicado), 2006.

 

PENNA, Maura. Discutindo o Ensino de Música nas escolas:Os PCN para os 3º e 4º ciclos e sua viabilidade. ANAIS DO VII ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÂO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL UFPE, outubro de 1998, p. 61-72.

 

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Acessado em : 27/06/2007.

  

XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

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A LEGISLAÇÃO VIGENTE PARA A EDUCAÇÃO MUSICAL

NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

NA REGIÃO CENTRO-OESTE

 

 

 

Prof. Dr. Sérgio Luiz Ferreira de Figueiredo

Ramon Franco Sezerino

Gabriel Ferrão Moreira

 

 

Palavras-chave: Legislação educacional– Educação musical – Séries iniciais do ensino fundamental

 

Resumo: Este texto apresenta aspectos de uma pesquisa em andamento cujo tema é a influência da legislação educacional atual sobre o ensino de música nas séries iniciais do Ensino Fundamental. O modelo qualitativo de pesquisa é utilizado nesta investigação, e nesta primeira fase do projeto os métodos de coleta de dados envolveram pesquisa bibliográfica e pesquisa em websites das secretarias de educação de todos os estados brasileiros e do Distrito Federal. Uma ampla revisão de literatura foi realizada até o presente momento incluindo legislação federal e estadual, assim como, textos de autores que discutem a legislação educacional brasileira. Este texto trata especificamente de aspectos da revisão da literatura e dos dados coletados na região Centro-Oeste. Neste momento a pesquisa está sendo continuada através da busca por atualizações nos websites das referidas secretarias.

 

Keywords: Educational legislation – Music education – Primary education

 

Abstract: This text presents some aspects of a going-on research whose theme is the influence of the current educational legislation on the music teaching process in the initial grades of Fundamental Teaching in Brazil – equivalent to Primary education. The qualitative model is used in this investigation and the data collecting methods have encompassed bibliographical research and also consultation of the Educational Department websites of all Brazilian states and Federal District. The review of literature has been done until now, including federal and state legislation, as well as texts from authors who discuss the Brazilian educational legislation. This text presents specifically aspects of the review of literature and the collected data of the Central-Western Brazilian region. By this moment the research has been continuing through the search of updated pieces of information in the websites of the departments cited above.

 

INTRODUÇÃO

 

A legislação vigente para a educação nas séries iniciais é o objeto de estudo deste projeto de pesquisa que teve seu início no segundo semestre de 2006 apresentando como objetivo principal o estudo da legislação educacional para compreender como tal legislação tem afetado a educação musical nas séries iniciais do Ensino Fundamental.

A reflexão sobre a situação da educação musical nas séries iniciais é necessária uma vez que buscar apresentar propostas que aprimorem a legislação para a educação musical nas séries iniciais também é um dos objetivos do projeto além de obter dados a respeito da acessibilidade, aplicação, funcionalidade e liberdade de interpretação a respeito da legislação vigente.

O texto apresenta aspectos da metodologia da pesquisa, questões da legislação brasileira discutidas na literatura da área. Esses aspectos metodológicos correspondem à revisão de literatura, assim como resultado da coleta e organização de dados da região centro-oeste especificamente.

 

CARACTERÍSTICAS DA LEGISLAÇÃO

 

Discutir as leis brasileiras é a margem que se dá à interpretação de seus conteúdos. Essa questão torna-se ainda mais grave quando o assunto é arte, conceito bastante relativo. Juntando-se um conceito relativo à legislação – e, ainda mais, à frágil estrutura escolar – brasileira, torna-se bastante delicado o tratamento da arte como disciplina do ensino fundamental, ainda que os documentos tragam orientações a esse respeito.

 

Falar sobre políticas educacionais é, portanto, falar sobre políticas de acordos e alianças; é desvendar o cenário onde nos movemos, o pano político de fundo e os bastidores das discussões. E na área específica de Educação Musical o processo não é diferente. (JUSAMARA, 1998, p.18).

 

LDBEN 9394/96

 

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN – atualmente regulamenta os níveis e modalidades de educação e ensino (educação básica, educação profissional, educação superior, educação especial) estabelecendo normas à educação brasileira. Em relação à educação básica, especificamente ao ensino fundamental, a LDBEN estabelece áreas que devem fazer parte dos currículos nacionais, resguardadas as diferenças regionais.

 

Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte  diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.

§ 2º. O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos. (BRASIL, 1996)

 

A LDBEN determina que a organização do sistema de educação nacional seja mantida pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Estabelece também a obrigatoriedade dos educadores apresentarem formação em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena em universidades e instituições superiores de educação.

 

PCN

 

O objetivo inicial dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN – é servir de instrumento mediador nas discussões pedagógicas e de base para elaboração de projetos educativos, de planejamentos de aulas e para a análise e reflexão quanto à prática educativa, material didático e assuntos pertinentes à escola.

 

Sua função é orientar e garantir a coerência dos investimentos no sistema educacional, socializando discussões, pesquisas e recomendações, subsidiando a participação de técnicos e professores brasileiros (BRASIL, 1997a)

 

Sobre as aulas de arte no ensino fundamental, os PCN indicam uma relação entre aulas e as demais disciplinas da escola, buscando conexão com a cultura local e o espaço temporal que contextualizam as aulas. Contudo, sabe-se que os PCN não constituem uma regra a ser estritamente seguida, mas um guia para a prática escolar.

 

Por sua natureza aberta, configuram uma proposta flexível, a ser concretizada nas decisões regionais e locais sobre currículos e sobre programas de transformação da realidade educacional empreendidos pelas autoridades governamentais, pelas escolas e pelos professores. (BRASIL, 1997a)

 

Os PCN atendem a música em dois documentos organizados para a área da arte, sendo o primeiro referente à 1ª a 4ª séries (1º e 2º ciclos do ensino fundamental) e 5ª a 8ª séries (3º e 4º ciclos do ensino fundamental).

 

O QUE OS AUTORES DIZEM SOBRE LDBEN E PCN

 

Diversos autores analisaram a legislação mostrando seus aspectos positivos e negativos. Lima (2000) considera a LDBEN como documento que não especifica de quem é o papel da organização curricular para o ensino de arte nas escolas.

 

A LDB nº9394/96 permite ampla liberdade de ação para elaboração dos projetos escolares, preocupando-se mais em criar parâmetros curriculares do que em impor um conteúdo curricular determinado. (LIMA, 2000, p.40).

 

A realidade das escolas difere daquela proposta pelos documentos norteadores da educação básica. Partindo do pressuposto que o ensino de arte contribui para outras disciplinas do currículo, tratando de forma natural e fazendo conexões com conceitos de cada área de conhecimento, nota-se que isso não é exatamente o resultado esperado.

 

O documento dos PCN-Arte, que apresenta uma proposta tão abrangente, não chega, na verdade, a encarar de frente a questão de como viabilizar o trabalho com as diversas linguagens artísticas na escola. (PENNA, 1998, p.70).

 

Quando ocorre essa inserção das aulas de artes nas escolas, muitas vezes uma única área é privilegiada.

 

A presença de diferentes linguagens nem sempre acontece na prática e isso merece um exame cuidadoso. O que se encontra, na realidade, é, muitas vezes, a exclusividade da aula de artes plásticas, fazendo com que os alunos não entrem em contato com as outras linguagens artísticas, como a música, a dança e o teatro. (FERNANDES, 2004, p.76)

 

A música é, segundo os PCN (BRASIL, 1997b), uma das possibilidades das aulas de arte no ensino fundamental, considerada assim porque está associada às tradições e culturas de cada época e região. As aulas de música no ensino fundamental incluem atividades de interpretação de música, o que pode ser julgado como apreciação e execução, inovação e criação.

Atualmente, o desejo de que os profissionais da área de educação estejam a par da legislação educacional existe. A respeito desses documentos, todos “exigem [...] uma análise profunda e amplas discussões, que envolva, entre outros aspectos, questões relativas à política educacional” (PENNA, 1998, p.61).

 

METODOLOGIA

 

Estão sendo estudados documentos oficiais produzidos pelos 26 estados brasileiros e o DF referentes à educação musical nas séries iniciais do ensino fundamental, coletados a partir de websites das respectivas secretarias de educação e também de documentos escritos disponíveis utilizando assim elementos da pesquisa documental.

 

COLETA DE DADOS

 

Nesta pesquisa, de caráter qualitativo, foi realizada a coleta de documentos referentes à legislação educacional em locais de acesso público. Segundo Gil (1999), a técnica de utilizar documentos oficiais permite obter uma grande variedade de dados para investigação sem precisar envolver a participação direta de pessoas.

Os dados coletados através da pesquisa documental referem-se às Leis, Decretos, Portarias, Ementas, Parâmetros, e outros documentos que tratam do ensino de música nas séries iniciais do Ensino Fundamental nos estados brasileiros e no Distrito Federal.

 

INTERNET

 

A internet foi a fonte inicial de documentos na primeira etapa. Para a realização da coleta de documentos, definiu-se uma rotina – ‘filtros’ – que foi seguida pelos integrantes no momento da verificação dos websites. Esses filtros foram elaborados seguindo as seguintes etapas:

 

1ª - verificação das secretarias de educação de cada estado (por região);

2ª - verificação da legislação do ensino fundamental;

3ª - verificação dos documentos para as séries iniciais;

4ª - verificação da incidência das palavras “arte” e “música” nos documentos;

5ª - verificação de outros níveis de ensino; e

6ª - verificação da existência de projetos envolvendo música.

 

FILTROS DE PESQUISA E ORGANIZAÇÃO

 

Tabelas foram elaboradas a fim de catalogar os documentos encontrados nos websites em cada verificação realizada. As coletas obedeceram a um período específico de tempo entre setembro, outubro, novembro de 2006 e março, abril e junho de 2007. O objetivo desta periodicidade era conferir as informações contidas em cada website e verificar possíveis alterações.

As Tabelas 1 e 2 exemplificam o registro dos dados coletados através dos ‘filtros' em diferentes períodos.

 

Tabela 1 – Documentos coletados na Secretaria de Educação do estado do Rio de Janeiro em 09/2006.

Estado Pesquisado

Data de Verificação

Documentos Encontrados Sobre A Legislação Das Séries Iniciais Do Ensino Fundamental e Documentos Complementares

Rio de Janeiro

Setembro

de 2006

1- Deliberação N° 265-01 – RJ (trata sobre a formação de professores em curso de ensino médio na modalidade normal para a educação infantil e para os quatro primeiros anos do ensino fundamental, cita artes) pág.02

2- Resolução CEB-CNE N° 02-99 – RJ (trata sobre a inserção de Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de docentes da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental, em nível médio, na modalidade normal.) pág. 02

 

Tabela 2 – Documentos coletados na Secretaria de Educação do estado do Rio de Janeiro em 10/2006.

Estado Pesquisado

Data de Verificação

Documentos Encontrados Sobre A Legislação Das Séries Iniciais Do Ensino Fundamental e Documentos Complementares

Rio de Janeiro

Outubro

de 2006

Além dos documentos encontrados anteriormente:

 

1- Resolução N° 2640-04 – RJ (trata sobre as matrizes curriculares da educação básica nas unidades escolares da rede pública estadual, trata das artes no ensino infantil e ensino fundamental) pág. 03

 

Documentos Complementares:

 

1- Práticas Pedagógicas – RJ (trata sobre a importância e como deve ser realizada a prática pedagógica)

 

Nos documentos coletados foram selecionados trechos referentes às artes ou à música nas séries iniciais do ensino fundamental. Os documentos foram catalogados e serão analisados futuramente.

 

REGIÃO CENTRO-OESTE

 

Serão apresentados brevemente aspectos encontrados no levantamento de documentos dos estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, e Distrito Federal.

No DF foi encontrado o documento intitulado “Currículo da educação básica das escolas públicas do Distrito Federal – Ensino Fundamental – 1ª a 4ª série” do ano de 2002 responsável pela aplicação de normas curriculares de ensino.

Neste documento, primeiramente, o conceito de arte é apresentado como uma atividade cuja forma completa a essência do ser humano e como algo fundamental para sua formação:

 

o aluno percebe a interação de seu próprio corpo, suas mãos e seus olhos adquirem habilidades, o ouvido e a palavra se aprimoram, enquanto desenvolve atividades nas quais relações interpessoais perpassam o convívio social o tempo todo. (DF, 2002, p.24)

 

No ensino fundamental, o documento mostra conteúdos relacionados às quatro séries iniciais envolvendo habilidades, procedimentos e práticas pedagógicas. Afirma-se que todas as habilidades devem ser trabalhadas juntas a fim de garantir o exercício de 3 princípios norteadores.

 

... foram eleitos três eixos, que devem nortear o ensino de Arte, nas quatro séries iniciais do Ensino Fundamental: Representação e Comunicação, Investigação e Compreensão, e Contextualização Sociocultural. Apesar de serem distintos, os eixos devem ser trabalhados em conjunto (DF, 2002, p.31)

 

Apresentando questões definidas a respeito do ensino de arte e de música no ensino fundamental, este, estabelece orientações a serem trabalhadas e a liberdade de desenvolvimento de cada uma delas. Entretanto, falando de contribuições à prática pedagógica, no currículo de ensino, a música e a dança não são consideradas conteúdos obrigatórios às séries iniciais, porém, apresentam importância na sua formação.

 

Trabalhar as linguagens Dança e Música em projetos, sem reduzí-los a mera alegoria ou descontração. Mesmo sendo Arte Visual [...] essas duas linguagens oferecem valiosa contribuição à aquisição de habilidades significativas para a formação do aluno-cidadão, desde que inseridas numa proposta de ensino sistematizado e não como pano de fundo de outras atividades, ditas mais importantes. (DF, 2002, p.121-122)

 

Tanto MT quanto MS possuem um “Plano Estadual de Educação” que visa atender as metas dos estados em relação ao atendimento escolar em todos os níveis de ensino.

Em ambos, os documentos são recentes e oferecem conteúdo referente a todas as áreas de ensino, desde a educação infantil até a superior abrangendo também a formação de profissionais. Os dois estados visam a participação da sociedade na formulação e cobrança da aplicação dos planos:

 

no Plano Estadual de Educação para Mato Grosso estão definidas as dimensões do modelo de educação a ser construído, através do diálogo e do controle da sociedade. (MT, 2006, p. 8)

 

Compete a cada cidadão sul-mato-grossense acompanhar a aplicação deste Plano Estadual de Educação para que os ideais que nortearam a sua elaboração configurem-se em mecanismos de compromisso para a criação de um novo cenário educacional para o nosso Estado. (MS, 2004, p.4)

 

Em nenhum dos dois estados – MT e MS – os planos tratam do ensino de arte. Mas em MS outro documento intitulado “Lei do Sistema Estadual de Ensino” refere-se a organização do sistema estadual de ensino, informando  a respeito do ensino de artes e sua obrigatoriedade na educação básica.

 

§ 1° O ensino de Artes constituir-se-á disciplina obrigatória na matriz curricular das diversas etapas da educação básica, integrando pessoas do mundo das artes, grupos e movimentos culturais locais, tendo como finalidade promover os diferentes valores culturais dos alunos. (MS, 2004, p.21)

 

Em GO não foi encontrado um plano estadual de educação assim como um guia curricular para a educação, mas sim um documento semelhante àquele encontrado no estado de MS. Esse documento, intitulado “Lei Complementar n°26”, é do ano de 1998 e refere-se à organização do sistema estadual de ensino.

Relacionado à educação básica, o ensino de arte aparece como obrigatório em todos os níveis:

§ 3º - O ensino de arte constitui componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento criativo, cultural e estético dos alunos:

a) entende-se por ensino de arte os componentes curriculares pertinentes às artes musicais, plásticas, cênicas, e demais formas de manifestação artística. (GO, 1998, p. 13)

 

Após verificação, pode-se considerar que há falta de clareza em relação ao que está escrito assim como há falta de documentos norteadores para a aplicação do ensino de artes, especificamente  para a área de música.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Em primeiro momento, realizou-se uma revisão de literatura que até o fim da pesquisa será ampliada. Paralelamente à essa revisão de literatura , realizou-se a coleta de dados nos websites de todas as secretarias de educação dos 26 estados brasileiros e Distrito Federal.

As principais dificuldades encontradas referem-se à falta de atualização dos dados dos websites, causadas por diversos fatores que não entram em questão neste momento, mas faz-se necessário relatar alguns problemas que surgiram no decorrer da coleta:

 

1° - a falta de materiais disponíveis nos websites das secretarias de educação;

2° - falta de atualização dos dados por parte dos responsáveis pelos websites;

3° - a mudança de secretários de educação dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal; e

4° - a impossibilidade e a falha em acessar alguns websites não disponíveis na rede.

 

Por não serem tão acessíveis como pensado, acredita-se que muitos profissionais da área da educação musical ou até mesmo outras áreas não se interessem pelos documentos.

Partindo da coleta nos websites, a nova etapa é marcada pelo pedido desses documentos a todas as secretarias de educação do país via correspondência. Assim se pretende aumentar o acervo de documentos que servirão para a fase analítica da pesquisa. Todas as cartas de pedido de documentos foram enviadas em maio de 2007. Nestes ofícios foi solicitado que as secretarias disponibilizem documentos oficiais para a realização da pesquisa.

Por fim, será realizada a análise de todo o material coletado entre documentos federais, estaduais e municipais, permitindo conhecer mais detalhadamente de que forma tal legislação tem afetado a educação musical na escola.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB: Lei 9394/96. Brasília: Diário Oficial da União, Ano CXXXIV, n. 248, de 23/12/96, pp. 27.833-27.841, 1996.

 

BRASIL. Introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC: Secretaria de Educação Fundamental, 1997a.

 

BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: Arte. Brasília: MEC: Secretaria de Educação Fundamental, 1997b.

 

DISTRITO FEDERAL (Brasil). Secretaria de Estado de Educação. Currículo da educação básica das escolas públicas do Distrito Federal: ensino fundamental 1ª a 4ª série. 2ª Edição, Secretaria de Estado de Educação. – Brasília: Subsecretaria de Educação Pública, 2002.

 

FERNANDES, José Nunes. Normatização, estrutura e organização do ensino da música nas escolas de educação básica do Brasil: LDBEN/96, PCN e currículos oficiais em questão. Revista da ABEM, Porto Alegre, RS, V.10, p.75-87, mar.2004.

 

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5ª ed., Atlas, São Paulo, SP, 1999.

 

GOVERNO DO ESTADO DE GOIÁS. Lei Complementar n°26 – V ide Decreto nº4.368 / 1994. Gabinete Civil da Governadoria. Superintendência de Legislação. Dez de 1998.

 

GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO. Fórum Estadual de Educação. Plano Estadual de Educação de Mato Grosso. Cuiabá, MS, 2006.

 

GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. Secretaria de Estado de Educação. Lei do Sistema Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul. Campo Grande, MS, 2004.

 

GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. Secretaria de Estado de Educação. Plano Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul. Campo Grande, MS, 2005.

 

JUSAMARA, Souza. Parâmetros curriculares nacionais: Ensino fundamental e médio, políticas e ações para o ensino de música nas escolas. VII Encontro Anual da Associação Brasileira de Educação Musical, Recife, PE, p.17-26, 1998.

 

LIMA, Sonia Albano. A educação profissional de música frente à LDB nº9.393/96. Revista da ABEM, Porto Alegre, RS, V.05, p.39-43, set.2000.

 

PENNA, Maura. Discutindo o ensino de música nas escolas: os PCN para os 3º e 4º ciclos e sua viabilidade. VII Encontro Anual da Associação Brasileira de Educação Musical. Recife, ABEM, 1998.

  

XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

Centro de Artes - CEART

 

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A INTERAÇÃO EMPRESA-UNIVERSIDADE COMO FORMA DE MELHORIA DA QUALIDADE NA AÇÃO DE DESIGN[211]

 

                                                                                               Silvana Bernardes Rosa[212]

Marcia Fátima NITIBAILOFF[213]

Mayara Atherino MACEDO[214]

 

                                                                      

 

Palavras-chave: Design, Integração, Qualidade.

 

Resumo: A integração empresa-universidade tem o intuito de vincular a teoria com a prática. Tal experiência foi aplicada, por dois semestres consecutivos, no curso de Design, Habilitação em Gráfico e Industrial, da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. Acadêmicos de ambas as habilitações trabalharam unidos para realizar diagnósticos em design em empresas incubadas, oferecendo às empresas uma proposta de trabalho baseada em princípios de design estratégico, além de potencializar a aprendizagem dos alunos. A avaliação de tal processo pode girar em torno de inúmeros parâmetros, o presente artigo visa identificá-los para a avaliação do sucesso dos diagnósticos estratégicos nas empresas.

 

 

Introdução

 

            A implantação de um processo que visa a qualidade de uma ação começa com entendimento do que significa qualidade. Ela refere-se a adequação de determinado produto ou serviço, agregando valor e utilidade para o indivíduo que dele faz uso. Atualmente a qualidade é uma das principais estratégias competitivas. Está intensamente ligada à produtividade, ao avanço de resultados, ao crescimento dos lucros através de redução de perdas e desperdício, e ao direcionamento positivo do envolvimento de todos na empresa. Portando, pretende-se, através da análise dos atores envolvidos no processo de interação empresa-universidade (acadêmicos, empresários, orientador e o próprio conteúdo de ensino), mensurar os fatores que levam esta interação a obter a qualidade, e conseqüentemente o sucesso.

            Para PLONSKI (1995), a cooperação universidade-empresa é um arranjo interinstitucional formado por organizações de naturezas distintas, que podem ter finalidades diferentes e adotar formatos bastante diversos. O atual contexto da economia, em acelerada transformação, é um fator colaborador para que relação universidade-empresa seja intensificada. Tal relacionamento traz benefícios mútuos, pois se trata de uma multiplicidade de ações que potencialmente, com maior ou menor intensidade podem ser desenvolvidas por essas organizações.

                Em um mercado cada vez mais competitivo, a interação traz benefícios às empresas no sentido de compartilhar riscos e custos associados à Pesquisa e Desenvolvimento de novos produtos. Além disto, o meio universitário provê a elas profissionais em constante atualização sem a necessidade de um investimento maciço em qualificação de pessoal. Tudo isto possibilita um aumento na lucratividade, uma vez que os custos são compartilhados, e a manutenção e expansão de posições vantajosas, através da capacidade de inovação destas empresas. Em contrapartida pelo lado das Universidades, o ambiente empresarial promove a aplicação prática dos conhecimentos gerados no meio acadêmico, validando-os em um cenário real.

            Analisar esse processo de interação e mensurar seu impacto nas organizações e universidade, pensando sempre na melhoria, para se alcançar o sucesso é que trata este artigo.

 

Metodologia

 

            No que se refere à natureza desta pesquisa, esta se apresenta na forma de pesquisa aplicada, cuja finalidade é “gerar conhecimentos para aplicação prática, dirigida à solução de problemas específicos” (GIL, 1996, p. 37). Isto implica em que não se está interessado unicamente em explicações, mas na possibilidade da solução de problemas concretos.

            Em relação à forma de abordagem da pesquisa, esta se trata de uma abordagem qualitativa. “A pesquisa qualitativa objetiva, em geral, provocar o esclarecimento de uma situação para uma tomada de consciência pelos próprios pesquisados dos seus problemas e das condições que os geram, a fim de elaborar os meios e as estratégias de resolvê-los” (CHIZZOTTI, 1991, p. 104). Neste sentido busca-se um esclarecimento conceitual, na forma de explicações e hipóteses, muito mais do que meramente grandezas e índices numéricos. Embora isso não afaste a possibilidade de se recorrer a procedimentos de quantificação, na medida em que isso tender aos interesses gerais do projeto.

            A metodologia empregada é do tipo exploratória, a partir da delimitação de um objeto de estudo – a interação empresa-universidade, por meio de estudos de caso dos diagnósticos realizados ao longo dos anos de 2005 e 2006; identificação dos envolvidos no processo e ligações que podem ser estabelecidas entre as empresas e a universidade;  consulta aos logs do sistema de aprendizado online utilizado; avaliação do desempenho dos acadêmicos, e informações sobre as empresas pesquisadas. Tais dados forneceram base dos quais se pôde fundamentar a parte experimental da pesquisa.

Interação entre empresa e universidade

 

 

            Procurando vincular a teoria com a prática, a disciplina se desenvolveu baseando-se em caso real. Para tanto foram contatadas empresas (a grande maioria das Incubadoras de Empresas Celta e Midi) que foram objetos de trabalho das equipes de alunos. A característica principal da quase totalidade da empresas atendidas é que se encontra em estagio inicial de desenvolvimento, com tempo de vida inferior a quatro anos, estando relativamente distante do design. A tarefa dos alunos foi de mergulhar no universo da empresa, tanto em seu ambiente interno como externo de modo a identificar oportunidades de desenvolvimento de projetos de design.

            O benefício do diagnóstico para as empresas consiste na probabilidade de incorporação do design às suas estratégias gerenciais, e na possibilidade de aplicação do conhecimento oriundo da pesquisa dos acadêmicos em ações podem interferir na competitividade da empresa.

            Segundo MELO (1999), para garantir ou ampliar espaços cada vez mais disputados de mercados as empresas têm buscado novas formas de organização que proporcionem condições para a inovação tecnológica. Salienta que essas formas são parcerias entre empresas e destas com universidades, têm o objetivo de manterem e ampliarem suas condições.

            Em relação ao corpo discente, o trabalho se caracterizou como um meio de aprendizado e obtenção de informações para o aprimoramento e atualização, possibilidade de trabalharem com problemas mais concretos, que refletem as reais necessidades da indústria. Segundo MACULAN e MERINO (1998) a interação com a indústria representa uma oportunidade para diversificar as formas de valorização dos conhecimentos e competências acumuladas, adquirir novas competências e assumir um novo papel no crescimento econômico.

           

Discussão

 

A avaliação de um processo de integração entre empresa e universidade pode girar em torno de inúmeros parâmetros. Alguns deles serão abordados a seguir visando uma primeira leitura de resultados obtidos. Diversos valores podem ser levantados, os parâmetros de identificação dos fatores que resultam na qualidade da ação de design, se apresentam de forma quantitativa e qualitativa. Aquele mais fácil de perceber, enquanto este se percebe mais sutilmente. Assim, a discussão se fará a partir dos valores obtidos.

 

 

a. Interações

 

            Segundo ALESSIO (2004) “quando se fala nas atividades que estão inseridas no conceito de cooperação, interação, vinculação ou relação entre a instituição de ensino e a empresa, está se falando de uma multiplicidade de ações que potencialmente, com maior ou menor intensidade podem ser desenvolvidas por essas organizações”. O processo de interação empresa-universidade pode ser avaliado a partir de diversas óticas. Através do relacionamento professor empresa, aluno empresa, aluno sistema, professor sistema. Tais ações conjuntas puderam ser verificadas a partir do acompanhamento de relatórios de acesso, por meio da avaliação do empresário e do aluno.

            Nesta primeira fase no processo de parceria empresa universidade, o professor é o primeiro agente integrador. Seguindo algumas etapas no processo, iniciando-se no diálogo, intensificam-se com a convivência, até atingir a identificação cultural e a confiança.

            Na fase inicial, a de conversa de sensibilização, a professora visitou cada uma das empresas, tanto em 2005 como em 2006 apresentando os objetivos do processo, as condições de acompanhamento, os parâmetros a serem avaliados na empresa e as garantias que ambas as partes poderiam honrar (sigilo, acesso a dados, acompanhamento, retorno). A professora também teve que explanar sobre a abrangência da profissão do designer e as possibilidades que ela permite. A resposta dos empresários e gerentes de incubadoras, quanto a este primeiro contato, foi de abertura para novas formas de atuação do design, visto que quase a totalidade dos empresários se viu surpreso com a proposta de gestão.

            Qualitativamente, este pode ser considerado como um indicativo de sucesso da ação, visto que um processo de difusão da atuação profissional estaria sendo feito e, ainda que este não fosse o objetivo principal.

            A aproximação dos acadêmicos com a empresa gera uma avaliação diferente, visto que a grande maioria dos alunos da disciplina não tinham entrado em uma empresa. A validação da proposta consiste no fato de que as empresas representam o mercado de trabalho dos egressos, sendo assim, é de suma importância para os alunos, desde já, terem conhecimento das dinâmicas, onde as metas, dificuldades, exigências devem ser dominadas para que se possa atuar. SILVA (1999) salienta que apesar das características diferentes entre as universidades e as empresas, a dinâmica atual do mercado, e suas demandas de pessoal e pesquisa, conduzem à necessidade de aperfeiçoar a parceria entre essas instituições.

            O parâmetro de indicativo de sucesso se faz presente a partir do momento em que se cumpriu a primeira meta de integração, quebrar a distância entre o acadêmico e seu meio de atuação. Essa primeira etapa do processo de parceria empresa universidade foi assistida e orientada, tendo a presença da professora como fator de segurança e de acompanhamento, minimizando os erros, as divergências, as incompreensões de ambas as partes.

            Na interação aluno-sistema, professor-sistema e não excluindo aluno-professor, as atividades foram mediadas e acompanhadas pela Internet, auferidas no sistema Polvo. Foi possível à professora acompanhar o número de acessos dos alunos, quantidade de tempo conectado. Segundo os dados obtidos, houve um acesso freqüente dos alunos, de modo que a cada novo material publicado a mediação foi efetivada, os arquivos chegaram e ficaram disponíveis a todos os acadêmicos.

            O retorno dos diagnósticos junto às empresas foi acompanhado pela professora, onde, em cada uma das empresas foi realizada uma reunião final, dela participaram os acadêmicos, os empresários, a professora e por vezes o gerente da incubadora.

            Um parâmetro que indica o sucesso na empreitada consiste no repasse de conhecimentos para a empresa. Quando o empresário recebe o diagnóstico da situação da empresa juntamente com propostas melhorias, ele adquire o conhecimento da universidade. Assim, há possibilidade do resultado desta pesquisa gerar novos projetos de pesquisa para a universidade, aumentando a produção científica do pesquisador e gerando recursos financeiros para a pesquisa.

            Os aspectos observados são relacionados com a interação entre empresa, alunos e professor, a opinião dos empresários em relação ao trabalho realizado, a repercussão em termos de mídia, ao interesse despertado em novas empresas e desdobramentos esperados para novas ações de mesma natureza. A formação de parcerias entre a instituição de ensino e a empresa pressupõe uma relação calcada no princípio de reciprocidade, em que as potencialidades de cada uma das partes são exercidas em prol do objetivo comum. (ALESSIO, 2004).

 

b. Retorno dos atores

 

            Dentre todos os atores envolvidos na ação de design, acadêmicos, professor e empresários, ainda pode-se destacar os gestores das incubadoras e algumas empresas que observaram de modo remoto o trabalho desenvolvido.

            A resposta dos empresários pode ser medida de duas maneiras, tangível e intangível. A primeira pode ser observada por meio dos questionários remetidos aos empresários, e respondido por cerca da metade deles, além dos questionamentos direto na reunião de retorno respondido pela totalidade. De forma intangível, o resultado é percebido pelas conversas informais e os conselhos de empresários, dentre, outros sem que se possa avaliar de forma palpável seu conteúdo. Tais dados foram obtidos através de depoimento do gerente de uma das incubadoras.

            A percepção dos empresários foi de surpresa quanto à amplitude de atuação do profissional do design, já observado no primeiro contato, e a admiração pela potencialidade que um trabalho desta natureza pode provocar na empresa. A realização dos diagnósticos é encarada como parte do processo de formação, e pelos menos dois empresários usaram este fator como parâmetro de julgamento do trabalho realizado, orientado os acadêmicos sobre seus pontos fracos, sobre suas fragilidades.

            Sobre a percepção dos alunos, obtida através de instrumento de avaliação aplicado ao final da atividade, não só a atuação na empresa, como também o ensino a distancia e seu processo de mediação via Internet, os acadêmicos concordam que o retorno imediato das atividades publicadas foi de suma importância.

 

 

            Quanto ao condutor do processo, ou seja, o professor, seu principal papel foi, além de construir as situações de aprendizagem por meio do conteúdo da disciplina, mediar as relações dos alunos com o sistema informatizado, e o primeiro contato dos alunos com os empresários.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

Centro de Artes - CEART

 

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TEATRO DE BONECOS: TRANSFORMAÇÕES NA POÉTICA DA LINGUAGEM[215]

 

                                                                       Valmor Beltrame[216], Kátia de Arruda[217]

 

 

 

Palavras-chave: Linguagem Teatral, Teatro de Animação, Heterogeneidade da Linguagem

 

Resumo: O objetivo desta pesquisa foi abordar as principais características do Teatro de Animação contemporâneo catarinense e as principais transformações sofridas por esta linguagem neste estado. A idéia da pesquisa surgiu através da constatação de que esta é uma arte bastante viva e fecunda nesta região, não somente pelo grande número de artistas e grupos que atuam profissionalmente, como também pela qualidade e quantidade dos espetáculos que são produzidos.

O trabalho de investigação realizou-se através de entrevistas e da aplicação de questionários, com este procedimento pretendeu-se resgatar a trajetória profissional destes artistas, para que através da identificação de acontecimentos e situação vividas por eles, pudessem ser levantados fatos relevantes na história do teatro de animação catarinense, que apontassem na direção das principais mudanças ocorridas nesta linguagem teatral. Também foram examinados documentos escritos, como críticas publicadas em jornais e na internet, e programas de espetáculos e de festivais especializados na linguagem do Teatro de Animação no estado.

Atualmente, Santa Catarina conta com três festivais que apresentam exclusivamente espetáculos com esta linguagem artística, o Festival de Formas Animadas de Jaraguá do Sul, festival que ocorre anualmente e este ano entra em sua sétima edição, o Festival Catarinense de Teatro de Bonecos, que acontece bianualmente na cidade de Rio do Sul e entra na sua quarta edição, e o recém- inaugurado FITA - Festival Internacional de Teatro de Animação que aconteceu este ano, na cidade de Florianópolis. Além disso, acontece anualmente o Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau, que este ano entra em sua décima primeira edição e que sempre tem trazido em sua programação um número significativo de espetáculos que utilizam a Linguagem do Teatro de Animação. A cidade de Rio do Sul também sedia o Centro de Pesquisa e Produção de Teatro de Bonecos - Anima Bonecos, Ponto de Cultura do Governo Federal que tem a frente de seus trabalhos o ator-animador William Sieverdt e o construtor e ator-animador Paulo Nazareno Bernardo.

Atualmente existem 10 grupos de maior visibilidade que trabalham com a linguagem do Teatro de Animação em Santa Catarina: Cia. Mútua, de Balneário Camboriú; Cirquinho do Revirado, de Cruciúma; Experimentus, de Itajaí; GATS, de Jaraguá do Sul; Jabuti, de Florianópolis; Legião de Palhaços, de Florianópolis; Nazareno Bonecos, de Rio do Sul; Teatro Sim...Porque Não?, de Florianópolis; Téspis, de Florianópolis e Turma do Papum, também de Florianópolis. Dois atores-animadores que atuam como solistas: Sérgio Murilo Bessa, de Florianópolis e William Sieverdt de Rio do Sul.

Por Teatro de Animação[218] designamos as formas de teatro que utilizam e integram máscaras, bonecos, sombras, objetos e o corpo do ator. As principais características do Teatro de Animação são: a passagem do inaninado ao animado, e a mediação da relação entre ator-animador[219] e público pela presença de um objeto. Segundo Beltrame[220]:

O uso de variados meios de expressão, o abandono do boneco do tipo antropomorfo, a ruptura com o palquinho do tradicional teatro de bonecos e a presença visível do ator-animador na cena, tornam o teatro de animação produzido atualmente, um teatro bastante heterogêneo. Sua proximidade com outras linguagens artísticas incluindo a dança, mímica, circo, teatro de atores e espetáculo multimídia, entre outros, tornam esta arte reconhecidamente mais contemporânea, porém heterogênea, distanciada dos códigos e registros que historicamente a tornaram conhecida do grande público.

(BELTRAME, 2002:3)

 

Jurkowsky[221] utiliza a expressão teatro de bonecos homogêneo para designar um teatro de bonecos tradicional, ainda não contaminado por outros meios de expressão. É um teatro já adaptado às exigências da arte teatral, que tem por características principais o respeito aos princípios da cena a italiana e as convenções da ilusão teatral, ligada à tradição da arte dramática no teatro para atores. O teatro de bonecos homogêneo, com unidade de meios de expressão, incorpora as convenções do teatro clássico, no que diz respeito tanto ao espaço cênico, quanto ao jogo e ao tema dos espetáculos. Nas últimas décadas os artistas sentiram a necessidade de aperfeiçoá-lo, pois começam a atentar para as especificidades do boneco e do Teatro de Animação enquanto gênero dramático. Segundo este autor, o Teatro de Bonecos com características homogêneas foi praticado primordialmente até o fim da Segunda Guerra Mundial, na Europa, quando começam a surgir artistas trabalhando com um teatro de formas de expressão variadas. Mas o aparecimento de tais espetáculos não torna o teatro de bonecos homogêneo uma forma de expressão ultrapassada e de investigação esgotada. Ele continua a ter todas as condições para desenvolver seu estilo próprio, com muitos artistas trabalhando dentro desta perspectiva, pois o público ainda aceita bem a presença do boneco tradicional. Por essa razão, até os anos 1960, na Europa e Estados Unidos, ainda ocorrem inúmeras manifestações deste tipo de teatro de bonecos, coexistindo com o teatro de bonecos heterogêneo.

Nos anos 1950 e 1960, o mesmo fenômeno da existência de um teatro de bonecos homogêneo pode ser observado aqui em Santa Catarina, em duas cidades cujos habitantes são de origem predominantemente alemã, era praticado o Kasperle, tradicional e popular Teatro de Bonecos alemão. Na cidade de Jaraguá do Sul, destaca-se a atuação da marionetista Margarethe Schlünzen. E na cidade de Pomerode registra-se o trabalho da família Emmel. Este tipo teatro praticado nas duas cidades catarinenses possuía muitas das características de um Teatro de Bonecos homogêneo: os artistas atuavam escondidos por uma, empanada ou palquinho; os bonecos eram da técnica de luva; eram encenações nas quais o texto falado tinha sempre grande importância e um dos seus principais objetivos era provocar o riso na platéia. Este teatro, ainda que com visibilidade regional, caracteriza bem o teatro de bonecos homogêneo na forma como Jurkowsky o analisa.

Mas já a partir dos anos 1950 na Europa, os bonequeiros mais jovens não pretendendo mais restringir seu campo de criação, iniciam uma espécie de ruptura com a poética tradicional do teatro de bonecos homogêneo. Os bonequeiros buscam se profissionalizar, e o teatro de bonecos começa a se enriquecer com as contribuições do jogo do ator, das máscaras, dos acessórios e dos objetos, descobrindo assim outros meios de expressão, tendo a oportunidade de aceder a uma linguagem mais teatral, atualizada e mais poética.

            O Teatro de Animação contemporâneo catarinense, assim como grande parte da produção mundial atual, se enquadra dentro do panorama do que Jurkowki chama de teatro de bonecos heterogêneo, um teatro de meios de expressão variados.

            A primeira grande ruptura ocorrida em relação ao teatro de bonecos dito homogêneo, e que é considerada por muitos artistas e críticos como verdadeiro critério de modernidade do boneco, foi a introdução do ator-animador á vista, na cena. O grande esforço que era realizado anteriormente, de animar as figuras da forma mais dissimulada, mais opaca e neutra possível, foi substituído pela intromissão do ator em cena, o que deixa o espectador mais consciente de que as figuram que vê são bonecos manipulados que atuam dentro de um jogo, uma imagem da realidade. Desta forma o ator em cena no teatro de animação se constitui em um elemento epicizante[222] no jogo teatral.

            Jurkowsky[223] declara que o cruzamento entre o teatro de bonecos e teatro de atores poderia ser o caminho para a construção de um teatro mais “teatral”:

 

A desmistificação da máquina teatral, os procedimentos revelados ao espectador, os inúmeros meios de expressão, de todas as origens, tudo isso tende dentro de alguns anos para um “terceiro gênero” e mostra que o teatro de bonecos clássico aparentemente teve a sua época.

(JURKOWSKY, 1966:03)

 

            A entrada do ator em cena propicia também uma grande mudança no espaço cênico utilizado para os espetáculos. Os tradicionais palquinhos são substituídos por espaços mais amplos, que possam comportam as dimensões corporais do ator.

            Os grupos catarinenses de Teatro de Animação, incluídos nesta pesquisa, podem ser considerados herdeiros do “terceiro gênero”, pois trabalham na grande maioria de seus espetáculos com o manipulador à vista, e alguns grupos mesmo alteram a realização de espetáculos de animação com espetáculos de ator, como é o caso do Cirquinho do Revirado, da Téspis e do Teatro Sim... Porque Não?, em especial.

            A companhia GATS, em seu “Patinho Feio”, realiza um espetáculo de teatro de animação sem utilizar um único boneco-objeto[224]. O grupo cria formas animadas em cena, na presença do público, através da manipulação de partes dos corpos dos atores-animadores e o uso de sacolas plásticas.

            Dominique Houdart[225] afirma que o teatro ocidental atualmente conhece uma renovação promissora devido à explosão audiovisual, que é uma marca de nossa época. No que diz respeito ao teatro de animação, este também, vez por outra, se vê contaminado com os estímulos que recebe dos meios audiovisuais.

            Em sua tese de doutoramento, Felisberto Costa[226] diz que o teatro de animação, por vezes, aproxima-se do cinema, pois ambos são formas de expressão que se apóiam na imagem, e que outras vezes se aproxima do cinema de animação, pois ambos se expressam através do binômio impossível/plausível.

            O espetáculo “O Incrível Ladrão de Calcinhas”, de William Sieverdt, da Trip Teatro de Bonecos, com bonecos de manipulação direta, conta uma história inspirada nos filmes do gênero noir[227], com direito a detetive, mulher fatal e gangster. Neste trabalho, observa-se a influência do cinema mais enquanto temática do que enquanto linguagem.

            Já o espetáculo “A Caixa” da Cia. Mútua, segundo o próprio grupo, recebe a influência da linguagem dos desenhos animados. O espetáculo conta a história de um palhaço de brinquedo que é jogado no lixo. Ao se dar conta de sua situação empreende uma verdadeira odisséia através da cidade grande a procura de seu lar. Em uma das cenas, vemos o palhaço andando por uma avenida de grandes prédios. Nesta cena, o boneco do palhaço foi substituído por um duplo, mas de dimensões bem menores. Este recurso nos dá a idéia de um plano de conjunto, tipo de enquadramento emprestado da linguagem cinematográfica.

            O grupo teatral Turma do Papum, no espetáculo “Gibi”,[228] cujo próprio título remete ao universo dos quadrinhos, apresenta em sua narrativa uma animação que representa a entrada do personagem/boneco dentro de uma estória em quadrinhos que está lendo. Há, neste caso, a utilização do próprio recurso audiovisual, uma animação apresentada em um telão, compondo o espetáculo. Através da mudança de suporte, do teatro de animação, para o cinema de animação, o diretor da peça mostra a mudança vivida pelo personagem/boneco que representa um menino, que entra no universo de seu “herói”, que é um personagem de histórias em quadrinhos. Com este procedimento, ocorre um aproveitamento extra do espaço cênico, criando novas camadas ficcionais

No Teatro de Animação catarinense encontramos uma característica presente em quase todos os grupos de artistas contemporâneos, que trabalharam com a linguagem das formas animadas: a presença de um ator-animador polivalente, capaz de executar diversas funções dentro de um grupo teatral, de construtor de bonecos a ator-animador, diretor e produtor de seus espetáculos. Já em 1950, Jan Bussell escrevia, referindo-se aos bonequeiros europeus:

 

O bonequeiro deve ser considerado ao mesmo tempo como um artista e como um artesão. O artesanato é tão importante para ele como para um pintor. Mas esta é apenas uma das primeiras exigências que se tem em relação a ele. Há bonequeiros que não se elevaram jamais acima do nível de artesão e outros que têm talentos artísticos e nenhum para o artesanato. Esses dois grupos só podem alcançar o sucesso se tomam consciência dos seus limites e se engajam um pouco para compensar suas carências.

(BUSSELL, 1950 apud JURKOWSKI, 2000)

 

            No teatro de animação, a impressão de vida manisfesta-se através do movimento que o ator-animador imprime na matéria inerte. A manipulação de um boneco não deve ser uma tentativa de reproduzir o movimento humano, com exceção da marionete[229]; o ator-animador deve tirar proveito da especificidade do espectro de movimentos do seu próprio boneco. É importante ter em vista que as possibilidades de movimentos de um boneco são conseguidas desde o seu projeto e sua construção. Durante a criação de um espetáculo, a escolha do tipo de boneco que será utilizado está intimamente ligada às características da personagem, da organização cênica e do próprio espetáculo.

            Um dos bonecos de Paulo Nazareno representa a figura mitológica do deus Pã. É um boneco de corpo inteiro, projetado para ser animado por um único ator. E isso só é possível, porque o construtor criou uma estrutura que liga a cabeça do boneco a cabeça do animador, deixando suas mãos livres para manipular o corpo do boneco.

Com relação às técnicas de animação, a grande maioria dos grupos catarinenses trabalha com técnicas variadas de manipulação, mesmo dentro de um mesmo espetáculo, o que indica novamente a tendência de criação de espetáculos mistos. Observa-se como técnicas predominantes o boneco de luva[230] e o boneco de manipulação direta[231]. É bastante restrito o uso do boneco de vara e de marionetes.

Segundo Carlos Converso,[232] por suas características essenciais, o boneco encontra no absurdo, no grotesco e na metáfora, sua maneira peculiar de expressar-se, pois sua imagem plástica e seus movimentos são arremedos absurdos da imagem e movimentos humanos, uma espécie de caricatura, próxima do símbolo. No espetáculo “Livres e Iguais”, do grupo Teatro Sim...Porque Não?, bonecos feitos com sucatas representam as mazelas dos menos favorecidos, seres humanos rejeitados pela sociedade na qual vivem, muitas vezes considerados lixo como a sucata de que é feito o corpo dos bonecos do espetáculo. Neste caso, a própria materialidade do boneco é fonte de expressão, refletindo a proposta temática do encenador.

A encenação deste espetáculo possibilitou, em âmbito regional, discutir a importância dos materiais com os quais são confeccionados os bonecos como elementos que interferem diretamente na dramaturgia do espetáculo. Assim, uma nova mudança se percebe no contexto catarinense: a idéia de dramaturgia já não está mais restrita ao texto, mas se expande para todos os elementos que compõe a cena. E a questão dos materiais com os quais são confeccionados os bonecos, adquire posição relevante nestas discussões.

É evidente a tendência contemporânea no Teatro de Animação da escolha de caminhos artísticos e soluções cada vez mais variados, e a diminuição da incidência do Teatros do Bonecos tradicional, o que torna difícil enquadrar estas diferentes manifestações dentro dos limites do um mesmo gênero. Isso ocorre por motivos variados, muitas vezes essas escolhas são feitas muito mais por motivos econômicos e estratégicos do que por inquietações artísticas, o que no entanto não diminui o valor dos resultados alcançados. Através da análise dos diferentes espetáculos de Teatro de Animação que estão sendo produzidos no estado de Santa Catarina, abordados no âmbito desta pesquisa, mesmo possuindo alguns traços em comum,dentre os quais se destaca o papel preponderante do sujeito criador, é difícil pensar em poéticas dominantes que norteiem o trabalho destes artistas.

 

REFERÊNCIAS

 

AMARAL, Ana Maria. Teatro de Formas Animadas. 3ªed. São Paulo: Edusp, 1997.

            . O Ator e seus Duplos. São Paulo: Edusp, 2002.

BELTRAME, Valmor. Animar o Inanimado: A Formação Profissional do Ator no Teatro de Bonecos. São Paulo: ECA/USP, 2001. Tese de Doutoramento. Universidade de São Paulo.

CONVERSO, Carlos. Entrenamiento del Titiriteiro. México: Escenologia. 2000.

COSTA, Felisberto Sabino da. A Poética do Ser e Não Ser: Procedimentos Dramatúrgicos do Teatro de Animação. São Paulo: ECA/USP, 2000. Tese de Doutoramento. Universidade de São Paulo.

JURKOWSKI, Henryk. Métamorphoses: La Marionette au XX Siécle.. Tradução: Eliane Lisboa, Gisele Lamb e Kátia de Arruda. 2ª ed. Charleville-Mezières: Éditions L’Entretemps, 2000.

KLEIST, Heinrich Von. Sobre o Teatro de Marionetes. Rio de Janeiro: MINC, 1952.

PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999.

 

Periódicos

MÓIN-MÓIN. Jaraguá do Sul. SCAR/UDESC. 2005. v.1.

MÓIN-MÓIN. Jaraguá do Sul. SCAR/UDESC. 2006. v.2.

 

Artigos

HOUDART, Dominique. Manifeste pour un Théâtre de Marionnete et de Figure. Tradução: José Ronaldo Faleiro. Gennevilliers: Théâtre de Gennevilliers, 2000.

 

  

XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

Centro de Artes - CEART

 

033

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teatro de revista: o espelho de uma florianópolis em transformação[233]

 

                        Vera R.  Martins Collaço[234], Elaine Cristina da Silva[235] , Volmir Cordeiro [236]

 

 

 

Palavras-Chaves: Teatro de Revista, Florianópolis, Modernidade.

 

 

Resumo: Este artigo tem por objetivo a análise da revista teatral a Ilha dos Casos Raros, do catarinense Nicolau Nagib Nahas, que estreou no Teatro Álvaro de Carvalho em 1º de setembro de 1927. A partir da análise deste texto desejo realizar um resgate histórico de Florianópolis na década de 1920.  Através desta analise pretendo apresentar o olhar artístico da elite da cidade, como ela retratava Florianópolis e como desejava que a mesma viesse a se transformar. Parto do pressuposto que o teatro de revista procura realizar um retrato do cotidiano, e que tem sempre por pano de fundo a cidade que lhe serve de inspiração e que o dramaturgo a reproduz no palco.

 

 

O presente artigo está organzado encima de três objetivos centrais, sendo o primeiro o de elaborar um relato do desenvolvimento da pesquisa O Teatro de Revista Seduz a Elite de Florianópolis, na qual participei como bolsista de Iniciação Científica no período de agosto de 2006 a julho de 2007. Com este relato desejo apontar os resultados e reflexões obtidas até o presente momento. Além deste recorte temático este artigo tem como foco de ação a análise do texto A Ilha dos Casos Raros, de Nicolau Nagib Nahas, apresentando ao público catarinense no ano de 1927, e que foi aclamada pelo público, seguindo críticas nos jornais locais, como um excelente exemplar de teatro de revista.  Por fim, desejo através da análise desta revista perceber como a cidade de Florianópolis foi retratada pelo autor, o que compreendia a modernidade da cidade na década de 1920.

O Teatro de Revista em Florianópolis

O Teatro de Revista teve seu período áureo no Rio de Janeiro, principalmente nos últimos decênios do século XIX e inícios do século XX. A Revista de Ano tinha como cerne principal à cidade. Era a revista que trazia a tona o espaço público como cenário/protagonista de todo um ano, um período, uma história. Este gênero se encarregava de devolver aos espectadores as referências perdidas com as constantes mudanças pela qual o país passava. A revista, segundo Neyde Veneziano (1996) era “Espetáculo ligeiro, misto de prosa e verso, música e dança, faz, por meio de inúmeros quadros, uma resenha, passando em revista fatos sempre inspirados na atualidade, utilizando jocosas caricaturas, com objetivo de fornecer ao público uma alegre diversão[237]”.

Enquanto no Rio de Janeiro as platéias se debruçavam em risos, lotando a casas de espetáculo, e a elite formadora de opinião deturpava cruelmente a imagem do Teatro de Revista, em Florianópolis a elite intelectual abraçava o gênero, iniciando um novo percurso teatral para a cidade. Com seu humor rápido, suas alusões infalíveis e sua comicidade intensa, o gênero atravessou os mares e aportou o cais catarinense.

A revista havia caído no gosto da elite intelectual catarinense, a década de 1920 semeou um grande número de dramaturgos que se dedicaram a escrever projetos e texto desse gênero, foi um tempo de dramaturgos. Foi um tempo de criatividade constante, onde realidade e ficção se fundiam em risos e músicas. Algumas dessas peças eram citadas nos jornais da época, a exemplo de Cadê o Bastião? Uma revista-opereta que se apresentou por sete vezes em menos de 17 dias, alcançando louvor do público e sucesso entre os comentários na primavera de 1922. Muitos outros espetáculos ganharam lugar nas páginas jornalísticas, todavia, as notas eram curtas e não representava a verdadeira característica desses espetáculos.

 

Florianópolis, uma Ilha que se transforma

No inicio do século XX, Florianópolis vivia sua maritimidade, uma cidade portuária, voltada para pesca, com uma população pequena, em torno de 32.229, em 1910[238]. A ligação Ilha/Continente se dava através de pequenas embarcações que transportavam pessoas, animais e mercadorias A cidade possuía uma vertente para a exportação da farinha de mandioca e por suas águas portuárias no cais do Mercado Público aconteciam às compras e vendas de produtos. Economicamente baseada nas atividades portuárias e nos serviços públicos a Ilha de Santa Catarina tinha seu modo de vida ilhéu, entre peixes, farinha e águas. A arquitetura da cidade era distinta, entre quintalejos e prédios antigos, deparava-se com construções de grande fluência moral como a Igreja Matriz e o Palácio do Governo. O largo Quinze de Novembro, local de preferência em passeios pelas famílias desterrenses era cercado por todas as instituições públicas: Palácio de Governo, Prefeitura de Policia, a Secretaria, A Inspetoria de Higiene, a Administração dos Correios entre outras. A impressão que se tinha da cidade ao chegar, segundo Virgilio Reis Várzea cronistas da época, era bucólico:

Vista do mar, a cidade não impressiona bem ao que a visitam pela primeira vez, apesar de seu encanto paisagista, porquanto uma parte de sua frente, do lado do norte, onde correm os cais da Figueira, compõe-se ainda de casinhas antigas, com os fundos voltados para fora exibindo quintalejos murados ou de tabuas e ripas, com uma multidão de embarcações miúdas em roda... para o serviço de seus habitantes, pois a figueira foi e é, nas ruas mais próximas ao mar, o bairro dos embarcadiços [...][239]

 

As calmas águas da antiga “Desterro” aos poucos começaram a se agitar. A partir de 1920, Florianópolis se converte num corredor de obras.

Instalação das primeiras redes de água, esgoto, incinerador de lixo, energia elétrica, canalização do Rio da Bulha; pavimentação e ajardinamento de praças; demolição dos cortiços, alinhamento de ruas, a mudança do cemitério, abertura da Avenida Hercílio Lua, fim dos bondinhos, puxados a burro, aparecem os primeiros ônibus, fundação do Instituto Politécnico de Santa Catarina, começa o Banho de mar, criação dos equipamentos de controle social – do Serviço Médico-Legal da Polícia, regulamentação do meretrício e controle dos mendigos na cidade, Asilo de mendicidade Irmão Joaquim, Asilo de órfão São Vicente de Paula – construção do novo Trapiche Municipal e Bar Miramar, um requintado e luxuoso café, onde se reuniam os abastadores da capital.[240]

 

A capital catarinense se entregou às mudanças abrindo as portas para a modernidade brasileira. O marco deste período foi à iniciativa e construção da Ponte da Independência, que mais tarde viria a chamar Ponte Hercílio Luz, em homenagem ao seu grande idealizador. Ligando o Continente a Ilha, a ponte trouxe para Florianópolis a confirmação de seu direito a manter-se como capital do Estado. Na década de 1920 muitas coisas aconteceram, monumentos, fundações, marcos históricos, mudanças: em 1922 é fundada a União Beneficente  Recreativa Operária  - UBRO, que reunia os trabalhadores e o teatro fazia parte das atividades da União.

Em 1924 foi fundada a Academia Catarinense de Letras, um novo espaço de divulgação das idéias da intelectualidade da época, um marco decisivo na formação do pensamento catarinense. Este grupo fundador pertencia à elite intelectual da cidade e tinha participação efetiva na nos jornais locais. Opinavam também sobre os acontecimentos políticos, sociais e culturais. Em 1925, na própria União Beneficente Operária, foi criado por: Idelfonso Juvenal, Antonieta de Barros e Trajano Margarida o Centro Catarinense de Letras, um grupo a margem das colocações da elite dominante e que desejava também um espaço para suas colocações e pensamento. Visivelmente Florianópolis se transformava.

 

A Ilha dos Casos Raros - alusão de uma cidade

Nicolau Nagib Nahas nascido no Rio de Janeiro em 1898, veio aos 5 anos idade para Florianópolis, com sua família, de origem Síria. Aqui viveu até sua morte em 1934.  Nahas era jornalista, e cedo esteve presente nas rodas literárias, no teatro, na imprensa.

Em 29 de maio de 1927 Nicolau Nagib Nahas apresentou ao Centro Dramático e Artístico de Santa Catarina a revista A Ilha dos Casos Raros, tendo entre a comissão julgadora Dante Natividade, reconhecido ensaiador catarinense de revistas. Em 1º de setembro de 1927 o palco do Teatro Álvaro de Carvalho recebeu em premiére  novamente o espetáculo revisteiro. Em honra a Adolpho Konder, então presidente do estado. Foi levada á cena pela terceira vez em 7 de setembro de 1927. A revista tinha cenários de Eduardo Dias e como ensaiador Dante Natividade, e tendo mais de 15 autores de suas músicas, essa peça de revista foi notória por seu conteúdo.

         O enredo conta a história de um forasteiro que chega a Ilha disposto a conhecer tudo o que ela possui, recebido por um cicerone eles partem em direção ao Café Java onde rapidamente conhecem alguns personagens deste lugar tão cheio de casos raros. Com canções e apresentações vai se desvelando um mundo para o forasteiro: uma cidade que se modifica, seus personagens peculiares, suas deficiências, e algumas críticas, algo comum ao gênero, pontos de vista sobre o que estava acontecendo naquele momento na capital.Florianópolis ainda digeria suas novas mudanças durante os anos 20 e a peça de Nahas retrata consistentemente este aspecto.

O primeiro ato da peça é dividido em três quadros assim denominados: Café Java – ponte Hercílio Luz – Dr. Hercílio Luz. Este quadro tem como personagem principal o Forasteiro, um rapaz elegante vestido com roupa de viagem com uma valise na mão. É recebido por um Cicerone que conduz nosso ilustre visitante aos lugares mais distintos da cidade, lentamente o Forasteiro começa a entender a ilha dos casos raros. Logo no começo do texto é possível perceber a real intenção do Forasteiro que assim indagava:

Com licença Cavalheiro. Venho chegando de viagem

E minha demora é pequena nesta terra e desejava

                            Que V.S. me informasse alguém que me servisse de

                            Cicerone e me mostrasse os lugares mais conhecidos

  e as obras mais importantes desta Ilha que me

  afigura  encantadora e adorável[241]

 

Este cidadão que chega a cidade se coloca com um turista em busca das novidades do lugar, é o personagem impregnado de um discurso de novidade. O personagem por ser de fora traz junto com ele o discurso de outros lugares. Para alegrá-lo nas cenas que se seguem, apresentam-se a ele as boas coisas da terra ilhoa como a Água, o Café, o Leite, o Vinho, a Salada de frutas.  Ao deixar o Forasteiro, o Cicerone apresenta seu ponto de vista:

Desta terra que é meu berço e espero seja meu tumulo, madrasta de seus filhos, que só acolhe e ampara os que vêem de longe e que em aqui vivendo zombam ainda da nossa hospitalidade e de nosso povo; para mostrar-vos, repito, as nossas obras mais importantes e os nossos logares mais conhecidos quero que seja o vosso guia a nossa adorada Ilha dos Casos Raros e Mysteriosos[242].

 

No discurso de nosso amigo Cicerone percebemos a dificuldade em lidar com os acontecimentos da capital. A acolhida calorosa para os visitantes era uma característica da cidade, uma capital pequena, portuária, o porto como representação de chegada e a partida. É relevante pensar que a antiga Desterro era o centro político para onde convergiam pessoas que muitas vezes vinham apenas buscar recursos para suas cidades, a “madrasta de seu povo” era um lugar que se transformava, e o medo de não ter mais referências apavorava seus habitantes. Quando entra em cena nossa adorável Ilha ela vem representada por uma moça belamente vestida e com um cetro na mão direita, sobre sua cabeça uma coroa de rosas. A Ilha se apresenta tal como é, em versos musicados e sedutores:

Da Terra de Santa Cruz

Deste Colloso Brasil

Sou a mais pobre das filhas.

Mas sou mimosa e gentil

 

Sou graça, encanto, fartura

Vou correndo para a glória

Meu solo produz de tudo

E é bem rica minha historia.

 

N’um estendal branco de espumas

Flutuo como um batel;

As ondas beijam-me os pés

Sou mais doce que o mel

 

O mar raivoso ou em calma

É meu escravo e senhor!

Por mim morreram poetas,

Uns de fome, outros de amor![243]

 

A personagem mostra sua própria imagem, um sinal da identidade que se tinha na década de 1920, como a Ilha se reconhecia, um lugar de vida tranqüila e farta, uma vida de mar, uma vida que crescia.

 Inicia-se o passeio onde Ilha irá apresentar ao Forasteiro suas seduções monumentais, a Ilha começa apresentando a Ponte Hercílio Luz e discursa que o monumento foi um desejo que para seus habitantes acreditava ser irrealizável, no pensamento da época a travessia seria eternamente por águas. Para uma cidade rumo à modernização o ápice desta transformação estava nesta obra. As perspectivas eram tantas sobre a construção que a mesma foi gestada por todos, diariamente os jornais traziam as etapas da construção que acontecia. Na Ilha dos Casos Raros, a Ponte surge como um cenário, através de uma senhorita elegantemente vestida que canta:

Aqui estou eu, sou a graça

Da ilha e do litoral;

Sou a vida e o movimento

Desta linda capital

 

Foi um sonho secular

Que se fez realidade;

Encanto a todos. Sou força

De trabalho, de vontade[244]

 

E num diálogo curto a Ponte pergunta:

Então, que tal acha esta portenhosa obra de engenharia, esta imensa estrada de aço, sonho secular do povo barriga-verde?

Ao que responde o Forasteiro:

Magnífica! Extraordinária! Bendicto seja aquelle que teve o desassombro e a inergia de ser o iniciador de tão grandiosa e utilíssima obra.

 

E antes de acontecer a grande apoteose do quatro, a Ponte apresenta mais um fato histórico dos anos 20, a morte do político Hercílio Luz. Esse foi um dos fatos mais marcantes na década de 1920, a força política Hercílio Luz vinha a falecer em 1924, sem ter concluído seu maior empreendimento a Ponte Hercílio Luz. Foi construído então um monumento alegórico para que o governador enfermo inaugurasse simbolicamente a desejada ponte. A cidade continua sendo o cerne central da Ilha dos Casos Raros, a necessidade de contar a cidade aparece quadro a quadro. No segundo quadro de nossa peça revisteira a nossa Ilha apresenta o Jardim Oliveira Bello, nossa tão conhecida praça XV de Novembro. A revista também mostra a passagem da construção do porto, uma obra que segundo Nahas, não passou de um longo aterrar e desterrar, tanto que era representado por um homem gordo, de barbas cumpridas. Realmente as obras do porto não aconteceram e a economia migrou para outros campos. Uma cidade que se transformou, para bem e para mal. Num dialogo a personagem Ilha explica porque é conhecida como lugar de mistérios raros após ouvir o versar das Obras do Porto:

O passeio do forasteiro vai chegando ao fim, conheceu as obras, os monumentos, os personagens da vida catarinense e para encerrar o coro teatral em grande voz exclama

 

Conclusão

Os textos revisteiros antigos podem parecer apenas um relatório histórico, um emaranhado documental. No entanto é o dado histórico mais rico em acontecimentos, onde a análise pode levar a descobertas geniais como no texto de Nicolau Nagib Nahas, difícil encontrar outros documentos com a precisão que o autor conduz em direção ao discurso modernista. As ações, as sátiras e os números musicais, servem de amparo para a necessidade de mostrar que esta capital já não era a mesma. Através de seus personagens completos, temos uma Ilha, uma Ponte, um Forasteiro, uma tríade que marca a força do teatro. Um espaço, o tempo, e a ação, que juntos se reinventam mostrando ao leitor de hoje como era o decênio de 1920.

         Através desse breve ensaio busca-se ainda uma identidade, de um povo simples e acolhedor que a cada dia vê chegar muitos forasteiros, que contemplam com magnitude essa Ilha fazendo dela sua casa, seu caso raro.

 E ainda hoje visualizamos estes personagens a vagar por nossas ruas. A figueira continua lá frondosa, os casarios antigos também, o mar esta mais longe, aterrado pela história. Hoje a Ilha possui novos casos raros diferentes do Visconde de Ouro Preto, ou do Almofadinha e Melindrosa, tem as bruxas de Franklin Cascaes, tem seu Maneca, tem tainha, berbigão e ostra. Tem a Ponte que entra em nova reforma, tem o Rio da Bulha que virou Avenida Hercilio Luz, com jardins e ciclovias. O cemitério não fica mais na cabeceira da ponte, e as praias são mais perto. Tem alguns teatros, mas o riso já não é tanto. Do teatro revisteiro catarinense sobraram poucas memórias escritas, mas as que restaram é de encher os olhos e amolecer o coração. Feliz daquele que pode participar da brilhante e apoteótica estréia da Ilha dos Casos Raros. Um dia em 1927 para marcar de vez um caminho que Florianópolis trilhou.

 

Referências

___________________________________________________________

COLLAÇO, Vera. O Teatro de Revista seduz a Elite de Florianópolis – anos 20. In: www.anpuh.uepg.br/Xxiii-simposio/anais/textos/VERA%20REGINA%20MARTINS%20COLLAÇO.

Acesso em 20/07/2007

 

CORRÊA, Carlos Humberto P. História de Florianópolis Ilustrada. 2ª Ed. Revisada e Ampliada. Florianópolis: Editora Insular, 2004.

 

DELSON, Antunes. Fora de Sério: Um panorama do Teatro de Revista no Brasil. Rio de Janeiro. FUNARTE, 2004.

 

FLORES, Maria B. Ramos, LEHMKUHL, Luciene, COLLAÇO, Vera (organizadoras). A casa do Baile: estética e modernidade em Santa Catarina. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006.

IHGSC - Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina. www.ihgsc.org.br/galeria1.htm. Acesso em 20/07/2007

 

NAHAS, Nicolau Nagib. A Ilha dos Casos Raros. Florianópolis, 1927. Texto datilografado.

 

O ESTADO. Florianópolis, janeiro a dezembro, 1922 e 1923.

 

SÜSEEKINS, Flora. As Revistas de Ano e a Invenção do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

 

VENEZIANO, Neyde. Não adianta chorar – Teatro de Revista Brasileiro... Oba! São Paulo: Editora Unicamp, 1996.

  

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NOTAS SOBRE O TEATRO DE REVISTA

 

                                                Volmir Gionei Cordeiro[245] e Vera Regina Martins Collaço[246]

           

 

 

Palavras-chave: Teatro de Revista; personagem; convenção teatral, ator revisteiro, Florianópolis, “Ilha dos Casos Raros”.

 

Resumo: Uma Revista acomoda uma pertinência, uma insistência. Nela habitam pontos geradores de ação que convergem para impulsionar seu desenrolar. É dentro deste aspecto que o presente trabalho se viabiliza e propõe suscitar reflexão sobre tal modo de se fazer teatro. A idéia reside em reconhecer a estrutura convencional do Teatro de Revista a partir do texto de Nicolau Nagib Nahas, “A Ilha dos Casos Raros”(1927), detendo-se na figura central e sua busca, percebendo como se desloca a ação a partir do interesse de determinado personagem; se esta palavra se permite e como se vê tal convenção no Teatro de Revista. O modo como se organizam os quadros e que função exercem no todo da peça em questão e no teatro em discussão; a temática eminente e suas conexões com o ambiente na qual se inspira a Revista  e ainda, o ator que a fabrica de acordo com as necessidades que a mesma lhe confere, fazendo dela uma arte popular e divertida, são abordagens oportunas no corpo deste estudo. O ponto de investigação do presente trabalho localiza-se na receita dada por Veneziano (1991) quanto à constituição dramatúrgica da revista, que segundo ela, era simples e se dava pela “busca ou perseguição á alguém ou alguma coisa, os personagens centrais caminhavam, corriam, andavam, procuravam ou fugiam. Havia continuamente alguém que perseguia alguém e alguém que escapava por um triz” (1991:88). Esta seria a organização-base da revista de ano. É por isso que no início apontamos que uma Revista adota uma insistência, porque é pela persistência da figura central, que emergem os quadros episódios, ou intermédios que vão criticar de forma mais concreta, ainda que não menos alusiva, a realidade presente.

 

 

Pretexto propulsor da ação: o personagem existe?

O Teatro de Revista dispensou a quarta parede e buscou a interação efetiva com o público, com intenções diretas de divertí-lo e, por estar voltada para ele o mote de sua criação, é que se tornou um teatro eminentemente popular. Chegou ao Brasil em 1859 e consolidou-se como teatro que se propunha: de re-visão, de costumes, com a intencionalidade de “ver, ironizar e sondar a alma brasileira”(VENEZIANO, 1991:12)[247], fixando-se com importante manifestação para o desenvolvimento de uma historiografia teatral para o Brasil.

 Quando a primeira Revista é apresentada no Brasil, no Rio de Janeiro, o foco da sua aparição estava direcionado ao perfil carioca das personagens, no conforto e organização citadina, na modernização que abarcava o período, nos imigrantes portugueses e nas mulheres “fatais”. O caráter político predominava no palco.

Para a Revista há sempre um pretexto que faz acontecer a ação da peça, sendo alguém perdido, perseguido ou alguém que recebe uma visita estrangeira, como aponta Delson Antunes, “eram artifícios que permitiam o desfile dos tipos característicos das ruas, de forma bem-humorada, em situações facilmente reconhecíveis pelo espectador”[248]. Na peça em questão, A Ilha dos Casos Raros, traz logo na segunda cena, a chegada de um forasteiro na ilha de Florianópolis e dirigindo-se ao cicerone apresenta seu interesse, que logo, é o impulso para o desenrolar dos fatos da revista:

FORASTEIRO - Com licença, Cavalheiro. Venho chegando de viagem e minha demora é pequena nesta terra e desejava que V.S. me informasse alguém que me servisse de cicerone e me mostrasse os lugares mais conhecidos e as obras mais importantes desta linda ilha que se afigura encantadora e adorável![249]

 

Recebido no “Café Java”, importante ponto de encontro de pessoas na peça e seguramente em Florianópolis da década de 1920, o Forasteiro é muito bem vindo pelo Cicerone e pela Água Imperatriz, representada por uma senhorita. No café, o forasteiro é gentilmente servido com alegorias como café, salada de frutas, leite, etc. Neste primeiro momento de encontro do Forasteiro com a Ilha, ele acaba por conhecer as figuras de importante lugar na cidade, como os Caçadores, que representam a bravura, a defesa e a voracidade nas suas caçadas com animais, os Fiscais de Minas, dotados do conhecimento sobre mineralogia, um Português e o Vinho, representado por uma senhorita “muito bem vestida”.

As primeiras cenas, de 1 a 10, do primeiro quadro da peça se restringem em apresentar a figura do Forasteiro e seu interesse em desvendar a “formosa ilha”, com isso, dá-se um passeio pela cidade e aí, é inevitável conhecer os pontos citadinos de maior relevância. Aqui, está a pertinência, o mote da “Ilha dos Casos Raros”, de Nagib Nahas[250].

Depois de algumas passagens, a “Ilha”, senhora ricamente vestida, vai mostrando com graça, ao Forasteiro, os mais lindo panoramas da “cidade cheia de formosuras”. Aparece o cenário da “Hercílio Luz”, e à ponte é destinada a apoteose do primeiro ato.

 No segundo ato da peça, aparece as “Obras do porto”, cantando sua ruína e depois, o Corpo de Bombeiros e, nesta jornada, a Ilha vai apresentando ao Forasteiro as mais notáveis instituições, como o almofadinha, a melindrosa, mascate, Centro de Letras, Academia de Letras, poeta de Loyd, Polícia do Pauzinho, Rua Visconde de Ouro Preto, Cenário da Hercílio Luz e a Praia do Campeche. A segunda e última apoteose é destinada ao Estado de Santa Catarina e ao presidente Adolpho Konder, cujo retrato aparece no fundo da cena.

O Forasteiro passa a conhecer então, a ilha, objeto de interesse divulgado logo no início da peça e a partir dele a revista se consolida na sua concepção, pois é, no percurso incitado pelo Forasteiro, que faz surgir os quadros episódicos da Revista. A partir da figura do Forasteiro, a discussão sobre a existência de uma personagem no Teatro de Revista parece vir à tona.

Antunes (2004) afirma que “o espetáculo não contava com personagens, mas tipos, caricaturas e alegorias”[251], com figuras facilmente reconhecíveis nas ruas e que no palco ofereciam uma sutil evidência para alguma característica deste tipo, mas que principalmente, estava ali, em cena, para promover todo um acontecimento cênico, para evocar a linguagem da revista, que está prioritariamente conferida à noticiar a realidade de um local em determinado tempo histórico somado á diversão que tudo isso pode gerar.

Para Veneziano (1991), poderia-se falar de um “personagem-tipo”, comprometido eminentemente com o panorama histórico-social do momento. Os tipos compõe uma convenção do Teatro de Revista e diferem-se dos indivíduos, pois “enquanto estes tem um nome, um passado, conflitos, são imprevisíveis, aqueles (os tipos) são quantidades fixas, construídos sobre atitudes externas”[252]. A tipificação está na forma da Revista, como o não aprofundamento dos temas, a mistura dos gêneros e o desinteresse pelo enredo contínuo, o que possibilitava ao enredo da peça ser formada de compartimentos e seções.

 Não se tem informações na “Ilha dos Casos Raros”, sobre as origens do Forasteiro, o mesmo não apresenta conflitos e muito menos problematizações que atravancassem o seu destino, ele surge como figura, com um objetivo claro e que faz gerar toda ação. Ao Forasteiro não predominam questões individuais, que poderiam elucida-lo enquanto personagem. Nesse sentido, há na Revista uma maior concentração no todo do seu conjunto, como no caso em questão, em apresentar a Ilha de Florianópolis, com suas mazelas e maravilhas, tecendo críticas sociais e relatando o modo de pensar da época vigente.

Bonfitto (2002), propõe uma reflexão sobre a questão da personagem no seu livro “O Ator Compositor” e faz menção ao teórico E.M. Forster, quando este estabelece diferença entre personagens planas e personagens redondas. Na primeira, não existe o elemento tridimensional, responsável pela humanização da personagem, “o que vemos é praticamente uma exposição de características que constituem a personagem como classe ou categoria”[253], sendo assim, a personagem plana não faz-se ser reconhecida como indivíduo único e insubstituível. Já uma personagem redonda, está dotada de complexidade e contradições, fazendo-se indivíduo. Pelo viés de Bonfitto, poderíamos ainda, tratar do Forasteiro como uma personagem plana, pertencente ao universo do estrangeiro e que traz consigo uma vontade, a de conhecer a “Ilha dos Casos Raros” e isso basta para que o Teatro de Revista se estabeleça.

As demais aparições da peça também não se consolidam enquanto personagens, a não ser, personagens-tipo ou personagens planas, uma vez que se apresentam como personificações de elementos que em um teatro tradicional seriam tidos como acessórios cênicos e não materializados no corpo do ator, como é o caso da Água Imperatriz, das frutas, da Ilha, da Praia, Liberdade do Porrete, etc. Nesse caso, o que se tem são alegorias, representações figurativas que aludem ao significado real da “coisa” encenada, espécie de expressão de coisas inanimadas por via de uma linguagem figurativa.

 

A Convenção da Revista na “Ilha dos Casos Raros”

A estrutura clássica da Revista brasileira compõe-se de dois atos, logo, de duas apoteoses e mantém um equilíbrio entre o texto declamado e os números musicais. A figura do Compére[254] desaparece.  No primeiro ato, tem-se o prólogo; que é onde irá desencadear-se o fio condutor da peça, os números de cortina; que responsabilizavam-se pelo divertimento do público, os quadros de comédia, uma espécie de esquete[255], que adoravam a temática da infidelidade e os quadros de fantasia, que luxuosamente  revestiam os aparatos cênicos, com ênfase em belas mulheres, no erotismo e no exotismo. Para o fim de cada ato, uma apoteose, o que seria a cena final das peças dramáticas e que possuem temas que não se relacionavam com o todo da revista. O segundo ato, repetia a fórmula do primeiro, sem o prólogo e de maneira mais acelerada.

Além de estar dividido em dois atos, a Revista comportava por meio deles dois estágios que formalizavam ações diferentes: o fio condutor, onde o desenrolar dos fatos se dava e os quadros episódicos, que traziam outra tônica poética para a Revista.

No primeiro ato de “A Ilha dos Casos Raros” tem-se três quadros, a forma como divide-se o desenrolar da peça, assim como chamou o autor da peça: O quadro do Café Java, da Ponte Hercílio Luz e do Dr. Hercílio Luz. Entre os quadros, encontramos uma “cena de cortina”, feita por Fabinho e Popular, o primeiro um tipo “amaricado”, afeminado e o segundo, um qualquer, que aparecem exclusivamente para fazer rir o público e dar a idéia de que o tempo passou e que se fez possível a apresentação de algum ponto central para o Forasteiro, levado pelo Cicerone. Depois aparece ainda outra “cena de cortina” com as alegorias “Liberdade do Porrete”, Liberdade de Pensamento” e “Liberdade de Justiça”, que entram cantando rimas, aludindo a defesa da cidade, à eminência `a Imprensa e sua importância na imparcialidade e, a justiça, que lamenta tanta indiferença e sua própria cegueira, que na peça, vem materializada nos olhos da atriz, que carrega consigo uma venda nos olhos.

No segundo ato da peça, a peça tem maior número de quadros, chamados de: Jardim Oliveira bello, Avenida Hercílio Luz, Praia do Campeche, Dr. Adolpho Konder e Três Ministros, já a cena de cortina, acontece somente uma vez, com o Policial, a Ilha e o Forasteiro, onde a segunda convoca o primeiro para participar da apresentação do Drº. Adolpho Konder ao Forasteiro, que permite a entrada de um Orador Popular que faz menção à importância de tal nome para a Ilha de Florianópolis, acalmando a autoridade. “A Ilha dos Casos Raros” é uma peça cheia de músicas, dando ao todo, doze musicais, destinados à cada atração apresentada para o Forasteiro.

 

Do que se fala, como se fala: a temática na Revista

Uma Revista cria extensões da realidade, adota as eminências de uma sociedade e um povo em formação, por isso sua extrema dedicação ao povo, fonte de sua materialização cênica. É teatro do momento, efêmero, constituído pelos elementos que compõe a atualidade do tempo-espaço em que habita quando se propõe a acontecer.

Com seu linguajar próprio, dotado de gírias, trocadilhos, formas libertas da gramática rígida, acentuou o contraste nos textos revisteiros e no modo como eram transcritos para a cena. É importante citar que o texto revisteiro vive sob a condição de constante reformulação, uma vez que, a temática revisteira reside na atualidade de uma determinada realidade, a escrita dramatúrgica precisa acompanhar as transformações, o que faz do texto, um aspecto ainda mias efêmero que o todo da obra.

A temática evidente em “A Ilha dos Casos Raros” é Florianópolis na década de 1920, momento onde “a cidade começa a conhecer os primeiros sinais do modernismo, tanto na arquitetura pública, na doméstica e nas grandes obras do sistema viário, como que antevendo um natural aumento de veículos a circularem em suas estreitas ruas e vielas”[256]. A cidade em tal período de transformação, intencionalizava-se em deixá-la limpa e higienizada, mantendo suas belezas naturais e aprimorando seu imaginário enquanto “cidade-paraíso”.

A cidade caminhava rumo a tornar-se independente nos seus aspectos políticos, sociais e econômicos, querendo abandonar o estigma da cidade atrasada, passando com isso, a abarcar uma série de transformações urbanas.

Com um contexto que priorizava mudanças na política da cidade, invadindo não só seus aspectos físicos, no que se trata ao embelezamento e ao enfoque turístico, como também no comportamento das pessoas, no incentivo ao exercício do corpo como lugar para evitar o ócio e mobilizar uma nova conduta moral por parte dos habitantes. Contudo, a peça em estudo aqui, apresentada em dezoito de setembro de 1927, no Teatro Álvaro de Caravalho não poderia deixar de contar com toda a efervescência que acontecia em Florianópolis, apontando com isso, os lugares de maior relevância encontrados na ilha.

 

Quem fala: o ator pede passagem

O Teatro em questão conta com improvisação espontânea e, portanto, pede-se por atores-improvisacionais, isso quer dizer, que o ator do Teatro de Revista está livre para improvisar, que dispensa a introspecção e necessita do jogo dramático o tempo todo com seus companheiros de cena, quando não procura a companhia no público, que também é outro ponto de atenção para acontecer o diálogo. À este ator, dançar, cantar, possuir o tempo da comédia, a agilidade no improviso eram requisitos essenciais para que a Revista de fato, acontecesse plenamente.

Se Veneziano(1996:30),  tratou de pensar este teatro como um “teatro da alusão, não da ilusão”[257], salientando que ele se oferece ao prazer, ao divertimento, tais formas de pensar a Revista precisam ser localizadas no corpo do ator, para que ele alcance seus interesses enquanto forma artística de propagar, noticiar, divertir e criticar.

Os atores eram especializados em suas funções fixas e faziam um estudo detalhado da personagem-tipo que representariam, fazendo uma descrição detalhista de suas ações.

Pensar o corpo do ator como um “corpo aludido”[258], faz sublinhar a capacidade de diálogo com seu público, compondo assim, um corpo generoso, atento, observador do cotidiano que se insere na produção da Revista e que se detém em aludir aquilo que percebe e assimila de seu contexto.

 

Conclusão

Este estudo coloca-se como pretexto para repensar e abordar os elementos do Teatro de Revista, gênero marginalizado pela historiografia teatral e pouco relevado nas pesquisas de teatro. Pensar a revista e seus pretextos aqui, tem a intenção de colocar o teatro de revista em um lugar de pesquisa e questionamentos sobre elementos comuns no fazer teatral, como os encaminhamentos da ação e quem são os agentes mobilizadores dela, a questão da personagem e todas as variantes que aparecem, assim como sua estrutura convencional e o que ela emprega, incluindo a temática recorrente ao modo de pensar de uma época e seu ator, aquele que torna possível a comunicação pela Revista pretendida.

Contudo, vê-se na Revista lugar de discussão e ramificação dela para outros modos de se fazer teatro e aí reside um instigante motivo para fazê-la foco de pesquisa e investigação dentro da história do teatro brasileiro, a  fim de compreendê-la como forma artística que “melhor representou a idéia que o Brasil tinha de si”[259], onde se fez possível reconhecer a sociedade brasileira nos palcos e traçar uma identidade cultural para o Brasil.

  

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Soluções ergonômicas para o design de simuladores

de vôo em ambiente imersivo de realidade virtual[260]

 

 

Alexandre Amorim dos Reis[261], Alexandre Santos Turozi[262], José Serafim Júnior, Elton Moura Nickel[263], Felipe Dausacker da Cunha[264], Ricardo Antônio Álvares da Silva[265]

 

 

Palavras-chave: Ergonomia, simuladores, realidade virtual

 

 

Resumo: O presente artigo comunica resultados de um projeto de pesquisa em design industrial, na busca de soluções para um módulo simulador de vôo de operação em realidade virtual, com ênfase nos problemas ergonômicos evidenciados que envolvem as interações imersivas físicas e virtuais, considerando os aspectos materiais e produtivos especificados.

 

1. Introdução

Esta pesquisa é mantida com recursos do CNPq (auxílio pesquisa-universal e auxílio integrado-bolsas DTI e ITI), da FAPESC (bolsas de iniciação científica PMUC e auxílio pesquisa-universal) e da UDESC, em aprofundamento de pesquisa anterior que envolvia também o Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina.

O sistema simulador compõe-se por três subsistemas integrados: a) o módulo mecânico que inclui o sistema de acionamento eletromecânico; b) o subsistema de controle de movimento que comanda os movimentos de modo sincronizado e; c) o subsistema de realidade virtual (RV), que executa a simulação do veículo de acordo com o ambiente em que se insere. Quatro elementos estruturais básicos são concebidos para o módulo mecânico, ilustrado na figura 1: a) um garfo com giro segundo o eixo A (Vertical); b) um anel (externo) com giro segundo o eixo B (Horizontal) articulado no garfo; c) uma cabine (bolha) cujo interior deverá conter o assento, pedais, painéis, manche e coletivo, dentre outros, solidária a d) um anel interno que gira segundo o eixo C em relação ao anel externo, com movimentos combináveis conforme a atitude da aeronave em simulação, a fim de transmitir movimentos de arfagem, rolagem e guinada.

A transmissão de dados é sem fio em alta velocidade, totalmente sincronizado com os eventos mecânicos do processo de simulação interativo com o piloto virtual, um processador gráfico gera as imagens do cenário de vôo projetado em um HMD (Helmet Mounted Display) estereoscópico, equipado com microfone, fones auriculares e também um dispositivo rastreador de movimentos para identificar, orientar e apresentar as imagens de acordo com o ponto de vista identificado, permitindo a simulação de procedimentos de vôo em variadas condições ambientais e meteorológicas, como já ocorre em específicos softwares simuladores de vôo.

 

Fig. 1 – Vista lateral do simulador.

 

Sistemas de acionamento de alta dinâmica são aplicados de modo a obter movimentos sobre as partes móveis, configurando-se na inédita concepção de todo sistema. Softwares de simulação coordenam os movimentos de todo o equipamento, com o objetivo, nos limites tecnológicos atuais, de proporcionar a máxima imersão do piloto ao ambiente virtual da aeronave, que comandará as ações fisicamente através do manche, pedais e de uma luva (data glove), que promoverá a interação manual do piloto às superfícies de comando (painéis). As interações orais, auditivas e visuais com o ambiente virtual se darão pelo uso do HMD.

 

2. Procedimentos metodológicos

Para o alcance dos resultados propostos à pesquisa com a contribuição do design, foram traçados procedimentos metodológicos, quais sejam: a) revisão bibliográfica sobre RV imersiva; b) estudo dos estímulos sensoriais e das forças a que os pilotos estão sujeitos na condução de aeronaves; c) documentação de parâmetros dimensionais de um helicóptero Esquilo; d) adaptação ergonômica do interior do simulador; e) redesign do interior do Simulador de vôo, que permite uma sensação mais próxima do ambiente real; f) adequação morfológica do simulador; g) modelagem e apresentação do simulador em ambiente virtual 3D, em adição aos cumpridos em etapa anterior e, dentre estes, os aprofundados nesta ação: a) adequação de procedimentos metodológicos em design para a proposição das soluções finais ao objeto da pesquisa; b) investigação dos problemas ergonômicos evidenciados e seus impactos nos campos materiais e produtivos; c) preparação das especificações ergonômicas para a melhor interação homem x módulo simulador; d) análise e seleção de materiais e processos produtivos; e) planificação, com base nos resultados anteriores, do projeto contendo especificações, requisitos e restrições gerais para o produto.

Concluída a revisão bibliográfica, formalizou-se a adequação de procedimentos metodológicos para o desenvolvimento das soluções finais. Dentre alguns dos procedimentos investigados, está a TRIZ, sigla russa para Teória Rechénia Izobretátelskih Zadátchi (Teoria da Solução Inventiva de Problemas), método sistemático dirigido ao fator humano, orientada à investigação para a solução de problemas. Foram testados seus princípios básicos, como: heurísticas, baseadas em patentes; análises de conseqüências naturais como situações problemáticas e; a investigação e aplicação de saberes relativos ao campo que envolve o problema a ser solucionado, neste caso, a ergonomia.

Estes procedimentos foram eficazes para a evolução da pesquisa e o alcance de resultados A orientação da TRIZ ao ser humano ocorre por suas heurísticas serem dirigidas ao uso humano, é eficaz na conceituação de soluções, considerando o problema, a investigação e a solução como elementos de um sistema.

Iniciaram-se, então, os estudos dos estímulos sensoriais e das forças a que os pilotos estão sujeitos na condução de aeronaves. A partir de então, em atividade de campo, foi efetuado o levantamento fotográfico e dimensional, aliado às análises antropométricas, da cabine de um helicóptero Esquilo da série AS350, no esquadrão da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina, possibilitando a mais adequada configuração funcional da cabine do simulador.

 

3. Resultados

As adequações antropométricas determinaram o redimensionamento da cabine que, ampliada, necessitava de um acréscimo de materiais para a sua configuração e, indesejavelmente, o aumento de massa necessitaria de maior potência para o acionamento eletro-mecânico, já criteriosamente dimensionado pela equipe de engenharia.

As alternativas centralizaram-se na racionalização de materiais para o garfo de acionamento rotacional, pela substituição das pesadas chapas metálicas por estruturas tubulares, uma opção que reduziria significativamente a massa deste elemento sem comprometer, a princípio, a resistência mecânica do componente e, objetivando a confirmação das soluções propostas - no que tange aos aspectos de resistência mecânica, foram aplicados recursos computacionais para testar a viabilidade material e estrutural. As soluções de projeto selecionadas foram modeladas virtualmente com o software Solidworks e testadas com esforços superiores aos que estariam submetidas no uso esperado, para este fim, foi utilizado o software Cosmos Express.

O quadro 1 a seguir, apresentado em versão resumida dos memoriais descritivos, indica os materiais e componentes especificados para o projeto tal como configurado. Destacam-se o aço cromo molibidênio SAE 4130 e o alumínio 6065, ambos de freqüente aplicação aeronáutica, que se em seus deméritos possuem elevado custo, contam com considerável resistência mecânica, propriedade que os habilita à redução de peso, no caso do aço pela possibilidade de ser utilizado em espessuras muito inferiores a aços comuns, como também no alumínio, pois que dada a alta maleabilidade das ligas comuns, não seria próprio para o uso em componentes que dependam de alta resistência a deformações. O elevado custo comparativo destes materiais, justifica-se no projeto pela necessidade de baixo peso, o que favorece a utilização dos servo-motores de reduzida potência que, equipamentos de alta dinâmica, possuem custo proporcionalmente mais elevado que os materiais aplicados, elevam-se assim os custos dos materiais, mantendo-se relativamente baixo o custo global do módulo simulador por uma motorização menos onerosa, potencializando-se a confiabilidade de todo o sistema. Objetivou-se também a otimização e racionalização no uso de materiais pelo dimensionamento dos componentes, além das necessidades funcionais do simulador, pelo máximo aproveitamento de chapas e tubos de acordo com as dimensões comerciais destes materiais.

 

ITEM

MATERIAL

QTDE

OUTRAS INFORMAÇÕES

BASE

Estrutura

Tubo de aço SAE 4130 red. Ø 3” esp. 3,0 mm

19,5 m

A carcaça em chapas de aço será soldada à estrutura tubular, desta forma criando uma unidade, que será fixa ao solo, com o auxílio de uma sapata em concreto.

Carcaça

Chapa de aço SAE 4130 esp. 3/16”

3,5 m²

Compartimento do motor

Chapa de aço SAE 4130 esp. 3/16”

0,7 m²

GARFO

Estrutura central

Chapa de aço SAE 4130 esp. 3/8”

1,0 m²

Chapa calandrada e soldada. Tubos soldados à estrutura central e aos apoios do motor.

Braços

Tubo de aço SAE 4130 red. Ø 2” esp. 3,35 mm

11,5 m

Apoio para motor

Chapa de aço SAE 4130 esp. 3/8”

0,038 m²

CONJUNTO DE ANÉIS

Ampliação em 18% no diâmetro, com o objetivo de prover o espaço necessário para o uso; além da alteração no posicionamento do assento, visando um maior conforto e melhor aproveitamento do espaço; eliminação de estruturas excedentes e resolução da configuração e alocação do painel, mantendo-se os materiais e dimensões básicas especificados no ante-projeto.

CABINE

Bolha

Policarbonato

3,77 m² p/ molde

Para a confecção da bolha será necessária a utilização de um molde. Para a produção da estrutura interna serão utilizados os processos de usinagem e solda.

Sistema de amortecimento da porta

Amortecedor pneumático

2 un.

Estrutura interna

Chapa de alum. aer. 6065 esp. 3/8”

1,5 m²

 

Quadro 1 – Planilha descritiva de materiais a serem utilizados no simulador.

 

Com a viabilidade das soluções selecionadas, alcançou-se o cumprimento das especificações e requisitos ergonômicos planificados no projeto, dando-se prosseguimento à reconstrução de modelos virtuais, a preparação e finalização da documentação descritiva.

O resultado alcançado não interferiu nas soluções de engenharia propostas antecipadamente ao projeto, como os acionamentos eletro-mecânicos especificados, sua configuração manteve-se inalterada apesar de toda a interferência necessária ao mais adequado ajuste ergonômico, tanto para o uso final, a pilotagem, quanto às ações de produção, de manutenção e de customização, principalmente nos meios de acesso e no interior da cabine, esta que é personalizável aos postos de comando de cada aeronave ou grupo de aeronaves, segundo as condições próprias de pilotagem, especialmente pela utilização de acessórios como banco, painéis, manche e pedais, para o que permite total customização de montagem.

 

 

 

Fig. 2 – Renderizações do modelo virtual do projeto final.

 

A figura 2 apresenta renderings do módulo simulador resultado deste projeto, produzidos com o software 3DMax, em uma configuração básica de assento e manche adequada a helicópteros esquilo da série AS350 (fig. 3), sem painéis e pedais que, como descrito anteriormente, serão configurados de acordo com as customizações necessárias à simulação de aeronaves diversas (civis, militares, aviões ou helicópteros). Note-se nesta representação a inclusão, dentre outros elementos, da escada escamoteável de acesso, inexistente no projeto original.

 

 

Fig. 3 – Foto de interior do helicóptero Esquilo AS350.

 

Uma série de itens inexistentes no ante-projeto foi incluída, todos estes itens voltados à otimização ergonômica do simulador, como também a solução adotada para o fechamento da bolha (acesso) na cabine, agora configurada em asa. Outra incorporação ao projeto, como resultado das avaliações ergonômicas, é o formato da própria bolha da cabine, em seção transversal ovalóide e não mais esférica, possibilitando maior amplitude aos movimentos dos membros superiores do piloto, necessários para o acesso aos painéis de comando.

 

4. Considerações finais

Consideram-se significativos os resultados, na medida em que apresentam soluções aos desafios que se estabeleciam nos limites de viabilização tecnológica para a adequação ergonômica, para a humanização da tecnologia envolvida, levando à corroboração dos resultados obtidos e do processo metodológico de projeto utilizado.

Destaca-se que o projeto não tratou, somente, de adequar ao módulo simulador os componentes de interação humana das aeronaves. O relacionamento humano com o ambiente virtual, a realidade virtual, exige soluções próprias, não apenas para simular uma situação real, mas por caracterizar-se em uma interação que efetivamente ocorrerá com um ambiente próprio, que é físico e virtual simultaneamente, gerando estímulos sensoriais e percepções singulares que, além disso, deverão simular percepções de naturezas distintas das que possam estar sendo vivenciadas.

Ainda que em imersão no ambiente virtual, o usuário (piloto) mantém contato físico com o equipamento simulador, experimentando sensações próprias de uma interação real que de modo algum poderão conflitar com as sugeridas pela realidade virtual imposta, em outras palavras, é inaceitável a ocorrência de percepções discrepantes a partir dos estímulos sensoriais experimentados pelos sentidos envolvidos com os ambientes real e virtual. A literatura relata distúrbios orgânicos em simuladores de vôo por conflitos desta natureza, náuseas são comuns, onde pilotos experientes são mais propensos do que usuários que nunca pilotaram uma aeronave real, em razão daqueles estarem mentalmente condicionados a esperar esforços corpóreos como respostas a determinadas atitudes de vôo, esforços que não ocorrem nos simuladores convencionais, por estarem, na realidade, em solo e à velocidade "zero".

Contudo, o desenvolvimento da pesquisa no que se refere ao design de simuladores de movimentos em realidade virtual demonstra que, nesta área, muito ainda deve ser alcançado, sobretudo quanto aos aspectos ergonômicos, pois que se está avançada ao enfoque da engenharia, concentrada nos aspectos de viabilização mecânica, eletrônica e de software, no que concerne à interação humana, foco dos estudos em design e ergonomia, carece de profundidade científica e tecnológica para o favorecimento da imersão em RV.

Entrevistas efetuadas com pilotos e instrutores de vôo da Aeronáutica e da Marinha, no decorrer da pesquisa, surpreendentemente revelaram a opinião comum de que é mais próximo do real pilotar virtualmente aeronaves nos seus computadores domésticos do que nos simuladores de vôo existentes disponibilizados a eles. Para esta questão, a hipótese levantada aqui foi: os simuladores que procuram promover a imersão em RV estão presos ao paradigma de simular os movimentos das aeronaves e não de simular os movimentos que gerariam os esforços a que os pilotos estariam submetidos na realidade, ainda que tais esforços viessem a ocorrer em intensidade menor, mas que, contudo, fossem suficientes para não gerar estímulos contrários e, portanto, discrepantes. Deve-se ter em mente que em simulações imersivas em RV o piloto não possui contato visual ou auditivo com o ambiente real.

Neste sentido, a RV também pode ser caracterizada pela coexistência integrada de dois conceitos principais a este tema, são eles os de imersão e interação (MORIE, 1994). A idéia de imersão está ligada ao sentimento de fazer parte do ambiente. Normalmente, um sistema imersivo é obtido com o uso do HMD; sistemas imersivos baseados em salas com projeções das visões nas paredes, teto, e piso (CRUZ-NEIRA, 1992). Além do fator visual, dispositivos ligados aos demais sentidos também são importantes para o sentimento de imersão, como o som (BEGAULT, 1994), o posicionamento automático da pessoa e dos movimentos da cabeça, controles reativos, etc. (GRADECKI, 1995). A visualização de uma cena 3D em um monitor é considerada não imersiva. Dessa forma, tem-se a conceituação de RV imersiva e não imersiva (LESTON, 1996).

Os resultados alcançados em termos de projeto industrial, revelam uma significativa evolução no segmento de simulação aeroespacial, conta com soluções para problemas de interação humana aos ambientes físico e virtual que envolvem o relacionamento com o simulador, de acordo com os paradigmas estabelecidos pela evolução tecnológica neste campo. O que se apresenta é a simulação adequada de sensações físicas mais correspondentes às percepções próprias de um vôo simuladas em RV.

Têm-se, por fim, que um equipamento simulador de vôo dificilmente poderá reproduzir os esforços a que os pilotos se submetem em vôos reais com igual intensidade, porém, em razão da gama de movimentos possíveis, antecipa-se com estes resultados o alcance da reprodução de esforços que possam, através da configuração de movimentos utilizando apenas a força gravitacional, corresponder mais proximamente às percepções e reações vivenciadas na realidade, evitando deste modo a produção de estímulos contraditórios e, por isso, inaceitáveis.

 

5. Referências Bibliográficas

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REIS, Alexandre Amorim dos. Critérios para Avaliação de um Design Industrial, Novo Hamburgo: Anais do 4º Congresso Brasileiro de P&D em Design, 2000, p. 931-8.

______. Design e matéria: uma fronteira que nunca existiu. In: Revista abcDesign, Curitiba. n. 02, mar. 2002, p. 12-6.

______.  Matéria, forma e função: a influência material no design industrial. Tese de Doutorado, Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2003.

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Um projeto de pesquisa sobre Teatro de Grupo[266]

 

André Carreira[267] e Antonio Vargas[268]

 

            Desde 1997 nossa equipe de trabalho (ÁQIS / Núcleo de pesquisa sobre processos de criação artística da Universidade do Estado de Santa Catarina) vem pesquisando os processos de conformação de identidade cultural associados ao teatro. O estudo do fenômeno do teatro de grupo é hoje um elemento fundamental para a compreensão da cena brasileira, por isso para analisar os desdobramentos do teatro na contemporaneidade parece central identificar o papel que o teatro de grupo joga na conformação de novos padrões de trabalho.

O projeto do ÁQIS está dividido em dois sub-projetos integrados, a saber: a) O  teatro de grupo e a conformação de modelos de ator, coordenado por André Carreira; b) As manifestações do mito heróico no discurso teatral e suas implicações na construção das identidades artísticas do teatro de grupo. coordenado por Antonio Vargas[269].

Em um primeiro momento, o objeto de estudo do projeto esteve delimitado por questões relacionadas aos procedimentos da produção, depois o foco esteve posto na especificidade do trabalho do ator no contexto grupal. Posteriormente, o projeto definiu seu eixo a partir da idéia de que o teatro de grupo - importante modelo no teatro brasileiro que constitui uma zona periférica do nosso sistema teatral - estrutura procedimentos de formação que estão articulados com os discursos artísticos e ideológicos dos coletivos.

            O principais objetivos desse momento do projeto são: estabelecer uma breve história do movimento de 'teatro de grupo'; delimitar os modelos de conformação grupal relacionado como o 'teatro de grupo'; analisar os procedimentos de formação de atores próprios do 'teatro de grupo'.

O estudo sobre o 'teatro de grupo' busca compreender um fenômeno que se fez mais presente em circuitos teatrais periféricos no Brasil a partir da segunda metade da década de 80. Como uma decorrência de novos movimentos teatrais que nos anos 80 buscaram re-estruturar espaços alternativos para o teatro e, especialmente, redefinir o papel do teatro no campo da cultura, a expressão 'teatro de grupo' pareceu propor um novo lugar social para uma forma de estruturação grupal consolidada nos anos 60.

Diferentemente da idéia de grupo teatral como unidade artística com claro compromisso ideológico que dialogava de forma direta com o contexto político, atualmente a modalidade que se encaixa sob o título de 'teatro de grupo', parece se relacionar de forma mais direta com o próprio contexto do teatro. Observa-se neste caso um deslocamento dos objetos da esfera política e social para o terreno das linguagens teatrais com um conseqüente foco em reflexões sobre papel do teatro frente à complexidade dos fenômenos da cultura.

Certamente não houve apenas uma mudança de conteúdos, mas sim uma complexa re-organização de procedimentos e de percepções sobre o fazer teatral, e o papel do teatro no contexto sócio-cultural. No ambiente dos grupos – isto é, daquele teatro que escapa à esfera do profissionalismo comercial – ocorreram, nas últimas duas décadas, transformações significativas no que diz respeito à compreensão do lugar social do teatro. Aqui cabe destacar que esse fenômeno pertence a uma zona periférica – tanto da cultura em geral como do próprio Teatro -, e é exatamente por isso que ele reveste grande importância para os estudos que pretendem abordar a história do teatro no país no século XX. A noção de grupo representa hoje uma referência que permite estudar um amplo conjunto de grupos que têm sido responsáveis pela estruturação de um espaço dinâmico de circulação de espetáculos e de formação de novos atores e atrizes.

O trabalho sobre modelos teatrais periféricos identificou uma tendência acentuada de aparecimentos de novos projetos relacionados à idéia de 'teatro de grupo'. Para aprofundar a reflexão sobre as repercussões do teatro de grupo no Brasil, e compreender como esta presença tem formulado novas formas de estruturação coletivas, foi necessário identificar as matrizes que operam como fundamento de uma grande quantidade de trabalhos grupais.

Esta pesquisa tem se apoiado no reconhecimento da condição periférica de experiências teatrais no marco do grupo. Assim, o mapeamento dos grupos tem implicado na organização de um retrato de um modo de produção teatral periférico. Por isso é interesse do projeto analisar os elementos ideológicos e poéticos que determinam a estruturação de tais projetos.

A equipe tem entrevistado artistas e registrado atividades de grupos tomando como critério coletivos com pelo menos cinco anos de atividade regular. Os estudantes que participam do projeto visitaram grupos, assistindo ensaios, apresentações, conversando com atores, atrizes e diretores, conhecendo sedes, e descobrindo uma complexa realidade de trabalho diário. Essas visitas produziram um amplo material que serve de base para o desenvolvimento dos sub-projetos que constituem o projeto central.

Iniciamos nosso mapa pelos grupos das capitais da Região Sul, para posteriormente abordar cidades como Belo Horizonte, Campinas, Brasília e Goiânia. Nosso plano de expansão - sempre dependente de financiamento - supõe visitar outras cidades ao longo de 2007.

Com o material produzido o projeto coloca na internet, agora em abril, um arquivo sobre teatro de grupo que reúne entrevistas, fotos, vídeos e textos reflexivos. O objetivo primeiro deste arquivo é estabelecer um diálogo mais amplo com artistas e pesquisadores, de tal forma que as iniciativas do ÁQIS possam encontrar colaboração mesmo à distância. Acreditamos que o Arquivo contribuirá para a realização de outras pesquisas, pois ao construir esta fonte de informações estaremos dando mais visibilidade ao trabalho de vários grupos que ocupam lugares periféricos. Ao mesmo tempo pretendemos que o arquivo contribua para os estudos teatrais redimensionando o teatro de grupo como fenômeno horizontal com ramificações nas mais diferentes regiões do país.

Nossa contribuição também se refere à necessidade de conceituar de forma mais clara o que é o teatro de grupo, ainda que seja a partir da constatação da diversidade de modelos.

Uma das preocupações dessa pesquisa é sondar como o 'teatro de grupo', opera nos contextos periféricos tanto como uma possibilidade alternativa, quanto como uma tendência que pode gerar práticas de hegemonia, neste contexto, a partir da construção de novas redes de representação de hierarquia. Essa discussão parece importante para estudar o teatro de grupo sem fazer do nosso olhar uma simples forma de validação desse modelo de trabalho.

Buscamos desde as diferentes vertentes do projeto integrado compreender o teatro de grupo, suas relações com o contexto cultural e as principais tendências que funcionam como base para a estruturação de um sistema teatral periférico.

            No campo dos estudos teatrais ainda persistem lacunas no que se refere ao conhecimento das práticas teatrais periféricas. Por isso abordar as especificidades destas práticas teatrais e relacioná-las com o movimento do teatro de grupo é fundamental para criar uma base de reflexão sobre a complexidade dos processos criativos/produtivos teatrais e poder gerar conhecimento que contribua com o movimento teatral do contexto estudado. O objetivo é dirigir o nosso olhar sobre os grupos desde uma perspectiva periférica. Pretendemos com este estudo contribuir de uma forma direta com a história do teatro brasileiro contemporâneo buscando compreender tanto a situação periférica do teatro de grupo, como as estruturas internas do movimento e suas linhas de influências e articulação de discursos.

  

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SUBPROJETO O TEATRO DE GRUPO E A BUSCA DO PÚBLICO: Reflexões sobre a proposição e estratégias do Teatro de Grupo em relação a seu público[270]

 

                                               André L.A.N. Carreira[271], Adriana Patrícia dos Santos[272]

 

Palavras-chave: Teatro de Grupo, Espectador, Teatro e Sociedade.

 

Resumo: Este texto se trata de um relato da minha trajetória dentro do grupo de pesquisa desde julho do ano corrente. Bem como aponta minhas reflexões acerca de meu trabalho de conclusão de curso que está sendo redigido neste semestre. O objetivo seria trazer a tona discussões sobre que estratégias o teatro de grupo se predispõem para o contato com o público? E o que isso implica no fazer teatral contemporâneo?

 

 

            Em continuidade as produções do ÁQIS – Núcleo de Pesquisa sobre Processos de Criação Artística que consiste na denominação atual de nosso grupo de pesquisa. Foram realizadas comunicações referentes ao subprojeto de cada um, no Seminário de Estudos Teatrais realizado nos dias 08 e 09 de julho e que contou com a participação de outros pesquisadores e bolsistas de iniciação científica que também comunicaram seus trabalhos de pesquisa. O evento ocasionou importante troca entre pesquisadores e bolsistas da área teatral.

            Um questionamento surgiu neste seminário referente à escolha das regiões as quais foram realizadas as entrevistas suscitando que a realidade em outras regiões mais ao norte do país são contrastantes ao modelo e conceito que estamos buscando delinear em nossa pesquisa. Esse questionamento não foi motivo de surpresa, uma vez que, o grupo estava ciente das possíveis diferenças de realidade grupais no país e, no entanto, vimos a confirmar que o motivo maior da não abrangência a essas regiões seria o fator financeiro do qual dispomos. Esperamos que o projeto se fortaleça e consiga maiores recursos para que possamos melhor abarcar nosso objeto de estudo, que seria mapear os fazeres grupais e a idéia de Teatro de Grupo no Brasil.

Em consonância com o Grupo de Pesquisa sobre Teatro de Grupo (TG) neste momento da pesquisa busco discutir o Teatro de Grupo e a busca do público, sob uma ótica da proposição dos grupos sobre seu público. A tentativa deste subprojeto é apontar possíveis diferenças e semelhanças entre os grupos de TG com relação às propostas de seus trabalhos referente ao público, ou seja, como esses grupos pensam seu público e a partir deste, suas concepções artísticas para tal. O questionamento em torno do público no teatro emergiu com meu ingresso no grupo de pesquisa e desde então busco um aprimoramento de questões que serão tema do meu Trabalho de Conclusão de Curso.

A proposta para meu Trabalho de Conclusão de Curso seria fazer uma análise com a realidade encontrada nas saídas de campo, e assim poder discernir sobre como o Teatro de Grupo busca seu contato com o espectador. Que estratégias tais grupos se predispõem para o contato com o público? O objetivo é delinear essas estratégias em contraponto ao discurso e posição dos grupos sobre o espectador. Reiterando que os princípios do fazer teatral proposto pelo Teatro de Grupo se diferenciam de outro modo de fazer teatro, que seria o Teatro de elenco, comercial ou outro termo que indique Grupos que se formam especificamente para determinada produção teatral. Nestas duas formações grupais a posição sobre o público é divergente. Este é um dos pontos os quais pretendo confrontar com os dados obtidos nas saídas de campo e nas entrevistas realizadas com os grupos, que foram transcritas e conforme dito anteriormente publicadas no mês corrente.

Haja vista a grande quantidade de grupos entrevistados no processo da pesquisa, eleger alguns grupos seria mais viável dentro do prazo para a conclusão do TCC. Pretendo eleger tais grupos segundo estratégias gerais e fatores, observadas a priori, que se sobressaiam no que diz respeito à proposição dos grupos sobre o público, na tentativa de estabelecer conexões entre os grupos por diferenças e/ou semelhanças estratégicas. O objetivo seria analisar no máximo 3 grupos estabelecidos a partir deste critério e a priori o título de meu TCC seria  TEATRO DE GRUPO: Três olhares, três impactos sobre o público.

Após a experiência no Seminário de Estudos Teatrais ocorrido em Blumenau, organizamos o seminário de pesquisa sobre teatro de grupo Teatro da VertigemProcessos Contemporâneos. O evento contou com a presença de Antônio Araújo, diretor do Teatro da Vertigem e professor da ECA/EAD – USP. Como atividades do seminário tiveram palestras, mesa de comunicações de nós, bolsistas do grupo de pesquisa, exposição de imagens e textos, além da exibição de um vídeo com trechos dos espetáculos do grupo. A partir dessa temática e em consonância com meu projeto específico sobre o público vide abaixo a comunicação que apresentei neste seminário:

 

Vertigem: o público convidado a se ver

 

            O grupo Teatro da Vertigem, como sugere o nome, parece propor um teatro no qual se estabelece um jogo com o espectador que o desloca de sua condição confortável e cotidiana. Segundo o grupo, uma de suas propostas é justamente pesquisar os processos de interferências na percepção do espectador. Seus trabalhos colocam o espectador em uma posição desconfortável; tocam o espectador no seu lado mais desconhecido, o fazem questionar a si mesmo, no mundo.

A observação de Baktin sobre a posição contemplativa do espectador reafirma essa idéia:

 

Na vida, depois de vermos a nós mesmos pelos olhos de outro, sempre regressamos a nós mesmos; e o conhecimento último, aquele que parece-nos resumir o todo, realiza-se sempre nas categorias de nossa própria vida (BAKTIN, 1992 p. 37).

 

Mas o que isso implica na relação teatro e sociedade, ou melhor, que impacto sobre o público os espetáculos da Companhia proporcionam? São questões difíceis de responder se levarmos em conta o caráter psicológico - individual do espectador -, entretanto, se considerarmos a dimensão social se torna possível delinear algumas conjecturas.

            Pode-se dizer que a preocupação social e o potencial pedagógico do teatro dialogam significativamente com o que o grupo vem realizando em suas experiências. Deve-se considerar que a arte teatral é em si uma experiência pedagógica e transformadora, ou ainda, compreender o valor pedagógico inerente à experiência proposta ao espectador teatral.

O jornalista Valmir Santos do Jornal Folha de São Paulo afirma que:

 

Depois de cruzar os anos 90 com pesquisas e realizações em torno do sagrado, com a Trilogia Bíblica, o Vertigem parece determinado a ampliar o horizonte sociológico que já despontava no último espetáculo, impregnado de cenas realistas sobre o cotidiano violento de São Paulo. (SANTOS, 2004).

 

Isto, entre outras referências, nos permite pensar que o Teatro da Vertigem parece ser um grupo que tem em sua poética uma expressão em consonância com o ambiente social vigente.

            Bertolt Brecht ao formular seus objetivos artísticos e realizar suas produções cênicas propôs uma encenação que, conforme afirma Flávio Desgranges, projeta para o mundo suas propostas e reflexões acerca da arte teatral:

 

Seu teatro se propunha a negar esse sistema econômico que - a seu ver, fortemente influenciado pelos escritos de Marx -, alienado, afasta o indivíduo de si mesmo, já que o trabalho proposto ao ser humano nesse modo de produção força-o invariavelmente a estar dissociado de seus ideais mais nobres, negando sua potencialidade criativa e produtiva. (2006).

 

A relação que o Vertigem busca estabelecer com o público explicita que o grupo trata de fazer um teatro que busca revelar o social. A ênfase no trabalho sobre a percepção, sensação e sentidos mostra uma preocupação do grupo em retomar certas “conexões” humanas que, atualmente, podem estar veladas diante da dinâmica social/urbana. Antônio Araújo diz: “Nós queremos que as pessoas refaçam nossa viagem, sintam o que sentimos”.

            Nesse sentido, é interessante observar alguns depoimentos de espectadores que assistiram espetáculos do Vertigem:

 

Eu diria que a primeira palavra que me vem a cabeça quando lembro é êxtase... aquela sensação que você fica com cara de... nossa, o que foi isso (Eduardo, estudante de Lingüística USP)

 

 

Os cheiros, o frio, o vento, e para alguns até mesmo o sabor misturam-se às imagens e sons, fazendo do espetáculo uma emocionante e inesquecível experiência sensorial por mais de 4 Km pela veia suja da cidade. E o rio, que em um primeiro momento é visto como um imenso esgoto a céu aberto, depois é percebido como um rio, doente, mas ainda sim um rio. E este cenário insólito não é pura "firulice" gratuita: o rio é quem conduz o espetáculo, é a trajetória dos personagens, é o tempo, a sujeira e a instabilidade do caminho. É o protagonista e o vilão. Espetáculo brilhante, fascinante e obrigatório. (Maurício Alcântara, São Paulo)

 

Assisti Apocalipse, os atores são muito bons...impressionante e angustiante cenas pesadas! Adorei. (Raquel Ildefonso, São Paulo)

 

Quando assisti Apocalipse e Livro de Jó morava na cidade de Araraquara, perto de Ribeirão Preto, e estávamos montando algo alternativo. E foi o meu primeiro contato com teatro fora do palco italiano e rua. O que eu senti? Uma sensação que talvez foge de explicação. Estar próximo dos atores, sentir sua respiração, seu cheiro, sua energia tão próxima, sentir a veia pulsando. Me senti na situação como se tudo aquilo fosse real (e talvez fosse)e eu mais um participante. Quebra o paradigma do lugar sagrado do ator, o palco a demarcação na rua, tudo é um só, o publico faz parte do espetáculo, do contexto, e toda esta sensação é fora do comum, ninguém hoje em dia entra num presídio ou num hospital e vivencia aquilo. Isso causa gostinho de querer mais. Sei que onde eles nos levar será uma situação incomum, sensação incomum. depois desta experiência sinto o palco muito distante do publico e optei agora por atuar no sagrado de cada pessoa, então não vejo motivo de estar fora. (Mauricio Coronado Jr, São Paulo)

           

            A aproximação entre as propostas do Teatro da Vertigem e Brecht se deve ao caráter desafiador que ambas propõe ao espectador; enfrentando a alienação, que afasta o indivíduo de si mesmo. Para o Vertigem o que provocaria alienação seria, além da inevitável estrutura capitalista, o enfraquecimento dos laços sociais diante dessa estrutura. Estes laços sociais nos aproximariam de nossa natureza humana. O Vertigem parece propor, portanto, uma discussão sobre o que está ocorrendo com nossas relações frente ao mundo contemporâneo, pois, um dos problemas que as pessoas têm com relação à percepção nos dias de hoje é o simples ato de ouvir; ouvir o outro e ouvir a si mesmo. Vivemos os dias num ritmo veloz e incessante de fatos e não percebemos coisas simples como o estar vivo e o outro.

            Diante disso, ao refletir sobre o que o Vertigem propõe ao espectador, noto que a proposta do grupo em trabalhar sensações e percepções pode ser entendida a partir da identificação da atrofia perceptiva e sensitiva que o cotidiano produz. Matheus Nachtergaele, que já foi ator do Vertigem, reafirma essa idéia quando diz: “Nós queremos ser o homem que nós prometemos, queremos partilhar do sagrado que intuímos e domar a fera que ainda nos guia. E o Vertigem é nosso aliado” (2004).

 

Esta comunicação tratou de forma sintética o tema a ser discutido em meu Trabalho de Conclusão de Curso, conformando, portanto um exercício de reflexão para a fundamentação do conhecimento a ser explorado.

Como bolsista IC, ser colaboradora deste projeto de pesquisa tem trazido importante experiência em minha trajetória acadêmica, além de ajudar a refletir sobre o compromisso que a pesquisa deve ter para com nosso país, além de trazer significativas reflexões sobre o contexto em que se encontra o Teatro Brasileiro.

           

Referências

DESGRANGES, Flávio Augusto. Pedagogia do Teatro: Provocação e Dialogismo. São Paulo: Hucitec,2006.

DESGRANGES, Flávio Augusto. Pedagogia do Espectador. São Paulo: Hucitec, 2003.

NACHTERGAELE, Matheus. Artigo: A zona terrível da ausência de Deus. Especial para a Folha, 2002. Acessado em:15/08/07.

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992;

  

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AÇÃO PIANÍSTICA E COODENAÇÃO MOTORA: PROCESSOS DE FEEDBACK E APLICAÇÃO DE MÉTODOS DE ANÁLISE[273]

 

 

                                                           Maria Bernardete Castelan Póvoas[274]; Daniel da Silva[275]

 

 

                                                      

Palavras-chave: ação pianística; coordenação motora; feedback; método de análise.

 

 

 

Resumo: Esta investigação faz parte da pesquisa “Ação pianística e coordenação motora: relações interdisciplinares”. Discorre-se sobre como ocorre o fornecimento de feedback durante a aprendizagem de habilidades motora associando-se argumentos levantados com a aprática pianística. Encontram-se descritos alguns métodos de análise advindos da área de biomecânica, considerando-se seu emprego na avaliação do trabalho músico- instrumental.

 

 

 

Introdução

No contexto da prática instrumental, a compreensão dos aspectos envolvidos na produção do movimento é de grande importância para que se possa criar estratégias eficientes de estudo. Os movimentos utilizados na ação pianística envolvem uma combinação de diferentes segmentos do corpo, sendo que a utilização do movimento mais eficiente para se atingir determinado resultado musical exige que se tenha conhecimentos acerca de sua estrutura, o que deixa claro a importância da interdisciplinaridade para a atividade instrumental. “Estas ciências [como a Anatomia e a Fisiologia] deveriam ser os pilares de sustentação do processo de ensino-aprendizagem dos instrumentos musicais”. (KAPLAN, 1987, p.13). Todos os movimentos participantes na ação instrumental encontram-se interligados em complexas estruturas anatômicas, sendo que somente através de um completo domínio dessas estruturas pode-se atingir um alto nível de eficiência. “A execução instrumental requer habilidades altamente refinadas e um alto grau de conscientização corporal, para que se possa atingir uma realização ótima”. (CIARLINI e RAFAEL, 1994, p.32).

Para que uma habilidade seja executada com sucesso, é necessário que o indivíduo receba informações acerca de seu progresso nessa dada habilidade. A aquisição e a retenção das habilidades motoras ocorrem através do feedback, que são informações sensoriais fornecidas ao indivíduo durante ou após a execução de uma ação.

Os métodos de análise (ou medidas de processo) têm como foco principal o aperfeiçoamento de uma habilidade motora, através da observação, descrição e análise dos movimentos executados por indivíduos. É essencial que o pesquisador ou o grupo de pesquisa esteja informado a respeito da anatomia humana e princípios mecânicos, assim como acerca das habilidades motoras e padrões de movimento. Devido ao alto grau de variabilidade que a reprodução do movimento humano pode apresentar, a análise de um movimento em sua complexidade estrutural deve ser caracterizada por grande objetividade e confiabilidade. (Amadio et al., 2002). Em se tratando da ação pianística, é importante também conhecer não apenas a proposta do movimento, mas também sobre os fatores de desempenho (Rasch, 1991) inerentes a execução habilidosa deste movimento, tais como, força, fadiga, rapidez do movimento, flexibilidade, entre outros.

 

Discussão

 

Tipos de feedback

 

Durante ou após a execução de uma ação, informações sensoriais são fornecidas ao indivíduo, as quais denomina-se de feedback intrínseco (ou proprioceptivo) e feedback extrínseco (ou aumentado).

O feedback intrínseco é fornecido por meio dos órgãos sensoriais (como a audição e a visão) do próprio sujeito que realizou o movimento. De acordo com o nível de habilidade do executante, o feedback intrínseco pode fornecer um grande número de informações sobre o movimento realizado, tais como níveis de precisão, postura do corpo e dos membros envolvidos na ação, entre outras informações. Este tipo de feedback pode ajudar muito o músico durante a execução de uma peça, pois o auxilia na detecção e correção de erros cometidos após ou durante a conclusão do movimento. Nestes casos, o feedback intrínseco se torna mais efetivo em ações que envolvam movimentos lentos e voluntários, pois assim o executante pode fazer compensações durante a ação, o que em movimentos rápidos não acontece devido ao tempo de resposta não acompanhar o tempo de execução do movimento. (Piekarzievcz, 2004). Ressalta-se aqui a importância de que os movimentos devam ser pensados anteriormente à ação: “tornou-se evidente a necessidade de planejar o movimento antes da ação em função de resultados sonoros previamente estabelecidos, adequando-se movimentos corporais à resolução de aspectos musicais”. (PÓVOAS, 1999, p.45). Quando a ação planejada não alcança sua meta, esta pode estar sendo prejudicada por algum erro no planejamento do movimento, tendo o feedback nesse caso uma função de detectar quais aspectos estão influenciando nesse desempenho.

O feedback extrínseco ou aumentado é fornecido ao indivíduo que executou o movimento a fim de informar-lhe a respeito de suas ações. Os meios mais comuns de fornecimento de feedback extrínseco são: (1) informações transmitidas por um professor sobre um movimento executado ou como executar corretamente uma habilidade motora, (2) demonstração através de uma gravação sonora ou áudio-visual do desempenho do executante. Esse tipo de feedback tem um papel importante no transcorrer do processo de aquisição de uma habilidade motora pois, além de trazer informações importantes ao progresso do indivíduo, tem propriedades motivacionais que trazem ao aprendiz estímulos para que continue desempenhando seu trabalho no transcorrer da prática.

É aconselhável que na transmissão do feedback extrínseco verbal sejam enumeradas prioridades nas informações, pois uma quantidade grande de informações poderá deixar o aluno confuso acerca do que é mais importante se ater naquele momento. Inicialmente, aconselha-se focar a atenção do aprendiz nos padrões mais fundamentais do movimento, direcionando a atenção dele para um ou dois aspectos de cada vez, pois, se o aluno aprender uma ação inadequadamente à prática ao início do seu processo de estudo, a fixação poderá se tornar tão forte que será difícil esquecer posteriormente esse padrão automatizado. Neste estágio normalmente os indivíduos não são capazes de detectar as características relevantes do movimento executado, assim como a origem de seus erros, embora tenham consciência de que não dominaram com destreza essas habilidades. Nesse contexto, o feedback intrínseco ainda não é suficiente para que o aluno tome as direções e regulações corretas inerentes do processo de coordenação motora. (Maggil, 2000). Para esses casos, é fundamental o papel do feedback extrínseco, que traz informações suplementares e reforça o feedback intrínseco.

Consciente da importância do entendimento das diferentes características do movimento, o professor pode selecionar e enfatizar primeiramente o padrão de movimento mais importante envolvido na ação e, depois que o aluno tenha dominado esse padrão, progressivamente fornecer feedback sobre outros aspectos do movimento. (Schmidt e Wrisberg, 2001).  No caso da prática pianística, desde o início do estudo de uma peça ou de parte dela, deve-se estar bem informado sobre os passos do processo para aquisição de uma dada habilidade motora, e que este processo pode ocorrer de maneira lenta e gradativa, o que requer atenção permanente. Uma forma de se evitar que a tarefa de torne monótona e repetitiva é variar o tipo de estudo, assim como evitar a permanência ininterrupta durante um longo período de tempo em um mesmo trecho de uma peça.

O feedback quando dado após a execução de uma ação correta, é chamado de feedback de reforço. Este tem função de assegurar uma maior confiança na ação desempenhada e aumentar a probabilidade que esta ação será repetida em outra situação semelhante. Thorndike (1927) apud Schmidt e Wrisberg (2001, p. 277) diz que:



“Uma ação disparada por um estímulo e seguida por conseqüências prazerosas ou recompensadoras tende a se repetir quando o estímulo surgir novamente; uma ação que é seguida por conseqüências não prazerosas ou punitivas tende a não ser repetidas”.

 

 

Esse reforço positivo pode ser transmitido tanto de forma verbal (por exemplo: “você está realizando muito bem aqueles stacattos de pulso”) como de forma não verbal (por exemplo: “uma expressão facial de aprovação após o término de um trecho difícil”). A comunicação torna-se mais efetiva quando a mensagem é transmitida envolvendo elementos verbais em conjunto elementos visuais, valendo também para a mensagem com finalidade corretiva.

A mensagem punitiva, que pode ocorrer durante a instrução de um movimento a fim de notificar o que o aluno fez de errado, pode apresentar-se redundante quando traz a mesma informação do feedback intrínseco (por exemplo, o professor dizendo ao aluno: “você não está tocando bem esse trecho”, ou, “você errou várias notas durante aquela passagem”). Esse conhecimento de resultado que é redundante com o feedback intrínseco, além de não trazer informações relevantes, pode ser desmotivador e até mesmo irritante a alguns alunos. Como estratégia de estimular o aluno, o professor pode perguntar o que ele achou de seu desempenho e, em seguida, apontar os erros indicando formas de corrigi-los, através de dicas e demonstrações de como executar o movimento.

Em conjunto com o feedback extrínseco, deve-se buscar individualmente soluções técnico-interpretativas, desenvolvendo assim uma habilidade em encontrar planos de ação para a execução músico-instrumental. Chiviacowsky e Tani (1997) atentam para a importância de desenvolver o chamado reforço subjetivo, onde o executante desenvolve a sensibilidade de detecção e correção de seus próprios erros, fornecendo subsídios para que continue mantendo seus níveis de resultado em relação às tarefas desempenhadas. Também é importante que desde cedo se desenvolva a consciência corporal (tensão-relaxamento), através de exercícios de respiração e alongamento, assim de flexibilidade do movimento dos segmentos mais envolvidos na execução pianística: braços, mãos e dedos. Também o feedback auditivo, aquele referente aos parâmetros musicais, têm um importante papel no processo de memorização, influenciando na leitura musical e no desempenho das peças estudadas. (Finney e Palmer, 2003).

Outra forma de feedback é a gravação áudio-visual, esta bastante aproveitada na atividade pianística. Utilizando o recurso de feedback visual, o músico pode ver seus padrões de movimento com um maior detalhamento, analisando sua prática visualmente e sonoramente. Esse recurso pode ser usado durante as sessões de prática, a fim de avaliar seu desenvolvimento no processo de estudo, assim como para registrar suas apresentações em público, levando em consideração outras variáveis como a acústica do local.

 

 

Métodos de Análise

 

Dentre os métodos de medição e avaliação dos movimento descritos neste trabalho estão a cinemetria, a eletromiografia e antropometria.

Através da cinemetria (ou cinematografia) são feitas medições dos movimentos realizados pelo(s) executante(s) através de imagens, registro de trajetórias, decurso de tempo, determinação de curvas de velocidade e de aceleração, entre outras variáveis. Para a captação das imagens, os biomecânicos comumente utilizam sistemas de videografia de alta velocidade, articulando as câmeras em diferentes pontos espaciais, a fim de documentar a cinemática do movimento. Com o auxilio de pontos marcados nos eixos articulares, o gesto pode ser digitalizado e reconstruído em duas ou três dimensões. (Allard et al., 1995). Lu e O’connor (1999) destacam que para uma boa avaliação cinemática, é determinante a definição de protocolos experimentais para a colocação dos marcadores. Estes marcadores devem ser posicionados de maneira adequada à estrutura anatômica, eixos articulares, de modo a orientar cada segmento corporal no espaço tridimencional (3D), determinando as variações angulares em cada articulação e respeitando todos os graus de liberdade existentes.

Os sistemas áudio-visuais têm evoluído cada vez mais podendo-se, atualmente, encontrar sistemas de vídeo digitais de alta resolução e alta freqüência a um custo acessível. Entretanto, para uma análise qualitativa que não envolva movimentos muito rápidos, a utilização de uma câmera de vídeo convencional pode atender satisfatoriamente os propósitos da avaliação. Já a análise quantitativa, realizada através da digitalização dos centros articulares do indivíduo, compreende cálculos de grandezas cinéticas e variáveis cinemáticas, o que requer uma instrumentação técnica mais elaborada. (Hall, 1993).

Amadio e Baumann (1990, p.752) apontam alguns dos principais objetivos do procedimento cinemático: “(1) avaliação da técnica para competição, (2) desenvolvimento de técnicas de treinamento, (3) monitoramento de atletas e (4) detecção de talentos esportivos”. Considerando-se que o movimento pode apresentar uma grande variabilidade de trajetórias, os indicadores cinemáticos tornam-se de grande importância para a avaliação de fatores como a velocidade dos segmentos e articulações, podendo-se determinar as variações da aceleração do movimento, suas variações angulares, assim como outras variáveis concernentes a meta do movimento. (Amadio et al., 2002).

Outro elemento relevante a ser considerado em qualquer análise biomecânica é o número de tentativas ao se executar um movimento, visto que o grau de proficiência do executante fará com que a cinemática do movimento varie para mais ou para menos, inversamente. É recomendável que sejam feitas outras avaliações depois do experimento-piloto, a fim de ratificar os resultados.

 O feedback intrínseco também tem um papel importante no processo de avaliação do movimento, trazendo à investigação informações relevantes acerca do desempenho. O executante que possui uma percepção apurada de seus movimentos pode assinalar possíveis erros técnicos ou perceptivos que ocorreram durante a execução, erros que não podem ser apontados em uma simples observação visual.

Através da cinética - campo que estuda o movimento dos corpos e suas forças associadas - pode-se analisar a quantidade de força produzida pelos músculos, quantificando assim qual a força apropriada ou necessária a uma ação específica do movimento. Nesse mesmo tipo de análise, pode-se considerar fatores antropométricos como o peso e as dimensões dos segmentos corporais.

Na antropometria são obtidas as medidas corporais do indivíduo, usando-se equipamentos como balanças, fita métrica e paquímetros digitais. Essas medidas são utilizadas para outros métodos de análise, como a cinematografia, por exemplo, e são necessárias para a normalização dos dados e personalização dos modelos físico-matemáticos. (Amadio et al., 2002). Cada indivíduo possui uma configuração corporal diferente do outro que devem ser levadas em consideração no processo de aprendizagem de uma habilidade motora.

A eletromiografia (EMG) é um método utilizado para medição de potenciais elétricos de um músculo ou grupo de músculos, através da verificação dos níveis de participação de cada músculo durante a realização do movimento. Através da eletromiografia, é possível identificar-se os músculos que estão sob tensão durante o movimento ou até em estado de “repouso”, permitindo assim mapear possíveis fixações musculares desnecessárias ao movimento, através de eletrodos que são colocados sobre a pele (discos) ou diretamente no músculo (agulhas).

 

Conclusões

 

A complexidade do movimento humano, em especial da ação pianística, desperta o interesse na investigação sobre o que realmente ocorre no sistema músculo-esquelético. O grande número de variáveis durante um movimento, em função das características específicas de cada segmento corporal e, sobretudo, de cada indivíduo, determina que uma análise de movimentos estruturalmente tão complexos seja acima de tudo objetiva e efetiva.

Atualmente encontram-se disponíveis várias ferramentas para o aprimoramento do movimento humano e consciência das estruturas corporais envolvidas na ação. Os métodos de análise e medição biomecânicos permitem uma maior compreensão dos mecanismos internos reguladores e executores do movimento através de sua descrição, interpretação e análise. Alguns processos, como a cinemática, levam em consideração fatores como velocidade dos segmentos, trajetórias dos eixos articulares, ações dos membros envolvidos na ação e suas participações para o sucesso do gesto, entre outros aspectos. A eletromiografia pode ser utilizada para verificar níveis de fadiga e níveis de tensão muscular quando da execução de um movimento.

Vale ressaltar a necessidade de que profissionais da área da música se interessem na cooperação interdisciplinar, em especial nas áreas de Anatomia e a Fisiologia, observando o importante papel que a fundamentação científica do aprendizado musical pode trazer através de seu embasando em explicações experimentais do movimento. O conhecimento acerca dos métodos de medição ainda são, hoje em dia, pouco difundido na área da música. Através da análise e interpretação do movimento podem-se definir modelos e protocolos de avaliação, estabelecendo estratégias de ação que auxiliarão o instrumentista a apurar seus padrões de movimento, otimizando assim sua atividade. Na atividade pianística, existem atualmente poucas pesquisas que trabalham com protocolos de avaliação do movimento, ou até mesmo pesquisas interdisciplinares que tenham conexão com a atividade instrumental.

Esta pesquisa mostrou novas possibilidades de investigação, constatando-se a necessidade de que mais estudos nesse sentido sejam realizados, buscando-se compreender e otimizar cada vez mais a prática instrumental.

 

 

Referências bibliográficas:

 

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AMADIO, Alberto C.; BAUMANN, W. Kinetic and Electromyographical analysis of the triple jump. Sport und Buch Strauss: p. 751-752, 1990.

 

CIARLINI, Myrian; RAFAEL, Maurílio. O Piano. Campina Grande: LIAA, 1994.

 

CHIVIACOWSKY, Suzete; TANI, Go. Efeitos da freqüência de conhecimento de resultados na aprendizagem de diferentes programas motores generalizados. Revista Paulista de Educação Física: v.1, n.11, p. 15–26, 1997.

 

FINNEY, Steven A. ; PALMER, Caroline. Auditory feedback and memory for

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LU, T-W ; O`CONNOR, J. J. Bone estimation from skin Marker co-ordimates using global optimation with joint constraints. J. Biomechanics: v.32, p. 129–34, 1999.

 

HALL, Susan. Biomecânica Básica. Traduzido por Giuseppe Taranto. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

 

KAPLAN, José A. Teoria da Aprendizagem Pianística. Porto Alegre: Movimento, 1987.

 

MAGGIL, Richard A. Aprendizagem Motora: conceitos e aplicações. Tradução de Aracy Mendes da Costa. São Paulo: Edgard Blücher, 2000.

 

PIEKARZIEVCZ, Luiz E. Efeitos do feedback extrínseco aumentado no processo de aprendizagem de uma habilidade motora fechada. Dissertação de Mestrado, 2004, Universidade Federal do Paraná.

 

PÓVOAS, Maria B. C. Princípio da Relação e Regulação do Impulso-Movimento. Possíveis Reflexos na Ação Pianística. 236 p. Tese de Doutorado, Mímeo, 1999, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

 

RASCH, Philip J. Cinesiologia e Anatomia Aplicada. Tradução de Marcio Moacyr de Vasconcelos. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991.

 

SCHMIDT, Richard A.; WRISBERG, Craig A. Aprendizagem e performance motora: uma abordagem de aprendizagem baseada no problema. Tradução de Ricardo Petersen... [et al]. 2th ed. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.

  

XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

Centro de Artes - CEART

 

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OBJETOS PEDAGÓGICOS INCLUSIVOS NO COTIDIANO ESCOLAR[276]

 

 

                                   Profa. Dra. Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva[277], Margarete Bornelli [278]

 

 

 

Palavras- chave: Educação inclusiva - Ensino de Arte - Formação de Professores

 

Resumo: O presente texto diz respeito ao desenvolvimento de um estudo piloto realizado em uma escola pública federal com o objetivo de identificar a produção de objetos pedagógicos para ensinar arte em classes regulares com a participação de crianças com necessidades especiais. Tal investigação identificou também as concepções de inclusão presentes nos textos educacionais.

 

 

 

Apresentação:

 

            Trata-se o presente texto da sistematização de uma pesquisa piloto realizada no ano de 2006 com ênfase no uso do objeto pedagógico pelo professor de Arte em contextos de inclusão. Como estudo de caso investigou-se a prática de uma professora de Arte na adaptação de situações de aprendizagem numa turma de alunos regulares com a presença de uma aluna com baixa-visão. Buscou-se centrar a pesquisa em um indivíduo com o objetivo de reconhecer a prática existente e aprofundar o convívio, buscando ampliar o contato com a professora, com a aluna cega e ter a possibilidade de acompanhar todos os encontros durante um semestre.

 

O uso de instrumentos no Ensino de Artes Visuais:

 

            Na história da educação apontada por Aranha (1996), Comenius (2002) Manacorda (1999) e Ponce (1998), o objeto didático foi utilizado no contexto da educação conforme as tendências metodológicas enfatizavam o fazer pedagógico. Portanto, se a escola defendia os pressupostos tradicionais de escola o objeto era utilizado para reforçar a concepção de aprendizagem por meio da cópia escrita, da reprodução automatizada por meio da oralidade e do saber centrado no professor. Ainda se a escola tinha um pensamento mais aberto como no Movimento Escola Nova, o objeto pedagógico foi utilizado como meio de expressão do aluno, possibilitando-lhe por meio da experiência, uma apropriação dos conhecimentos. Já mais no contexto atual o papel dos objetos pedagógicos se re-significou como elemento de ampliação do acesso dos estudantes ao conhecimento sistematizado. Neste sentido o objeto pedagógico é revestido de novos sentidos simbólicos que permitem ao estudante uma compreensão mais efetiva do contexto social. Diferentemente das correntes tecnicistas que colocavam o objeto pedagógico como fim maior do processo pedagógico, na atualidade entre os educadores que utilizam as teorias críticas da educação, o objeto pedagógico é construído e reconstrói o olhar sobre o contexto e sobre os conhecimentos atuando em colaboração com o complexo processo educacional.

            No contexto do Ensino de Artes, fica mais claro o uso de objetos de mediação, principalmente no contexto das Artes Visuais que privilegiam a construção de um objeto ou a captação de sua imagem. No entanto o uso de objetos pedagógicos com intenção mediadora fica menos explícito no fazer pedagógico dos professores. Conceituando o objeto pedagógico pode se dizer que ele é todo instrumento didático construído ou utilizado pelo estudante ou pelo professor para mediar a aprendizagem. Neste sentido abre-se um leque amplo de possibilidades de artefatos manuais e tecnológicos utilizados no contexto do ensino de arte para ampliar o acesso do estudante ao conhecimento artístico e estético. Partindo do conceito de mediação como:

 

(...) o processo através do qual os pais e outros significativos, ajudam as crianças a decodificar e a compreender as complexidades do meio físico e social, para termos capazes de serem compreendidos pelas crianças nos diferentes níveis de desenvolvimento. Portanto consideramos a mediação como o “construir pontes entre o que a criança sabe e a nova informação a apreender e a estruturar (Pereira, 1998,p.33).

           

            Orientando a perspectiva teórica da investigação utilizou-se a contribuição de Vygotsky (1991) que identifica o papel dos “outros significativos” como adultos em diferentes estágios de desenvolvimento cognitivo em relação a crianças, para que possam ajudar na aquisição de novas aprendizagens.  Acredita o autor que níveis iguais de aprendizagem contribuem menos do que a convivência heterogênea no contexto social. Neste aspecto pode-se citar como exemplo a convivência entre crianças com diferentes matizes culturais e ou físicos. Outro aspecto da contribuição do autor para a teoria do desenvolvimento humano diz respeito ao reconhecimento de que a criança quando chega na escola já traz uma bagagem de conhecimentos socialmente acumulados.

            Talvez a principal contribuição de Vygotsky para a presente investigação diz respeito à análise que o autor faz acerca do uso do instrumento para a aprendizagem, mais especificamente nas relações entre instrumento e aquisição da linguagem. Assim :

 

O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa. Essa estrutura humana complexa é o produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre história individual e história social (Vygotsky, 1991,p. 33).

 

Partindo da abordagem mediadora da aprendizagem para compreender o uso do instrumento com crianças com baixa-visão na aula de Arte, destacou-se o pressuposto de que os professores desenvolviam atividades com as crianças da classe, identificavam a importância da inclusão, no entanto avaliavam que a Escola não estava pronta para receber o estudante da educação especial. Fartos argumentos são colocados pelos professores de Arte em atividades coletivas de formação docente no que diz respeito da falta de formação para atuar nesta área. Alguns autores como Serra (2006) corrobora com esta visão quando diz que: “Infelizmente, a demanda da inclusão chega às escolas antes da preparação do professor, e a solução tem sido a capacitação em serviço, através de programas de formação continuada” (2006,p.34).

Direcionando o olhar para a formação inicial do professor de Arte constata-se que a maioria dos cursos de formação inicial não contempla em suas matrizes curriculares disciplinas que tratem diretamente do tema da inclusão de pessoas com necessidades especiais. Coutinho (2002) ressalta que na formação de professores de Arte os aspectos da autonomia de decisão devem ser estimulados porque na atualidade o professor assume novas responsabilidades no contexto escolar. Entre estas responsabilidades está colocada a ação diante das temáticas inclusivas.

Quando a apropriação se realiza na escola, isto é, de forma institucionalizada, o professor desempenha a mediação necessária entre o aluno e o conhecimento. Tanto Leontiev (1978, p. 271-273), como Vygotsky (1991b, pp. 97-101) apontam essa ação mediadora dos homens no processo de apropriação e objetivação. Esse conceito de mediação dos outros indivíduos do grupo social entre o indivíduo que se forma e o mundo cultural, desenvolvido por Vigotski e sua escola, é de suma importância para a compreensão do trabalho que se realiza na escola. Basso,1998,p.06).

 

            Quando o professor de Arte assume o papel de professor reflexivo e se apropria de um olhar sócio-histórico ele possibilita uma abertura afetiva para receber a pessoa com necessidades educativas especiais e reconhecer sua condição de professor mediador. Ainda que este seja um ato de complexidade social, pois está vinculado com o contexto mais amplo das funções por parte do Estado, o professor precisa estar conectado com a perspectiva de uma sociedade que reconhece o direito a diferença.

 

O contexto  da Inclusão no Brasil:

 

            Como resultado de uma política internacional de “educação para todos” que ganha força a partir da década de 1990, o Brasil amplia sua legislação e propõe o modelo de educação inclusiva nos moldes americanos.  Dinari (2006) resgata este vínculo com o modelo americano e Mendes (2006) vai mais além fazendo a crítica ao modelo brasileiro que valoriza os “modismos internacionais”, que enfatiza a proposição de juristas nas políticas públicas, na dicotomização do debate entre educação inclusiva e educação total e na interpretação de que a educação inclusiva diz respeito apenas a educação especial.

            Abordando sinteticamente o tema, dois movimentos foram mais contundentes na proposta de educação das pessoas com necessidades educacionais, um que propunha a integração onde a criança era colocada na escola e era responsável pela integração e outro chamado de inclusão onde a proposição era um serviço obrigatório de apoio e sustentação do trabalho, por meio de financiamento, contratação e formação de profissionais.  Neste cenário atual de uma inclusão de direito que não acontece de fato, interessa a pesquisa aqui relatada, investigar os conceitos de inclusão presentes na literatura.

            Foram mapeados a parir de uma extensa bibliografia três conceitos que configuram um mapa das tendências de conceitos de inclusão. Um que aponta para as transformações necessárias na escola para atendimento da diversidade:

 

“A inclusão implica uma reforma radical nas escolas em termos de currículo, avaliação, pedagogia e formas de agrupamento dos alunos nas salas de aula. Ela é baseada em um sistema de valores que faz com que todos sejam bem vindos e celebra a diversidade que tem como base o gênero, a nacionalidade, a raça, a linguagem de origem, o background  social, o nível de aquisição educacional ou a deficiência (Mitller 2003,p.34).

 

Uma segunda linha que propõe a construção de “todas as formas possíveis por meio das quais” pretende-se uma educação inclusiva.

Quando falamos em inclusão escolar, referimo-nos a construir todas as formas possíveis por meio das quais se busca, no decorrer do processo educacional escolar, minimizar o processo de exclusão, maximizando a participação do aluno dentro do processo educativo e produzindo uma educação consciente para todos, levando em consideração quaisquer que sejam as origens e barreiras para o processo de aprendizagem (Santos, 2006,p.24).

 

            Uma terceira que identifica a diversidade de termos utilizados para designar a inclusão, mas que, o fazem somente no discurso. O conceito não se reflete na prática pedagógica. “A inclusão, assim, não é mais do que uma forma solapada, às vezes sutil, ainda que sempre trágica, de uma relação de colonialidade com a alteridade” (Skliar, 2006,p.28).

 

 

A mediação do objeto na aprendizagem de Artes Visuais:

 

            A pesquisa piloto foi realizada em uma escola pública na cidade de Florianópolis com foco em uma turma regular de 1ª série do Ensino Médio, onde também estuda uma aluna cega de nome Sara (nome fictício para resguardar a identidade da estudante). Foi observado um conjunto de dezesseis aulas de 50 minutos, focando o olhar na produção de objetos de mediação pedagógica, constituídos a partir da criação da professora e dos alunos. Inicialmente realizou-se uma entrevista com a professora e no final da pesquisa, outra decorrente da observação dos dados e das dúvidas surgidas no processo. Na primeira entrevista buscou-se o conceito de inclusão apresentado pela professora. No campo da construção teórico utilizou-se como estratégia conhecer o percurso do objeto pedagógico na história da educação, mapear um conjunto de conceitos de inclusão existentes na literatura, identificar uma parcela de textos que apresentam formulações inclusivas no ensino de arte e investigar como o conceito de mediação perpassa estes espaços.

As observações das aulas na turma de Sara consistem em analisar a rotina da aula de arte. Foi alvo de estudo também a prática da professora, percebendo como ela constrói as mediações de aprendizagem, tendo uma aluna com baixa-visão em sala. Um importante aspecto foi o direcionamento à observação do material que a professora criou com os alunos como elemento de aproximação da aluna cega e dos alunos videntes. Para complementar e também pela indissociabilidade entre o desejo do professor e o indivíduo que faz uso do objeto, observou-se  o andamento das aulas do ponto de vista dos alunos, como utilizam os objetos pedagógicos e como se relacionam com Sara neste contexto.

Na dinâmica de sala de aula observou-se um ambiente fraterno de amizade e solidariedade entre alunos e professora. No trabalho proposto pela professora havia por parte dos alunos o interesse em envolver Sara na participação, nas decisões e atividades que estavam sendo criadas pelos alunos. Era usual a professora descrever as imagens, com a ajuda dos estudantes para que Sara pudesse ter noção da imagem projetada. No estudo da figura humana a professora enfatizou as medidas canônicas, gregas e romanas, mostrando como a proporcionalidade era considerada neste momento histórico como elemento de padronização de tamanhos e medidas. Para completar a mediação em construção, facilitando a compreensão das medidas canônicas que são utilizadas ainda na atualidade, à professora propôs uma atividade prática.

 Na atividade que consistia em desenhar a figura humana, o desenho foi aliada a produção de bonecos de papel, fazendo comparações dos modelos canônicos, da arte grega e romana, com os corpos reais dos alunos. Os bonecos de papel foram utilizados na condição de objetos pedagógicos de duas maneiras: uma na possibilidade de participação de Sara no processo de experienciar as medidas, porque o desenho deixava de ser “bi-dimensional para ser tri-dimensional”. Uma outra pelo enriquecimento do universo pedagógico dos estudantes que acessaram duas possibilidades de compreensão, como desenho sobre o papel e como recorte que possibilitou o dimensionamento do corpo humano dos alunos.

 Neste sentido, desenharam a figura humana, tendo os próprios alunos como modelo. A turma foi dividida em dois grupos, um grupo ficou com o corpo feminino, e outro grupo com o corpo masculino. Sara estava no primeiro e serviu de modelo. O desenho foi feito com os contornos do corpo de Sara. Depois de feito o desenho, foi recortado em partes (braços, antebraço, mãos, cabeça, pescoço, etc) e então usado para as medidas proporcionais do corpo. As medidas encontradas do corpo de Sara foram: o corpo inteiro mediu sete cabeças; do pescoço até a cintura mediu duas cabeças; do pescoço até o pé mediu nove mãos, e assim encontraram outras medidas. Cada parte que foi recortada Sara pintava (com giz de cera), para que conseguisse sentir a textura, e assim entender melhor. Depois pegaram outra folha e então foi montado um outro desenho a partir das medidas encontradas. Este segundo desenho foi todo pintado em cores diferentes, e fortes para que Sara pudesse visualizá-lo (Sara tem baixa visão, e quando é possível, utiliza os resíduos de visão para enxergar). Ela consegue visualizar as cores primárias, se estiver bem forte. Todo esse processo de pintar com cores diferente, sentir a textura, perceber os tamanhos, foi o que no momento a professora se utilizou para adaptar a atividade. Depois de completar o desenho a partir das medidas, o grupo todo apresentou o trabalho, com grandes contribuições de Sara.

Outra atividade dentre as observada que merece destaque foi a da confecção de cenários e personagens para a execução de uma animação. Cada grupo teria que criar a história, o cenário e os personagens. O grupo em que Sara estava resolveu fazer uma animação no fundo do mar, onde os personagens seriam confeccionados de massa de modelar para que Sara pudesse contribuiu na confecção dos mesmos.Novamente é possível presenciar a construção do objeto pedagógico para a inclusão da aluna com baixa-visão. E ela gostou tanto que fez vários peixes e estrelas do mar, de diversos tamanhos. No início não sabia como fazer e os colegas ensinaram, a professora também colaborou, algumas vezes descrevendo cada passo a ser feito, ou somente mostrava os que tinha modelado, depois de tateá-los, fazia igual. Houve um momento em que Sara quis saber como era a escama do peixe, disse que não lembrava. A professora deu como exemplo a própria unha, estendendo o dedo para que Sara o tateasse. Depois de tatear o dedo, a unha, da professora, disse ter lembrado um pouco de como era, e até contou do dia em que seu pai lhe colocou um peixe na mão, e ela achou “... molhado, melado e áspero...” (neste momento fez careta de nojo, e riu). E então com ajuda de um palito fez uma textura imitando a escama.

A atividade de construção do cenário para o fundo do mar se estendeu por seis aulas. Iniciaram com as discussões sobre qual seria o tema. Definida a temática realizaram a composição dos personagens, e por último, tudo foi fotografado. Utilizando-se do princípio do desenho animado, de movimentação das cenas paradas colocaram as fotografias no programa flash,3 e gravaram em DVD. Posteriormente a proposta do grupo foi exibida na TV dentro da sala de aula.   Os alunos manifestaram satisfação com as atividades desenvolvidas, todos gostaram, e Sara era a mais animada (ria muito), se divertiu com as histórias e com o movimento dos personagens, que ela mesma fez, que conseguiu visualizar pela tela da TV. E todos se animaram fazendo planos para o próximo semestre.

Diversos outros exemplos poderiam ser descritos mostrando como a criação de objetos pedagógicos possibilita a ampliação do acesso ao conhecimento de estudantes com necessidades especiais em classes regulares. Neste sentido foram selecionados aqueles mais significativos que puderam dar uma noção do papel do professor na mediação pedagógica como estratégia de inclusão no ensino de arte em uma determinada classe escolar.

 

 

 

 

 

            5. Considerações finais

           

            Considera-se como um importante elemento a destacar-se a formação do professor de Arte necessária para uma prática qualificada. Quando se observou na prática da professora em questão o uso dos materiais pedagógicos, a familiarização da aluna com baixa-visão com os elementos presentes na aula de arte, quando reconstruiu seu planejamento em função de Sara, quando trocou exercícios que não possibilitariam acesso a participação por outros que ampliavam sua participação, buscou o princípio da inclusão.

            Acredita-se que uma trajetória de formação inicial ou continuada de professores requer uma ênfase nos aspectos para a inclusão, ainda que elementos da trajetória do professor, também possam definir uma prática pedagógica voltada para a inclusão. Denari destaca que:

 

Particularmente importante é o processo de identificação das necessidades educacionais especiais. Se este processo não ocorrer com o devido cuidado nas adequações curriculares, a seleção dos materiais educativos de apoio e a escolha de estratégias metodológicas e didáticas podem não corresponder ao que realmente o aluno requer. (2006,p.37).

 

  Outro aspecto a considerar diz respeito as condições materiais e físicas da escola que não determinam uma boa prática de ensino de arte inclusivo, mas colaboram com as necessidades do professor que deseja fazer um trabalho de qualidade. Os aspectos de estruturais da vida do professor, baixos salários, má gestão educacional na escola e nos sistemas de ensino, atendimento a populações de baixa renda, influenciam o trabalho, mas não determinam sua precariedade.

            No país existe ampla legislação pública que ampara a pessoa com necessidades educacionais especiais, no entanto a existência de legislação não garante a efetivação da inclusão de qualidade nas escolas.

 

 

Bibliografia:

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MITTLER, Peter. Educação Inclusiva: contextos sociais. Porto Alegre: Artmed, 2003.

MANACORDA, Mario Alhiguiero. História da educação: da antiguidade aos nossos dias. São Paulo, Cortez. 1999.

 PEREIRA, Sara de Jesus Gomes – “A televisão na família : processos de mediação com crianças em idade pré-escolar”. Braga : Instituto de Estudos da Criança, Universidade do Minho, 1998. ISBN 972-97323-6-1. https://hdl.handle.net/08/03/2007.

SANTOS, Júlia Maia. Dimensões e diálogos de exclusão :um caminho para a inclusão.In.: Santos, M.P. dos. E PAULINO, M. M. Inclusão em Educação: culturas políticas e práticas. São Paulo: Cortez, 2006.

RODRIGUES, David. (Org.) Inclusão e educação: doze olhares sobre  a educação inclusiva. São Paulo: Summus, 2006.

VYGOTSKY, L.S. Formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1993

  

XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

Centro de Artes - CEART

 

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Tecnologias Produtivas, Design e Pesquisa Participativa - Estudo de Caso do Artesanato de Cipó Imbé em Garuva, SC:

Dados e Indicadores de Produção.

 

Prof. Douglas Ladik Antunes

Departamento de Design – DDE / CEART / UDESC

douglasladik@hotmail.com

 

 

Resumo:

 

Garuva, município da região Nordeste de Santa Catarina, tem como uma das principais atividades econômicas locais o artesanato em fibras naturais. Entre as fibras mais utilizadas na região, destaca-se o cipó imbé, que é extraído da Mata Atlântica e seu artesanato é comercializado por intermediários em diversos estados do Brasil. Em pesquisas realizadas no município, através de instituições como a Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC e a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural S.A. – EPAGRI, foram identificadas e diagnosticadas diversas demandas relacionadas à cadeia produtiva do artesanato, principalmente nas etapas de extração, beneficiamento e projeto de produtos e comercialização. Neste sentido a presente pesquisa tem como tema central a investigação sobre o desenvolvimento participativo de novas tecnologias sociais de produção nas comunidades de Palmital e Mina Velha, ambas em Garuva. Pretende-se assim, avaliar o processo metodológico participativo das ações de design de novas tecnologias. Neste breve relato, são apresentadas as análises de dados obtidos mediante o acompanhamento de produção artesanal e seu cruzamento com os dados coletados no pré-cadastramento realizado no município. Alguns aspectos ambientais e indicadores econômicos ficam evidentes, como a produção média mensal por artesão, sua renda com essa produção e a caracterização dos resíduos gerados na localidade. Tais dados mostram-se fundamentais no estabelecimento de estratégias metodológicas para a solução dos problemas.

 

Palavras-chave: Artesanato, Cipó-Imbé, Produção, Indicadores.

 

 

 

1     Introdução:

 

As técnicas e tecnologias produtivas do artesanato demandam diversas melhorias, que envolvem desde a adequação da ergonomia, higiene e segurança do trabalho até estudos de substituição tecnológica, para a minimização dos impactos ambientais. Este fato pode ser verificado conforme os trabalhos de Tonicelo (2004), Tonicelo et al (2005), Venturi et al (2006), entre outros, que descrevem mais detalhadamente as demandas e potencialidades locais. A produção artesanal local não provém de nenhuma organização formal, desta forma, a falta de mobilização e interlocução contribui na manutenção da relação de dependência dos artesãos em relação aos atravessadores, e resultam na necessidade de alta produção com baixa remuneração.

Segundo a Grande Enciclopédia Catarinense: Garuva (SEDUC/SC, 2004) aproximadamente 3.000 pessoas do município se dedicam ao artesanato de fibras naturais como principal atividade econômica, entre essas fibras, destacam-se o vime (Salix spp. - SALICACEAE), o cipó imbé, e o rattan (técnica aplicada ao artesanato do vime). Meu envolvimento nas comunidades de enfoque deste projeto de pesquisa se originou em 2004, e esta relação ocorre ininterruptamente até a presente data. Neste período muitos dados foram coletados e a construção deste projeto se baseou em demandas apontadas pelos artesãos mediante processos participativos. Assim, apresentam-se abaixo os dados referentes ao relatório parcial de 2007-1, bem como sua análise.

 

 

2. Resultados e Discussões

 

2.1. Análise de dados do Pré-cadastramento

 

 

Foi feito o pré-cadastramento dos artesãos de cipó imbé em Garuva, a partir do lançamento de campanha na Rádio União Comunitária (104,9 MHz) precedido pelo debate na rádio para a sensibilização da comunidade. A coleta de dados para o formulário (anexo ao relatório de pesquisa 2006-2) foi realizada na Epagri, na Secretaria de Agricultura – Prefeitura de Garuva e nas saídas de campo das extensionistas locais.

Os dados foram compilados em uma planilha (no software excel) e descritos como seguem adiante. O número total de famílias cadastradas somam 22, que é equivalente à 11% do total de famílias do município que trabalham com cipó imbé, segundo os dados da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo. É claro que se pretende a ampliação deste espaço amostral, considerando que diversos fatores influenciaram para o alcance de tal número de registros, como, por exemplo, o receio dos artesãos por atuarem em uma atividade informal. Conforme a ampliação do espaço amostral, a análise estatística dos dados terão uma maior rigorosidade, devido à sua maior representatividade, assim, considera-se os valores apresentados abaixo como preliminares. Tal fato, não minimiza a importância e a validez das informações, mas aponta a necessidade de aprofundamento para a maior representatividade do contexto de estudo. Em relação ao método de coleta, houve perda de informações referentes ao tempo de trabalho por processo produtivo, devido à mudança de questionário, porém, este fato foi contornado com as saídas de campo segundo a metodologia “observação participante” que permite o maior detalhamento e confiabilidade dos dados coletados e serão apresentados no relatório final de pesquisa.

As 22 famílias cadastradas incluem um número total de 103 pessoas, dos quais 63 são artesãos (62%). Destas famílias, 45% (10) declaram que o artesanato de cipó imbé é a principal atividade da economia familiar, cujo trabalho está subdividido nas atividades de extração do cipó, limpeza do cipó, tecelagem e comercialização do artesanato, e a participação dos artesãos nestes processos equivalem às proporções apresentadas no Gráfico 1.

Este dado nos mostra claramente que a maior parte dos artesãos se concentram nas atividades de limpeza do cipó e tecelagem do artesanato. As maiores reclamações e demandas de melhorias tecnológicas são referentes a etapa de beneficiamento, que tem a limpeza como atividade mais significante. Na a etapa de extração há a maior presença de homens, por ser um trabalho pesado. Alguns artesãos declaram que carregam feixes de até 60 Kg de cipó no mato, alguns em trajetórias de 10 Km (por rios e à pé), sendo que as declarações do pré-cadastramento apontam que cada extrator fica em média 7 horas em trabalho de extração (em áreas de Mata Atlântica). As declarações dos locais de extração mostraram-se muito imprecisas, justamente devido à ilegalidade desta. Neste sentido, o trabalho de pré-cadastramento teve grande dificuldade, por ser formalmente estabelecido na prefeitura e na Epagri municipal, sendo confundido pelos artesãos como uma forma de policiamento da atividade – fato que buscou-se esclarecer na entrevista na rádio. Houve a declaração de uma artesã de que “uma das principais atravessadoras da região estava espalhando uma fofoca em relação ao cadastramento”. Alguns locais de extração indicados não apresentam uma posição geográfica clara, assim foram obtidas respostas como: “no morro, na serra do mar, no traço da BR, no mato perto de casa, em Itapoá (município vizinho), em Cubatão, na divisa em Três Barras, em Caovi, no Rasgadinho – PR”. Outros foram mais precisos, como: “na propriedade do Sr. Euclydes e do Sr. Klaus, na fazenda Sentinela (de propriedade da WEG), na fazenda Ouro Verde, em São João Abaixo - propriedade de Bernardo Bueno, na Propriedade de Maneco Preto”, e, neste caso, o fato de citar-se o nome do proprietário da terra demonstra uma maior proximidade e algumas vezes a autorização para extração, o que é pouco comum entre os artesãos.

Dentre as famílias pré-cadastradas há em média 5 pessoas por família, e destas, 3 trabalham com artesanato de cipó. Para os artesãos informantes no pré-cadastramento, o tempo de trabalho médio com cipó é de 19,3 anos, ou seja, são pessoas com experiência neste tipo de trabalho. Tais artesãos trabalham em média 6,3 dias por semana, muitas vezes mais que 10 horas por dia. Os mesmos, em suas declarações (perguntas fechadas), indicam que trabalham em média 439 Kg de cipó bruto por mês, por família; e este trabalho gera uma renda média familiar de R$ 349,09 / mês. Para 77% dos artesãos a venda é realizada para os atravessadores; cujos produtos mais vendidos são as bandejas redondas, ovais (de fundo elíptico) e em forma de coração – com fundo de compensado, que é uma forma de baratear ainda mais o preço do artesanato. De uma maneira geral o fundo é vendido ou fornecido pelo próprio atravessador, das 22 famílias cadastradas, somente uma produz os próprios fundos de compensado (ver relato posterior da metodologia “observação participante”. Dos pré-cadastramentos realizados foi possível calcular os indicadores de produção per capita, que são descritos na Tabela 1:

 

Tabela 1: Indicadores mensais do pré-cadastramento

Indicador de Produção

Valor médio mensal

Massa de cipó bruto / artesão

144 Kg

Renda média do artesão

R$ 150,72

Renda média familiar / Kg de cipó bruto

R$ 1,72

Renda média do artesão / Kg de cipó bruto

R$ 1,06

 

Há um dado importante que ainda demanda o refinamento na metodologia de “observação participante” que é a renda média do artesão / hora de trabalho, pois o tempo de trabalho por dia varia muito de família para família. Esse foi um dado considerado não confiável do pré-cadastramento, pois em alguns casos não houve resposta. Assim possibilita-se uma estimativa com base nos dados das 5 famílias mais conhecidas que a renda média é de R$ 1,31 / hora.  O Gráfico 2 demonstra a renda média do artesão / kg de cipó bruto nas famílias:

 

Ficam claros alguns pontos de dispersão, referente à família 10 e família 20, que devem ser dados incorretos, e que portanto, elevam o valor médio calculado da renda média do artesão / Kg de cipó bruto (linha vermelha - R$ 1,06). Tal dado merece maior detalhamento com a ampliação do espaço amostral da coleta de dados. Da mesma forma, o Gráfico 3 apresenta o volume processado por artesão das famílias (o valor médio é a linha em vermelho):

 

Neste caso, verificou-se que as famílias 10 e 20 não produzem um volume significativo, assim deduz-se que houve um equívoco na informação do valor de venda mensal, pois as mesmas famílias informaram que vendem seus produtos para atravessadores. No caso do Gráfico 3, verificou-se que a família 15 realmente tem alta produção, porém as famílias 17 e 21 não foram acompanhadas com maior detalhamento, portanto são dados que merecem aprofundamento.

 

 

2.2. Observação participante e detalhamento de indicadores de produção

 

No mês de dezembro de 2006 foi feita uma longa saída de campo, de duração de 5 dias, para o aprofundamento de dados e preenchimento das planilhas de acompanhamento da produção, além de reuniões na prefeitura e na Epagri. As planilhas de acompanhamento permitiram o detalhamento maior de dados relativos ao tempo de trabalho por etapa da produção e a caracterização de resíduos da cadeia produtiva.

Foram 4 as famílias acompanhadas, 1 família na etapa de extração e as 4 nas etapas de produção do artesanato. A extração ocorreu na fazenda Sentinela, e para a chegada no local foram percorridos aproximadamente 7 Km pelo rio Saí-Guaçú – de canoa, e 2 Km à pé mato adentro. Os registros de dados qualitativos foram feitos em filmes, que serão editados futuramente e utilizados nas oficinas de tecnologias produtivas (ainda em 2007-1), os dados quantitativos foram compilados em planilhas e são apresentados abaixo.

Para 100 Kg de cipó bruto estima-se que obtêm-se 10 Kg de cipó limpo, conforme as tecnologias de processamento atuais, ou seja a produtividade é de 10%. Assim os resíduos são gerados nas seguintes proporções médias:

 

Tabela 2: Caracterização de resíduos gerados no artesanato.

Etapa de Produção

Tipo de Resíduo

% relativa

Descascamento

Casca (fibra longa e escura de alta resistência mecânica, aproximadamente 7 metros de comprimento)

18,6%

Limpeza do limo

Limo (fibra média, aproximadamente 30 cm, com cor clara levemente esverdeada, impregnada com seiva)

53,5%

Passadeira

Raspa (fibra longa, aproximadamente 1 metro, clara, quase seca) e extremidades (fibras curtas, até 5 cm, clara)

9,3% e 0,9%

Secagem

Emissões gasosas de evaporação

6,1%

Acabamento

Aparas (fibras curtas, até 3 cm, provenientes dos cortes dos varões do artesanato)

0,6%

 

Não foi estimada até o momento a geração dos gases de enxofre, proveniente do branqueamento e tratamento antifúngico do cipó, que geram os gases SO2 e SO3, para as combustões pobres e ricas em oxigênio, respectivamente. Tais gases são oxidantes, podendo causar danos à saúde humana, principalmente às vias respiratórias e a corrosão de produtos metálicos (aços) que estiverem próximos aos pontos de emissão. Com base nos dados relativos da produção de resíduos foi feita a estimativa de geração de resíduos das famílias pré-cadastradas, calculadas a partir do uso (em massa) de cipó bruto por unidade de produção (família). Os resultados parciais e sua somatória são apresentados abaixo.

 

Tabela 3: Estimativa total em massa (Kg) de resíduos gerados pelos artesãos pré-cadastrados.

Tipo de Resíduo

Massa gerada Kg / mês

Casca de cipó

1.714,9

Limo

4.932,7

Raspa

857,5

Extremidades

83,0

Aparas

55,3

Total

7.643,4

 

O Gráfico 4 apresenta a quantidade de resíduos gerada por família pré-cadastrada, conforme os três tipos de resíduos mais significativos.

 

Como se viu anteriormente, entre as famílias pesquisadas, estima-se a geração de 7,6 toneladas de resíduos sólidos por mês, e que atualmente a principal forma de destinação é a queima – método não recomendado devido à geração de gases estufa. Desta forma, sabe-se que entre as emissões gasosas mais significativas na cadeia produtiva do artesanato de cipó imbé são: CO, CO2, SO2 e SO3. E que, da precipitação dos dois últimos gases pode-se gerar o H2SO4 – o ácido sulfúrico, que é altamente corrosivo. Menos agravante é o fato da geração destes diversos tipos de resíduos ocorrer de forma não centralizada, o que minimiza seus efeitos no meio ambiente pela pequena concentração em escala.

Os trabalhos de observação participante permitiram a melhor especificação de melhorias necessárias às tecnologias produtivas, bem como a melhor definição metodológica dos aprimoramentos – fato que é abordado mais cuidadosamente no artigo publicado no encontro ENSUS, intitulado em: “Sustentabilidade na Cadeia Produtiva do Artesanato de Cipó Imbé: O Enfoque Participativo no Processo de Manejo e Design”.

Outro fator importante foi a melhoria das relações entre o pesquisador e os artesãos, pois, a observação participante e a presença mensal na localidade do estudo, permitiu a ampliação da confiança, o melhor entrosamento e consequentemente a aquisição mais confiável de dados, que vem sendo expostos nesta publicação.

 

 

3. Considerações Finais

 

O melhor conhecimento sobre os dados e indicadores de produção é fundamental para o estabelecimento de estratégias metodológicas para a busca de soluções, e, em nosso caso, mediante a abordagem participativa, cujo enfoque visa a sensibilização e capacitação. Tal trabalho se estende atualmente através da pesquisa de doutorado em andamento em convênio com a PUC/RIO.

Atualmente a pesquisa se estende à proposta de novas soluções técnicas e tecnológicas, com base na geração de alternativas a partir de modelos funcionais. Assim, nesta primeira abordagem vem sendo trabalhadas: a vara de extração de cipó, o sistema de transporte do feixe de cipó e uma estufa de secagem de cipó para os dias de chuva, conforme as demandas apontadas anteriormente.

Gradativamente o retorno dos resultados parciais à comunidade de artesãos, vem contribuindo à melhoria da qualidade da participação individual, pois além de proporcionar maior credibilidade em relação ao trabalho da equipe de pesquisa, os resultados tornaram-se concretos, e seus benefícios incidem diretamente nos artesãos experimentadores envolvidos.

Considerando os indicadores verificados, novas estratégias vêm sendo estabelecidas em relação ao tratamento de resíduos, por exemplo, cujo tratamento prevê, além da recuperação dos materiais disponíveis, a capacitação técnica dos artesãos.

 

 

4. Referências Bibliográficas

 

Secretaria de Estado da Educação - SEDUC/SC. Grande Enciclopédia Catarinense: Garuva. Volume 1. Editora Ana Paula. Guaramirim-SC. 2004.

TONICELO, Roberta H.S. Diagnóstico para Aplicação do Design de Sistema Produto no Artesanato de Fibra de Cipó Imbé da Comunidade de Artesãos de Garuva – SC. Trabalho de Conclusão de Curso. DDE / CEART / UDESC. 2004.

TONICELO, Roberta H.S.; ANTUNES, Douglas L.; SIMÕES, Mauro De Bonis A. 2005. Economia Solidária e Design Integral: Uma Experiência com Artesãos do Cipó Imbé de Garuva (SC, BRASIL) in: Anais do III Encontro Internacional de Economia Solidária: Desenvolvimento Local, Trabalho e Autonomia. NESOL – USP, Novembro. São Paulo, SP.

VENTURI, Silvia; ZAMBONIM, Renata M.; ANTUNES, Douglas L.; TONICELO, Roberta H.S.; SIMÕES, Mauro De Bonis A. Pôster: O Artesanato de Cipó Imbé em Garuva, SC: Uso de Ferramentas Participativas (linha do tempo) na Retrospectiva da Atividade com Cipó. Anais do VI Simpósio Brasileiro de Etnobiologia e Etnoecologia (UFRGS). Porto Alegre – RS. 2006.

  

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              CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE TEATRALIDADE

 

 

                                                                                             Prof. dr. Edelcio Mostaço[279]

 

 

Palavras-chave: teatro brasileiro, teatro jesuítico, Missões, teatralidade.

 

Resumo: o presente texto aborda a questão da teatralidade, importante conceito aqui aprofundado como opção metodológica para subsidiar a pesquisa em curso. Percorre as noções de mimetismo, jogo e representação na antropologia, na sociologia e na história, procurando destacar vínculos aproveitáveis para a percepção e a análise estética.

 

 

          A noção de teatralidade é complexa, a despeito de sua aparente simplicidade em constituir-se como um substantivo urdido a partir do adjetivo teatral. Em sua acepção comum e mais divulgada, a teatralidade designa algo levemente ostentatório ou arbitrariamente empreendido para gerar um efeito. Uma sala de estar que desperte tal menção significa que aparenta ser cenográfica; assim como, tratando-se de uma pessoa, se afetar um comportamento algo exagerado, solene ou demasiadamente polido e cortês.

          Constantin Stanislávski usava o termo para designar atores caricaturais, falsos, empolados ou cujas expressividades soassem distante do verdadeiro ou do natural, evidenciando possuir por padrão artístico de referencia o verossímil – o que inclinava sua acepção de teatralidade como depreciadora. Vsevoldod Meyerhold, ao propugnar o teatro teatral por ele forjado, insistia em destacar na cena exatamente sua característica construída, artística, resultado de signos inflados de significação que poderiam, facilmente, ser tomados como símbolos. A teatralidade, nessa acepção, surge valorada positivamente, como uma virtude artística.            

         Recorrer à evolução desse conceito pode ajudar a compreensão, em maior escala, da oscilação dos significados que conheceu e acumulou. Querendo exprimir “conformidade de uma obra dramática às exigências fundamentais da construção teatral”, o dicionário francês Petit Robert registra o termo a partir de 1842; deixando claro o tipo de consciência dos teóricos daquele momento em relação ao que fosse o teatro. Ou seja, como herança legada desde a Renascença, era o texto o elemento definidor mais proeminente para designar o fenômeno teatral. Essa crença foi alcunhada de textocentrismo, por depositar nas palavras ou no espírito do autor não apenas o reconhecimento da autoria, como, com ênfase maior, que era ele o verdadeiro e único agente criativo ou criador no âmbito cênico.

         Retroativamente, o rasto dessa sacralidade impregnando o texto teatral leva-nos a perceber suas iniciais manifestações junto aos doctes e connaisseux, grupos organizados em cabalas no coração do século XVII, agindo para valorizar os autores de tragédias e comédias em detrimento das demais manifestações cênicas adjacentes, como a comédia-balé, a farsa, os divertimentos, as mascaradas e, sobretudo, a commedia dell’arte, todas consideradas traquinagens eivadas de uma espontaneidade que, rebeldes às classificações, encontravam-se fora do alcance da Academia de Arte. O autor teatral, desde então, passou não apenas a ser reconhecido e aplaudido como, e talvez seja esse o aspecto crucial da questão, remunerado. Escrevendo sob contrato, fornecendo originais a essa ou aquela companhia, difundia e responsabilizava-se por um selo de qualidade que, com o tempo, conferiu um perfil distintivo às diferentes casas de espetáculos, sedimentando um sem número de convenções que, aos poucos, tenderam a se cristalizar.[280] 

         Tal é, portanto, o tipo de “conformidade à arte teatral” requerida pela teoria teatral na época do Petit Robert. O lento desenvolvimento da encenação, na segunda metade do século, foi impondo, paulatinamente, novos horizontes à consideração dos teóricos e do público, fazendo retornar o espírito do autor para junto de seus restos mortais. Quem poderia zelar pelo espírito de Shakespeare, de Racine, de Voltaire – senão os críticos positivistas, os mais ferrenhos detratores da nascente encenação? Fortemente vinculada ao naturalismo, através de André Antoine, a encenação surgiu para contrapor-se a diversos exageros presentes nos palcos do período, como os monstros-sagrados, os cenógrafos de gabinete e os gêneros ligeiros que acaçapavam o gosto das platéias com seus rompantes de exibicionismo e excentricidades.

        

 

 

Arte e vida

                

         Refazer a trilha percorrida pela noção de teatralidade implica em dimensioná-la nos distintos contextos onde foi empregada. Em 1908 o dramaturgo e encenador russo Nicolai Evreinov (1879-1953) postulava, em sua obra Apologia da Teatralidade, a existência de um instinto teatral inerente aos animais superiores, querendo designar a capacidade mimética de jogo que manifestam. O ser humano, nessa acepção, seria o mais apto a desenvolvê-la em modo reflexivo, tomando tal princípio como uma das dimensões mais acalentadas pela espécie humana:

 

 “o homem possui um instinto inesgotável de vitalidade, sobre o qual nem os historiadores, nem os psicólogos, nem os estetas jamais disseram a menor palavra até agora. Refiro-me ao instinto de transfiguração, o instinto de opor as imagens recebidas de fora, as imagens arbitrariamente criadas de dentro; o instinto de transmudar as aparências oferecidas pela natureza em algo distinto. Em resumo, um instinto cuja essência se revela no que eu chamaria de ‘teatralidade’.[281]

 

          Prossegue o autor, destacando as características inatas desse impulso que se encontra na base de todas as transfigurações experimentadas pelo ser humano, em todas as épocas. “A teatralidade é pré-estética, ou seja, primitiva e de caráter mais fundamental que nosso sentido estético. (...) Quando um selvagem fura o nariz e nele introduz um osso de baleia não o faz com o propósito de espantar seus inimigos ou para produzir maior efeito na guerra, senão pela pura alegria da auto-transfiguração.”[282]

           Ao longo da década de 1930, quase simultâneos e, aparentemente, sem conhecer as pesquisas um do outro, dois estudiosos enveredaram pelo território do jogo e suas funções culturais. O primeiro é o antropólogo Marcel Jousse, discípulo de Bergson, Levy-Bruhl e Marcel Mauss, orientado para a compreensão do universo pré-lógico da mente humana a partir dos fenômenos culturais. Para ele o mimetismo ocupa um papel fundamental junto a toda e qualquer pedagogia, poderosa força de construção quanto à imersão da criança na esfera cultural, desde a fala até os gestos. Assim, aquilo que vemos e não podemos deixar de ver, aquilo que ouvimos e não podemos deixar de ouvir, não se detêm em nosso ouvido ou nosso olho, mas irradia-se por todo nosso corpo, no composto humano que somos. Nosso corpo é, pois, uma espécie de argila biológica onde se imprime o universo que nos rodeia e que imediatamente absorvemos e exprimimos, em modo reflexivo.

         Razão pela qual o jogo ocupa papel central nessas considerações, pois o pensamento supõe a introjeção (intussuscepcion) da realidade, assim como sua reprodução mediante o uso de todo o corpo, como fazem espontaneamente as crianças quando jogam, pois o corpo é inteligente e exprime pensamentos: “não é o gesto que sublinha o pensamento, mas sim o gesto que suscita o pensamento”, afirma ele.[283] A interação com o universo que o rodeia, a aprendizagem da língua, da leitura, do desenho, da escritura, bem como o desenvolvimento cerebral  bifásico e trifásico constituem, para Jausse, desdobramentos dessa capacidade mimética inerente ao ser humano, princípios que a educadora Maria Montessori irá explorar e empregar ulteriormente.  

         O segundo pesquisador do jogo é Johan Huizinga. Em sua muito divulgada obra Homo Ludens afirma: “é no mito e no culto que têm origens as grandes forças instintivas da vida civilizada: o direito e a ordem, o comércio e o lucro, a indústria e a arte, a poesia, a sabedoria e a ciência. Todas elas têm suas raízes no solo primeiro do jogo.” [284]

          Ao contrário do “instinto” preconizado por Evreinov e do mimetismo co-genial defendido por Jausse, o jogo é, para o pensador flamengo, uma atividade livre, arbitrária, podendo a qualquer hora e tempo ser suspenso ou interrompido no confronto com o real: “trata-se de uma evasão da vida real para uma atmosfera de atividade com orientação própria. Toda criança sabe perfeitamente quando está ‘fazendo de conta’ ou quando está ‘só brincando’”, conclui Huizinga.[285]   

     Uma interação mais complexa dessas noções ligadas ao mimetismo e ao jogo será encontrada nas teorias de D.W. Winnicott, psicólogo inglês criador da chamada psicologia transacional. Pra ele o bebê, desde os primeiros dias de vida, passa a delimitar o que é (seu próprio corpo) e o que não-é (o mundo exterior), criando relações ou transações. Esse processo complexo implica várias fases ou estados anímicos desenvolvidos pelo infante, indo de sua capacidade de reconhecer objetos como “não-eu” até procurar e localizar objetos e pessoas que se encontram fora dele, dentro ou na zona de fronteira entro o dentro e o fora. Esse processo estrutura-se através de jogos sucessivos e incrementa a capacidade do infante em criar, imaginar, inventar, originar ou produzir tais objetos transacionais, entendendo-se aqui por objetos também as pessoas e o mundo que o rodeiam. “Introduzi os termos ‘objetos transacionais’ e ‘fenômenos transacionais’ para designar a área intermediária da experiência, entre o polegar e o ursinho, entre o erotismo oral e a verdadeira relação de objeto, entre a atividade criativa primária e a projeção do que já foi introjetado, entre o desconhecimento primário de dívida e o reconhecimento desta (Diga: “bigado”)”, conclui ele em sua obra O Brincar e a Realidade.[286] 

          Desde a mais tenra infância, portanto, o ser humano está às voltas com os fenômenos concernentes à representação, de si mesmo e do mundo, articulando diferentes modos de mimetizar o real e com ele interagir.

         O sociólogo Erving Goffman tornou célebre seu estudo dedicado ao desempenho dos papéis sociais, as funções representacionais que as sociedades complexas engendram, sob a rubrica de “teoria do personagem”. Seu enfoque recaiu, especialmente, sobre o sutil e indispensável sentido de representação que perpassa os desempenhos profissionais: o médico, o engenheiro, o vendedor, entre outros, necessitam transmitir confiança e credibilidade aos clientes e consumidores, sob pena de não sobreviverem em suas áreas de atuação. Tais representações na vida cotidiana dão corpo à teatralidade e à dramatização inerentes à própria vida social, uma nova dimensão da auto-apresentação dos indivíduos entre si, atando fortemente os laços da interatividade.

         Após destacar o papel e a função fundamentais de jogo perpassando essas práticas da interação social e as relações inter-subjetivas que desencadeiam, Goffman conclui:

 

“as perspectivas política e dramatúrgica entrecuzam-se claramente no que diz respeito à capacidade que um indivíduo tem de dirigir a atividade de outro. Em primeiro lugar, se um indivíduo tem de dirigir outros, muitas vezes julgará útil guardar deles segredos estratégicos. Além disso, se um indivíduo tenta dirigir a atividade de outros por meio de exemplos, do esclarecimento, persuasão, intercâmbio, manipulação, autoridade, ameaça, punição ou coerção, será necessário, qualquer que seja sua posição de poder, transmitir eficazmente o que deseja que se faça, o que está preparado para conseguir que seja feito e o que fará, caso isso não seja cumprido. Qualquer tipo de poder deve estar revestido de meios eficientes que o exibam, e terá diferentes efeitos, dependendo do modo como é dramatizado.”[287]  

 

         Num emblemático conjunto de ensaios denominado O mundo como teatro[288], Peter Burke reconheceu a importância dos assentamentos de Goffman, preconizados, como se sabe, por Thorstein Veblen e sua A teoria da classe ociosa. Para encetar esse finíssimo diagnóstico sobre o comportamento das elites, onde o “consumo ostentatório” surge como um traço quer de distinção quer de emulação social, Veblen valeu-se das anotações realizadas por Franz Boas em seu estudo sobre os Kwakiutl, tribo habitante da região de Vancouver nas primeiras décadas do século XIX. Cultivavam eles um modo de potlach, através do qual, ao se desfazerem de certos objetos considerados símbolos de riqueza, desafiavam os rivais a também se desfazerem dos seus, um modo assaz curioso de ostentar riqueza ainda que, aparentemente, através de seu desdém.

     Para analisar certos ritos vigentes entre a elite do norte italiano do século XVII Burke refaz esse itinerário sociológico, concentrando sua atenção sobre a “obrigação de viver com fasto” (a ostentação como signo maior da riqueza), o “controle da impressão” (fazer-se retratar nas pinturas em certas atitudes compostas e cercado de alguns objetos associados à dignidade ou animais empregados na caça, como falcões, cavalos e cães), e também aquilo então denominado “quem fala que língua a quem e quando” (não apenas uma teoria do discurso como, notadamente, o emprego de astúcia na seleção do modo de falar, entre os vários disponíveis, manejando qual o mais adequado a tal ou qual situação).

     “Tomar de empréstimo conceitos também é útil, mas mais perigoso. É preciso saber modificá-los, quando necessário, porque podem adaptar-se às diferentes situações. No entanto, sem tais conceitos teria sido impossível superar certos problemas do passado”, adverte Peter Burke ao resumir as correlações possíveis entre a sociologia e a história.[289]  

     É uma forma de dramatização social, portanto, que vamos encontrar na base da teatralidade praticada em todas as instâncias da vida socialmente organizada. Ela não foi, historicamente, um traço exclusivo das sociedades da Itália, podendo ser captada em outras latitudes, como fez José Antonio Maravall ao discorrer sobre as sociedades barrocas da Espanha, nelas surpreendendo certas singularidades que, típicas do século XVII, correspondiam a perfis estruturais daquele contexto, como o adensamento populacional e a urbanidade, os contrastes sociais entre classes, o dirigismo empregado na política, na religião e na arte, a função da “conveniência” como parâmetro regulador das relações inter-pessoais. Isso lhe permitiu concluir:

 

Na cidade barroca levantam-se templos e palácios, organizam-se festas e mais festas e montam-se deslumbrantes fogos de artifício. Os arcos de triunfo, os catafalcos para as homenagens fúnebres, os cortejos espetaculares – onde se vêem, senão nas grandes cidades? Nela existem Academias, se celebram certames, circulam folhas volantes, pasquins, libelos, escritos contra o Poder, ou por ele inspirados. Nela se constroem – grande novidade do tempo – lugares para teatro, e a população acorre a representações cênicas que têm em si a mais enérgica ação definidora da Cultura barroca. Nesses termos, a criação moderna do Teatro barroco, obra urbana pelo seu público, fins, recursos, é o instrumento por excelência da cultura da cidade. [290]     

 

 

         A percepção do estatuto dramático, bem como seus desdobramentos espetaculares – engrandecidos e adubados pela alta complexidade do século XX – em ação no conjunto das sociedades pós-industriais, mas agora enfatizado pelos efeitos do capital e pelas conseqüências abertas no rumo desenfreado do consumo de mercadorias, permitiu a Guy Debórd evocá-las sob a chancela de sociedade do espetáculo. Assoberbadas por desmesurada quantidade de imagens trespassando-as, as sociedades pós-modernas tendem a se calcarem inteiramente sobre a aparência, tornando o real um pseudomundo à parte, objeto de mera contemplação. “O espetáculo em geral, como inversão concreta da vida, é o movimento autônomo do não-vivo” ou  “o espetáculo é o capital em tal grau de acumulação que se torna imagem”, sustenta Debórd.[291] Afetando simultaneamente as noções de tempo, de espaço, desfazendo a distinção entre o público e o privado, assenhoreando-se das ideologias para torná-las difusas e configuradas em novas imagens que retroalimentam o sistema,

 

a unidade irreal que o espetáculo proclama é a máscara da divisão de classes sobre a qual repousa a unidade real do modo de produção capitalista. O que obriga os produtores a participarem da construção do mundo é também o que os afasta dela. O que põe em contato os homens liberados de suas limitações locais e nacionais é também o que os separa. O que obriga ao aprofundamento do racional é também o que alimenta o irracional da exposição hierárquica e da repressão. O que constitui o poder abstrato da sociedade constitui sua não-liberdade concreta.[292]  

 

         É nesse sentido que a teatralidade – destacada até este momento através de suas características enquanto jogo psicológico e alguns exemplos históricos – veio sulcando o desenvolvimento do ser humano e das sociedades em modo fértil, capaz de engendrar múltiplos e divisões de si mesma, compondo uma dimensão da vida social, a representação mesma da estrutura social. O teatral parece guardar, nesta perspectiva, um estatuto genético e funcional de procedência, decorrência do próprio dinamismo da cultura, onde o mimetismo, o jogo e a representação constituem impulsos que encontram nas práticas sociais canais de manifestação. Ele é tomado, portanto, como um núcleo organizado de mecanismos de produção de efeitos simbólicos, facetas que a corporificação adquire no tempo e espaço das sociedades históricas. Adquirindo o formato de uma metonímia (a parte pelo todo) ou a prevalência adjetiva sobre a substantiva, a teatralidade é tangível enquanto cumulação do que é teatral.

  

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O Conceito Schenkeriano de “Organicidade” e a Sonata K533 de Mozart

 

 

 

Guilherme Sauerbronn de Barros[293] e Cristina Capparelli Gerling[294]

 

            A obra de Schenker convida a uma reflexão histórica sobre o apogeu do pensamento tonal e sua relação com as técnicas de contraponto. Embora prioritariamente associado ao pensamento harmônico funcional, o repertório tonal requer para sua interpretação uma compreensão dos processos contrapontísticos empregados para apresentar, manter e resolver as dissonâncias em vários níveis. Portanto, desconsiderar o contraponto presente nas obras do alto classicismo significa traduzir uma língua sem o conhecimento dos códigos apropriados e pode acarretar a perda da vitalidade original, improvisatória, deste repertório. Os artigos que examinaremos a seguir fazem parte do segundo volume do anuário Das Meisterwerk in der Musik, (1926) e serão acompanhados de uma reflexão histórica sobre a sonata K533 de Mozart.

1 – A Organicidade na Forma Sonata (Vom Organischen der Sonatenform)

"um poema ou mesmo uma outra obra de arte resulta da Idéia do todo e não pode ser composta de uma maneira meramente atomística." (Schlegel, Philosofie der Sprache und des Wortes. KA, XVIII, P.367-368 in Suzuki, 1998, p.205)

            No início do artigo sobre A Organicidade na Forma Sonata, Schenker é categórico:

"Ao conceito de forma sonata, conforme os teóricos ensinaram até hoje, falta precisamente o principal - a noção de organicidade - que determina o surgimento das vozes a partir da unidade da tríade fundamental, i.e., o desdobramento da Urlinie e o arpejamento do baixo. A percepção desta característica do acorde fundamental é privilégio dos gênios, que a Natureza graciosamente lhes concedeu. (...) Tal sentimento não pode ser alimentado artificialmente; em outras palavras, somente a criatividade baseada na improvisação pode garantir a unidade do processo composicional. Portanto, o conceito de forma sonata, para fazer jus ao geral, deve incluir o seguinte: o todo deve originar-se da improvisação, caso contrário trata-se apenas de uma mera colagem de partes independentes e motivos, segundo um conjunto de regras."[295]

            Nesta passagem deparamos com o conceito de improvisação, ao qual Schenker recorre para explicar o modo segundo o qual a forma orgânica brota das mãos do gênio[296]. Este conceito não deve ser compreendido meramente no sentido corrente, como "improviso", i.e., criação e execução simultâneas de uma peça. Não, em Schenker este termo adquire um significado profundo e diz respeito à composição musical segundo os princípios universais da estrutura fundamental - em oposição à simples obediência a regras criadas artificialmente.

 

1.1 – O gênio e a organicidade da arte

            Conforme ensinou Kant, o gênio é a faculdade através da qual a natureza fornece as regras à arte e “consiste, propriamente, num feliz acordo entre a imaginação e o entendimento, que nenhuma ciência pode explicar, que não se pode adqüirir mediante nenhum ofício.” (C.J., §49) Portanto, Kant apenas aponta para o processo, mas não pode explicá-lo efetivamente. O mesmo ocorre com Schenker: "Eu não me atreveria a explicar como a inspiração chega até o gênio, a declarar com certeza qual porção do nível intermediário ou do nível externo se apresenta primeiro à sua imaginação: os derradeiros segredos permanecerão eternamente inacessíveis para nós."[297]

            Diante da impossibilidade de expor positivamente a mágica da criação artística, Schenker caracteriza o modus operandi do gênio como improvisação. No artigo sobre a forma sonata, no qual examina a Sonata em Gm Hob XVI,            Schenker descreve Haydn: "A linha fundamental [Urlinie] e o arpejamento do baixo [Bassbrechung] governavam-no com um poder instintivo, e, a partir deles, desenvolveu uma engenhosa capacidade para criar tensão ao longo de uma obra, como se esta fosse uma entidade."[298] Após demonstrar que o primeiro e o segundo temas da sonata, apesar das diferenças superficiais, foram construídos sobre estruturas análogas - arpejamentos do baixo em processo imitativo - Schenker pergunta: "poderia Haydn ter desenvolvido esses dois arpejamentos sem um impulso improvisatório a mostrar-lhe o caminho? (...) Onde, na obra de um não gênio, poderíamos encontrar tal poder de coesão, semelhante arpejamento que conecta diversos elementos da forma em um só todo?"[299]

1.2 – O Intérprete e a Improvisação

            Schenker confere à interpretação a importante função de comunicar o conteúdo da obra: "Terá, alguma vez, uma interpretação desta sonata impresso este milagre em nossos corações?"[300] O "milagre" da organicidade do todo e das partes, deve, portanto, ser revelado na interpretação, apresentação (expositio) da obra.

            Porém, para que isso ocorra, é necessária uma participação intensa do intérprete e um uso genial de sua criatividade:

"Mas, para conceber algo [a nível de interpretação] que se equipare ao plano mais elevado da criatividade musical, é necessário o conceito de um espírito genial que, criado secretamente a partir do nível fundamental de uma Ursatz, domina todos os arpejos dos muitos acordes individuais e todas as diminuições das progressões lineares.

   E ainda assim, obviamente, esta interpretação da idéia do compositor é apenas eventualmente satisfatória: uma obra musical aparece, para o leitor ou executante, apenas como nível externo, e este é, por assim dizer, análogo ao presente e à vida cotidiana. Assim como é geralmente difícil compeender o significado de um evento no presente se não tivermos consciência do seu background no passado, assim também é difícil para um executante ou leitor compreender o presente de uma obra musical sem ter consciência do seu nível fundamental. Assim como as exigências do dia-a-dia empurram-no ora para um lado ora para o outro, o nível externo de uma obra musical faz o mesmo com ele: a cada mudança de acorde, a cada diminuição, cromatismo ou nota vizinha, tudo lhe parece novo e cada novidade o afasta para longe da coerência do nível fundamental."[301]

            O intérprete que não é capaz de perceber o nível fundamental da obra e ainda não descobriu o seu próprio fundamento (background) é duramente criticado por Schenker: "Aqueles que buscam temas e melodias na sonata, como se buscassem momentos de prazer na vida, estão assumindo uma posição baseada num modo de vida vulgar da vida cotidiana. O leigo aspira por melodias em busca de gratificação imediata. (...)"[302]

            Sua crítica se estende ainda aos teóricos de seu tempo: "A melodia, da maneira equivocada que a concebem o leigo e os teóricos, nasceu do estabelecimento das menores relações na arte; a sonata, em contrapartida, representa competência no maior dos mundos imagináveis no relacionamento tonal, na era de seu maior desenvolvimento."[303]

            Os "motivos" e as células temáticas, extremamente importantes na visão de outros teóricos, são, para Schenker, resultado das "diminuições", cuja principal função é prolongar a estrutura fundamental.

"As  chamadas melodias, temas e motivos dos teóricos anteriores não apontam o caminho para a forma sonata. Aquilo que deveria ser compreendido como motivos-diminuições da forma sonata foi apresentado nos exemplos acima, juntamente com muitos outros. Estes consistem, independentemente do escopo da obra, em arpejamentos, acoplamento de oitavas e unidades em níveis mais altos, estabelecidas por repetição, como, por exemplo, as notas vizinhas [bordaduras] nas figuras 3 e 5 e nas figuras 4h e 4g, e assim por diante. Porém, sem uma compreensão dos motivos neste sentido, o escopo e a abrangência da improvisação, a única capaz de criar coerência orgânica na forma sonata, jamais se realizaria."[304]

            Portanto, o cerne da crítica de Schenker aos teóricos de seu tempo é justamente a ausência de gênio - e de improvisação - na obra desses autores. Não apenas as análises realizadas a partir das teorias correntes, mas as obras compostas segundo os tratados de composição convencionais são, na visão de Schenker, estruturas mortas, cadáveres desprovidos da chama vital que somente a verdadeira arte do gênio possui.

            O artigo seguinte, sobre a organicidade da fuga, torna-se particularmente interessante se lido em conjunto com o anterior. Além de desenvolver o tema da organicidade em outro contexto, Schenker dá relevo à afinidade das formas musicais, uma vez que, tanto a fuga como a sonata compartilham um mesmo fundamento - o nível fundamental - e nascem através de um mesmo processo - a improvisação genial.

 

2 – A Natureza Orgânica da Fuga como Demonstrado na Fuga em Dó menor do Cravo Bem Temperado de J.S. Bach, livro I (Das Organische der Fuge aufgezeigt an der I. C-Moll-Fugeaus dem Wohltemperierten Klavier von Joh. Seb. Bach)

            Se no artigo anterior Schenker não nomeava diretamente os teóricos que tanto criticava, neste artigo, ao contrário, os alvos de seus ataques estão todos claramente identificados: F.W. Marpurg (1718-1795), A.B. Marx e Hugo Riemann são os mais conhecidos; Wilhelm Werker, Wolfgang Graeser e Carl van Bruyck, completam o time.

            O artigo começa com uma longa citação de Schumann. As atividades de compositor, editor musical, editor literário, a formação abrangente, que incluía de Jean Paul e Hoffman a Schlegel, conferem à produção crítica de Schumann brilho, profundidade e alcance dificilmente encontrados em outros autores.

            O artigo de Schumann, sobre as fugas de Mendelssohn, trata justamente da distância existente entre as regras propostas pelos métodos escolásticos que ensinam a compor fugas, como o de Marpurg por exemplo, e aquilo que se pode verificar nas fugas de Bach. Schumann comenta ainda que obras criadas a partir desses métodos são caricaturas grotescas de uma arte que se perdeu no passado. Mendelssohn, entretanto, teria conseguido realizar algo menor, porém digno, em seus Prelúdios e Fugas op.35.

Schumann aponta três atitudes básicas diante das fugas: a primeira, é a do ouvinte que repudia essa forma, fugindo sempre que possível da execução deste tipo de obra; a outra é a do estudante de composição que se baseia nos tratados e, por conta disso, considera as fugas de Bach, Beethoven e Haendel imperfeitas porque demasiadamente livres; por fim, Schumann se confessa partidário de uma terceira atitude, a daqueles que se “deliciam por horas nas fugas de Bach, Beethoven, Haendel”[305] e que não acreditam que, no presente, seja possível voltar a compor fugas.

            Todavia, Schumann reconhece o valor relativo das fugas de Mendelssohn, que ele compara a singelas “flores”, se consideradas ao lado das “florestas de carvalhos gigantes” que Bach cultivou. Schenker, aproveitando esta imagem, dirá que Marpurg, com sua visão estreita, baseada em regras artificiais, “não tem noção da ‘flor’ que Schumann viu.”[306] Ele diz ainda que a fuga, “assim como todas as outras formas de vida, segue seu próprio curso.”[307]. A variedade de imagens orgânicas que Schenker utiliza é marcante: ele fala em “organismos fugais”[308], explica que a “vida da tríade”[309] decorre do desejo ou da necessidade desta manifestar sua vida na dimensão horizontal e aponta a existência de “harmonias naturais” que emergem do nível fundamental no momento da criação e das quais, por sua vez, brotam as melodias que ornamentam o nível externo[310].

            O foco de Schenker neste artigo, diferentemente do anterior, não está tanto no compositor que cria a partir da improvisação, mas na própria música enquanto entidade orgânica. A percepção da unidade viva que é uma fuga contrasta com outras interpretações analíticas:

"Como pode tal interpretação [a de Bruyck] e outras do mesmo tipo diferir tão absolutamente da minha? Será que a diferença está apenas na terminologia, ou estará para além desta ou daquela 'teoria' e depende de um modo completamente diferente de escuta? Um autor escuta três seções; eu, apenas uma. Outro ainda escuta notas vibrando, intensificação e efeito poético; eu ouço uma linguagem racional de sons, mais racional do que a própria linguagem falada. E, se aplicada à fala, poderá alguém conceber tal diferença nos modos de escuta? Deixo que o leitor tire suas próprias conclusões."[311]

3 – Bach, Mozart e a Sonata K533

Ao mudar-se para Viena Mozart renovou seu conhecimento com o Barão von Swieten[312], médico da imperatriz. O barão, em suas visitas a Frederico da Prússia, trouxera muitos manuscritos do então olvidado Johann Sebastian Bach, entre estes o Cravo Bem Temperado. No final dos anos 1780, este músico amador organizou uma Sociedade de Associados[313] para nobres amantes da música. Os encontros aconteciam com regularidade nas manhãs de domingo na biblioteca imperial de Viena e um quarteto de cordas, no qual Mozart tocava viola, apresentava transcrições encomendadas pelo Barão.

Enquanto transcrevia fugas de Bach, Mozart conheceu também a Arte da Fuga e a Oferenda Musical, além de obras para órgão. Visto que a maioria dos prelúdios cujas fugas o barão solicitava transcrições não se adaptavam à escrita para cordas, Mozart não só escreveu novos prelúdios, mas procurou ativamente estabelecer pontos de união entre os prelúdios e as fugas; suas transcrições, portanto, não são fiéis e contêm introduções. O resultado desta atividade assinala a integração entre o contraponto bachiano e a prática composicional do final do século XVIII[314]. O amálgama de recursos contrapontísticos, processos motívicos e a qualidade discursiva e dialogante das composições fornecem os elementos que definem o apogeu do estilo clássico. A partir do estudo das obras de Bach e Händel por Mozart e Haydn durante os anos 1780, passagens explicitamente contrapontísticas integram-se sem costuras ou emendas aparentes ao restante da trama musical, ou melhor dizendo, parecem ser a razão de ser dessas obras.

O processo composicional de Bach passa a ser estudado ou revivido por Mozart, conforme atesta a carta endereçada à irmã Constanze, na qual faz referência à composição da Fantasia e Fuga K.394: “Iniciei pela fuga e a escrevi enquanto pensava no prelúdio. Penso que só você poderá lê-la porque a escrita está tão miúda; espero ainda que goste. Da próxima vez vou enviar alguma coisa melhor para teclado”[315]. Mozart deixou inúmeras fugas para um e dois pianos inacabadas, que, segundo Alfred Einstein, não são obras magistrais, mas estudos de composição[316]. De fato, nas sonatas para piano escritas em Viena podemos observar a profusão de processos contrapontísticos empregados.

Neste sentido, desejamos convidá-los a pensar que a língua musical falada por Bach é compartilhada ainda mais proximamente por Mozart a partir de sua mudança para Viena e que este compartilhamento torna-se evidente nos processos contrapontísticos amalgamados ao discurso musical. Ao transcrever as fugas, Mozart não comenta as diferenças estilísticas ou as décadas que o separam de seus predecessores, mas preenche esta lacuna com sua própria música, nos seus próprios termos. Afinal, a base tonal é exatamente a mesma, somente os artifícios mudaram.

É importante notar que, em certa medida, o pensamento polifônico já se encontra presente nas primeiras sonatas de Mozart, visto que o preenchimento da linha do baixo através de processos contrapontísticos constituía uma prática habitual[317]. Convém, no entanto, reparar na atmosfera mais grave, no contraponto mais explicita e sistematicamente trabalhado destas últimas obras: as amabilidades ficam reservadas para os rondós finais. Assim como qualquer compositor de sua época, Mozart internaliza e trabalha uma proporção harmônica de longo alcance, mas as partes são determinadas por elementos diretamente extraídos das práticas contrapontísticas. Se nas primeiras sonatas este trabalho infunde leveza e graciosidade, nas sonatas K 457, K 533, K 494 e K 570, encontramos um elevado nível de abstração e densidade. O frescor e a vitalidade destes processos composicionais retornam no seu aspecto mais linearizado na Sonata K 576.

Aludindo à invenção do classicismo, convém pensar que Mozart, retratado como o primeiro compositor romântico por E.T.A.Hoffman[318], foi o primeiro de uma longa lista de compositores em busca de uma ligação com J.S.Bach e que, ao fazê-lo, produziram suas composições mais memoráveis como resultado deste diálogo atemporal.

 

 

4 – Conclusão

O Allegro da Sonata K533 pode ser considerado praticamente uma “sonata-fuga” e traz à tona uma característica fundamental do pensamento schenkeriano: o pensamento tonal – que manifesta sua organicidade através da improvisação genial – está para além das barreiras formais e estilísticas; fuga e sonata representam o apogeu da forma em diferentes momentos (no início e no final do século XVIII), mas estão conectadas por um mesmo substrato tonal. Na sonata K533 “a natureza polifônica da fuga e a natureza homofônica da sonata”[319] encontram-se para dar vida a uma obra particularmente rica. Mozart, neste caso, não é apenas o gênio, mas o estudioso das obras de Bach.

  

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VINHO SABER: ARTE RELACIONAL EM SUA FORMA COMPLEXA1

 

                                                                                              Prof. Dr. José Luiz Kinceler2  

 

 

Palavras-chave:  Arte Relacional Complexa,  reinvenção do cotidiano, produção de subjetividade

 

 

Resumo: Este artigo tem por meta divulgar a pesquisa realizada sobre arte relacional3  em sua forma complexa4. Esta entende que o fazer arte passa a ser uma atitude ético-estético capaz de ao identificar oportunidades no contexto social, utilizar os referentes de outros campos representacionaisao, provocar descontinuidades crítico-reflexivas na realidade, assim como instalar processos de convívio, que permitam a reinvenção do cotidiano e a produção de novas subjetividades.

 

 

Revendo a produção de sentido

Como reconhecido atualmente, provocar acontecimentos que produzam sentido é de vital urgência para quem está preocupado em gerar proposições em arte que sejam condizentes com nossas necessidades de Representação5.

            Na medida em que cada contexto cultural amplia a visão de si mesmo, novas formas de representação em arte fazem com que o ato criativo ative atos contínuos de desconstrução6 daquilo que tem pretensão de se instalar na realidade como verdade. Sua forma de atuar reflete um espaço-tempo inserido na realidade que causa uma desestabilização nas regras do jogo representacional.  Isto significa abrir o processo criativo a outras estratégias e táticas criativas que provoquem acontecimento, produção de subjetividades que resistam a formas de representação massificadas onde o imaginário do individuo é produzido via imagens calcadas no aparentar. Em fim novas formas em arte que forjem experiências na vida, catalisem acontecimentos7, ampliem nossa visão e conhecimento de qualquer tema a partir de estratégias criativas que reinventem o cotidiano.

                  Com este processo acelerado e contínuo de pasteurização do coletivo e homogeneização da cultura, assistimos a disseminação avassaladora de uma forma de vida fundado numa sociedade estruturada pelo consumo que leva o imaginário do individuo a ser formatado pela lógica da imagem sedutora. Frente a esta constatação nos vem a pergunta: Como o sujeito se reinventa e produz novos sentidos?  Aqui está a diferença básica e fundamental que insere a arte relacional em sua forma complexa num tipo de representação em arte que desborda limites de exclusão entre arte e mundos de vida possíveis. Uma proposta de arte relacional complexa não está preocupada em criar qualquer tipo de objeto artístico que represente, ou seja, que esteja no lugar de qualquer referente, ou que seja específica por si mesma, obras objetos onde o fluxo de sentido se esgota no exercício de uma breve contemplação reflexiva. Em sua forma complexa a estrutura da proposta provoca descontinuidades a partir de situações reais na qual a ordem simbólica tem a possibilidade de ser questionada a encontrar outros modos de habitar melhor este mundo.  Neste sentido, “Vinho Saber” se formou a partir de estratégias8 criativas estruturadas para ativar o encontro entre experiências de vida aparentemente distantes. O dispositivo relacional que acionou esta proposta foi a troca de saberes. Saberes que formam a subjetividade de diferentes sujeitos e que em nossa atual condição e momento correm o risco de se verem aprisionados frente a formas de representação pautadas em desestimular o tempo dedicado a construção de experiências que produzam sentido.

            Para dar forma ao encontro relacional “Vinho Saber”, propriamente dito, um mês antes da data marcada para a troca de saberes, pedi a oito colaboradores de diversas áreas, professores universitários, artistas, sommelier, fotografos, agricultores e outros, que dessem um depoimento sobre a importância do saber ou do vinho em suas vidas. Os depoimentos foram gravados no próprio local da exposição com toda a instalação especialmente montada para as filmagens daquele dia. Estantes equilibradas por garrafões de vinho, garrafinhas em cerâmicas, livros já doados dispostos no porta-garrafas ambientavam o local. Um lençol servindo de entrada e tela de projeção, permitia o acesso de cada colaborador que pronunciava sua visão do tema enquanto trocava seu livro pela garrafinha de cerâmica contento o vinho artesanalmente produzido pelo propositor. Terminada as gravações foi editado um  DVD contendo todos os depoimentos articulados com outras imagens que relatam a experiência do autor em seus desdobramentos junto a experiência de fazer vinho: as aulas sobre a cultura do vinho, imagens da construção da parreira, a poda, a fermentação do mosto, a confecção do vinho artesanal. Este vídeo por sua vez foi projetado novamente desde o mesmo lugar em que foi filmado sobre um telão que servia de entrada da instalação durante a exposição relacional.

            Para fundamentar o campo de representação em arte relacional na sua forma complexa é conveniente salientar que vários são os artistas e coletivos que atuam de uma forma complexa junto à realidade, questionando o como atuar num determinado contexto, alterando o sentido e o conceito de representação em arte em função de seu trabalho e do marco teórico em que estão vinculadas suas preocupações ético-estéticas. Basta relembrar aqui as propostas ativadas  por “The LAND” de Tiravanija,  The Quiet Land de Francis Morin, do coletivo Superflex, do grupo de arte colaborativa HAHA, das praticas ativistas e subversivas de  Minerva Cuevas, ou do uso do próprio referente quando Eduardo Kac traz a vida a coelha ALBA, e de tantos outros artistas que em suas práticas desconstroem o saber da arte. Em sua forma complexa, a proposta artística proporciona um reencontro crítico-criativo na realidade, uma possibilidade de produzir criativamente espaços intersticiais capazes de provocar novas formas de representação que renegociem as relações diretas entre a arte contemporânea e a vida. Nicolas Bourriaud descreve a sensibilidade coletiva no interior da qual se inscrevem novas formas de práticas artísticas:

 

A essência da prática artística radicaria então na invenção de relações entre sujeitos; cada obra de arte encarnaria a proposição de habitar um mundo em comum, e o trabalho de cada artista, um rol de relações com o mundo que por sua vez geraria outras relações, e assim até ao infinito.9

 

Neste sentido, as ações cotidianas, o artista em constante deriva pela sociedade, os interstícios sociais excluídos ou mal resolvidos, proporcionam o lugar para acontecimentos gerando reflexão crítica sobre um tipo estrutural de representação que tente afirmar imagens de si mesma como verdades naturais. Estas relações permitem que a própria arte se reinvente. Ou seja, as propostas relacionais em sua forma complexa transitam tanto pelos marcos convencionalizados da instituição Arte quanto se aproximam de acontecimentos e situações inseridos nos mundo de vida cotidiana, disponibilizando ao artista novas possibilidades de atuação na realidade que materializem espaços de vida que gerem participação, reflexão e diálogo a partir do convívio em tempo real. Enfim, geram relações de descontinuidade onde a subjetividade dos sujeitos envolvidos pode ser reconstruída.     

       Por outro lado, uma proposta de Arte Relacional Complexa  somente existe como produtora de representação quando a proposta, em seu acontecer, possibilita a participação  e a colaboração por parte do público desestabilizando-o,  descolocando-o, fazendo com que seu modo de sentir e perceber este mundo possa ser revisto, por isto se realiza em uma relação dinâmica e aberta. Este devir intensifica a proposta, pois sua existência não está limitada a um final dado hermeticamente pelo artista, ao revés desborda o campo do artista para invadir o campo de experiências de vida de quem está disposto a participar.

            Na Arte Relacional em sua forma complexa, novas estratégias e táticas criativas permitem não somente o acesso físico e intelectual a proposta artística, mas fundamentalmente que o processo criativo seja fruto de um novo jogo representacional. Ou seja, em seu processo criativo o artista assume novas formas para o jogo representacional  em arte. O professor de teoria da Arte e crítico da Universidade de Castilla La Mancha, José Luiz Brea, nos alerta a respeito destas novas formas :

Por três vias diferentes as novas práticas artísticas estão assumindo esta responsabilidade. Em primeiro lugar, pela via da narração. A utilização da imagem-técnica e a imagem-movimento, em sua capacidade para expandir-se num tempo-interno de relato, multiplica as possibilidades da geração de narrativas. Em segundo lugar, pela via da geração de acontecimentos, eventos, pela produção de situações. Mais além da ideia de performance -e por suposto muito mais além da de instalação- o artista atual trabalha na geração de contextos de encontro direto, na produção específica de micro-situações de socialização. A terceira via é uma variante desta segunda: quando essa produção de espaços de conversação, de sociabilização da experiência, não se produz no espaço físico, senão no virtual, mediante a geração de uma mediação. O artista como produtor é: a) um gerador de narrativas de reconhecimento mútuo; b) um indutor de situações intensificadas de encontro e sociabilização de experiência;  e c) um produtor de mediações para seu intercâmbio na esfera pública.10

 

Transbordando seus limites e invadindo a cultura de uma maneira ampla, a obra de arte a partir dos anos noventa se afirma como um ato político.  Em conseqüência, torna-se um híbrido referencial e vivencial capaz de interagir em diferentes contextos econômicos, sociais e culturais. Por outro lado, uma das mais importantes questões que a arte atualmente se defronta diz respeito à produção de subjetividade tal qual alertada por Guatarri quando postula a necessidade do sujeito repensar suas relações consigo mesmo, com o outro e com o meio ambiente. Nos alerta Guatarri  que:

 

A todas as escalas individuais e coletivas, tanto no que diz respeito a vida cotidiana como a reinvenção da democracia, no registro do urbanismo, da criação artística, do esporte, etc., sempre se trata  de interessar se pelo que poderiam ser dispositivos de produção de subjetividade que vão no sentido de uma resingularização individual e ou coletiva mais bem que no de uma fabricação  “mass-mediática”  sinônimo de angustia e desesperação.11

 

A partir desta afirmação, identificamos três formas pelas quais a arte relacional em sua forma complexa está agenciando  e promovendo  produção de subjetividade.

 

Inicialmente, caso estejamos de fato preocupados em catalisar processos criativos que  dêem conta de nossas necessidades de representação em arte, temos que repensar nossas relações com nosso cotidiano, neste momento a produção de descontinuidades no dia a dia se torna vital. Artistas como Gilliam Wearing (Dancing in the Peckham-1994), Gabriel Orozco (Home run-1993), podem nos dar a indicação de como atuar criativamente no cotidiano e simultaneamente problematizar as relações com a instituição arte.  

Num segundo momento vislumbrar a possibilidade de deslocamento do marco institucional da arte usando os próprios referentes de uma realidade que a cada dia é mais simulácrica significa um reencontro com a experiência na realidade. A proposta Kissarama - 2001 do artista multicultural Asier Perez, nos alerta como a realidade é uma ficção que pode ser manipulada e construída,. Da dupla MALWAL- Mauricio Dias e Walter Riedweg  com sua proposta Devotionalia-2003,  a qual envolve a questão dos meninos de rua, contribuem decisivamente na diluição dos limites da arte.

Finalmente a realização e participação em processos de convívio onde o tempo da experiência seja sentido como a realização de mundos possíveis.  Neste caso o projeto Quietude da Terra12 coordenado por Francis Morin realizado em diferentes comunidades nos serve de referencia. O primeiro projeto “A quietude da terra: Vida diária, arte contemporânea e os Shakers”  na localidade de Sabbathday Lake, começou em 1995 e terminou em 1996. O segundo projeto intitulado “A quietude da terra: Vida diária, arte contemporânea e Projeto Axé” foi realizado em Salvador-BH iniciando em 1997 e finalizado em 2000.  O terceiro projeto começou em 2004,  em Luang Prabang, Lao-PDR, e se intitula “A quietude da terra: Arte, Espiritualidade, e vida diária. Os três projetos mesclam formas de representação específicas: educação, espiritualidade e criatividade formam uma complexidade que se manifesta num espaço de convívio das diferenças. Segundo Francis Morin;

Cada projeto é estruturado para fornecer um marco para a experiência que apresenta uma estrutura o suficiente para desdobrar-se à medida que os projetos são desenvolvidos. Para realizar cada projeto os artistas trabalham ou convivem por um longo período com a comunidade, que passa a ser definida como um indivíduo, uma família, uma organização, um bairro, uma cidade ou até uma nação.13

 

 Outro marco referencial para referendar práticas artísticas fundadas na complexidade e em gerar  processos de convívio é a proposta The Land14, iniciada em 1998. Conta com a colaboração de vários artistas entre eles, Rirkrit Tiravanija, Prachya Phintong, Kamin Lerdchaprasert, Tobias Rehberger, bem como do coletivo Superflex. The Land atua como local vivenciado, preocupado em materializar novas relações entre o contexto, o sujeito, a coletividade e o meio ambiente.

 Estas propostas nos oferecem uma lógica de atuação cultural que expande as formas da arte a acontecerem segundo as necessidades de Representação de nosso tempo

 

Breves considerações

                       Hoje, vivemos numa sociedade onde a informação brota por todos os lugares. Entretanto estar informado requer um tempo deslocado de vida que na maioria das vezes não é traduzido em conhecimento sensível, em produção de novos sentidos e subjetividades. Alimenta se de um simbólico já filtrado enquanto o real não é saboreado.

          Consideramos que uma proposta de arte relacional complexa funciona na  representação em arte quando três planos, artista, proposta e o público, tem suas áreas de conforto e saberes desestabilizados. Em primeiro lugar está o fato de que a proposta gere uma série de descontinuidades na realidade. De encontrar tempo para a arte.  De reconhecer que este mundo te olha e não se deixar ficar submisso a ele. É abrir um entre, um intervalo, uma pausa dinâmica na realidade, um espaço-tempo de atuação capaz de provocar devires. Um interstício para a prática dialógica. Uma proposta quando está estruturada para gerar acontecimento permite a seu propositor rever suas formas de entender o mundo, devires que abrem em potência outras formas de reinventar o cotidiano. São estratégias e táticas criativas que indicam caminhos possíveis para a produção de outras subjetividades capazes de reinventar o sujeito frente a complexidade de nossa atual condição.

Por tanto, a arte relacional em sua forma complexa se estrutura a fim de moldar experiências que se traduzam em acontecimentos. Assim, o propositor depara-se com muitas questões que o leva a repensar as relações institucionais, processuais, de público, de circulação, de cidadania e de representatividade com a consciência de que a Arte é apenas uma forma a mais de construir representatividade no real que se potencializa ao se mesclar com as demais formas de Representação.

 

Para finalizar e como já referenciado em parágrafos anteriores, a arte relacional em sua forma complexa está mais preocupada em apresentar as diferenças dentro de um espaço de convívio, reconhecendo a necessidade da presença do outro em várias e múltiplas estratégias e táticas criativas que instauram uma zona temporária dialógica capaz de instalar acontecimentos onde o tempo na experiência estética seja efetivamente vivido. O dialogo aberto em busca de alteridade e contaminação entre os sujeitos alcançam formas representativas que são capazes de produzir o encontro e vivencias  por meio de formas dialógicas, participativas e colaborativas.

 

Referencias


 

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DESENHO TÉCNICO: PADRÕES DE REPRESENTAÇÃO GRÁFICA PARA PRODUTOS DO VESTUÁRIO.

 

                                                                                                  PULS, Lourdes Maria[320]

 

RESUMO

 

Este trabalho sintetiza a pesquisa “Desenho Técnico: padrões de representação para o projeto de produtos do vestuário”. Que teve como objetivo propor procedimentos de construção de desenhos técnicos de produto do vestuário, a partir do desenho estético. Levantar as competências essenciais  à representação gráfica para desenvolvimento de projeto de produto, através de bibliografias. Identificar os diferentes produtos de vestuário e suas especificidades e finalmente propor a padronização de desenho técnico para representação gráfica de produtos de vestuário.    

 

Palavra-chave: Desenho técnico, vestuário, produto de moda.

 

INTRODUÇÃO

 

Nesta pesquisa buscou-se ressaltar a importância do conhecimento sobre processos de representação gráfica técnica ou planificada, através do desenho, dos produtos do vestuário. No estudo, procurou-se desenvolver novos procedimentos e padrões relacionados com a prática de construção de representação gráfica técnica bidimensional dos produtos do vestuário masculino, feminino e infantil.

A aplicação de padrões na construção de desenhos técnicos e soluções nos procedimentos de construção de representação gráfica permitiu um melhor desempenho nas atividades, por parte dos alunos, no que diz respeito à elaboração dos desenhos, a produtividade, qualidade e variações na criação de modelos, bem como na otimização dos trabalhos na modelagem, corte, produção e confecção das peças de roupas.

É pelo domínio de uma linguagem gráfica e visual, que o futuro desenhista de moda mostra as formas estéticas com movimentos, cores e texturas, pelo croqui, que no contexto do vestuário é o desenho artístico do modelo da roupa.  Porém, obrigatoriamente deve vir acompanhado de seu complemento, ou seja, do desenho técnico que representa as formas funcionais (diagramadas ou planificadas), onde se visualiza todas as especificações do produto com os detalhes e rigor técnico exigidos em outras áreas de conhecimento.

Para o educador, o interesse em aprofundar este assunto colocou-se em refletir sobre esta problemática, que enriquece o método de ensino e de aprendizagem. A preocupação com os estudantes foi para que fossem autônomos em suas buscas, preparando-os para que sejam profissionais com sólida formação. Portanto o estudo de procedimentos didáticos e pedagógicos, do desenho técnico, teve a intenção de motivar o uso de padrões na construção da representação técnica. Assim, ofereceu-se aos alunos do curso de Moda da UDESC, um método que facilitou a interpretação do modelo da peça de roupa. A aquisição da competência relativa aos materiais e técnicas possibilitou a transformação de um modelo em um protótipo, conseqüentemente, pronto para produção em escala industrial.

 

METODOLOGIA

De acordo com Lakatos (2001:80), o conhecimento científico deve ser obtido através da experiência e não apenas pela razão, trata-se de um saber ordenado logicamente, formado em sistemas de idéias (teorias) e não deve ser definitivo.

Sendo assim, o método utilizado na presente pesquisa baseou-se numa abordagem sistêmica e gradual, permitindo desta forma a absorção pouco a pouco da compreensão sobre a construção de padrões de representação gráfica técnica e sua aplicabilidade nas disciplinas de desenho técnico de moda, através de estudo teórico e prático. Assim executou-se os seguintes passos metodológicos: 1° -  Revisão Bibliográfica: Nesta etapa buscou-se levantar na pesquisa bibliográfica, o referencial teórico por meio de fontes bibliográficas e documentais disponível que contribuísse para as etapas seguintes do processo metodológico. 2° -  Procedimentos: esta etapa consistiu na pesquisa prática realizada com alunos de desenho de moda da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC - onde se desenvolveu e trabalhou-se diferentes procedimentos de padronização  na construção do desenho técnico. 3° - Análise dos dados levantados. Resultados obtidos e considerações finais. 4° - Referências Bibliográficas. 

O que precisamente buscou-se pesquisar além das reflexões feitas sobre desenho técnico, desenho, expressividade e criatividade, foram novas possibilidades e soluções para a construção do desenho técnico e para criação de moda. Portanto, precisou-se primeiramente trabalhar a figura humana planificada com medidas específicas para a modelagem, bem como trabalhar tipos e espessuras de linhas, cotas estabelecendo-se assim as padronizações. Com esta aprendizagem metodológica, o aluno conseguiu fazer um elo de ligação entre o desenho da criação, desenho técnico e a modelagem.

 

Os preceitos da metodologia cientifica orientou a montagem estrutural desta pesquisa, o que possibilitou obter-se os resultados que serão apresentados a seguir:

 

PROCEDIMENTOS E RESULTADOS:

 

O profissional da área da moda seria completamente ineficaz sem um domínio preciso da representaçao gráfica, pois a falta da mesma resultaria no fracasso para a transmissão dos projetos desenvolvidos. Apontam que a importância da linguagem gráfica pode ser observada ao compará-la com a linguagem verbal, visto que seria extremamente dificil uma pessoa ter a imagem precisa do objeto em sua mente descrito somente com palavras. Provalvelmente, o indivíduo  teria necessidade de se dispor de um lápis e papel para auxiliá-lo na construção de um esboço, oferecendo com isso uma forma mais eficaz de mostrar seus pensamentos (French &Vierck, 1999).

 

Esta parte do trabalho versa sobre a pesquisa prática que se realizou com alunos da disciplina Desenho Técnico do Curso de Moda da UDESC. Aqui se apresenta algum procedimento utilizado para a pesquisa e seus resultados. Portanto, para que os alunos, futuros desenhistas de moda agentes desta ação, conseguissem construir a representação gráfica técnica, pelo desenho, utilizando a padronização, estabeleceu-se alguns critérios. Um deles é que as linhas dos desenhos devem ser legíveis, apresentar contrastes uma das outras para uma melhor percepção do desenho. Como se pode ver na figura n° 01. Para sua elaboração seguiu-se, em alguns casos, a norma já estabelecida pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), específicas para a área da moda, e em outras foi utilizado padrões pesquisados. A importância da representatividade gráfica se apresenta nas palavras de Suono, Silva e Paschoarelli (2006), que afirmam que em função de certos princípios de representação gráfica universal em determinadas áreas, ela acaba se tornando uma linguagem extremamente importante de projetos entre os designers e aqueles que têm o papel de executar os processos pertinentes para a produção do produto.

 

Figura n° 01

 

Como a grande maioria dos desenhos técnicos são construídos utilizando-se medidas de proporção da figura humana, construiu-se a figura humana planificada como mostra a figura n° 02, aqui mostra-se a figura de frente, mas também foi construída a figura de costa e lateral, como pode-se verificar nas imagens xerocadas, anexadas nesta pesquisa.  A figura planificada é utilizada como suporte para os desenhos técnicos. Na construção da figura humana planificada utilizou-se medidas já existentes na ABNT para a área do vestuário, e outras medidas utilizadas para a modelagem das roupas.

 

 

FIGURA N° 02

 

As figuras masculinas e infantis foram desenhadas utilizando-se medidas da proporção da figura humana, porém também planificada, como se pode ver na figura n° 03 e figura n° 04. Dessa maneira o aluno conseguiu visualizar a figura sem volume, já que os desenhos técnicos das peças de roupa são desenhos planos e diagramados mostrando a peça do vestuário como se estivesse apoiada em uma superfície plana.

 

FIGURA N° 03

 

 

FIGURA N° 04

 

Constatou-se durante a pesquisa, que uma das dificuldades do aluno era visualizar as alturas específicas de cada peça de roupa em relação ao corpo para representa-las graficamente. Assim, utilizando-se a figura humana planificada, elaborou-se linhas limítrofes de todas as peças desde calças e vestidos, até limites de mangas curtas e longas. Dessa forma, a utilização do desenho técnico explicitando cortes, modelagem e execução, é completo e detalhado, com descrição da forma e do tamanho de cada peça. Para esta construção gráfica, foi utilizada medida de várias peças de roupa e transferidas para a figura planificada. Para esta transferência os pesquisadores preocuparam-se em aplicar a padronização somente quando não existiam normas já consagradas da ABNT, o resultado pode ser visto na figura n° 5.

 

FIGURA N° 05

 

 

Com os suportes já elaborados, iniciou-se a aplicação dos padrões de construção na representação gráfica de peças do vestuário. Partiu-se do ensino e aprendizagem da simetria, utilização dos suportes, padrões, linhas e cotas, nesse caso, quando tivesse o protótipo pronto. Representou-se graficamente o passo a passo de várias peças, como se pode ver no exemplo da figura n° 06 no modelo de uma jaqueta de frente, e de costas figura n° 07. Em ambos os casos utilizou-se o suporte da figura humana planificada, e como havia o protótipo pronto, trabalhou-se com as medidas de cotagem.

 

FIGURA N° 06

 

 

FIGURA N° 07

 

 No caso específico do uso das cotas, foi tirada a medida da peça de roupa pronta (protótipos). As medidas transformadas em escalas 1:10 foram utilizadas para a construção do desenho da peça. Na figura n° 08 visualiza-se o desenho da figura humana masculina planificada sendo utilizada como suporte para o desenho de uma calça jeans, peça de roupa do vestuário masculino.

FIGURA N° 08 

 

                                                                

Muitos aspectos relacionados à transmissão de uma boa informação estão presentes na indústria de moda. Como se pode constatar, uma delas é a representação gráfica do produto em questão de desenvolvimento e de produção em grande escala.

CONCLUSÃO

Este trabalho teve como objetivo construir e testar padrões de construção de representação gráfico técnica de produtos do vestuário, portanto um novo procedimento didático que auxilie professor e aluno a criarem condições para o desenvolvimento no processo de ensino e de aprendizagem do desenho técnico. Baseado num referencial teórico que procurou abordar conteúdos sobre desenho técnico, normas da ABNT, medidas do corpo humano (baseados em estudos já existentes na ABNT e estudos antropométricos e ergonômicos) e sobre desenho técnicos em diferentes áreas de atuação como arquitetura, engenharias e moda. Assim foi possível entendermos a importância da padronização para que o profissional consiga transmitir nas suas criações articuladas uma linguagem expressiva e original, porém acompanhada da linguagem técnica com detalhes específicos e detalhados.

Portanto, o trabalho só atingiu seus objetivos na medida em que apresentou os processos e métodos pelos quais foi possível construir padrões de representação técnica que satisfizesse os padrões da indústria da moda.

Esta pesquisa na área do desenho de moda exigiu dedicação e criatividade na elaboração de um novo procedimento de padrões para a construção de representação técnica do produto do vestuário, bem como na busca de uma metodologia para sua realização, tendo em vista o pouco tempo do curso de moda em academias e a escassa bibliografia sobre desenho técnico para a área da moda.

Sobre o ponto de vista teórico sentiu-se a necessidade de se ter um embasamento relacionado a normas da ABNT de outras áreas de conhecimento, além de leituras sobre antropomentria e ergomonia, para o aluno, futuro desenhista de moda, poder transformar idéias percebidas e vivenciadas em linguagem visuais e formais, mas também em linguagem técnica. Aqui, se faz necessário ressaltar que a utilização de várias leituras para se expor assuntos que fale sobre normas e padrões dentro do sistema de moda, não teve a intenção de se fazer análise entre as mesmas, nem de confrontar suas fundamentações. Mas para esta pesquisa contribuíram possibilitando desenvolver criticamente e conscientemente o potencial criativo e perceptivo no profissional de desenho de moda. E, a tudo o que diz respeito ao desenho técnico de moda.

Por outro lado foi encontrada uma grande dificuldade na obtenção de conteúdos relacionados aos processos de construção de representação técnica de desenho de moda. Assim, houve a necessidade da elaboração de uma metodologia específica para o desenvolvimento da representação gráfica do desenho técnico, que foi desde a planificação da figura de humana feminina, masculina e infantil até a padronização de linhas de contorno das peças desenhas com modificações na espessura interna do desenho das peças de roupa desenhadas. Esta metodologia foi fundamentada, então, na representação gráfica através de técnicas e procedimentos de outras áreas de conhecimento como a arquitetura e engenharias.

Em segundo lugar sobre o ponto de vista das experimentações práticas, pode-se dizer que a pesquisa foi realizada através de uma metodologia segundo os preceitos gerais de representatividade gráfica técnica, pelo desenho, representatividade da figura humana planificada e da estrutura de peças de roupas de maneira geral. Para dar conta desses propósitos desenvolveu-se etapa investigativa sobre a estruturação do processo de ensino e de aprendizagem e da pesquisa como um todo. Após a atividade investigativa, criou-se uma metodologia própria onde se trabalhou o uso de padrões seguindo algumas etapas já demonstradas, através das imagens, no corpo deste trabalho.

Na primeira etapa, trabalhou-se o que se resolveu chamar de exercícios básicos para a aprendizagem tais como: o uso de linhas e o uso da figura humana feminina, masculina e infantil planificada, como suporte para os desenhos técnicos. A etapa seguinte foi realizada pela construção gráfica de peças de roupas mais simples como camisetas, partiu-se do entendimento da linha de equilíbrio, de como colocar todas as partes da peças com seus respectivos padrões de identificação.

Foram realizadas inúmeras representações gráficas de peças do vestuário, tanto feminina, como masculinas e infantis e pode-se constatar em síntese que: os procedimentos apresentados permitem que haja uma mudança significativa, tanto na estrutura da forma, como também na expressividade e firmeza do traço do aluno. E, que para que haja um melhor aproveitamento por parte de todos os alunos necessitaria de um estudo mais aprofundado sobre antropometria e ergonomia. Constatou-se ainda que o uso contrastante das linhas e a padronização de vários elementos do desenho técnico, bem como da figura humana planificada foram os procedimentos que mais possibilitaram trabalhar as particularidades de cada um, mesmo encontrando dificuldades, foi onde se pode explorar a transformação do desenho estético para o desenho técnico. E por último que a utilização das diferentes padronizações técnicas abrem infinitas possibilidades de construções de representações gráficas técnicas dos produtos do vestuário.

Portanto, esta pesquisa torna-se relevante, tanto para educadores, como para os desenhistas de moda, pois é fundamental a conscientização das possibilidades e transformações que se pode realizar através das representações gráficas técnicas e das criações de moda. Acredita-se ser oportuno e relevante a investigação deste tema, mediante o estudo das diversas abordagens a investigação que se seguiu e que pode contribuir para maior compreensão do desenvolvimento de padrões de representação gráfica técnica para produtos do vestuário no desenho de moda. Como também no processo educacional esperando que as pessoas somem a estes, novos recursos.

 

ABSTRACT

 

This work synthesizes the research "Drawing Technician: standards of representation for the project of products of clothes", that it had as objective to consider procedures of construction of drawings technician of product of clothes, from the aesthetic drawing. To raise the essential abilities to the graphical representation for development of product project, through bibliographies. To identify to the different clothes products and its specificities and finally, to consider the drawing standardization techniques for graphical representation of clothes products.

Key- Words: Drawing technician, clothes, fashion product.

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Império – uma civilização nos trópicos[321]

                                                                                              Mara Rúbia Sant’Anna[322]

           

 

Palavras-chave: Brasil – Império – Aparência – Identidade nacional

 

Resumo: O volume 2 da pesquisa Brasil por suas aparências ocupa-se da discussão das relações entre aparência, poder e identidade nacional desenvolvidas entre o período histórico, convencionalmente chamado, Brasil-Império. As conclusões preliminares evidenciam que a instituição da independência política da colônia portuguesa na América não representou rompimento dos modelos de aparências e nem reformulou as elites que conduziam a formulação de uma noção de identidade brasileira. A figura do imperador D. Pedro II foi de vital importância na catalisação dos anseios de parecer européia da elite imperial.

 

            Em 2002 o primeiro volume do “Brasil por suas aparências – uma história da moda”, uma pesquisa histórica cujo objetivo central é discutir a construção da identidade nacional a partir das estratégias da aparência articuladas pelos grupos de elite, foi concluído. No ano seguinte, os resultados das pesquisas centradas nas sociabilidades coloniais brasileiras foram levados ao público através de um CD-ROM distribuído gratuitamente às mais diferentes Universidades Brasileiras e outras Instituições de ensino.

Somente em 2005 podemos retomar este trabalho e, dando continuidade à proposta inicial, desenvolvemos a pesquisa que se segue, na qual é abordada a sociedade que se instituiu junto ao regime monárquico de governo. Se nas sociabilidades coloniais foi necessário analisar distintamente os diferentes agrupamentos compostos sobre o território, na ocasião parte do Império Ultramarino Português, no período imperial pode-se localizar um embrionário sentimento de unidade que, a partir do Rio de Janeiro, espalhava-se pelo então chamado Império Brasileiro. Compreender como se articulou a noção de Brasil desejado com as estratégias das elites que se constituíram em torno da Coroa Brasileira foi o objetivo maior. Questões centrais nortearam o trabalho de levantamento bibliográfico e ponderaram as assertivas encontradas nos livros de qualidade que compõem o acervo historiográfico brasileiro. As questões principais foram as seguintes:

Em que medida a corte brasileira imperial reproduziu as cortes européias e, a partir dessa semelhança, conduziu a idealização da aparência para a configuração das elites nacionais?

Como a manipulação da aparência idealizada, pelas elites constituídas, interferiu nas lutas ideológicas para a instalação da república brasileira.

Portanto, para que o caminho metodológico tivesse nexo e, ao mesmo tempo, pudesse o material produzido contribuir para o estudo da sociedade de moda nas terras brasileiras, além de responder às questões norteadoras, fez-se uma introspecção criteriosa dos diferentes momentos já consagrados pela historiografia nacional, propondo um percurso de análise aos futuros leitores.

Sabemos que toda história é seleção e construção de uma memória que perde a emoção do vivido e estereotipa o passado num formato intelectualizado ao bel prazer do historiador, contudo, não nos incumbimos de discutir os embates teóricos implicados no reconhecimento dos limites dos fazer do historiador, não nos atemos a debater as ideologias subjacentes aos recortes tradicionais da história chamada brasileira ou nacional. Apropriamos-nos deles, os filtramos pelos pressupostos que conduzem nosso pensamento e, abordando a aparência como instrumento de constituição de estratégias de poder na elaboração de uma identidade nacional, desenvolvemos o trabalho que se segue.

 Sentimo-nos apenas no dever de introduzir o leitor à compreensão do que seja a identidade, a nação e a aparência em nossa abordagem. O primeiro desencanto ao estudante neófito, nesse assunto, é que toda identidade é sempre criada, jamais natural, logo, não há uma identidade nacional que possa ser o elemento identificador e compositor da unidade de toda a população. O que temos são critérios que cada historicidade determina como relevantes e definidores da aglutinação realizada ou que se deseja realizar, criando assim uma “cara” para aquilo que diz identificar.

Conforme Nestor Canclini salienta, uma identidade, em seu sentido primitivo, só seria possível se houvesse entre todos os habitantes de um território uma entidade comum compartilhada, uma experiência do vivido próxima e sentida por todos os membros daquela comunidade. Nesses casos o passado é ritualizado e uma identidade singular, a ser revivida em diferentes momentos, é instituída. Em suas palavras:

Ter uma identidade seria, antes de mais nada, ter um País, uma cidade ou um bairro, uma entidade em que tudo o que é compartilhado pelos que habitam esse lugar se tornasse idêntico ou intercambiável. Nesses territórios a identidade é posta em cena, celebrada nas festas e dramatizada também nos rituais cotidianos[323].

Assim sendo, por mais que a identidade seja uma busca da semelhança, ela sempre é definida pela diferença de si, com seu exterior. Como afirma Renato Ortiz: “Toda identidade se define em relação a algo que lhe é exterior, ela é uma diferença”[324].

Como um segundo desencanto, precisamos também prevenir que não nascemos patriotas. A nação brasileira nos é construída pouco a pouco na medida em que somos apresentados aos mapas que representam nosso território, às imagens de paisagens encontradas desse mesmo perímetro, aos símbolos que a identificam diante de outras nações e, especialmente, quando uma equipe esportiva entra em cena trazendo ao peito uma camiseta com as cores que nos disseram ser as do Brasil.

A definição de Benedict ANDERSON de Nação é clássica e pertinente: “uma comunidade política imaginada como implicitamente limitada e soberana”[325]. Este conceito contempla duas questões extremamente importantes para a compreensão desta construção histórica chamada Nação:

1) comunidade – esse termo evidencia a exigência de um conjunto de pessoas e do sentimento de pertencimento a ele por questões determinadas. Porém, é mais que apenas um grupo, pois o termo comunidade implica numa experiência espacial, temporal e social comum de seus membros.

Como o termo vem associado do adjetivo “política”, a precisão do agrupamento fica apresentada por este. Isso delimita a condição da mesma, ou seja, é uma reunião de pessoas que compartilha, entre si, uma preocupação coletiva e ideológica.

2) imaginada – o termo, segundo os dicionários comuns, como também os especializados, é aproximado das noções de ilusório, irreal, fictício ou fantástico, fabuloso, legendário, mítico ou ainda inventado, falso, absurdo, utópico, fingido e quimérico. Todas estas conotações expressam, em resumo, a oposição do termo com o real, verdade ou realidade. Desta forma, quando pensamos em uma comunidade imaginada, devemos supô-la irreal. Porém, se a pensarmos dentro dos parâmetros dos pensadores do imaginário, a oposição se esvai. Não é o caso de verdade ou mentira que está em jogo.

Na interpretação da conotação do termo “imaginada”, usado por Anderson, temos, então, que descartar a idéia simplista de uma ideologia que fantasia sentidos e ilude as pessoas, os apresentando enquanto verdade em relação a um território, que no caso específico seria definido como limitado e soberano. Se as cores da camisa e o talento dos jogadores criam pontes imaginárias entre personalidades particulares e torcidas, a idéia da Nação começa a ser imaginável na medida em que se afirma a presença de um território definido e de uma soberania reconhecida como de fato.

Porém, o mais importante a esclarecer é a condição que a identidade nacional goza na construção do sentido de Nação. Pois, entendendo-a como comunidade imaginada, não seria possível construí-la no imaginário social, sem antes determinar e atribuir referentes “significacionais” à população que habita o território sob o qual existem pretensões de torná-lo uma Nação. Uma das estratégias para criar esses referentes é vulgarizar a imagem do que é o território.  Os mapas e as lições de geografia fazem muito bem isso. Porém, além disso, as imagens devem operar com a nossa noção de pertencimento e o caminho encontrado para tal, historicamente, foi criar um passado em comum e propor um ideal para todos. Para tanto é preciso ter poder, poder de dizer qual imagem olhar, qual camisa vestir, qual sentimento reter.

Portanto, no consenso entre Hobsbawn[326], Renan[327] e outros autores, a Nação é antes de tudo, um artefato cultural cuja elaboração é matizada pela experiência histórica dos sujeitos sociais. Cabe, então, “a fim de entendê-los [os artefatos culturais que representam a Nação] adequadamente, (...) considerar com cuidado como tem chegado a ser históricos, de que modo seus significados alteraram-se no correr do tempo e porque, na atualidade, tem uma legitimidade emocional tão profunda”[328].

No que tange a aparência, a compreendemos como a instância possível da experiência social e, assim sendo, delimita as possibilidades da recepção estética dos sujeitos sociais. Portanto, um terceiro desencanto ocorre a todos aqueles que julgam a aparência como sendo uma “casca”, um invólucro, que apenas disfarça, mascara ou esconde um verdadeiro que estaria abaixo ou acima dela. Afinal, a aparência não é ideologia, no sentido que o materialismo histórico propõe, nem é a ilusão que o historiador deva descartar em suas investigações, mas é a dimensão da experiência social que mediatiza a apreensão das representações construídas. Não como instrumento, tal como os óculos fariam aos olhos deficientes, mas como substância, que delimita, condiciona e significa a mensagem.

Daniel Roche, historiador vivo dos mais respeitados na França, diz que:

 

A cultura das aparências é a princípio uma ordem. Para chegar nela é preciso aprender uma linguagem que autorize a comunicação em um domínio estranho, e por isso mesmo mobilizador do imaginário, onde o espiritual e o material se misturam com particular força. Aí, o mental se faz corpo, aí o corpo individualizado expõe as transcrições fugazes da personalidade, aí a roupa valoriza as correspondências subterrâneas da matéria e do espírito[329].

A validade do trabalho com a aparência reside na compreensão de suas intersecções na constituição dos sujeitos e nas relações constituídas entre eles. Além disso, a aparência, conforme Bollon, “repousando sobre a elaboração de imagens e de símbolos, sempre aparece como um modo de expressão infinitamente mais sensível e sutil, maleável porque permanentemente contraditório e para sempre inacabado, por isso poético e profético”[330], traz ao seu observador mais indícios e pistas do que a linguagem formal, cujo domínio da lógica e seu principio da não-contradição limita a dinâmica ambígua dos desejos, vontades, impulsos e motivações humanas, ou seja, a aparência nos diz muito mais que os discursos escritos, que os documentos e suas informações.

Aplicando estes conceitos a nossa proposta de pesquisa partimos do pressuposto que as estratégias de poder sempre negociam imagens idealizadas, sendo que quanto maior é a dependência cultural de um país mais as imagens são importadas de países ou sociedades consideradas superiores e constituídas como “espelhos”.

Além disso, o que propomos é analisar a dimensão da aparência enquanto construtor de sociabilidades. Interessa-nos atentar para as relações entre os diferentes grupos sociais, étnicos, econômicos e sexuais, estabelecidas pela aparência, e o quanto à predominância de uma aparência idealizada foi associada ao poder e estava implícita ao seu usufruto, sendo, até mesmo, fundamental na construção de uma face para a chamada Nação Brasileira.

            A elite constituída no “Brasil”, a partir da Colônia, construiu um sentido para esse nome na mesma proporção que definia um contorno a sua identidade. Tal identidade, muito imprecisa, sem dúvida, avançou no projeto de homogeneidade na medida em que o Estado brasileiro fortaleceu-se durante o II Império e reconstruiu-se, mediante um novo perfil de ser elite, quando da fundamentação da República.

O primeiro volume, deste trabalho, contempla o período da história de nosso território, convencionalmente chamada de Brasil-colônia, mais precisamente de 1500 a 1808. Descartamos, desta primeira parte, o processo de redefinição do sentido político da colônia, suscitado a partir da chegada da Família Real ao Brasil. Dando continuidade, neste segundo volume, começamos de onde paramos para daí analisar os jogos de interesses diante da independência e os projetos de Brasil que estavam em pauta. Nos estenderemos até o final do século XIX, quando o Brasil via o século XX se aproximar e duvidava do modelo que havia criado para si, buscando, sobretudo, além oceano, uma matriz para seguir nos novos tempos.

Se no primeiro volume encerramos a apresentação alertando o leitor para não se enganar, pois trataríamos de uma comunidade imaginária em construção, neste volume podemos alertar que a construção não havia se findado e que ela continuou seu processo, contando, porém, com uma intelectualidade marcada pelo romantismo, com a presença de cidades que traziam para mais perto o modelo sonhado e, especialmente, tendo uma elite que gozava do acesso ao Brasil sonhado através de sua corte imperial, onde maquinava a identidade que lhe convinha.

 

Abstract:

 

Volume 2 of the Brazil research for its appearances occupies of the quarrel of the relations between appearance, developed power and national identity between the historical period, conventionally called, Brazil-Empire. The preliminary conclusions evidence that the institution of independence politics of the Portuguese colony in America did not represent disruption of the models of appearances and nor reformulated the elites who lead the formularization of a notion of Brazilian identity. The figure of emperor D. Peter II was of vital importance in the catalisação of the yearnings to seem européia of the imperial elite.

Key-words: Brazil – Empire – Appearances – National Identity

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ANDERSON, B.  Comunidades Imaginadas – reflexiones sobre el origen y la difusión del nacionalismo. México : FCE, 1997.

BOLLON, Patrice. A moral da mascara – merveilleux, zazous, dândis, punks, etc. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.

CANCLINI, N. Culturas Híbridas - estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Edusp, 1997.

HOBSBAWN, Éric. Nações e Nacionalismo desde 1780. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

ORTIZ, Renato.Cultura Brasileira e Identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1994.

RENAN, E. Qué es una nación? In: BRAVO, A. F. La invención de la nación – lecturas de la identidad de Herder a Homi Bhabha. Buenos Aires: Manantial, 2001.

ROCHE, Daniel. La cultures des apparences – une histoire du vêtement XVIIe – XVIIIe siècle. Paris: Fayard, 1983.

  

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Tentando definir o Teatro na Comunidade[331]

 

 

                                                                                              Marcia Pompeo Nogueira[332]

 

 

Palavras chave: comunidade, teatro, conceito, formas, estética.

 

Resumo: Trata-se de uma tentativa de definição de Teatro na Comunidade, o que inclui o entendimento do que vem a ser uma comunidade na contemporaneidade. Alguns modelos são apresentados na tentativa de contribuir para a criação de um referencial de análise de práticas de teatro nesta área.

 

Introdução

            Trata-se de uma modalidade teatral difícil de definir já que adquire diferentes formatos, ligada a diferentes instituições e finalidades. Baz Kershaw propõe a seguinte definição:

Sempre que o ponto de partida [de uma prática teatral] for a natureza de seu público e sua comunidade. Que a estética de suas performances for talhada pela cultura da comunidade de sua audiência. Neste sentido estas práticas podem ser categorizadas enquanto Teatro na Comunidade (Kershaw: 1992, 5).

            O autor chama atenção para a natureza política deste tipo de teatro direcionado a platéias "cuidadosamente selecionadas" (Kershaw: 1992, 5). Mas antes de aprofundarmos nosso entendimento desta modalidade teatral, precisamos ter claro o que vem a ser comunidade. Ainda se pode falar de comunidade nos dias de hoje?

O Conceito de Comunidade

            Face à multiplicidade de contextos em que vivem as pessoas no mundo urbano das sociedades contemporâneas, muito diferentes do modelo de vida rural, pode-se até concluir que a comunidade não poderia sobreviver à industrialização. Entretanto Cohen chama atenção para o fato de que a unicidade aparente das comunidades rurais são simplificações, escondem diversidades, hierarquias, baseadas em diferentes bases: idade, posição social etc.

            Para Kershaw, toda comunidade é parecida no que diz respeito às diferenças internas que abriga e ao papel de mediação que assume entre o indivíduo e a sociedade. Neste sentido, qualquer comunidade - rural ou urbana - ou formas de associações, teriam a função estrutural e ideológica, segundo Raymond Willians, de mediar os indivíduos e a sociedade mais ampla (Willians: 1965, 95).

            Kershaw cita dois tipos de comunidade:

'Comunidade de local' é criada por uma rede de relacionamentos formados por interações face a face, numa área delimitada geograficamente.

'Comunidade de interesse', como a frase sugere, é formada por uma rede de associações que são predominantemente caracterizadas por seu comprometimento em relação a um interesse comum. Quer dizer que estas comunidades podem não estar delimitadas por uma área geográfica particular. Quer dizer também que comunidades de interesse tendem a ser explicitas ideologicamente, de forma a que mesmo se seus membros venham de áreas geográficas diferentes, eles podem de forma relativamente fácil reconhecer sua identidade comum (Kershaw: 1992, 31).

            No primeiro sentido, acredita-se que pessoas que vivem e/ou trabalham numa mesma região possuem determinadas vivências e problemas comuns, enquanto o segundo indica que algumas pessoas comungam de idéias, se identificam por um olhar preconceituoso com que são vistas, ou por sofrerem uma mesma exclusão, como por exemplo: mulheres, homossexuais, negros, meninos de rua, domésticas, entre outros. Boal chama esses grupos de "temáticos - formados por participantes que, por alguma razão, ou idéia, algum forte objetivo se uniram (…)" (Boal: 1996, 70).

            Desta forma, tanto nos pequenos agrupamentos rurais como nas sociedades mais complexas a comunidade representa um espaço de articulação, uma arena para nossas experiências da vida social:

Comunidade não se define apenas em termos de localidade. (…) É a entidade à qual as pessoas pertencem, maior que as relações de parentesco, mas mais imediata do que a abstração a que chamamos de "sociedade". É a arena onde as pessoas adquirem suas experiências mais fundamentais e substanciais da vida social, fora dos limites do lar (Cohen: 1985, 15).

Formas do Teatro na Comunidade

            Segundo van Erven, os diferentes estilos do Teatro na Comunidade se unem por "sua ênfase em histórias pessoais e locais (em vez de peças prontas) que são trabalhadas inicialmente através de improvisações e ganham forma teatral coletivamente" (van Erven: 2001, 2). Seus materiais e formas sempre emergem diretamente (se não exclusivamente) da comunidade, cujos interesses se tenta expressar.

            No percurso assumido pela prática de Teatro na Comunidade, identificamos especialmente três modelos que se diferenciam em função dos objetivos e métodos serem decididos ou não pelas pessoas que participam dos projetos teatrais. Este percurso não é o único, representa um olhar sobre as práticas que pode contribuir como um referencial para análise das práticas de Teatro na Comunidade. Apresentamos a seguir, de forma bastante esquemática, os três modelos propostos:

2        Teatro para comunidades

            Este modelo inclui o teatro feito por artistas para comunidades periféricas, desconhecendo de antemão sua realidade. Caracteriza-se por ser uma abordagem de cima pra baixo, um teatro de mensagem. Como diz Boal:

Usávamos nossa arte para dizer verdades, para ensinar soluções: ensinávamos os camponeses a lutarem por suas terras, porém nós éramos gente da cidade grande; ensinávamos aos negros a lutarem contra o preconceito racial, mas éramos quase todos alvíssimos; ensinávamos às mulheres a lutarem contra os seus opressores. Quais? Nós mesmos, pois éramos feministas-homens, quase todos.Valia a intenção (Boal: 1996, 17-18).

3        Teatro com Comunidades

            Aqui, o trabalho teatral parte de uma investigação de uma determinada comunidade para a criação de um espetáculo. Tanto a linguagem, o conteúdo - assuntos específicos que se quer questionar - ou a forma - manifestações populares típicas - são incorporados no espetáculo.   A idéia de vinculação a uma comunidade específica estaria ligada à ampliação da eficácia política do trabalho.

Os anos de contato com públicos específicos e comunidades específicas ensinaram uma importante lição aos trabalhadores do teatro radical: cada tipo de comunidade, cada tipo de grupo requer uma abordagem sob medida - de forma a se tornar eficaz culturalmente e, talvez social e politicamente (Kershaw: 1992: 165).

4        Teatro por Comunidades

            O terceiro modelo tem grande influência de Augusto Boal. Inclui as próprias pessoas da comunidade no processo de criação teatral. Em vez de fazer peças dizendo o que os outros devem fazer, passou-se a perguntar ao povo o conteúdo do teatro, ou dar ao povo os meios de produção teatral.

            Esta evolução proposta por Boal influenciou muitos trabalhos de teatro e comunidade no mundo todo. Ganhou forma um novo Teatro na Comunidade cuja função seria de fortalecer a comunidade. O Teatro passou a ser a arena privilegiada para refletir sobre questões de identidade de comunidades específicas, contribuindo para o aprofundamento das relações entre os diferentes segmentos da comunidade que podem, através da improvisação, do jogo teatral, explicitar suas semelhanças e diferenças. O teatro seria, neste sentido, porta-voz de assuntos locais, o que poderia contribuir para expressão de vozes silenciosas ou silenciadas da comunidade. Como dizem alguns autores, o teatro feito pela comunidade contribuiria para a "contínua regeneração do espírito de comunidade” (Kershaw: 1992, 60).

Aspectos Estéticos e Éticos do Teatro na Comunidade

            Os processos de criação nesta área envolvem freqüentemente a interação de artistas classe-média com pessoas de comunidades periféricas. Em termos metodológicos, esta interação exige o enfrentamento de muitas questões: como evitar uma relação de invasão cultural? Como garantir um processo democrático? Como pode se dar a interação de culturas diferentes? Qual o papel do facilitador? Paulo Freire (1977) fornece as bases de muitos trabalhos que enfrentam este tipo de desafio. Seu método fundado no diálogo, no respeito pelo diferente, exige períodos preparatórios de conhecimento mútuo, em que ambos comunidade e facilitadores pesquisam a comunidade na busca de temas significativos que podem estar na base de processos teatrais conjuntos.

Freqüentemente, em trabalhos de Teatro na Comunidade, os objetivos são definidos em termos dos conteúdos:

O trabalho de teatro na comunidade é de criar uma dialética entre o estado presente e as possibilidades futuras de uma comunidade particular, moderada pelo conhecimento sobre e a identificação com estas comunidades (Kershaw, 1978, citado em Kershaw 1992, p. 61).

Mesmo não sendo o foco explícito de muitos trabalhos de Teatro na Comunidade, a questão estética também está presente. Como dissemos anteriormente, a produção de teatro, nesta área, é talhada pela cultura da comunidade. Trata-se de uma estética com padrões particulares que não pode ser julgada segundo parâmetros estranhos a ela:

O status de toda arte legítima e da alta cultura, é confirmado por uma elite burguesa que promove seu próprio gosto social e culturalmente determinado enquanto naturalmente superior e relega a arte comunitária para uma categoria decididamente inferior de expressão cultural (Hawkins apud van Erven: 2001, 252).

            A superação desta perspectiva pode contribuir para focar um novo entendimento da estética do Teatro na Comunidade, de forma a superar a forma como esta área artística vem sendo marginalizada. Esta marginalização,  que se reflete na falta de publicações a respeito, na falta de debate sobre seus resultados e da especificidade de sua estética, precisa ser superada para que possamos nos informar mais sobre as práticas existentes, para que estas práticas possam ser aprimoradas e que revertam em mais benefícios para as comunidades.

 

Bibliografia

Boal, Augusto. Teatro do Oprimido: e outras poéticas políticas. Rio: Civ. Brasileira,    1983.

Cohen, Anthony. The Symbolic Construction of Community. Londres: Routledge, 1985.

Erven, Eugene van. Community Theatre: Global Perspectives, Londres: Routledge,     2001.

Freire, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio: Paz e Terra, 1977.

Kershaw, Baz The Politics of Performance: Radical Theatre as Social Intervention. Londes: Routledge, 1992.

WILLIAMS, Raymond. The Long Revolution. Harmondsworth: Pelican, 1965.

  

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Algumas reflexões sobre vingança e antropofagia como modelos político e estéticos ainda vigentes na cultura brasileira[333]

                           

Prof. Dra. Marta Lúcia Pereira Martins DAP-CEART-UDESC[334]

           

 

As aventuras do artilheiro alemão Hans Staden no período colonial brasileiro, ilustram os desígnios e as engendrações da diferença e da alteridade.  Autor dos primeiros registros de viagens escritos sobre o Brasil  cuja  primeira versão em  livro impresso foi feita em Marburg, na Alemanha, em 1557, Primeiros registros escritos e ilustrados do Brasil e seus habitantes[335] descreve as  duas viagens ao “Brasil” e consta entre as primeiras narrativas de testemunho dos viajantes europeus ao Novo Mundo. Nele, Staden conta a sua detenção de nove meses entre os Tupinambás onde viveu a experiência de ser ameaçado constantemente de ser objeto de antropofagia ritual. Ao longo de quatro séculos, a antropofagia havia se tornado um elemento interditado tanto no discurso “culto” do país, quanto dentro da própria cultura indígena, postando-se, porém, no primeiro movimento modernista com a voracidade com a qual todo objeto reprimido retorna. Nossa vera ícon, a face que mostramos, é sempre aquela pela qual somos vistos no jogo de espelhos cujo objetivo é o de  capturar máscaras de identidade. Ao se reconsiderar, algumas das bases com as quais o modernismo antropofágico brasileiro da geração de 22, tratou de sustentar seu modelo estético baseado no motivo da vingança, se pode ver que isso implica numa condição política que de cunho pedagógico dirigida a uma invenção da identidade brasileira, que se baseia justamente na falta desta identidade. A rápida apreensão e  recriação, ao nosso modo,  dos modelos culturais do estrangeiro, misturadas ás manifestações regionais próprias do país,  ainda permanecem como um “modo  de fazer” peculiar e próprio da estética brasileira

 O Manifesto antropófago postulava já na primeira linha, que: “Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.” [336] Ou seja, esse modelo de apreensão e de devoração era visto por Oswald como a ´´única coisa a unir a diversidade do país. O processo de profundas e complexas transformações que foram delineando o Brasil como Estado e Nação desde os primeiros contatos e, que se abre a partir das primeiras percepções da própria paisagem e da incomensurável e  abismática sensação de  estranheza, que iria engendrar uma máquina produtora de alteridade entre as diferentes origens, definiria uma condição cultural de cunho múltiplo, já na formação do Brasil.

Nos primeiros registros de viagens escritos por  Staden a  problemática da vingança como motor cultural das culturas indígenas, aparece com freqüência e traz como conseqüência última o canibalismo. De algum modo, o motivo da vingança, que se encontra antes e por trás do ato antropofágico em si mesmo, é revivido transfigurado e metaforicamente na cultura brasileira. Longe estão os dias em que como no relato de Staden, a antropofagia ritual era fato:

 

   Porque comem seus inimigos

Não fazem isto para saciar sua fome, mas por hostilidade e muito ódio, e quando estão guerreando uns contra os outros, gritam cheios de ódio: debe mara pá, xe remiu ram begué, sobre você abata-se toda desgraça, você será minha comida. Nde akanga juká aipotá kurine, eu ainda quero esmagar tua cabeça hoje. Xe anama pepika re xe aju, estou aqui para vingar em você a morte de meu amigo. Ndée rôo, xe mokaen será kuarisy ar eyma riré etc...tua carne será, ainda hoje, antes que o sol se ponha, o meu assado. Tudo isso, fazem-no por grande inimizade.[337]

 

 Antes de darmos um resumo  das aventuras de Staden, vale pautar que o jovem artilheiro de Hessen, iria estar duplamente implicado no motivo da vingança. Por um lado, por sua bem conhecida detenção entre os tupinambás com a constante ameaça de sua devoração; mas por outro, através de sua própria vingança, que se efetivaria pela fuga e pelo relato escrito em forma de testemunho. Esta situação, que no caso de Staden se dá como um importante evento histórico, seria elaborada posteriormente, pela ficção, na literatura romântica no século XIX.

Com efeito, há uma recorrência temática no romantismo, do herói sofredor, que ao final de uma longa série de percalços durante a maior parte da vida (dificuldades que   são enfrentadas pela certeza da vingança final), triunfa, abrindo mão, de modo magnânimo, dos propósitos vingadores longamente cultivados durante o tempo de sofrimento, que geralmente alimenta a sobrevivência do herói.. A esse respeito, o crítico literário Antônio Cândido dedicou um ensaio, “Da Vingança”, [338]  onde analisa a figura do Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas. Embora os ensaios de Candido neste livro sejam uma compilação de publicações anteriores, em sua maioria, datados da década de 50, merece atenção o fato de que os títulos e algumas imagens escolhidas pelo autor para desenvolver suas análises, possam ser, sugestivamente, lidos como uma escolha muito pontual em relação ao que poderia e não poderia ser dito, no contexto da ditadura militar.[339] Mas, no que diz respeito à discussão mais propriamente literária no ensaio de Candido sobre a temática da vingança, é visível que em sua análise do Conde, ele a defina como parte de um certo, “temário romântico, do egotismo, do satanismo, da vontade de poder, da solidão, cosidos em torno da dialética do bem e do mal”[340], suprimindo qualquer menção à antropofagia, o que poderia nos levar a entender, que talvez nos encontremos diante de uma alusão, feita por ausência, à aspectos da “conduta burguesa”, de nossos vingadores estético-culturais: os modernistas  de 22. 

Se resumirmos a ampla análise de Candido - grifando apenas alguns aspectos que nos interessam para ampliar a maneira com a qual estamos aqui fazendo referência ao tema da vingança, vemos que o autor  aponta, justamente, ao caráter pessoal desta  na estética romântica. E indo além ele atribui a importância da vingança pessoal na novela romântica, no sentido de que este mecanismo narrativo, destaca o individuo, o faz sobressair-se, marcando-o com “relevo próprio”; ao contrário da vingança grupal, que segundo o autor, dissolveria o vingador nas malhas do interesse coletivo.[341]

A narrativa de Hans Staden se encontra implicada tanto na questão grupal, quanto individual da vingança. O viajante é objeto de vingança grupal entre as divergências das tribos, e ao mesmo tempo, o testemunho de sua sobrevivência, é uma prova de sua vingança pessoal diante da adversidade.

Curiosamente, a experiência vertiginosa de Staden, possui muitas coisas em comum, com alguns itens do herói vingador da literatura romântica, conforme observada por Antonio Candido. Tudo começa quando o artilheiro alemão dirige-se em 1548 à Lisboa na tentativa de arranjar uma viagem para a Índia, mas acaba por se  engajar num navio mercante de um certo capitão Penteado. O navio que viria em busca de pau-brasil, devia também combater o contrabando com mouros da costa africana, apreender navios franceses que disputavam o comércio da madeira de tinta nas costas da terra de Santa Cruz, bem como transportar alguns degredados. [342]

Após muitas peripécias, chegam à Costa de Pernambuco em janeiro de 1549, e logo lhes veio um pedido de ajuda num dos primeiros núcleos de colonização para acudir uma vila sitiada pelos selvagens. Conseguiram quebrar o cerco e reabastecer a vila. Entretanto, na busca de pau-brasil encontraram, na costa da Paraíba, uma nau francesa carregada com a valiosa madeira. Na tentativa de aprisioná-la, perdem o mastro principal, e com algumas baixas, rumam de volta a Portugal, em uma viagem marcada pela fome e pela sede até os Açores, onde reabastecem e seguem viagem para Lisboa, ancorando 16 meses depois. Hans Staden não se deixou abater pelos primeiros infortúnios e já em 1550 encontra-se no navio São Miguel, cujo capitão é João de Salazar, que irá se dirigir em busca do Rio da Prata. Após um motim que foi serenado na altura das ilhas Canárias, próximo a Costa da Guiné, uma tempestade desgarrou a nau capitânia, e no mês seguinte foram atacados por corsários franceses, que levaram todos os bens da tripulação. Empreenderam então a travessia até chegarem à Ilha de Santa Catarina, onde entraram em contato com os primeiros portugueses que lhes deram as coordenadas e a distância para o Sul (Rio da Prata) e para o norte (São Vicente).                     

A expedição se reorganiza e se divide, deliberando-se que a maioria do grupo se dirigiria para o leste em busca de Assunção no Paraguai, onde já havia um estabelecimento espanhol, enquanto os restantes, entre eles, Staden tentariam navegar para o norte em direção a São Vicente.Nova viagem acidentada: A nave foi forçada pelos ventos, que a despedaçou contra rochedos. Depois os sobreviventes encontraram alguns portugueses que finalmente os encaminharam para São Vicente. E Hans Staden foi engajado como bombardeiro no forte recém construído de Bertioga, na ilha de Santo Amaro. O forte era a guarda de defesa das primeiras povoações em face dos tupinambás, que hostilizavam tanto os portugueses quanto os tupiniquins. Hans Staden, durante uma caçada na ilha, foi então feito prisioneiro dos tupinambás, sendo levado primeiro para uma aldeia de Ubatuba, depois para a de Ariró, onde se encontrava o chefe Cunhambebe.[343] Staden ficou nove meses em cativeiro, onde presenciou as cenas de antropofagia ritual que antecipavam o seu futuro sacrifício. Após uma série de incidentes e tentativas de fuga, conseguiu finalmente ser salvo por um navio mercante francês, até que, em 1555, chegava ao porto de Honfleur, na França.

O interesse da narrativa dos viajantes, tal como a de Staden, não se encontra apenas no propósito de registro histórico, mas em seu  caráter de obra com valor em si mesma. Este caráter estranho e extremado, que não provém apenas da descrição das descobertas do novo da paisagem, ou de seus habitantes e costumes ou ainda do próprio medo em face a tudo, essa narrativa  trata também da evidenciação do abismo da própria linguagem e da impossibilidade que há nela  de se traduzir plenamente a experiência.

À violência avassaladora que fundou e foi definindo os espaços territoriais e as posições sociais durante a época da colonização, foi sendo aderido um processo fragmentário de condicionamentos recíprocos que perduraria até o presente. Sob distintos matizes de interpretação,  os intelectuais que se dedicam a analisar a  cultura brasileira, volta e meia, esbarram neste  paradoxo constitutivo. Segundo o historiador Fernando Novais mesmo havendo enormes variações no processo, o tópico básico e insolúvel é sempre o mesmo:

 

Realizada a emancipação sob o comando desse senhoriato colonial  (senhores das terras e das gentes, ameríndios servilizados ou africanos escravizados) a nação assim criada não pode se identificar com os colonizadores (porque a separação perderia sentido) nem com os colonizados (ameríndios, africanos) porque continua a explorá-los, isto é, a colonizá-los.(...) Daí essa estranha sensação de que estamos desterrados em nossa própria terra, ou de que, aqui, as idéias estão fora do lugar. Se fosse um consolo, caberia lembrar que isto aos olhos dos estrangeiros, que em levas sucessivas (os viajantes no século passado, os brasilianistas no atual) vêm partilhar as nossas perplexidades. [344]

 

Novais destaca  a partilha do estrangeiro das nossas próprias perplexidades,  como um traço comum que mantêm as bases sobre a qual uma cultura se efetiva e consequentemente, como um dado da estética e das relações políticas que dela advém.

A partilha para os modernistas antropofágicos encontrava-se  associada  à  recuperação  dos  elementos culturais que iriam  que iriam desde hábitos  indígenas, até manifestações regionais e populares, que haviam sido escondidos por uma capa embranquecedora pela elite cultural do país.

 A imagem de um caldo cultural em ebulição nestas primeiras décadas do século XX, poderia ser regada com o  cauim, signo da incorporação da alteridade e  aglutinador da experiência de partilha nas culturas indígenas. Essa bebida feita de raízes de mandioca  era  preparada, segundo dois relatos do período colonial, em diversas etapas. Segundo relato do próprio  Staden, da seguinte maneira:

 

São as mulheres que preparam as bebidas. Usam raízes de mandioca e cozem-nas em grandes panelas. Quando está cozido, retiram as mandiocas das panelas, despejam-na em outras panelas ou vasos e deixam que esfrie um pouco. A seguir, meninas sentam-se ao redor e a mastigam, colocam o mastigado num vaso especial. Quando todas as raízes foram mastigadas, colocam o mastigado novamente na panela, despejam água por cima, misturam ambos, e deixam ficar quente de novo. Então há vasos especiais que enterram pela metade dentro da terra e que usam como se usam por aqui barris para vinho e cerveja. Despejam a massa dentro e fecham-nos bem. Então a fermentação ocorre sozinha e a massa fica forte. Deixam-na em repouso durante dois dias. Depois bebem-na e se embriagam.É um líquido espesso e rico. Cada cabana produz a sua própria bebida, e quando uma aldeia inteira quer festejar, o que normalmente ocorre uma vez por mês, vão todos  primeiro para uma cabana, bebem tudo que há nela, e assim por diante, até terminarem a bebida de todas as moradias. (...) A bebedeira dura a noite toda. Dançam também entre as fogueiras, soltam berros e sopram em seus instrumentos e fazem uma gritaria medonha quando estão embriagados. Mas é raro que briguem. São muito solidários entre si, o que um tiver a mais de comida que o outro, lhe dá.[345]

 

Conforme a descrição do francês Jean de Léry a cauinagem tinha uma estrita relação com a dança:

 

Mas é principalmente quando emplumados e enfeitados que matam e comem um prisioneiro de guerra em bacanais à moda pagã, de que são sacerdotes ébrios, que se faz interessante vê-los rolar os olhos nas órbitas. Mas também acontece sentarem-se em redes de algodão e uns em frente dos outros beberem modestamente; mas como o seu costume é de se reunirem todos, de um aldeia ou de muitas para beber (o que nunca fazem para comer), esses beberetes especiais são muito raros. Bebam pouco ou muito porém, como não sofrem de melancolia congregam-se todos os dias para dançar e folgar em sua aldeia.(...) não fazem outra coisa todas as noites senão entrar e sair de casa dançando e saltando.(...) Cumpre notar que em todas essas danças, quaisquer que sejam, nunca as mulheres se misturam aos homens; se querem fazem-no em grupo separado.[346]

 

O preparo do Cauim, atividade feminina na qual a raiz não é digerida, mas acrescida de saliva até sua fermentação, cujo resultado é uma baba embriagante,  revela um duplo valor  no banquete ritual  antropofágico da devoração plena do inimigo -  fartamente regado pela bebida - uma parte líquida que recusa, e uma outra sólida, que assimila.[347] Sendo a vingança o grande valor do corpo cultural tupinambá cumpre observar que a repressão imposta ao verdadeiro ritual antropófago gerou transfigurações de ordem mítica e cosmológica ao longo dos séculos de colonização, de tal modo, que segundo o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, os Araweté, uma tribo remanescente dos tupinambás, transpõe o mesmo ímpeto antropofágico em seus discursos sobre o destino póstumo das pessoas. Esta cosmologia fundamentada num devir-outro, sugere a idéia de um  corpo que não é definidor de um “eu”, que não é  uma “prisão da alma”, mas um objeto de devoração que devolve a alma ao mundo. Isso possibilita, “habitar novos corpos e apropriar-se de outros pontos de vista sobre o universo. Assim, esse “eu” não pode ser tomado como valor em si, já que seu ideal reside sempre alhures, está sempre projetado na alteridade.”[348]

Aqui se arma todo um ponto nevrálgico, que gera uma perturbação sustentada como o elemento  unheimlich[349] na constituição subjetiva do caráter identitário nacional. Trata-se de um elemento que por força de agrupamento coletivo ou partilha, poderia a primeira vista, produzir a idéia de um “povo brasileiro”, sustentado na esperança da formação de um caráter nacional homogêneo.[350]

A intuição da impossibilidade de um grupamento homogêneo de pessoas sob a salvaguarda da idéia de de Nação pode ser considerada uma das razões que levaria a geração antropófaga a buscar na mitologia indígena alguns elementos de recusa a um modelo de cultura européia, pelo menos da não  euro-atlântica. Esta é a condição sine qua non para o mote cultural da primeira geração de modernistas no país, que iria fundar um modelo irreverente, mas baseado na busca das matrizes históricas de tonalidades híbridas presentes na cultura popular e simultaneamente, criar uma maquinaria de ficção das raízes brasileiras. O regime estético modernista tem sido desde então, sucessivamente problematizado por uma boa parcela das gerações posteriores na arte e na literatura brasileiras.[351]

  A antropofagia tupinambá está longe de deglutir um corpo coisificado, pois em sua ordem cosmológica do sagrado,  “a morte em mãos alheias era morte excelente porque era morte vindicável, isto é, justificável e vingável; morte com sentido, produtora de valores e de pessoas, conforme declara o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro.[352]

De modo que a vingança não era uma simples decorrência do temperamento agressivo dos índios, ou de uma incapacidade patológica em esquecer e perdoar ofensas passadas, mas, pelo contrário, a vingança, segundo o argumento do antropólogo, era a instituição que justamente promovia a memória. É neste sentido que a memória iria ter  uma importante significação no motivo da vingança:

 

Memória, por sua vez, que não era outra coisa que essa relação ao inimigo, por onde a morte individual punha-se a serviço da longa vida do corpo social. Daí a separação entre a parte do indivíduo e a parte do grupo, a estranha dialética da honra e da ofensa: morrer em mãos alheias era uma honra para o guerreiro, mas um insulto à honra de seu grupo, que impunha resposta equivalente. É que a honra, afinal, repousava em se poder ser motivo de vingança, penhor de perseverar da sociedade em seu próprio devir. O ódio mortal a ligar os inimigos era o sinal de sua mútua indispensabilidade; este simulacro de exocanibalismo consumia os indivíduos para que seus grupos mantivessem o que tinham de essencial: sua relação ao outro, a vingança como conatus vital. A imortalidade era produzida pela vingança, e a busca da imortalidade a produzia. Entre a morte dos inimigos e a própria imortalidade, estava a trajetória de cada um, e o destino de todos.[353]

 

            Assim, para Viveiros de Castro, a vingança era o próprio motor da cultura tupinambá, sendo que antes de qualquer possível incorporação das qualidades do inimigo, argumento aliás, exaustivamente utilizado para interpretar a antropofagia ritual, o que estaria em jogo, seria uma inquieta e radical noção de incompletude, uma indispensabilidade dos outros.

Vale lembrar ainda, que  “vingança” é  uma  palavra que pertence também à constelação semântica ligada ao plantio e à fertilidade, e que  tornava-se na cultura tupinambá,  o centro da memória coletiva do próprio grupo e do grupo inimigo.

            Ainda colocando em discussão retrospectiva a problemática de um ponto de vista estrito à literalidade do canibalismo, sabemos hoje que já na Grécia antiga, o ato de comer carne humana era denominado anthropophagía. E que somente depois da descoberta da América, difundiu-se o termo canibalismo, tendo a origem da palavra uma relação com a primeira viagem de Colombo, quando o navegador torna-se ciente, através dos arawak, que os carib, seus inimigos antropófagos, eram ferozes, bárbaros e conhecidos como cariba. Embora antropófagos e canibais sejam, em princípio, idênticos, há uma importante distinção entre os termos: a antropofagia seria ritual, enquanto o canibalismo ocorreria motivado pela necessidade, pela fome. Essa diferença destaca que o consumo da carne humana como mantimento era mais degradante do que a ingestão segundo regras sociais[354]. Nesse sentido, os antropólogos discordam da variação, pois não há notícias de sociedade que tenha consumido carne humana como alimento. No período colonial brasileiro, foram descritos dois tipos de canibalismo ou antropofagia: o exo-canibalismo, comum entre os tupis, e o endo-canibalismo, praticado, segundo cronistas coloniais, pelos tapuias do nordeste. Esta distinção, feita pelo historiador Ronald Raminelli leva em consideração muitos dos pressupostos de Viveiros de Castro conforme leremos a seguir:

 

Entre os primeiros, os festins canibais faziam parte da guerra. O prisioneiro era conduzido à aldeia, onde, mais tarde, encontraria a morte em ritual marcado pela vingança e coragem. Logo após a chegada, o chefe designava uma mulher para casar com ele, mas ela não podia afeiçoar-se ao esposo. O dia da execução era uma grande festa. No centro da aldeia, os índios, sobretudo as índias, se alvoroçavam. Os vizinhos também estavam convidados, todos provariam da carne do oponente. No ritual, homens, mulheres e crianças lembravam e vingavam-se dos parentes mortos. Imobilizada, a vítima não esquecia do ímpeto guerreiro: enfrentava com bravura os inimigos e perpetuava o sentimento de vingança. Seus parentes logo o reparariam a sua morte. Essa morte era honrosa, criava elos entre amigos e entre inimigos e identidade entre grupos. Depois de morto, a carne era dividida entre músculos e entranhas. As partes duras eram moqueadas e consumidas pelos homens; mulheres e crianças ingeriam as partes internas cozidas em forma de mingau. O matador, no entanto, não participava do banquete, entrava em resguardo e trocava de nome. Com a colonização, esse rito foi paulatinamente abandonado, provocando, segundo Eduardo Viveiro de Castro, a perda de uma dimensão essencial da sociedade tupinambá: a identidade. O antropólogo ainda comenta que a repressão ao canibalismo não foi o único motivo para o abandono. Os europeus passaram a ocupar o lugar e as funções dos inimigos, alterando a lógica do ritual. O endo-canibalismo não se pautava na vingança, mas na ingestão da carne de amigos ou parentes já mortos. Entre os tapuias, não havia melhor túmulo do que as entranhas dos companheiros. Era um ato de amor: mães e pais devoravam seus filhos. Depois de morto, o parente era retalhado e cozido em uma panela. Incineravam os ossos e, em seguida, raspavam-no. Nada era esquecido, nem mesmo o pó que era engolido com água. Os restos eram guardados e consumidos, posteriormente, em solenidades. Ao término do repasto, punham-se a gritar e a chorar. [355]

          

            As diversas leituras, no campo etnográfico, que elaboraram e re-elaboraram os rituais antropofágicos, somadas ao deslocamento do assunto para os espaços da literatura e da arte, desenvolvido pelo modernismo brasileiro, resultaram em fértil material para os estudos da cultura, adquirindo desdobramentos, no presente, que incluem a teoria da modernidade.

Neste sentido, com relação aos aspectos culturais enxertados no corpo coletivo desmembrado da modernidade, a ensaísta Ana Luísa Andrade lê a imbricação de um presente devorador, de natureza saturnina, que é ao mesmo tempo, incorporado pelo passado  e “que já é fantasma do presente”. [356]  Segundo este argumento, a modernidade, ao se realimentar de sua própria linhagem, a assimila, ao mesmo tempo em que se transforma em outra. Por esse motivo, a problemática da temporalidade, através  da figura mítica de Saturno, é posta em simetria com o tópico do corpo devorado pela passagem voraz do tempo. Esta condição é exemplificada pela autora, através de uma pintura de Goya, Saturno devorando um de seus filhos, que consistiria efetivamente de uma imagem de um presente devorador corporificado onde,

 

O abocanhar voraz do filho no passado que desemboca na devoração futura do pai, corpo incorporado que se torna incorporador. A força da linguagem imagística aqui se volta ao acontecimento originário cultural: a representação da espécie animal ampliada no corpo humano que, ao devorar um outro reduzido, apropria-se tanto das forças adversárias (exocanibalismo) quanto das ancestrais (endocanibalismo), canibalismo, enfim, que antecede a própria linguagem imagística de que é constituída a matéria-prima da pintura. [357]

 

No ensaio de Ana Luísa, encontra-se também uma referência ao pensamento de Walter Benjamin, que, segundo a autora, já é, por sua vez, saturninamente reproduzido a partir de fragmentos de “um corpo arcaico desmembrado”, potencializador das alegorias modernas.[358] Assim, de uma memória cultural fragmentada, o retorno de certas imagens, como aquelas produzidas pelo nosso movimento modernista que havia incorporado procedimentos similares aos do surrealismo, as fecundas reicorporações da arte brasileira desde a virada modernista antropofágica arma um modelo estético e político e  coloca ainda em funcionamento, aquela espécie de “penhor da sociedade em seu próprio devir”, que conforme o argumento de Viveiros de Castro, é fundador por excelência, do motivo da vingança nas sociedade tupinambá, mas que metaforicamente propõe um regime estético e conceitual para nosso país.

  

XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

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DESENHOS, IMAGENS E SIGNIFICADOS DE PROFESSORES E DE ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS, EM  ESCOLAS COM EDUCAÇÃO INCLUSIVA.*[359]

 

 PROFESSORES E ALUNOS: SUJEITOS DA INCLUSÃO SÓCIO-EDUCATIVA EM ARTE E EDUCAÇÃO*[360]

 

                                                                                        Prof. Dra. Neli Klix Freitas*[361]

 

  Palavras-Chave:Necessidades Educativas Especiais; Educação Inclusiva; Arte e Educação.

 

                                                        Resumo

 A proposta do artigo é a de apresentar dados da pesquisa sobre o tema das Imagens e Significados em Educação Inclusiva desenvolvida pela autora, focalizando a arte e educação. Os participantes foram trinta professores e dez crianças com necessidades educativas especiais. Com os professores foi empregado um questionário e a técnica “cartas de quem gosta de escrever”.Com as crianças foram coletados desenhos , em uma série de dez.O método empregado foi a Análise de Conteúdo, tendo sido definidas três categorias:registros da escola como tempos vividos;interação social e conhecimento; desenho, imaginação, criatividade e aprendizagem.Apesar do avanço que representa,assinala-se para a necessidade de problematizar mais a educação inclusiva na  escola e na sociedade.

 

 

                                                                                                    

       Nas diferentes áreas do conhecimento observa-se grandes transformações educacionais: mudanças nos parâmetros  curriculares nacionais, na legislação referente à acessibilidade à escola,  na fundação de um outro tipo de escola, que se pretende inclusiva e que, no Brasil, por força de lei recebe essa denominação.

        Uma questão que se apresenta relaciona-se com as diferenças entre as pessoas, incluindo a preocupação com o  outro, a aceitação, a tolerância.Para ampliar a reflexão aponta-se: essas questões são reais, ou trata-se de mais uma oposição binária entre inclusão e exclusão?

       Parece existir  certo consenso acerca da idéia de que já não  há um único modo de compreender o que é a educação, nem como a escola deve lidar com os alunos com necessidades educativas especiais. Entretanto, ainda permanece o discurso de que algumas crianças são diferentes. Os diferentes respondem a uma construção, uma invenção; são   o reflexo de que ainda  existe uma separação, uma categorização de alguns sujeitos em relação ao vasto conjunto de diferenças existentes entre os seres humanos.

       Deleuze (1988) refere que a diferença toma distância da identidade, da representação e da  mesmidade. Para Deleuze (1988) a diferença não reside entre dois pontos que, de acordo com certo  princípio de identidade, se diferenciam. Esta visão teria mais a ver com o entremeio, e não com uma suposta oposição entre dois termos, ou dois conceitos. A diferença não aponta para ninguém, mas cria o permanente movimento de diferir.

      O que ocorre em nossos tempos é que alguns matizes de diferenças até aqui ignorados, ou ocultos tem sido repensados, pelo menos não negados, talvez porque a legislação  tenha estabelecido critérios mais rigorosos, ou por outras razões. As formas de diferenças do corpo, de aprendizagem, de linguagem, de movimento, de ser, de vestir-se, de viver devem ser vistas não como um atributo, uma propriedade, uma característica dos chamados de diferentes, mas como uma possibilidade de ampliar a compreensão acerca da intensidade das diferenças humanas.

     Essas e outras questões importantes emergiram em nossa pesquisa, tanto na consulta à literatura e à legislação, quanto na coleta de dados, na escuta e no convívio com os principais atores do processo de educação inclusiva: professores e, no caso da delimitação da pesquisa, alunos com necessidades educativas especiais. A visão da escola inclusiva impõe a demolição dos discursos educacionais que excluem as diferenças. A fronteira que separa de forma nítida aqueles olhares que continuam pensando que o problema da educação escolar está na anormalidade, no anormal, bem como daqueles que pensam o oposto: os que consideram a normalidade, a norma, o normal como o problema em questão é que deveria ser colocado sob suspeita. Trata-se de representações que se apresentam como científicas e acadêmicas, vigiando cada desvio, descrevendo cada detalhe das patologias, cada vestígio da normalidade, suspeitando de toda deficiência com a conhecida afirmação de que “algo está errado no sujeito, que possuir uma deficiência é um problema” (SKLIAR, 2003, p.18).

      Essas considerações remetem-nos a lançar outros olhares, talvez menos vigilantes, que tenham de inverter a discussão, fazendo do normal, da norma, o problema que deve ser colocado em questão. Esses olhares têm muito a oferecer à educação em geral, produzindo a desmistificação do normal, questionando os parâmetros instalados na pedagogia sobre o que deve ser correto.

      Normalizar significa escolher arbitrariamente uma identidade, e fazer dela a única identidade possível, a única identidade verdadeira e adequada. No Brasil, a educação inclusiva despontou  como realidade,trazendo em seu bojo tanto a aceitação das diferenças, quanto questionamentos sobre a capacitação dos professores, sobre os modelos pedagógicos vigentes , sobre a adequação das escolas  e também,sobre as responsabilidades das famílias nesse processo.

          A Constituição Brasileira de 1988, capítulo III, da Educação, da Cultura e do Desporto, artigo 205, prescreve: “a educação é direito de todos e dever do Estado e da Família”. Em seu artigo 208, prevê que “ o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 1988).

          A Lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional (LDB) , Lei 9394, de 20/12/96, conceitua e orienta a abordagem inclusiva para os sistemas de ensino. Esta estabelece, em seu artigo 59, que “os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades educativas especiais: currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica, para atender as suas necessidades” (BRASIL, 1996).

          Se por um lado o acesso dos portadores de necessidades educativas especiais às escolas de ensino regular cresce a cada dia, por outro ainda são precárias as instalações físicas, a oferta de material didático-pedagógico adequado e a capacitação de professores, para efetivar uma educação inclusiva de qualidade, particularizando-se a arte e educação.

        Vygotsky, expoente do Sócio-Interacionismo postula que o professor deve ser um mediador entre o sujeito que aprende e o conhecimento. Mediar consiste nas ações de um agente intermediário em uma relação. Vygotsky  trabalha com a noção de que a relação homem-mundo não é uma relação direta, mas fundamentalmente mediada (VYGOTSKY, 1984, p.127).

         Nessa perspectiva não há espaço para a transmissão de conhecimentos sem a presença dos signos, dos símbolos e da cultura, considerados como agentes mediadores e ferramentas úteis no processo de aquisição do conhecimento. Com a educação inclusiva, a mediação adquire um caráter de grande importância, uma vez que situa  três questões imprescindíveis ao processo de construção do conhecimento: o aluno, como o sujeito que aprende; o professor como mediador; a cultura , os signos como ferramentas  a serem empregadas.O princípio que regula a dinâmica implícita nessa trama conceitual é a interação social. Trata-se de um modelo pertinente em tempos de educação inclusiva, onde a interação é o princípio essencial (VYGOTSKY, 1984, p.145).

         Trata-se de novos tempos, que exigem outras posturas, nas quais a interação social é imprescindível. Mas, essa proposta carrega em seu bojo uma dinâmica de aceitação de diferenças, em uma postura ética solidária (HERNANDEZ, 2000).

          A história mostra que os conceitos e práticas relacionadas ao atendimento de pessoas com necessidades educativas especiais têm evoluído no decorrer dos tempos. Entretanto, o termo inclusão é recente, tendo sido impulsionado pela Declaração de Salamanca (1994).O princípio fundamental da escola inclusiva, a partir daí, consiste na aprendizagem mútua, baseada na cooperação, ou seja, todas as pessoas devem aprender juntas, independentemente de suas diferenças.

          Larrosa e Skliar (2002) sugerem uma pedagogia do diálogo, da harmonia, da empatia, não para terminar com as diferenças, mas para manter a tensão entre elas, compreendendo que é da tensão que emerge a criação de algo novo e a possibilidade de uma nova ordem, que subverte o caos, o que é fundamental em arte e educação.

         Uma revolução no olhar. Questões inclusivas, sociais e educacionais pedem por novos olhares: olhares múltiplos para romper com a hegemonia epistêmica dos grandes saberes que, com seu olhar iluminista pretendem iluminar tudo. Busca-se olhares iluminados por novos focos e instrumentos que possam descer fundo na ordem implícita, penetrando no subjacente e no subjetivo. Trata-se de uma visão de escuta das vozes de uma ciência que, em sua busca transdisciplinar é capaz de gestar o novo, nesse movimento de olhar para a arte e educação sob novos ângulos. Não há um modelo único , assim como cada ser humano é diferente do outro. Uma visão hegemônica de educação, na qual todas as crianças aprendem do mesmo modo e no mesmo ritmo é uma utopia, um contido expansivo, que não pode ser aprisionado por nenhuma ideologia, nenhuma legislação. A multiplicidade representa o convite para a coragem de espiar por frestas inusitadas e conseguir ver outras dimensões da realidade. Trata-se de uma subversão do olhar (MUNIZ REZENDE, 1993).

          É necessário romper com os estigmas das diferenças para ativar a riqueza efervescente, o inquietante abismo, a crise do absoluto, ditada pelo defensor obsessivo de uma identidade modelo, e abrir a escuta para a turbulenta profusão das diferenças. Disso depende a aceitação das diferenças, a força de criação implícita nesse ato, que leva à Transformação (ROLNIK, 1993).

 

                                       Metodologia da Pesquisa

 

        Foram participantes da pesquisa trinta professores com formação em Artes Visuais , com experiência atual em  educação inclusiva, bem como dez alunos com diferentes necessidades educativas especiais: dislexia, deficiência auditiva, transtorno por déficit de atenção com hiperatividade, retardo mental, paralisia cerebral, síndrome do Down e autismo, todos inseridos em classes de escolas com educação inclusiva, totalizando dez escolas da cidade de  Florianópolis.

     Os professores responderam a um questionário e à técnica "cartas de quem gosta de escrever", que consiste em escrever uma carta a um professor que tenha sido significativo em sua formação. As crianças foram solicitadas a realizar desenhos e outras visualidades,a falar sobre seus trabalhos, adotando-se a técnica semelhante ao desenho-história. Cada criança realizou uma série de dez visualidades, ao longo de cinco encontros, todos coletados pela pesquisadora e pela bolsista nas próprias escolas. Os pais das crianças também foram entrevistados, antes do início da coleta de dados, solicitando-se a assinatura do termo de consentimento informado, de acordo com os pressupostos do Comitê de Ética em Pesquisa, uma vez que a pesquisa foi devidamente aprovada pelo mesmo, na UDESC.

     Após a coleta de dados, os mesmos passaram por análise, seguindo-se os pressupostos do método da Análise  de Conteúdo, segundo Bardin (1977).

 

                                Análise e Interpretação dos Dados

 

      Na análise dos dados já realizada, três categorias emergiram, e passaram por interpretação, segundo o método adotado:

1.Registros sobre a Escola e sobre Professores: Tempos Vividos

2.Interação Social e Conhecimento: Tramas Conceituais

3.Desenho, Imaginação, Criatividade e Aprendizagem:O cotidiano de crianças com necessidades educativas especiais na escola inclusiva

 

                                         Considerações Finais

 

     A abertura das escolas para as diferenças tem a ver, dentre outras questões, com uma mudança radical nos processos de ensino e aprendizagem. Inclui uma proposta de ruptura entre as fronteiras existentes em diferentes disciplinas, entre saber e realidade. Isso implica em uma valorização da multiplicidade, da integração de saberes, das redes de conhecimento que, a partir daí se formam e se constituem. Assinala para a transversalidade das áreas curriculares e para a autonomia intelectual do aluno, autor do conhecimento e que, por isso mesmo, imprime valor ao que constrói. Esse processo não pode prescindir da interação social. Para Vygotsky (2003) o exercício pleno da criatividade está intimamente relacionado com o conhecimento. Nunca foi tão importante criar como em nossos tempos.Os mecanismos de controle e de assujeitamento não são fixos e padronizados, mas sim oscilantes e difusos, exigindo estratégias de enfrentamento capazes de ensejar múltiplas ações, singulares e versáteis ao mesmo tempo. Ensinar é, então, muito mais do que transmitir informações. Implica em mobilizar nos educandos o prazer de aprender. A arte vincula-se às diferenças, à expressividade, às inquietações humanas e às tensões, e essas são algumas das razões pelas quais educar com igualdade pessoas diferentes pode representar uma tarefa muito difícil, até inacessível para alguns educadores (CUKIER, 1996).

     Entretanto, a legislação assinala que o professor necessita dominar suas restrições pessoais às diferenças,  e essa é uma questão que desponta como realidade, vinculada a uma postura ética e solidária, e isso é essencial quando se fala em educação inclusiva (FREITAS, 2006). 

     O desenho constitui-se em uma forma de expressão e de comunicação de diferentes realidades, uma vez que as crianças desenham o que conhecem. Seu emprego em educação inclusiva reveste-se de importância, para a emergência de significados de distintas realidades.O desenho, segundo Vygotsky (2003) vincula-se à criatividade, e deve ter seu espaço assegurado em toda a produção humana.Na pesquisa, nos dados já analisados, foi possível evidenciar diferentes significados atribuídos ao processo da inclusão, da interação e da aprendizagem através dos desenhos das crianças.Concorda-se também com Derdik (2003), para quem o desenho traduz um pensamento, revela um conceito.Existe,então,uma associação estreita entre a imaginação, o pensamento, a linguagem e o conhecimento, o que corrobora as idéias de Vygotsky (1987).Além dessas considerações, Vygotsky (2001) refere que a arte vincula-se às possibilidades expressivas, aos vínculos com a vida, construindo pontes através das quais se comunicam processos psíquicos e processos sócio-comunitários.

     Muitas considerações emergiram da pesquisa, nos dados já analisados. A educação inclusiva é uma possibilidade de romper as barreiras que inviabilizam a aceitação das diferenças entre as pessoas. Mas,trata-se de um processo complexo, que exige capacitação, exercício da tolerância, conhecimento.Essas considerações remetem a pensar constantemente na questão da inclusão nas escolas, de viabilizar reflexões e questionamentos sobre o processo,pesquisas constantes e abertura para um espaço plural.Construir o universal a partir do particular, da identidade e da diferença é o desafio que se impõe para a construção efetiva de um projeto de educação para a cidadania.

     A importância da arte nesse processo educativo e social adquire importância ao pensar no desenvolvimento e aprendizagem da criança como sujeito que se expressa e se insere no mundo,criando, ampliando repertórios que alimentam a imaginação, que agem e retroagem sobre a sociedade e sobre a cultura. A arte explora o pensamento divergente, mobiliza a busca de novas soluções, de possibilidades alternativas, de caminhos não convencionais, e  leva à construção de um percurso  de investigação da forma própria e única de expressão e criação que caracteriza cada ser humano.

   A análise dos dados permite considerar que, apesar de constituir-se em um processo inovador, que exige tolerância para com as diferenças, mobilização para novas atualizações por parte dos professores, um dos sentidos da educação inclusiva insere-se na perspectiva de construção de uma sociedade que convive com a diversidade. As imagens, as verbalizações dos professores participantes da pesquisa assinalam para esse sentido.Quanto às crianças com necessidades educativas especiais, a educação inclusiva adquire um sentido que focaliza a interação social como bem maior a ser cultivado; o estímulo às manifestações do imaginário, pela via do desenho, vinculado aos processos perceptivos adquire sentido quando associado à construção do conhecimento, na visão que integra infância e produção cultural. Trata-se de um campo no qual a arte ocupa um espaço importante, como campo aberto para todos, assim como o cenário da educação inclusiva,que ainda deve ser mais pesquisado.

 

 

                              Referências Bibliográficas

 

BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. DOU, 1996.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Atlas, 1988

CUKIER,J. La Educación y la Instituición Escolar. Revista de Psicoanalisis. T.XLVIII,n.5,p.6/10

DECLARAÇÃO DE SALAMANCA E LINHA DE AÇÃO SOBRE NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS. Brasília: Corde, 1994.

DELEUZE, E. Diferença e Repetição.Rio de Janeiro:Graal, 1988.

DERDYK,E. Formas de Pensar o Desenho.São Paulo:Scipione, 2003

FREITAS, N.K.Imagens Visuais e Conhecimento na Abordagem de Vygotsky.Revista Ciências e Cognição, v.06,Rio de Janeiro,Novembro/2005 P.108/112

FREITAS,N.K. Tramas Conceituais:Imagens,Significados e Representações mentais na Trajetória de professores de Artes Visuais. Revista Teoria e Prática da Educação. V.9,n.3Set/Dez.2006,p.78/97.

HERNANDEZ.F. Cultura Visual, Mudança Educativa e Projeto de Trabalho.Porto Alegre:Artes Médicas, 2000.

LARROSA, J;SKLIAR,C (Org). Habitantes de Babel. Política e Poética da Diferença. Belo Horizonte: Atlântica, 2002.

MUNIZ REZENDE, A. Bion y lãs Bases del Entendimiento Humano.Buenos Aires:Paidós, 1993.

OLIVEIRA, M.K. Vygotsky: Aprendizado e Desenvolvimento-O Processo Sócio-Histórico.São Paulo: Scipione, 2001.

ROLNIK,S. Guattari na PUC.Cadernos da Subjetividade. N.1,Vol.1,São Paulo, 1993

SKLIAR,C. E se o Outro não Estivesse aí? Notas para uma Pedagogia (Improvável) da Diferença. Rio de Janeiro:DP&A, 2003.

VYGOTSKY,L.S. La Imaginación y la Arte en la Infancia. Espanha: Akal, 2003.

VYGOTSKY, L.S. A Psicologia da Arte.São Paulo: Martins Fontes, 2001

VYGOTSKY, L.S. A Formação Social da Mente.São Paulo: Martins Fontes, 1987

 VYGOTSKY, L.S. Psicologia Pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

WALLON, H. Do Acto ao Pensamento. Lisboa: Moraes, 1979.

      

XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

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OUTROS ESPAÇOS EXPOSITIVOS[362]

 

Regina Melim[363]

 

 

Palavras Chaves: espaço portátil, publicação-exposição, circulação, participação.

 

 

Resumo :   O texto discute sobre um tipo particular de dispositivo curatorial cujo objetivo é expandir a noção de espaço expositivo e, por conseguinte, a própria noção de exposição. Trata-se da proposição de mostras que são realizadas no espaço de uma publicação, caracterizando-se como um espaço portátil, que expande o circuito dos espaços institucionais de museus e galerias, extrapolam o meio físico de uma sala expositiva, bem como, suas fronteiras geográficas.

Reconhecido como informação primária, a publicação converte-se ela própria na exposição, alterando profundamente a forma convencional de recepção, uma vez que espectador não apenas leva consigo, mas passa a interagir tactilmente com as obras artísticas que ali se inserem.

Como exemplificação e aprofundamento destas questões que emergem destes outros espaços expositivos, apresentamos duas exposições-publicações e um desdobramento: pf (por fazer) e sua forma desdobrada, to be done, organizada em 2006 e, amor.love: leve com você.take with you, organizada em 2007. Como uma estrutura portátil, oferecida a todo visitante da exposição, estas proposições acontecem no espaço expositivo de um museu ou galeria, através de uma permanência temporária e com o mínimo de recurso ou sofisticação de montagem.

 

 

[ OUTROS ESPAÇOS EXPOSITIVOS ]

 

O texto debate sobre um tipo particular de dispositivo curatorial, denominado Exposições Portáteis, cujo objetivo é conjugar a reflexão e a prática de estratégias de curadoria e modos de circular um trabalho artístico. Como reflexão sobre estes procedimentos, parte-se da noção de difusão e circulação como forma de construção de novos circuitos e que estes, na medida do possível, possam também extrapolar as paredes de um espaço físico de um museu ou galeria.

Seu formato portátil (ou de bolso) prevê como modelo de apresentação, pequenas publicações: livro, blocos ou folhas avulsas em embalagens, contendo desenhos e textos na forma de proposições ou instruções. De baixo custo, estas publicações possuem o objetivo expresso de alargar o espectro de audiência e participação, através de tiragens impressas, ilimitadas para reprodução. Além disso, a publicação como espaço expositivo, torna-se o dispositivo que prolonga a efemeridade do tempo de uma exposição, deslocando o que sempre se vinculou como informação secundária ou registro de uma exposição realizada em espaços de museus e/ou galerias para, ela própria - a publicação - ser o veículo primário das práticas artísticas que ali se inserem.

Uma tentativa, também, de vislumbrar uma exposição como deflagradora de um contínuo movimento participativo, existindo não como estrutura pronta, fechada em si, mas como uma superfície aberta e distributiva. E em permanente circulação, alterando profundamente a forma convencional de recepção, uma vez que espectador não apenas leva consigo a exposição, mas passa a interagir tactilmente com a obra artística.

A distribuição ou a dispersão, sem dúvida, tem nos interessado sobremaneira. Pensamos que é a partir dela que podemos ampliar esta participação e criar novos circuitos. Circuitos que vão além dos espaços circunscritos de museus e galerias, a partir de um espaço portátil, que uma vez acessado, poderá ser transportado para a realização de uma obra em qualquer lugar, a qualquer hora, em diferentes contextos. Como um objeto transportável, uma espécie de estrutura de inspeção[364] oferecida à participação.

Este interesse por difusão e circulação de obras, conduzindo à formação de novos circuitos, extrapolando o meio físico de uma sala expositiva, trazem à tona alguns questionamentos do sistema da arte como um todo. Partes integradoras deste sistema, composto especialmente por artista, curador e espectador, podem se apresentar envolvidas de tal forma, que se vêem em um dado momento ampliadas e/ou deslocadas de suas funções.

De posse destas proposições, vislumbradas desde o início como deflagradoras de um contínuo movimento participativo, estas partes tendem a não se apresentarem mais isoladas. Como um conjunto - condição essencial para o desenvolvimento desta proposição - surgem em forma de binômios: espectador-participador, artista-propositor, artista-curador, participador-curador e quantas combinações possíveis dentro deste sistema, que desde o princípio tem como objetivo se apresentar como uma estrutura agenciadora e intercambiável[365].

 

 

[ Exposições-Publicações ]

 

Para discutir e aprofundar questões que emergem desses outros espaços expositivos, apresentamos duas exposições-publicações e um desdobramento: pf (por fazer), e sua forma desdobrada: to be done, e amor.love: leve com você.take with you.

A primeira destas exposições - denominada pela sigla pf, como forma abreviada do codinome inicial intitulado por fazer, apresentava as obras como proposições, ou como instruções, cuja realizações se dariam a partir de uma participação. Desenvolvida na Universidade, suas primeiras anotações aconteceram ainda em 2005 e contou com a participação de alunos da graduação[366] e da pós-graduação[367], e de uma série de artistas[368] convidados no decorrer do processo construtivo desta proposição.

Na sua origem, surgia como possibilidade de pensar a noção de Performance nas artes visuais tentando substituir o estereótipo, quase sempre associado sob um único formato – o artista em uma ação ao vivo, assistido por uma audiência, num tempo e espaço específico - para um viés bem mais distendido. E incluir, então, não somente ações que ocorrem ao vivo, mais uma série de outros trabalhos (remanescentes ou não), que pudessem estabelecer uma definição possível para Performance nas artes visuais, contemplando trabalhos cujos elementos são performativos. Associado a esta noção, portanto, incluiríamos dentre uma variante de procedimentos, uma produção de textos e desenhos, marcadamente com características de instruções. Interessava-nos naquele momento, a partir desta distensão do conceito, pensar uma noção de Performance realizada pelo espectador que, em posse destas instruções, poderia interpretá-las e realizá-las. Teríamos  ainda a possibilidade da criação de um espaço relacional, (que na elaboração deste projeto surgia sob a denominação de espaço de performação[369]), significando um maior grau de participação, uma vez que cada espectador levaria consigo uma matriz geradora de outros tantos espaços de performação.                                             

Do material recebido, que reunia 36 participantes, o projeto foi elaborado como um bloco de notas, seguindo a lógica de emissão de faturas em que temos folhas duplas destacáveis correspondendo, respectivamente, o original e a cópia. Todavia, restava ainda outra discussão que seria: como expor, veicular e colocar em circulação esta exposição-publicação?

Imaginamos, então, que como uma estrutura portátil, oferecida a todo visitante, seu formato de exposição poderia acontecer no espaço expositivo de um museu ou galeria, a partir de uma permanência temporária e com o mínimo de recurso ou sofisticação de montagem. Um tipo de dispositivo curatorial, dentro desta perspectiva de mobilidade e circulação, que incluísse o menor número de equipamento possível, todavia, o suficiente para que pudéssemos, com cada mostra, não somente distribuir os bloquinhos, mas também pensar no conjunto de sua apresentação e recepção.

Sugeriu-se, então, como equipamento curatorial necessário, apenas uma parede (para que pudéssemos dispor as folhas expostas lado a lado), uma mesa (para colocar as pilhas de blocos que estariam à disposição do público), e cadeiras (para que pudéssemos nos reunir em grupos e debater sobre o projeto, estendendo sua participação, ampliando seus níveis de reflexão).

Como desdobramento desta exposição-publicação, apresentamos uma versão para a Internet, denominada to be done[370], lançada no projeto Draw_drawing_2, mostra que integrava a Bienal de Londres, no período de 4 a 9 de julho de 2006. Na forma de índice, (uma página onde continha todas as proposições da versão impressa), planejamos para o espaço expositivo apenas um computador e uma impressora. O espectador então poderia visualizar cada um dessas instruções-obra, ampliando-a na tela, imprimindo-a, enviando-a para o seu arquivo pessoal ou para alguém. O ‘objeto’ passava a ser de sua propriedade uma vez que, na qualidade de participador, deixando de ser uma testemunha imparcial e se colocando em ação, poderia estar realizando algumas destas instruções.

A segunda Exposição Portátil, organizada em 2007, foi denominada de amor.love: leve com você.take with you e contou com a participação de 60 artistas (igualmente, entre alunos da graduação[371], pós-graduação[372] e convidados[373]). O tema reuniu proposições diversas que, conforme indicava o sub-título, objetivava sua circulação.

No formato de um livrinho de bolso, da  mesma forma que o projeto anterior requisitava um equipamento para viabilizar sua distribuição. Seguindo a mesma lógica do menor número de equipamento possível, sugeriu-se novamente uma parede (desta vez, para colocar o texto de apresentação do projeto), uma prateleira (para colocar uma quantidade definida de livrinhos, que seriam repostos de acordo com a necessidade) e, igualmente, cadeira (para encontro e debates).   

 

 

[ Referências.Aderências ]

 

Estas dinâmicas apresentadas nestas publicações que se objetivam como exposição, ocupando temporariamente espaços expositivos de museus ou galerias, e com recursos mínimos, enquanto proposições curatoriais tem na sua base uma série de referências históricas extraídas, grade parte delas, da década de 60. Uma delas, e que tem nos acompanhado durante todo o projeto são as ações curatoriais empreendidas pelo jovem galerista, marchand e editor, Seth Siegelaub. Para ele, publicações significavam a mesma coisa que um espaço de galeria significa para a maioria das pessoas. Documento e obra, reprodução e obra se equivaliam e a publicação passava a ser um dispositivo que estabelecia novas estratégias curatoriais.

Na organização de exposições como, January Show (1969), Seth Siegelaub desloca procedimentos usuais estabelecidos no sistema de arte, invertendo a relação usual entre o trabalho exposto e o Catálogo.  Dispondo de algumas obras em espaços alugados, afirmava que o verdadeiro espaço da exposição era o Catálogo. Que a presença física dos objetos dispostos nos espaços físicos era suplementar à publicação, tornando-a, portanto, informação primária e não mais secundária. Ou seja, interessava pensar obras como informação, que podia circular e através de um meio constituído não somente por objetos, mas também através de textos, desenhos e/ou fotografias.

Em Xerox Book (1968), outra exposição-publicação, Seth Siegelaub legitima este formato de exposição utilizando e enfatizando o meio de reprodução como estratégia critica à unicidade e autenticidade de uma obra de arte. A reprodução em série utilizava o formato semelhante àquele utilizado pelo artista Mel Bochner, em 1966, quando realiza a exposição Working Drawings and other visible things on paper not necessarily meant to be viewed as Art (Desenhos de trabalhos e outras coisas visíveis sobre papel não necessariamente feitas para serem encaradas como obras de arte), na School of Visual Art, NY, reproduzindo através de xerox uma série de trabalhos de artistas convidados a participarem da mostra.

Embora sabemos que Xerox Book não foi fotocopiado integramente (dado o alto custo que isto significava na época), pois apenas sua matriz era em xerox, o projeto sinalizava a reprodução como meio constitutivo da exposição e dos trabalhos que ali se inseriam. Meio que alargava profundamente a audiência de uma obra, alterando a forma convencional de distribuição e recepção de um trabalho artístico. Confirmando, ainda, e reforçando o que Walter Benjamin já havia anunciado em seu texto A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica sobre a perda da aura, a obra varrida da concepção de objeto único. Estabelecendo a publicação como lugar possível para a produção e exposição, acentuava e inaugurava uma forma expandida de pensar a obra de arte. A partir de experiências como estas, afirmava Siegelaub, seria quase impossível imaginar a noção de obra a partir de uma autoria individual, porque através deste acesso, a exposição ou cada um dos trabalhos individualmente, passariam a ser de todos imediatamente.

         Outra referência que também se tornou imediata à esta noção de Exposição Portátil aqui proposta, foi o projeto Do It (1994), coordenado pelo curador Hans Ulrich-Obrist. Sua estruturação conceitual estabelecia-se na tática de remoção da mão do artista, formulada por Marcel Duchamp, conferindo às instruções dos artistas participantes do projeto o estatuto de obra-proposição. Do It tomava também de empréstimo as estratégias estabelecidas nas instruções de John Cage em suas (a)notações musicais, bem como, as formulações de alguns de seus alunos como, George Brecht, Jackson Mac Low, Allan Kaprow, Dick Higgins[374], entre outros. Da mesma forma, partia ainda de referências extraídas dos cartões-eventos do Grupo Fluxus; das licenças para que outros executassem o trabalho, de Yoko Ono; da produção de objetos dos minimalistas, a partir de desenhos esquemáticos, como Sol LeWitt, Donald Judd, Robert Morris e Dan Flavin;  além de toda a série de trabalhos de artistas integrantes da arte conceitual. 

         Do It, conforme assinalava Hans Ulrich-Obrist,  havia sido pensado e concebido como um modo de exposição que deveria ajudar a desafiar as regras que geralmente governam a circulação de mostras de arte contemporânea. Desenvolvendo-se como uma exposição que não deveria aniquilar diferenças e reduzir a complexidade para um produto, mas sim aumentar diferenças e complexidade, e propor novas 'temporalidades'.

Curadores, organizadores e artistas participantes deste projeto, salientava ainda Obrist, buscam neste projeto construir uma temporalidade diferenciada, que resiste ao tempo formatado da cultura de exposição, que se estabelece através da fórmula: começou-acabou. E que quando desmanchada, tudo é novamente pintado de branco. E ainda, estendida no tempo e dispersa nos mais distintos espaços que circula, Do It implementava de forma mais efetiva a participação, através de uma versão dita domicilar, que em forma de livro, de um programa de televisão e de um website, apresentaria instruções feitas especificamente para ‘uso doméstico’[375].

Importante também para este projeto de Exposições Portáteis, que aqui estamos apresentamos, foi a proposição Point D’Ironie, idealizada pelos artistas Christian Boltanski e Bertrand Lavier e pelo curador Hans Ulrich-Obrist. Coordenado desde 1994 por este último, Point D’Ironie aposta na distribuição em larga escala (em torno de 100.000 exemplares) que são dispersos em diferentes locais e países: museus, galerias, cafés, cinemas, escolas, correio, lojas de departamentos (sobretudo Agnès b que é quem mantém o projeto financeiramente), entre outros tantos espaços.

No decorrer desta pesquisa, outras referências tem sido aderidas, agregando outros autores e propositores de outros formatos e espaços de exposição, inserindo-se como potenciais propulsores de uma reflexão mais aprofundada sobre a noção de Exposição Portátil.

Um dois quais temos acessado com certa freqüência tem sido Alexander Alberro, sobretudo, seu livro Conceptual Art and the politics of publicity, onde detecta, a partir de estudos críticos da Arte Conceitual, o aparecimento de estratégias por ele nomeadas como ‘publicitárias’. Elegendo como exemplificações as exposições de Seth Siegelaub em Revistas, Jornais e Catálogos, e as proposições de Joseph Kosuth, no codinome Arthur Rrose - na função de critico, galerista, editor e teórico - Alberro traça uma trajetória do período que envolve meados dos anos 60 à década de 70. Período em que os artistas buscaram novos meios, matérias e lugares para expor suas ações artísticas, via de regra, composta muito mais por idéias do que por objetos, sinalizados de forma magistral por Lucy Lippard em seu livro-índice: Six Years: The dematerialization of the art object from 1966 to 1972.

Optando pelo viés de uma análise destes procedimentos a partir da Arte Conceitual, Alexander Alberro  e Blake Stimson  no livro, Conceptual Art: a critical anthology, apresentam uma seleção de textos, igualmente pontuais para a pesquisa, composto por depoimentos de diferentes artistas e críticos sobre o período de 1966-77.  Uma revisão necessária para que possamos analisar uma série de procedimentos atuais, dada à sua ressonância, e que nos endereça a outro estudo recentemente organizado por Alexander Alberro e Sabeth Buchmann, Art after conceptual art.

Em Art after conceptual art a paródia à Joseph Kosuth em seu texto Art after philosophy é explícita e marca toda a conceituação da séries de ensaios apresentadas por diferentes autores, que abordam não apenas o legado da Arte Conceitual para as décadas que lhes são posteriores, mas localizam, em diferentes estudos de casos, como a atualidade daqueles procedimentos ainda são mantidos. Dos textos reunidos nesta compilação, Helmut Draxler  em Letting Loos(e) - Institutional Critique and design tem nos interessado sobremaneira. Não apenas pelo inteligente jogo de palavras postas no título: (‘deixando’) Loos(e) (‘livre’) referindo-se a Adolf Loos e seu interesse em defender a funcionalidade no design em oposição à decoração e superficialidade, e face à isto, apresentar uma análise da proposição artística de Louise Lawer para o espaço de uma caixa de fósforos. O texto de Helmut Draxler e a proposição de Louise Lawer são claros em afirmar que o surgimento de outros circuitos (como estes aqui descritos), trazem junto de si também uma postura crítica frente às instituições e sistemas vigentes.

Neste sentido, Douglas Crimp surge como referência primordial para analisar estes contextos, deslocamentos e novas direções como ação crítica frente às instituições. Acompanhado por Louise Lawer em seu livro, Sobre as Ruínas do museu, este autor sublinha em todas as suas avaliações, o quanto o ‘mundo de fora’ cada vez mais é aderido aos procedimentos artísticos, re-afirmando a cada nova postura formulada pelos artistas, que a autonomia da arte é uma ficção, uma construção do museu. Nos anos 60 em diante, prossegue Crimp, as manifestações artísticas esgotaram os recursos dos museus. Não financeiramente, mas física e ideologicamente através de desafiadores atentos, como Marcel Broodthaers, Hans Haacke e Louise Lawer, apenas para citar alguns dentre outros tantos.

Douglas Crimp ainda nos apresenta e analisa alguns processos artísticos que surgem evitando o museus. Não porque estes jamais o exibiriam, mas porque, construídos no interior de uma outra lógica (ideológica, perceptiva e construtiva), todos estes procedimentos existem para acontecerem fora do perímetro destas instituições.

 

 

 

 

] [ Fora e dentro do Perímetro Institucional ] [

 

Refletir sobre as práticas curatoriais apresentadas aqui nesta pesquisa, implica  buscar outros valores e enfoques, outras formas e maneiras de analisar uma atividade artística e, principalmente, outros modos de expor e veicular. Trata-se, portanto, não de propor procedimentos que ‘evitariam’ o museu, mas propor conjunções que possam construir e se expandir em novos circuitos. Que o museu possa abarcá-las e difundi-las,  possibilitando à construção de novos formatos de exposição.

As estruturas portáteis pf (por fazer), to be done e amor.love leve com você.take with you são aqui propostas como espaços de experimentação, que podem se desenvolver nos mais distintos lugares. O museu é um deles.

Os trabalhos que ali se inserem existem como potência deflagradora de um movimento participativo, criador contínuo de um espaço de ação do espectador, afirmando que uma proposição artística possui muitas maneiras de se constituir/construir, bem como, de apontar estratégias de ampliação e criação de novos circuitos. E desta forma, poder estar, igualmente, fora e dentro do perímetro institucional.

 

 

 

 

 

 

[ Referências Bibliográficas ]

 

ALBERRO, Alexander. Recording Conceptual Art: early interviews with Barry, Huebler, Kaltenbach, LeWitt, Morris, Oppenhein, Siegelaub, Smithson and Weiner by Patrícia Norvell. Cambridge: MIT Press, 2001.

 __________________ . Conceptual Art and the politics of publicity. Cambridge: MIT Press, 2003.

BASBAUM, Ricardo. Amo os Artistas-etc In: MOURA, Rodrigo (org). Políticas Institucionais, Práticas Curatoriais. Belo Horizonte: Museu da Pampulha, 2004, pp. 21-23.

BATTCOCK, Gregory . La idea como arte. Documentos sobre el arte conceptual. Barcelona: Gustavo Gili, 1977.

BOCHNER, Mel. Mel Bochner. RJ: Centro de Arte Helio Oiticica, 1999.

BURY, Stephen. The book as a work of art, 1963-1995. England: Scolar Press, 1995.

GODFREY, Tony. Conceptual Art. London: Phaidon Press, 1998.

LAUF, Cornelia and PHILLPOT, Clive. Artist/Author: Contemporary Artist’s Books. New York: American Federation of Arts/Weatherspoon Art Gallery, 1998.

LIPPARD, Lucy. Six years: the desmaterialization of the Art Object from 1966 to 1972. Berkeley, 1997.

OBRIST, Hans Ulrich. Do It. New York/Frankfurt: e-flux/Revolver, 2004.

OSBORNE, Peter. Conceptual Art. London: Phaidon, 2002.

WOOD, Paul. Arte Conceitual. SP: Cosac & Naify, 2002.

 

[ SITES ]

www.e-flux

www.pointdironie.com

  

XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

Centro de Artes - CEART

 

050

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TíTULO: O AQUÉM NA MONTANHA, UM RECORTE SOBRE O OLHAR

PAISAGÍSTICO NA AMÉRICA LATINA.

 

AUTOR: Rachel Reis de Araújo

Estudante do curso de Bacharelado em Artes Plásticas do Centro de Artes da

Universidade do Estado de Santa Catarina. rachelreis2003@yahoo.com.br .

 

RESUMO: Este artigo consiste numa reflexão inicial para pensar a forma montanha e seus sentidos na pintura latino-americana tendo por base teórica Aby Warburg e Georges Didi-Huberman. Do primeiro autor advém o conceito de pathosformel e do segundo a relação entre as esculturas minimalistas e o recalque da percepção acerca do vazio tumular. A partir daí, trata-se de considerar as figurações pictóricas da montanha menos através da dimensão do sublime, tal como no caso das paisagens européias, ou do pitoresco, tal como no caso dos viajantes no Novo Mundo, e mais como o vazio que se coloca diante do imenso monte de terra e pedras que um dia tudo cobrirá.

 

PALAVRAS CHAVE: América Latina, pintura, paisagem, montanha.

 

1 – O ARTIGO E SEUS VÍNCULOS COM A PESQUISA.

 

O trabalho aqui apresentado constitui-se num relatório parcial de projeto de pesquisa intitulado Academicismo e Modernismo na América Latina, a qual teve como propósito mapear a pintura na América Latina entre 1850 e 1950. O recurso utilizado para a coleta de dados foi uma pesquisa de imagens através da Internet, sendo que já foram obtidas cerca de 2500 imagens. Para fins de um primeiro agrupamento e exame, optou-se por reunir as pinturas conforme os países e artistas, facilitando a visão de conjunto, bem como permitindo conferir singularidades e diferenças entre estes.

Em seguida, as imagens foram agrupadas pelos gêneros acadêmicos, a saber: retrato, paisagem, cenas e naturezas-mortas. Embora seja uma constante, tanto nas academias como nas chamadas estéticas vanguardistas, tal composição serial não pretende ser estanque, devendo apontar para novos cruzamentos, à medida que as questões pictóricas forem sendo reconhecidas e desdobradas. Por outro lado, não se fez a divisão tradicional entre artistas acadêmicos e modernistas, pois logo no início da pesquisa, constatou-se que havia elementos modernos entre artistas do assim chamado academicismo e elementos acadêmicos nos artistas que tem sua obra classificada de modernista.

Muito já se falou acerca das virtudes e problemas no conteúdo da internet. Entre as virtudes pode-se citar o fato de que no período de um ano não se teria condição de obter de modo mais direto e econômico tal quantidade de imagens, situação que permite um panorama rico e abrangente bem como oportunidades e desdobramentos na segunda fase do projeto. Entre os problemas apresentados estão em baixa resolução de muitas imagens, o que em muitos casos não permite uma boa impressão. Outro problema é a recorrente incompletude dos dados que referenciam as obras e o fato de encontrar-se para muitos artistas pouco de sua produção. Em face desses problemas resolveu-se enviar correspondência para duzentos e setenta e quatro museus de arte, sendo que ainda estão sendo acolhidas respostas e solicitando-se material impresso.

Como a preocupação desta pesquisa não é simplesmente a coleta de dados, mas sim, a partir deles pensar a pintura latino-americana, apresenta-se a seguir um recorte do que se poderia apresentar como marca de uma singularidade na sensibilidade e percepção da paisagem latino-americana no período pesquisado. Trata-se do modo como é representada a montanha. Conforme consta no projeto inicial, há dois teóricos que balizam a reflexão sobre leitura de imagem: Aby Warburg e Georges Didi-Huberman.

O primeiro estudou o que chamou de pathosformel, que seriam formas expressivas, sejam elas sonoras, visuais, gestuais etc., que repetem-se ao longo da história, porém não de maneira sucessiva. Ou seja, há momentos em que ficam recalcadas e em outros ressurgem (WARBURG, s/d). Importante salientar que retornam não iguais, mas modificadas pelos diferentes regimes de verdade que uma mesma cultura atravessa ao longo do tempo. Todavia conservam traços fundamentais do que agita e perturba o ser humano, ou seja, aquilo que sobrepuja e ultrapassa a razão. Warburg encontrou a forma da ninfa como sendo a principal dessas formas expressivas na cultura ocidental. O segundo permite considerar o recalque destas paixões - termo que também significa sofrimento, dor. Tal recalque se manifestaria como sintoma, sendo que para esse filósofo o que é principalmente recalcado é a certeza da morte.

Bem verdade que muitos são os olhares que se pode lançar sobre a obra de arte, sendo que cada um deles pode ser considerado como um plano de imanência. Conforme Deleuze (1997, p. 51-79), os planos conceituais apresentam-se folhados e esburacados, permitindo tanto a passagem como a contaminação de um plano ao outro. Não que as diversas teorias da arte a considerem sempre como imanente, pois há as que vêem a obra como transcendente. Porém pensar o que imana e forma planos é também um modo de organizar o caos, possibilitando problematizar o pensamento plástico através de um movimento em direção ao pensamento teórico.

É quando a leitura da obra de arte pode ser compreendida como sintoma, noção visual e temporal que interroga as imagens em sua relação com o tempo, sendo aquilo que interrompe o fluxo regular das coisas e jamais vem no momento correto, pois aparece em des-tempos, como lei subterrânea ou como aquilo que persiste no retorno de uma enfermidade, aparição de uma latência que conjuga diferente-semelhante, imobilidade-aceleração, repetiçãosobrevivência. Assim, se toda obra de arte possui mais memória do que história, é também contradança da cronologia, posto que o tempo não se reduz a história, a relação tempo-imagem só se torna possível numa construção com a memória, sendo ela que permite reconhecer na imagem tanto seu pretérito como sua posteridade, ultrapassando cada destino particular (DIDIHUBERMAN, 2006). E aí entram as reflexões de Didi-Hubermann sobre o anacronismo. Como o tempo não pode ser reduzido à história, pois “el anacronismo atraviesa todas las contemporaneidades” (DIDI-HUBERMAN, 2006, p.18) e, a montanha aparece desde tempos remotos tanto na pintura ocidental, como duplicada na forma das pirâmides de antigas civilizações da América Latina cabe estudá-la seguindo também o conceito de anacronismo conforme o pensa Didi-huberman, posto que o sintoma se manifesta anacronicamente. Como os diversos planos conceituais apresentam-se folhados e esburacados permitindo contaminações, é possível seguindo esse conceito de Deleuze e, o de anacronismo de Didi-Huberman, justapor pintura e arquitetura, não só em obras do passado mas também na produção contemporânea em um processo de montagem.

Porém como o recorte deste artigo restringe-se à pintura no período citado

acima, a forma das pirâmides nas antigas culturas latino americanas apenas

aponta para um entre tantos outros pontos que podem ser pensados no intuito

de verificar a pertinência, ou não, da observação e das reflexões contidas neste

artigo.

 

2 – O ARTIGO E SEU RECORTE TEMÁTICO.

 

Parece pouco satisfatório dizer que a grande quantidade de montanhas nas

pinturas latino-americanas é natural devido à presença da Cordilheira dos Andes. Ora, ao fazer uma pesquisa da pintura européia no período correspondente, também via internet, verificou-se que a montanha é igualmente uma presença, fenômeno que só apressadamente poderia ser considerado natural, em decorrência da presença dos Alpes e outras cordilheiras importantes na geografia da Europa. Ademais, o que se pode reconhecer é que desde o renascimento, quando foi surgindo a noção pictórica de paisagem, a montanha sidera os artistas. Basta lembrar que as pinturas de Da Vinci apresentam complexos rochosos ao fundo e que com o romantismo as montanhas tornam-se o próprio tema da paisagem. Dos olhares que buscavam o sublime e o incomensurável, como no caso de Caspar Friedrich (1774-1840), e viajantes ao Novo Mundo que buscavam o pitoresco, como Rugendas e Humboldt, as montanhas tornaram-se parte importante das atenções plásticas.

Voltando às pinturas de Friedrich, vale lembrar que a natureza e a montanha são cenários que mostram a solidão, a pequenez do homem e sua finitude. A montanha surge como um gigante atemporal, mas também se contrapõe à insignificância e brevidade da vida humana. Suas paisagens assinalam grandes extensões vazias onde o homem é um ponto perdido na imensidão, o que o leva a sentir-se abandonado. O homem é um vazio diante do vazio maior de sua morte. Diante do absurdo da existência suas pinturas apontam a espiritualidade como principal refúgio.

Mesmo nas inúmeras pinturas da montanha Santa Vitória, feitas por Cézanne ainda é possível reconhecer as reverberações daquela sensibilidade. Para Merleau-Ponty: “Quando Bernard quis chamá-lo à inteligência humana Cézanne respondeu: ‘Inclino-me à inteligência do Pater Omnipotens’ Inclina-se

em todo caso para a idéia ou para o projeto de um Logos infinito” (MERLEAUPONTY, 1984, p.311)..Ou seja a idéia de um além da morte que está presente nas imagens das Santas Vitória de Cézanne é corroborada pela crença de Cézanne, expressa em palavras.

 

3 – A PINTURA EUROPÉIA E A MONTANHA LATINO-AMERICANA.

 

A pintura de cavalete chegou à América Latina com a implantação das academias de pintura, ao longo do século XIX. Segundo Dawn Ades, no México aberta em 1785, fechada e depois reaberta em 1843; no Brasil 1826, na Colômbia 1830; no Peru 1919; no Paraguai 1885. Segundo esta mesma historiadora da arte, os fundadores destas academias provavelmente compartilhavam das idéias de Sir Joshua Reynolds, primeiro presidente da Royal Academy em Londres, que entre outras coisas salientava que “boa formação era aquela que fazia o aluno copiar obras de mestres do passado (esculturas de épocas anteriores e quadros de pintores como Rafael) e desenhar à vista de modelos ao natural” (ADES, 1997, p.30).

Ora, os europeus não tinham nas terras colonizadas modelos de obras artísticas para serem copiadas, como ensinava Reynolds para as academias artísticas européias desde o século dezoito. Além da exuberância natural, o que os professores das academias viam nas Américas eram objetos indígenas que estavam distante do que era considerado arte. Quando muito eram vistos como objetos exóticos, curiosidades a estarem presentes nos gabinetes de colecionadores. Todavia, quando as academias foram instaladas no novo continente, os europeus aqui estavam há cerca de trezentos anos. Tempo suficiente para que houvesse miscigenação. Havia, e em muitos países ainda há, uma grande parte da população que não era considerada branca, tanto no sentido étnico como no sentido cultural do termo. Muito desses povos que não conheciam pintura à óleo e de cavalete, viviam em áreas de montanha.

Eis uma importante diferença entre a paisagem européia e a latinoamericana: as grandes cidades européias irradiadoras da pintura, Paris, Londres, Roma, Florença, as cidades holandesas, têm sua altitude abaixo do marco de 300 ou 400 metros do nível do mar[376], enquanto que as grandes cidades na América Latina situam-se na sua maioria a grandes altitudes, exceção para o sul do continente com Buenos Aires, Assunção e Montevidéu. Vale notar que apesar de Lima, estar apenas a 108 metros acima do nível do mar, o Peru como é sabido, tem grande parte de seu território situado a grandes altitudes. É o caso, por exemplo, de Cajamarca, cidade natal de Mario Urteaga. Também Santiago fica a 522 metros de altitude, o que não é muito, mas atentemos para dois fatos: as cidades européias irradiadoras da tradição pictórica situam-se bem abaixo dessa linha e a Cordilheira dos Andes pode ser avistada de Santiago.

Muito antes dos espanhóis explorarem a prata da montanha, os povos que lá viviam a retiravam, dentre outros produtos. Para eles a montanha era uma espécie de deus terrível a quem se rendia tributo, muitas vezes sob a forma de sacrifico humano. Eis aí, na maneira de conviver e significar a montanha que, surge outra importante diferença entre a sensibilidade européia e a latino-americana.

Por sua vez, pode-se dizer que a pintura à óleo por si só é anacrônica na América Latina. Transplantada para cá, vai ser praticada por nativos que mesmo sendo descendentes de europeus, mesmo indo estudar do outro lado do oceano, nascem entre pelo menos três temporalidades diversas. Uma advinda do círculo de suas famílias, amigos etc. já miscigenados, outra do indígena e uma terceira constituída pelos africanos. Como resolver as tensões produzidas pelas diferenças em relação a perspectivas, antecedentes e marcos históricos, cenas relacionadas a personagens apontados como heróis e coadjuvantes, definições de território e lugares sociais, costumes e tradições, regimes de pensamento diferentes? Para ficar apenas nos embates simbólicos, cabe lembrar que houve várias tentativas como, por exemplo, os movimentos nacionalistas e as representações costumbristas[377].

De qualquer modo, a questão do que vem a ser a identidade latinoamericana

e qual o imaginário que a constitui é uma questão que perpassa

toda a arte do continente até hoje. E é interessante notar que, quando o eixo da

arte deslocou-se de Paris para Nova Iorque, a América Latina continuou se

perguntando se haveria uma arte do continente ou mesmo uma arte de cada

país do continente. Talvez justamente por conviver com várias temporalidades

é que a questão permaneça irresoluta. Não é este, porém o foco de maior

interesse deste artigo. Razão pela qual não há que se deter no assunto.

 

4 – ENTRE O AQUÉM E O ALÉM, A MONTANHA.

 

Falando sobre viagens no século XIX, Alain Corbin registra que as mesmas

destinavam-se a:

 

Fazer fremir o eu, enriquecer-se com uma experiência nova do

espaço e dos outros, vivida fora do quadro habitual, constituem então

as metas essenciais. O viajante gosta de confrontar-se com a cena

grandiosa, as paisagens caóticas. Dominando a falésia, sentado bem

perto dos abismos, ele alinha-se nos flancos da montanha, a meio

caminho entre os cumes solares e a segurança do vale. Suas leituras

convidam-no a defrontar-se com o bom selvagem (CORBIN, apud,

PERROT, 1993. p. 465).

 

Diante desta sensibilidade européia de caráter romântico e com forte

ênfase ao sublime não é difícil compreender que na América Latina, seus habitantes são os próprios “selvagens”. Selvagens que não precisavam deslocar-se para contemplar a montanha, pois viviam nela. Por outro lado, considerando a montanha pela sua materialidade, ou seja, como uma enorme quantidade de terra e pedras a lembrar constantemente que um dia todos estarão sob seu peso. Cabe agora perguntar se ela não se apresentaria como a própria lembrança da catástrofe inescapável da finitude? Se o destino humano é a morte, a montanha não seria uma espécie de materialidade tumular das culturas e sociedades? Se assim for, eis a questão que faz com que as paisagens de montanha na América Latina compareçam como uma espécie daquilo que Warburg entendia por pathosformel.

Se a questão parece difícil de responder, talvez possamos nos amparar nas considerações de Didi-Huberman em “O que vemos, o que nos olha” quando, ao pensar sobre os grandes retângulos do minimalismo, observa-os como retângulos tumulares, contraponto à afirmação de Frank Stella “tudo o que é dado a ver é só o que você vê” (DIDI-HUBERMAN, 1998, p. 55). O filósofo vê tanto nos objetos como na afirmação um recalque da dor diante do vazio da morte. De acordo com sua reflexão o terror diante do vazio tumular é articulado de dois modos para tornar essa dor suportável. Um como a crença de que há algo além da morte e, aqui as considerações sobre a pintura de montanha como sublime remetem à crença para algo que haveria além da morte.

Nas imagens da montanha coletadas na pesquisa, salvo exceções, essa não é representada distante, de forma mística, segundo os cânones do sublime. Ela faz parte do cotidiano. Está como pano de fundo para pontes, estradas, estradas de ferro, terraços, ruas, aninhando aldeias e cidades, há rebanhos nas suas encostas, caçadores em suas faldas. Mesmo em imagens de marinas ela aparece. Há o homem presente na paisagem. Mas não o homem como ser minúsculo e impotente a contemplar extasiado a montanha, que lhe mostra sua pequenez, sua impotência diante das gigantescas forças cósmicas a suturar sua dor perante a morte com a crença em alguma coisa além dessa. O que se vê é o homem integrado à montanha.

“Se ser é ser com, o problema do ser deriva do com e não do ser. É o com que dá a peculiaridade do ser. Ego cum e não ego sum”[378]. O que nos parece dar conta, ao menos em parte da representação da montanha estar estreitamente ligada ao homem e à suas atividades, levando à uma imanência e não à uma transcendência. De onde então o aspecto metafísico, transcendente, do sublime não aparecer. Ou seja, a montanha na América latina está inscrita na lógica do contato, da fricção[379] – a montanha é tão presente que não é objeto de contemplação. Ela está ali, no dia a dia em contato, há séculos. A montanha não é, ela é com.

Entretanto, ao representá-la como pano de fundo para as atividades cotidianas, para lagos, aldeias etc., não estaria aí a outra maneira de recusa da percepção da cobertura avassaladora de terra que um dia a todos cobrirá? Voltemos a Didi - Huberman refletindo que um modo de suturar essa percepção é detendo-se numa espécie de tautologia, preservando-se num entendimento aquém da morte. Ou seja, nesse caso manifesta-se uma espécie de indiferença negando qualquer alcance além do próprio objeto que possa materializar a distância entre o vivente e o vazio que lhe sucederá. Ora, não é também negação representar a forma-montanha desse modo? Não seria fazer coro à afirmação, ou seja, ela é um objeto presente, mas, como certos objetos que mesmo presentes o tempo todo não se lhes dá atenção por que se forem colocados em foco darão azo àquilo que não se quer ver? Então ao retirar a montanha do centro do palco e colocá-la como coadjuvante, como “ego cum” estaria aí então sob disfarce, sutura, articulação, a outra forma de recalcar a dor diante da inaceitável finitude. Pois aceitá-la seria apenas admitir o vazio do “sum”.

Ou seja, ao registrar a montanha como uma presença que serve apenas como pano de fundo, pode-se reconhecer aí um sintoma que surge sob a forma de tautologia, pois “ser com”, é de certa forma iludir-se , não encarar o fato de que não é o dedo de Deus que o dedo de Adão não consegue alcançar mas, o dedo do outro[380]. Paradoxo da proximidade-distância, onde o próximo persiste como inalcançável, mas também do mistério do irrepresentável que só se apreende como fagulha de um vestígio futuro. Eis o golpe pelo qual a montanha se faz abismo para ser imediatamente corpo coberto e não-visto, fundo que sempre retorna, preenchimento de uma ausência, força infinita que escapa e atua na intimidade da paisagem.

 

ABSTRACT

To think the mountain’s body and it’s directions in the Latin American painting, having Aby Warburg and Georgers Didi-Huberman as theoretical bases. The first one with the concept of pathsformel and the second one according to his reflections regarding minimalism and the relation that makes between this and the tumular emptiness.

To look the pictorical representation of the mountain in Latin America as symptom of the colour stresses ahead not, in this case, of the tumular emptiness, but of what would be the full one. That is, the mountain as land and rocks that one day will cover the tumular emptiness.

 

KEY WORDS: Latin America, picture, landscape, mountain.

 

ORIENTADOR: PROFESSORA DOUTORA ROSÂNGELA CHEREM

BOLSISTA: RACHEL REIS DE ARAÚJO.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADES, Dawn. Arte na América Latina A Era Moderna,1820-1980. São Paulo: Cosac & Naify, 1997.

CORBIN, Alain. Bastidores. In: PERROT, Michelle (org). História da Vida Privada. Tomo IV. Da Revolução Francesa à Primeira Guerra.São Paulo: Schwarcz, 1993. pág. 465.

DIDI-HUBERMAN, Georges. Ante el tiempo. Buenos Aires: Adriana Hidalgo, 2006.

. O Que Vemos O Que Nos Olha. São Paulo: 34, 1998.

DELEUZE Gilles; GUATTARI, Félix. O Que É A Filosofia. São Paulo: 34, 1997.

MERLEAU-PONTY, Maurice. A dúvida de Cezanne. In Textos escolhidos.

Seleção de textos de Marilena de Souza Chauí. Tradução de Nelson Alfredo Aguilar. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultura, 1984. (Coleção Os Pensadores).

WARBURG, Aby. Le rituel du serpent Paris: Macula, s/d.

 

Referências da Internet:

https://www.meteoconsult.fr/ter/monde/prevision/detail.php?langue=po&echeanc

e=0&num_ville=7770&type_donnee=vent. Último acesso em 21 de julho de 2007.

https://www.meteoconsult.fr/. Último acesso em 21 de julho de 2007

https://es.wikipedia.org/wiki/Costumbrismo. Último acesso em 21 de julho de 2007.

https://www.monografias.com/trabajos19/costumbrismo/costumbrismo.shtml

Último acesso em 21 de julho de 2007.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ANEXOS

 

Figura 1 - Paisagem.

Afonso Valenzuela Puelma. n/c.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 2 – Paisagem.

Jorge Caballero Cristi. n/c. Cartão, madeira, tela. Coleção particular.

 

 

Figura 3 – Sem título.

Luiz Herrera Guevara. 1941. Aquarela sobre cartão. Coleção particular. 47 x 61 cm.

 

Figura 4 – Cerro de Valparaíso.

Luiz Herrera Guevara. Óleo s/ tela, 35,5 x 54,5 cm. Coleção particular. n/c.

 

 

Figura 5 – Bombardeio de Valparaíso em 1866.

Juan Eduardo Harris Flores. n/c. coleção particular.

 

 

 

 

Figura 6 – Passeio Atkinson.

Alfredo Helsby Hazell. Óleo s/ tela. 160 x 176 cm. Museo Municipal de Viña del Mar. Chile. n/c.

 

 

Figura 7 – Cafezal nas Nuvens.

Maurício Rizo. Óleo s/ linho.43 x 63 pol. n/c.

 

 

 

Figura 8 – Caçada na Serra .

Miguel Acevedo. Óleo s/ linho. 50 x 7 cm. n/c.

 

 

Figura 9 – Mama–Cuna.

Enrique Camino Brent, óleo s/ tela. 70 x 70 cm. n/c.

 

 

Figura 10 – Praça de Armas de Huancavelica.

José Sabogal, n/c, óleo sobre tela.

 

 

Figura 11 – A Casa do Tanque.

Joaquim Torres García. 1903. Óleo s/ tecido. 25,2 x 44 cm. Coleção Abadia de Montserrat.

 

 

 

Figura 12 – Vista do Palácio de Miraflores desde Monte Piedade.

Antonio Alcántara1925 Óleo s/ tela.29,8 x 54,8 cm. n/c.

 

 

 

Figura 13 – Ávila Visto do Country Clube.

Manuel Cabré,1947, Óleo s/ tela. 80 x 124 x 2 cm.

 

 

  

XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

Centro de Artes - CEART

 

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AS INQUIETAÇÕES DO ARTISTA-PROFESSOR[381]

 

                                                                                                          Sandra Maria Correia Favero[382]

 

 

 

Palavras – chave:  universidade;   produção acadêmica;   espaço/tempo;   produção poética.

 

 

RESUMO: Este artigo apresenta o resultado de uma pesquisa que colocou como objetivo identificar a relevância do desenvolvimento da produção artística em paralelo à produção do professor. Como sustentação teórica encontra-se Edgar Morin em Introdução ao Pensamento Complexo, Pedro Georgen com o artigo Universidade em tempo de transformação e Edith Derdik com o livro Linha de horizonte: por uma poética do ato criador.

 

 

A universidade e o seu objeto

 

A organização - universidade é um grande sistema, encabeça o domínio e visa o objeto. Ao centro temos o sujeito, de um lado o artista e do outro o professor que integram o grande sistema.

Encontramo-nos em um ambiente regido por um sistema[383] complexo onde homens e mulheres compõem um conjunto que atua segundo regras e processos estabelecidos objetivamente, entretanto, ocorre na relação de uns com os outros uma combinação permanente de estratégias afetivas pessoais, grupais e organizacionais que modelam esta organização, por mais que a meta seja como diz Pedro Georgen, o conhecimento através da neutralidade, da universalidade e da impessoalidade.

Segundo Goergen4

Já a partir de Descartes a universidade se desenha como a universidade da razão instrumental. A universalidade do saber deve desembocar na universalidade do progresso. A transformação dos modos de produção e a transformação da ciência condicionam-se mutuamente e condicionam a universidade desde sua estrutura, razão epistêmica, sentido social. Esta universidade, sede do saber e promotora do progresso, é colocado sob o âmbito de influência da vontade de eficácia do poder político moderno. Já não busca verdades a-históricas, originais e últimas, mas serve à criação de conhecimentos e técnicas destinadas a produzir. Torna-se uma instituição técnica a serviço do Estado, guiada pela estrela da narrativa do progresso que a modernidade desenhava como o caminho da humanidade.

Convivendo em um centro de artes dentro da universidade onde a objetividade está sempre forçada a abrir brechas para a subjetividade contida no processo educativo dos cursos proporcionados e que por assim se apresentarem direcionam para uma produção que não é aquela que traz lucros financeiros imediatos, somamos um outro sistema complexo que deve ser analisado pelas suas especificidades, distanciando-o um pouco dos moldes estabelecidos.

No nosso caso, as especificidades das artes plásticas incluem em seu currículo e na vivência artística e acadêmica entre os professores e seus alunos os demais conhecimentos excluídos do conhecer científico instaurado por Descartes.

Para Morin5(2005),

Vivemos sob o império dos princípios de disjunção, de redução e de abstração cujo conjunto constitui o que chamo de ‘paradigma de simplificação’: Descartes formulou este paradigma essencial do Ocidente, ao separar o sujeito pensante (ego cogitans) e a coisa entendida (res extensa) isto é filosofia e ciência, e ao colocar como princípio de verdade as idéias ‘claras e distintas’, isto é, o próprio pensamento disjuntivo. Este paradigma, que controla a aventura do pensamento ocidental desde o século XVII, sem dúvida permitiu os maiores progressos ao conhecimento científico e à reflexão filosófica: suas conseqüências nocivas últimas só começaram a se revelar no século XX.

Essa disjunção de que fala Morin pode ser percebida nas entranhas do sistema acadêmico, na pressão por produção quantitativa e objetiva,  mais a acelerada sobrecarga de atividades burocráticas que dia a dia são transferidas para os professores, que acabam por reduzir a dedicação necessária em sala de aula.

Necessita-se a participação do sujeito com ele mesmo em todo o transcorrer do processo educacional, uma vez que o nosso objeto está imerso na subjetividade individual, porém, não está sozinho, convive no coletivo o que gera a necessidade de se auto-organizar como pessoa, como artista, como pesquisador, levando ao que Morin6(2005) escreve como uma misteriosa qualidade chamada consciência de si.

O artista – professor como um propositor, portador de uma necessidade de conhecer algo, que não deixa de ser conhecimento de si mesmo, cujo alcance está na consonância do coração com o intelecto. Um corpo criador / um corpo professor, no mesmo corpo. O corpo que para Edith Derdik 7(2001) é  uma grande colagem que forma um todo íntegro, coerente, único, coeso, idealizando uma nostálgica experiência de equilíbrio, constitutivo na formação do sujeito. Formação esta que identifica o “ser artista” e oferece vantagens para momentos de conflito e apaziguamentos que também são estabelecidos em relações do ser institucional. Ao afastar-se da prática artística o artista – professor inibe o movimento criativo gerador de todo o processo pertinente ao ensino de arte.

Nestas condições estabelece-se o paradoxo. O artista professor encontra-se  entre a complexidade do sistema acadêmico gerido pelos moldes cartesianos objetivos e por outro lado a complexidade do sistema artístico.

Realizou-se uma breve pesquisa com quatro professores, denominados A- B- C-D, atuantes nas áreas de licenciatura e bacharelado comprometidos com os aspectos problemáticos, destacados nesta pesquisa. A formulação das quatro perguntas  voltou-se a questões paradoxais por compreender que, como explicado anteriormente, o nível acadêmico e o nível artístico não são excludentes, e mesmo sendo paradoxais situando-se em termos subjetivos e objetivos, proporcionam ao artista-professor, ao aluno e à organização que os abriga possibilidades de enriquecimento na área em questão.

Importa destacar as perguntas apresentadas e esclarecer que as respostas aqui apresentadas não se encontram na íntegra.

1) A prática do professor instiga a prática artística? Como se complementam? 

             2) Há disponibilidade de tempo/espaço para manter nutrida a produção poética dentro das exigências acadêmico-burocráticas?

      3) Qual o sentido e como conduzem o problema: produção plástica e produção do professor (acadêmica)?

           4) De que forma o pensamento e a produção acadêmica influência os ditames contemporâneos, ou é o contrário, os ditames contemporâneos influenciam a academia?  

 

 O Artista-Professor A preferiu não seguir a seqüência das perguntas e respondeu:

 

     Bem, artista-professor... acho que um aspecto ajuda muito no outro. O fato de ser artista demanda um desenvolvimento do olhar muito intenso, que ajuda muito o professor a avaliar o que o aluno, individualmente, precisa desenvolver mais no trabalho e como; também completa a informação teórica com um corpo de experiência, dando a esta uma profundidade que ultrapassa a simples conceitualização.
    Por outro lado o professor, com todo o seu instrumental de informação e de como compartilhá-la, traz para a experiência do artista uma dimensão de diálogo muito grande, de reflexão sobre o processo criativo de uma maneira mais ampla e também de sistematização destas experiências.

Artista-Professor B

 

1. Sim. Ela solicita uma maior clareza sobre os assuntos dos quais se está tratando, sobre o campo da arte e sobre seu próprio trabalho, e para isso, o estudo e a pesquisa são fundamentais. A pesquisa aparece então como tendo um papel importante a desempenhar nesse processo, pois ela tanto  impulsiona esses aspectos a serem desenvolvidos durante a aula, como esclarece e impulsiona o que faço como artista...

 ...A prática do professor instiga o exercício do perguntar, tanto em relação a si mesmo como em relação aos estudantes, e instiga a fazer que isso também seja uma prática para eles

... Procuro manter o mais próximo possível a minha prática de professor da minha prática artística.

 

2. ...A universidade seguidamente comporta-se de uma maneira bastante ambígua no que diz respeito ao campo da arte. Por um lado ela propicia e mantém aberto um espaço fantástico de criação, discussão e estudo da arte, o que lhe dá uma grande visibilidade (vide o que sai nos jornais). Por outro lado, esse espaço da arte na universidade poderia ser melhor se houvesse um incremento de verbas, espaço físico, equipamentos, funcionários qualificados. A burocracia administrativa universitária é ainda muito pesada, e pouco sensível em relação à área artística.

 

3. Foi a produção artística que me encorajou a pensar que poderia ser professor...  Atualmente, a atividade artística é o que continua a impulsionar meu trabalho como professor, embora essa atividade experimente mudanças em sua concepção. ...Para mim não haveria sentido em minha produção como professor sem uma produção artística e sem uma relação com o campo artístico (relação nem sempre fácil), pois é onde se pode encontrar na prática discussões sobre as concepções mesmas dessa prática.... A arte é um exercício constante...

 

4. ...A universidade influencia bastante no perfil dos novos artistas e em seu conhecimento, bem como abre espaço para experimentações, produções e reflexões que não teriam vez em outros setores do campo artístico como galerias (mercado) ou museus. Por outro lado, alguns setores dentro da universidade são pouco críticos (embora tenham cultura e conhecimento para isso) e muito sensíveis ao que o mercado de arte e a mídia arbitrariamente valorizam e instauram como modelos.

 

Artista-Professor C

 

1. Para mim, as práticas do professor-artista/artista-professor são indissociáveis, na medida em que uma abastece, amplia e amplifica a outra. Penso que essa situação de retro-alimentação é complexa e sutil, móvel e instável. Catalisar e mediar processos artísticos, investigando artistas, procedimentos no campo da arte e de outros campos de saber, dialogando com outras experiências, vivências e conceitos, bem como, agenciar eventos artísticos coletivos e desenvolver pesquisas teóricas e práticas em arte, constituem exercícios totalmente complementares e coextensivos à minha prática artística.

 

2. Talvez esta seja uma das questões a serem repensadas no contexto da academia: como e o quê fazer para coincidir cada vez mais as práticas do professor-artista/artista-professor, onde o mesmo possa produzir-pesquisar, ao mesmo tempo, artisticamente e academicamente? Como reduzir o peso das atividades administrativas dentro do cotidiano do professor-artista?

 

3. Penso que minhas práticas de professora-artista/artista-professora são indissociáveis, onde uma abastece, amplia e amplifica a outra, de um modo móvel e instável... Minhas atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão implicam, de maneiras diferenciadas, minha própria produção artística.

... Ou seja, produzir arte significa construir conhecimento, de forma prática e teórica, onde processos ou investigações artísticas desdobram-se em reflexões e vice-versa. Deste modo, produzir academicamente e artisticamente co-implicam-se.

 

 4. Apesar desta ser uma questão extremamente complexa, uma situação interessante e instigante seria a de uma intensa reciprocidade entre o pensamento produzido na universidade e o contexto contemporâneo... Penso ser urgente ampliar, fomentar e discutir a difusão do pensamento produzido na academia no contexto artístico contemporâneo. Uma destas maneiras consiste em discutir exatamente a questão colocada nas perguntas e respostas anteriores: como diminuir a distância, nas atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão, entre nossa produção artística e nossa atuação como professores?

 

Artista-Professor D

 

 

1. Se eu for considerar o modo trabalho em minhas disciplinas posso dizer que esta prática influenciou muito os meus projetos pessoais. Fui dar aulas na escultura e fiz deste desafio uma forma de questionamento constante. Sempre discutimos em aula o que seria enfocado e a forma de trabalhar os assuntos da arte com os meus alunos. Aprendi muito com eles.

 

2. Eu tenho vivenciado este problema com certo jogo de cintura, na medida em que faço com que a minha produção plástica integre os meus projetos de pesquisa e extensão cadastrados como tal junto ao Departamento e Unidade... A burocracia toma muito do meu precioso tempo de trabalho prático...Por outro lado acho que estamos avançando muito, vendo a situação da arte no Brasil, e aposto no entendimento da relação produção-pesquisa... Vemos que não é mais possível sustentar a idéia romântica da criação artística desvinculada de qualquer problema (eles sempre existiram). Hoje somos mais conscientes e a cada vez mais confrontados com os problemas de contexto e estes passam a entrar no nosso horizonte criativo tencionando-o.

 

3. Para mim este é um caminho de mão dupla... A produção artística desvenda um contexto e também tenciona os modos de visualidade definindo as políticas do visível. Por outro lado a exposição torna-se o laboratório onde é possível confrontar-se com o campo da arte e que nos conduz por conseqüência ao trabalho reflexivo, abrindo perspectivas autocríticas que esclarecem e ampliam também o entendimento do público... Um artista/professor/pesquisador tem muito poder transformador em suas mãos, pois exercita e exerce de forma integrada os distintos papéis: influencia o seu público, altera o seu meio e propõe principalmente outras formas de ver e de viver com a arte...

 

4. ...Acho que a arte contemporânea é para muitos um negócio, para alguns uma paixão e para a maioria uma condição na qual não lhes é dada opção de escolha... A arte irá para onde a levarmos... A universidade aí se incluiu com seu peso considerável (que depende do time), e pode levar em conta e refletir sobre a grande dose de informalidade na qual se encontra a sociedade contemporânea. Existe uma grande força “fora da ordem” que gera visualidade e crítica e que tenciona de forma efetiva o campo da arte contemporânea (brasileira). Teríamos muitos exemplos na atualidade, assunto que mereceria ser analisado. Destaco o conhecimento que se produz seriamente fora da academia e que pode entrar na pauta do conhecimento...

 

 

 Considerações Finais

 

Considera-se que a posição do artista-professor consciente é privilegiada dentro do quadro organizacional da universidade. Ele amplia seus conhecimentos, integra suas ações: Produção Artística – Ensino – Pesquisa – Extensão; gerencia paradoxos focando uma constante busca de conhecimento que entrelaça as convergências com as divergências que surgem durante as suas ações; é estimulado e estimula o processo contínuo de ordenamento e desordenamento da posição artística e acadêmica fortalecendo  seu posicionamento diante do aluno, da organização e da sociedade em que está inserido.

A complexidade do sistema de artes reforça a necessidade de um artista-professor responsável e consciente da sua posição de  construtor de conhecimento em arte que é ao mesmo tempo propositor, formador e crítico reflexivo que tem sua conduta baseada na atuação prática e teórica. Este posicionamento dentro da universidade implica em desdobramentos de ações externas a ela que poderão contribuir para um melhor entendimento do que vem a ser arte contemporânea.

Por ser a universidade uma organização complexa que propicia momentos experimentais que estimulam a criação e a reflexão, reafirma-se a necessidade de estreitamento cada vez maior entre os três braços por ela oferecidos – Ensino – Pesquisa – Extensão, para que o alcance dessa produção acadêmica venha a partilhar com o contexto artístico distanciado dela. O artista-professor é o fio condutor deste caminho.

 

Referências Bibliográficas

DERDYK, Edith. Linha de horizonte: por uma poética do ato criador. São Paulo:  Escuta, 2001.

GEORGEN, Pedro. Universidade em tempo de transformação.

                  www.prg.unicamp.br/texto. Acesso em : 9fev2007.

MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Editora Sulina, 2005.

SALLES, Cecília Almeida. Gesto Inacabado: processo de criação artística. São Paulo: FAPESP:

                  Annablume, 1998.  

XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

Centro de Artes - CEART

 

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Florianópolis: Conjuntos históricos urbanos tombados[384]

 

Sandra Makowiecky[385]

Armando Athayde Carneiro Filho[386]

 

Palavras- chave: Patrimônio Histórico; Conjuntos urbanos tombados; Florianópolis; Memória.

 

Resumo

 

Este trabalho pretende mostrar em uma visão geral, a situação dos conjuntos históricos urbanos tombados de Florianópolis, que possui um acervo significativo de edificações tombadas como Patrimônio Histórico, a maioria dos períodos colonial e neoclássico. No centro histórico, temos dez conjuntos urbanos tombados, compreendendo aproximadamente trezentos e trinta edificações.

 

Contextualização histórica

 

Historicamente a Ilha de Santa Catarina, e posteriormente a Póvoa de Nossa Senhora do Desterro, se destacou como núcleo central do processo de ocupação do litoral sul brasileiro, e foi uma das principais portas de entrada para o Brasil Meridional.

A fundação efetiva da Póvoa de Nossa Senhora do Desterro ocorreu por iniciativa do bandeirante paulista Francisco Dias Velho, por volta de 1651. Em 1678 ele deu início à construção da Capela de Nossa Senhora do Desterro, definindo o centro do povoado e marcando o nascimento da Vila. Aos poucos foi se processando uma ocupação litorânea lenta e espontânea, por meio de sesmarias.

A partir da fundação da Colônia de Sacramento (1680), e da conseqüente necessidade de dar-lhe cobertura militar, a ilha catarinense passou a representar um ponto estratégico de importância para a Coroa Portuguesa.

A sua posição era valorizada por situar-se praticamente a meio caminho entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires, na época as duas maiores cidades litorâneas da face atlântica da América do Sul. A localização geográfica e as vantagens físicas do porto desterrense impuseram-se às razões políticas e econômicas, justificando a criação da Capitania da Ilha de Santa Catarina (11/08/1738), e motivando a implantação do mais expressivo conjunto defensivo litorâneo do Sul do Brasil.

A partir deste evento, o afluxo populacional tomou impulso, incrementando-se novas doações de sesmarias. Entre 1748 e 1756, aqui aconteceu o maior movimento organizado de transferência em massa de colonizadores açorianos (em torno de 6.000 pessoas). Estes colonos, além de se fixarem no núcleo central, fundaram diversas freguesias no interior da Ilha e no litoral da região continental.

No século XVIII, em 23 de março de 1726, Desterro foi elevada à categoria de Vila, e tornou-se Capital da Província de Santa Catarina em 1823, um período de grande prosperidade, com o investimento de recursos federais. Com o advento da República (1889), e a vitória das forças comandadas pelo Marechal Floriano Peixoto, em 1894, houve a mudança do nome da cidade para Florianópolis, em homenagem a este oficial. A cidade, ao entrar no século XX, também passou por profundas transformações, sendo que a construção civil foi um dos seus principais suportes econômicos. Hoje, felizmente, encontramos ainda marcos da história na fisionomia da cidade, representados através da sua arquitetura e de seu traçado urbano. Este acervo expressa a memória da cidade, onde os acontecimentos históricos, econômicos, políticos, sociais e culturais ficaram refletidos nos conjuntos urbanos e edificações.

 

2. A Trajetória da Preservação do Patrimônio Histórico Edificado em Florianópolis.

 

Para que a cidade não perdesse sua identidade e tivesse seu expressivo acervo reconhecido e valorizado, o Município de Florianópolis, em 1974, deu início ao processo de preservação, através da Lei Municipal nº 1.202, ( que dispõe sobre a proteção de seu patrimônio e instituiu o instrumento do tombamento (preservação com proteção legal).

O tombamento é uma palavra antiga, que hoje significa o registro especial de construções, monumentos, objetos, lugares, considerados importantes por razões históricas, artísticas, tecnológicas ou afetivas, e que, por isso, merecem a proteção do governo e da comunidade. Assim, os bens tombados passam a ser preservados, não podendo ser destruídos.

Esta lei também criou o SEPHAN - Serviço do Patrimônio Histórico, Artístico e Natural do Município, que conta com a colaboração da COTESPHAN [387] (Comissão Técnica do SEPHAN), que, através da representação de diversas entidades indicadas, atua como assessoria sobre as questões pertinentes ao patrimônio histórico/cultural. Na época tratava-se de uma iniciativa pioneira, pois até então as ações de preservação geralmente restringiam-se à atuação federal ou estadual. Especificamente em Santa Catarina, a proteção se deu pela esfera federal, contemplando a preservação, através do mecanismo do tombamento, das fortalezas que faziam parte do sistema defensivo português no período colonial.

Com a transferência do SEPHAN para o IPUF, em 1979, a preservação passou a ser compreendida como um dos elementos integrantes do planejamento urbano. Além do tombamento de grandes monumentos, foi dada prioridade à preservação de conjuntos arquitetônicos que ainda testemunhavam a evolução urbana, mantendo assim os referenciais culturais. Através do Decreto Municipal nº 270/86, de 30 de dezembro de 1986, foram tombados 10 conjuntos urbanos no centro da cidade . Posteriormente, através do Decreto Municipal nº 521/89, de 21 de dezembro de 1989, todos os prédios integrantes destes conjuntos históricos foram classificados, de acordo com sua importância histórico/arquitetônica, em 3 (três) categorias distintas:

P1 - são aqueles imóveis que, pela sua monumentalidade e valores excepcionais, são totalmente preservados, ou seja, tanto no seu interior como no seu exterior.

P2 - são aqueles imóveis que fazem parte da imagem urbana da cidade e que não podem ser demolidos, devendo ser preservada sua volumetria externa, ou seja, fachadas e cobertura. São admitidas reformas internas, desde que não interfiram com o exterior da edificação.

P3 - constituem-se em unidades de acompanhamento dentro das áreas tombadas, sendo importantes para a harmonia do conjunto. Poderão ser demolidas, mas a reedificação está sujeita à restrições que evitem a descaracterização do conjunto no qual está localizado, ou do qual é vizinho.

Além da preservação dos 10 (dez) conjuntos da área central, houveram tombamentos individuais, realizados através de decretos municipais.  Também foi tombada parte da malha viária central, identificada como elemento estruturador de todo o conjunto, através do Decreto Municipal n.º 190/90, objetivando preservar parte da estrutura urbana colonial de Florianópolis, em uma área que foi objeto de generalizada substituição da arquitetura definidora do conjunto original.

O Plano Diretor do Distrito Sede (Lei Complementar n.º 001/97) também definiu Áreas de Preservação Cultural (APC), objetivando o resgate da identidade urbana pela manutenção de conjuntos ou edificações de arquitetura relevante.  Qualquer intervenção nestes bens deverá ter prévia anuência do órgão municipal competente.

A partir de uma maior conscientização da população também surgiram algumas solicitações voluntárias para a proteção legal de imóveis particulares. A preservação não se restringe só ao patrimônio histórico edificado. Desde 1988 estão sendo desenvolvidos trabalhos de restauração da arquitetura religiosa.

 

3. Sobre os conjuntos históricos urbanos tombados

 

 

Em Florianópolis, a atuação da municipalidade priorizou a preservação de conjuntos arquitetônicos que ainda podiam testemunhar a evolução da cidade, mantendo assim estes referenciais culturais, elementos importantes na humanização dos espaços urbanos. A história da Ilha de Santa Catarina foi se materializando através de diferentes formas de ocupação, inseridos em um contexto natural de extrema beleza, com limites físicos bem marcados. A antiga função estratégica da Ilha resultou no aparecimento de monumentos na arquitetura oficial, tanto civil quanto militar e na arquitetura religiosa, propiciando a formação de assentamentos, tais como o do Centro Histórico, na Área Central, que se apresenta hoje consolidada através da preservação de dez conjuntos urbanos.

O início do povoamento se deu no entorno da atual Praça XV de Novembro, onde se localiza o chamado “Centro Histórico” da cidade. A região apresenta o maior adensamento de edificações preservadas, cuja tipologia é típica do período colonial, ou seja, lotes estreitos e fundos, com os prédios geminados uns aos outros. Com o desenvolvimento e expansão da cidade foram aparecendo outros bairros, com características próprias, tais como o Bairro do Menino Deus, junto com o Hospital de Caridade, o da Tronqueira no entorno da Rua General Bittencourt, o do Mato Grosso no entorno da Praça Getúlio Vargas. Esta evolução da cidade, com a modernização, trouxe novos padrões arquitetônicos, que enriqueceram a imagem urbana.

Remanesceram alguns exemplares, de várias tipologias arquitetônicas, que puderam ser preservados na forma de conjuntos urbanos e que refletem momentos distintos da memória da antiga Desterro, guardando um pouco do cenário da época – iremos encontrar influências da arquitetura européia, notadamente a colonial portuguesa, o neoclássico, o art- nouveau e o art- deco, de origem francesa.

Outras medidas foram tomadas por lei, através de decreto municipal. Neste contexto, a mais importante foi a de preservação da área central de Florianópolis, por Decreto Municipal nº 270, de 30 de dezembro de 1886, em que foram tombados 10 conjuntos urbanos na área central que corriam maior perigo de desaparecimento, representando aproximadamente 330 unidades presentes no Centro da Cidade.

 

Fig. - Mapa de localização dos 10 conjuntos urbanos tombados

5- Breve descrição dos Conjuntos Tombados

 

1. CONJUNTO I – Centro Histórico

É o núcleo inicial da antiga Vila de Nossa Senhora do Desterro, que se ergueu segundo os moldes expressos nas ordenações portuguesas de 1747, e cujos traços sobrevivem até hoje.

Em torno da praça foram erguidas a primeira capela (hoje substituída pela Catedral Metropolitana), as primeiras edificações oficiais (Casa da Câmara e Cadeia, Palácio do Governo), e as primeiras moradas de alvenaria. Inicialmente a povoação se estendeu à leste da praça, e posteriormente à oeste, ocupando as áreas mais baixas, limitadas pelo mar e pelas colinas. Posteriormente foram surgindo os primeiros caminhos, em função da necessidade de ligação com as fortificações, construídas no séc. XVIII para defesa da povoação, formando assim os embriões dos futuros bairros.

 

2. CONJUNTO II - Hospital de Caridade

Este conjunto é representado principalmente pelo Hospital de Caridade e Capela do Menino Deus e a Rua Menino Deus, antigo caminho de ligação ao sul da Ilha. A preservação desta rua, que dá acesso ao Hospital, é fundamental para a valorização de um dos mais importantes referenciais da paisagem urbana. Esta rua possui uma ocupação típica do período colonial, com lotes estreitos e profundos, além de edificações geminadas, que testemunham o período colonial na arquitetura.

 

3. CONJUNTO III – Bairro do Mato Grosso

O caminho de acesso ao Forte São Luiz, existente desde o séc. XVIII, inicialmente era ocupado por chácaras residenciais das camadas mais abastadas da população. No fim do séc. passado iniciou-se o desmembramento destas glebas, que aos poucos foram sendo loteadas, constituindo-se em novas áreas residenciais, e dando origem ao Bairro do Mato Grosso. Tem como principal referencial urbano a Praça Getúlio Vargas (antigo Largo Municipal). A importância deste conjunto está evidenciada pela presença de edificações de vários estilos da arquitetura.

 

4. CONJUNTO IV – Bairro da Tronqueira

Este conjunto ainda guarda os vestígios mais antigos da ocupação da cidade. A Rua Gen. Bittencourt, antigamente conhecida como Rua da Tronqueira, recebeu seu nome em 1874, e era um dos importantes eixos de ligação com o norte da Ilha. Apresenta edificações antigas, representativas de vários períodos da evolução urbana e da arquitetura da cidade.

 

5.CONJUNTO V - Rua General Bittencourt

Este conjunto também é de ocupação bastante antiga, e ainda hoje apresenta edificações antigas, representativas dos vários períodos da evolução urbana da cidade. As edificações típicas do período colonial, embora esparsas, ainda evidenciam o antigo caminho de acesso ao norte da Ilha.

 

6.CONJUNTO VI – Rua Hermann Blumenau

Este conjunto possui ainda o casario remanescente da arquitetura eclética do início do século, com lotes pequenos e estreitos. A Rua Hermann Blumenau chamava-se Rua Uruguai, até 1931. Era a antiga ligação do Vale das Olarias (região da atual Av. Mauro Ramos) ao antigo Largo Municipal (atual Praça Getúlio Vargas). Caracteriza-se pela horizontalidade, e pela semelhança entre as edificações, além da estreita dimensão dos lotes, que inviabilizam uma ocupação mais densa.

 

7. CONJUNTO VII – Nossa Senhora do Rosário

A Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, construída no séc. XVIII, é o principal elemento deste conjunto, e uma das mais antigas da cidade. Situada no alto de uma escadaria, voltada para a Baía Sul, a Igreja, juntamente com a Rua Trajano, forma um eixo visual de grande importância.

 

8. CONJUNTO VIII – Praia de Fora

Foi na Praia de Fora (atual Beira Mar Norte), que Dias Velho, fundador da póvoa de Nossa Senhora do Desterro, aportou no séc. XVII. Nesta orla foram construídas duas fortificações (Forte de São Francisco Xavier e Forte de São Luiz), e a ligação entre ambas era feita pela Rua da Praia de Fora. Durante muitos anos foi o local onde as famílias mais abastadas possuíam chácaras.

 

9. CONJUNTO IX – Rua do Passeio

Conhecida no séc. passado como Rua do Passeio e Rua Formosa, servia de ligação entre o centro da cidade e o antigo Forte de São Francisco Xavier, localizado na Praia de Fora, e se caracterizava pela presença de chácaras, com imponentes residências. Conserva ainda hoje as estreitas dimensões da malha viária original, e é um dos poucos locais que permitem a vista do mar emoldurada por palmeiras imperiais e exemplares do casario tradicional.

10. CONJUNTO X – Rita Maria

Nesta área situava-se o antigo cais Rita Maria, a zona portuária da cidade, onde, além dos diversos armazéns e fábricas, formou-se uma pequena vila operária, formada por casas geminadas, originalmente idênticas e que constituíam as moradias dos operários. Mesmo com a implantação do aterro da Baía Sul, as características urbanas da área se mantêm.

 

6. A presença de elementos da arquitetura européia nos conjuntos históricos urbanos tombados da cidade de Florianópolis.

 

Em todos os sítios históricos do litoral de Santa Catarina vamos encontrar traços urbanísticos - arquitetônicos comuns diferenciados apenas pela maior singeleza de alguns e o desenvolvimento de outros. E destes elementos os que mais guardam semelhanças são as praças e as igrejas que nelas se encontram.

Na maioria dessas cidades, o início do séc. XX traz consigo muitas mudanças na arquitetura e no urbanismo. Este período é marcado pela adoção de novos valores estéticos e ornamentais, além de inovações de ordem da comodidade e da higiene. Influências do estreito contato cultural com a Europa através, principalmente, da abertura dos portos que proporcionaram o acesso e atualização de materiais e de tecnologias.

As antigas edificações começam a ganhar nova roupagem, mesmo que, em alguns casos, as fachadas não consigam esconder a estrutura colonial original. Pouco a pouco a arquitetura foi se liberando dos limites do lote, com recuos laterais e frontais. O nível térreo é elevado buscando dar mais privacidade às residências, criando-se o porão alto. A entrada principal passa a se dar pela lateral.

As edificações se revestem de roupagem romântica neogótica, neoclássica, e os chalés entram na ordem do dia. São introduzidos ornamentos em profusão, moldados em estuque, na forma de cimalhas, florões, pilastras, capitéis, e frisos em geral. Os balcões ganham gradis em ferro e as janelas assumem a transparência das vidraças. Ficando desta forma caracterizado o chamado Ecletismo. Mais tarde as novas tendências do art-nouveau, e do art-dèco vêm simplificar e abrir caminho para a arquitetura moderna.

Hoje a maioria desses núcleos apresenta - se como a superposição dos diversos momentos históricos, tendo como base o período colonial, em alguns deles não restando mais que o traçado das ruas, a igreja e a praça.

Encontramos unidades de habitações coloniais luso-brasileiras, térreas ou assobradadas, casas ecléticas de porão alto, bangalôs, casas de fachada art-decô e art- nouveau do início do século XX e arquitetura pré-modernista. Influência de modismos importados além da imposição dos diversos códigos municipais

 

Referências bibliográficas

ADAMS, B. Maria; ALBERS, Suzane; VEIGA, Eliane. Ilha de Santa Catarina: aspectos da colonização luso-açoriana. In: SEMANA DE ESTUDOS AÇORIANOS, 1988, Florianópolis, Anais... Florianópolis: Ed. da UFSC. p.105.

ADAMS, Betina.  Preservação urbana: gestão e resgate de uma história – o patrimônio de Florianópolis. Florianópolis: Editora da UFSC, 2002.

ALTHOFF, Fátima Regina. ASPECTOS URBANO-ARQUITETÔNICOS DOS PRINCIPAIS NÚCLEOS LUSO-BRASILEIROS DO LITORAL CATARINENSE. Disponível em < https://www.nea.ufsc.br/artigos_fatima.php> . Acesso em: 14 set.2005.

ARGAN, Carlo Giulio. História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1985.

CABRAL, Osvaldo R. História de Santa Catarina. Florianópolis, UFSC, 1968.

FOSSARI, Domingos. Florianópolis de ontem. 3. ed. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura, 1978.

LAGO, Paulo Fernando – Florianópolis: a polêmica urbana. Florianópolis: Fundação Franklin Cascaes, 1996.

MENEZES, Ulpiano T. Bezerra de. Morfologia das cidades brasileiras: introdução ao estudo histórico da iconografia urbana. Revista USP, Dossiê – O Brasil dos viajantes. São Paulo, n.30, jun./ago. 1996.

MUNFORD, LEWIS. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

PAIVA, Edvaldo; RIBEIRO, Demétrio; GRAEFF, E. Plano Diretor de Florianópolis: estudos preliminares. Porto Alegre: Imprensa Oficial do Estado do Rio Grande do Sul, 1952.

PIAZZA, Walter F. Santa Catarina: sua história. Florianópolis: Ed. da UFSC; Lunardelli, 1983

SOUZA, Sara Regina Silveira de. in Cadernos da Cultura Catarinense Imigração e Colonização- O Patrimônio Cultural do Imigrante. Texto: Açorianos em Santa Catarina: Povoamento e Herança Cultural. No 01 - out. a dez./ 1984.

VARZEA, Virgílio – Santa Catarina. A ilha. Florianópolis: IOESC, 1984.

VAZ, Nelson Popini - O centro histórico de Florianópolis – Espaço público do ritual. Florianópolis : FCC Edições/Editora UFSC, 1991.

VEIGA, Eliane Veras da – Florianópolis: memória urbana. Florianópolis: Editora da UFSC e Fundação Franklin Cascaes, 1993.

VIEIRA FILHO, Dalmo. Notas para Estudos das Primeiras Praças de Santa Catarina, Inédito, Florianópolis, s/d.

  

XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

Centro de Artes - CEART

 

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SOBRE A POÉTICA DE HUBERT DUPRAT[388]

 

                                   Profa. Dra. Sandra Makowiecky[389], Luciane Ruschel Nascimento Garcez[390]

 

Palavras-chave: casulos, animal, sagrado.

 

Resumo:  O projeto trata da pesquisa e análise do trabalho com larvas aquáticas do artista francês Hubert Duprat. O foco da análise é o uso do ouro como material para confecção dos casulos tecidos pelas larvas, sua simbologia na produção artística contemporânea, o conceito de sagrado que vem agregado a este metal, a relação arte/animal presente nesta obra de Duprat, e as questões que este fato levanta como os conceitos de originalidade e autoria.

 

 

 

            Este projeto tem como pressuposto fazer um mapeamento e uma leitura da obra de Hubert Duprat, mais especificamente seus casulos em ouro. Fazer uma análise sobre o significado deste material para este artista, o motivo da escolha deste material, o porquê do conceito de sagrado que ele agrega a seu trabalho, qual a relação do o ouro com a obra.

            Outro ponto importante na pesquisa é a relação arte/animal presente neste trabalho. Podemos rastrear esta relação até a pré-história, vários são os artistas que andaram por esta clave, e vários são os teóricos que refletiram sobre esta questão.

            Pode-se dizer, nas palavras do teórico francês Michel Foucault, que o primeiro olhar ao se analisar um trabalho com tamanha sensibilidade como os casulos de Duprat, é um “espetáculo-de-olhares” (FOUCAULT, 1995, p.29), onde é possível embevecer-se com a beleza da obra, observar sua construção formal, suas linhas e volumes, mas também ir mais fundo e questionar sobre a intenção do artista e do material de sua escolha, seus questionamentos e reflexões.

            A idéia é fazer a análise a partir desta obra onde o artista usa um tipo de larva aquática, as tricópteras, que tecem seus casulos com os materiais que encontra à sua disposição nos leitos dos rios. Ele as encerra em aquários e disponibiliza, a princípio, alguns fios e pepitas de ouro, durante o processo, conforme o desenvolvimento do casulo, ele vai agregando ao material disponível para as larvas, pérolas, turquesas, âmbar entre outras pedras preciosas e semipreciosas para que teçam seus casulos como se fossem jóias (ver fig. 1, 2 e 3). Estas peças são fotografadas assim como o processo de confecção que é também filmado, já que o resultado final não tem um caráter de permanência (uma vez que o que mantém o casulo unido é uma espécie de fios de seda expelidos pelas glândulas das larvas, e como se sabe sem solda as peças de ouro não conseguem se manter ligadas). As fotos são expostas em galerias, assim como o filme que mostra as larvas trabalhando; em algumas mostras o artista colocou os aquários pendurados nas paredes, à altura dos olhos do espectador, contendo as larvas em seu interior em pleno processo de confecção do casulo, como se fossem quadros. Neste procedimento o artista levanta uma reflexão sobre a sobrevivência da arte em museus e galerias no formato mais tradicional até meados do século XX, e que na atualidade tem sido discutido em várias instâncias da arte contemporânea. Não só o resultado de seu trabalho e processo de criação são polêmicos, a maneira como ele revela suas larvas também provoca o espectador a pensar um pouco mais sobre a arte no século XXI, a relação arte/animal/natureza e tecnologia. Este procedimento de confecção dos casulos foi patenteado pelo artista para se proteger dos ourives e joalheiros.

Nesta obra podemos identificar uma intensa relação com a religião, já que o artista faz referência à idéia do sagrado, e vai mais longe, em entrevista à autora[391] ele comenta que a escolha pelo material se dá pelo seu “manto religioso”, citando o teórico francês, Roger Caillois.

Fig. 1

Fig. 2

 

Fig. 3

             

            Na história da joalheria pode-se identificar uma ligação muito forte entre ouro e religião, ouro e sagrado. Em seu texto sobre o nascimento da arte, Geroges Bataille (2003, P. 16) faz esta mesma colocação a respeito de arte e religião.  Neste mesmo percurso, encontra-se o animal como fonte de inspiração e objeto de pesquisa na arte; no caso de Duprat, mais do que uma relação o animal é o próprio artesão, as larvas são como operárias que confeccionam a obra. A este respeito levanta-se a questão da autoria, quem seria o autor da obra? O artista ou a larva? Como se classifica esta obra, onde o artista é um maestro que rege suas larvas e coordena a construção dos casulos? As larvas vêm construindo estas crisálidas desde 1983, Duprat as mantêm em aquários em seu atelier; são miniaturas em ouro e pedras que são confeccionadas, uma após a outra. Algumas se desmancham mais rápido que as outras e neste caso Duprat reutiliza o material. Seriam cópias sem matriz? Ou cada casulo é seu próprio original? Para auxiliar nesta reflexão da repetição sem fim, vai-se contar com Rosalind Krauss e seu texto La originalidad de la Vanguardia (1996), onde ela analisa uma exposição do escultor francês Auguste Rodin, em Washington, em 1978. Nesta mostra existem peças confeccionadas anos após sua morte e que são expostas como “originais” de Rodin. O escultor doou ao Estado francês, além de todos seus pertences, também o direito de reproduzir em bronze suas obras de marmorite. A partir deste texto pretende-se pensar a questão da autoria e da reprodução infinita, questões importantes no trabalho de Hubert Duprat. A relação ouro/animal, presente nos casulos, fascina o espectador, é interessante buscar neste estudo por quais caminhos o ouro leva o artista a trilhar um percurso.

Olhar os casulos de Duprat é fazer um passeio, um passeio sem rota definida, sem guia que o oriente, é fazer um percurso aleatório de maravilhamento. Pensar estes casulos é como fazer um empilhamento de idéias, conceitos, períodos, um emaranhado de informações que aos poucos vão se contaminado entre si e fazendo sentido, é como olhar uma pérola que com suas camadas irregulares vão formando um conceito. Giles Deleuze e Felix Guattari, em O que é a Filosofia?, comentam: “A arte conserva, e é a única coisa no mundo que se conserva. Conserva e se conserva em si (quid júris?), embora, de fato, não dure mais que seu suporte e seus materiais (quid facti?)” (DELEUZE, GUATTARI, 1992, p. 213), aqui também é a efemeridade da obra que está em jogo, apesar do material ser dos mais duráveis que a natureza pode oferecer, o resultado é efêmero, seu registro é o que fica, a sensação é o que perdura. Alberto Manguel fala em seu texto Lendo Imagens, “... se nem metal nem mármore irão durar, por que então não aceitar sua transitoriedade como sendo em si um monumento?” (MANGUEL, 2003, p. 276), esta transitoriedade está presente e é elemento importante do trabalho de Duprat, depois do casulo o que restam são fragmentos, pedaços de um casulo-casa, memórias desencontradas de uma obra que está por recomeçar. E aí vem um novo casulo, uma outra imagem.

Olhar esses casulos é também um ato anacrônico, pelas questões que ele levanta, por sua forma, seu efeito, pelos conceitos que estão agregados a estes trabalhos. É possível localizá-los na arte egípcia, com seus insetos, joalheria e arte andando juntas, pelo sagrado tão forte nesta cultura; é possível olhar esses casulos por seu aspecto decorativo, no período barroco, com suas ostentações e excessos, o dourado como elemento principal em certas obras; pode-se pensá-los na arte contemporânea, com sua questão formal na relação arte/animal e a pesquisa e tecnologia necessárias para a concretização do projeto, ciência e arte juntas. Para pensar nesta clave, vai-se ler o teórico Georges Didi-Huberman e seu texto Ante el tiempo (2005), onde o conceito de anacrônico é amplamente discutido.

É a partir destas idéias que se vai iniciar esta pesquisa. Investigar o que motivou o artista a optar pelo mais nobre dos metais, tentar fazer toda esta gama de relações e conexões, ler seu trabalho com a mesma paixão e fascinação com que ele o executa.

Um dos pontos da pesquisa é buscar identificar quais valores são atribuídos ao ouro por conta do artista, com que conotação ele é usado e, ainda, quais as referências que o levou a tal escolha. Ao longo da história o ouro passou por diversos momentos, mas geralmente esteve ligado ao poder, à riqueza, ao sagrado. A nobreza e o clero foram ávidos consumidores e usaram e abusaram do ouro de diversas maneiras. Nesta pesquisa existe o desejo de, simultaneamente às leituras das obras do artista pesquisado, conectá-las a certos períodos históricos onde se buscava trabalhar a idéia do valor atribuído ao ouro, de maneira semelhante. Talvez a possibilidade de seguir por este caminho traga um grande referencial teórico que em muito enriqueceria este projeto.

Conforme Pseudo-Dionísio Aeropagita (final séc. V- início séc. VI IN: LICHTENSTEIN, 2004), em seu texto A Origem Divina das Imagens, do fim do século V, início do século VI, onde fala sobre a sacralização da imagem, como Deus se revelaria aos homens, quando uma imagem se torna sagrada, a este respeito ele comenta:

 

... é necessário dizer que a revelação divina é dupla: uma procede das imagens sagradas adequadas a cada objeto, a outra apresenta a inadequação das formas que ela modela até a mais profunda dessemelhança, mesmo até o absurdo. Este tipo de revelação mística é própria das Escrituras, uma vez que ela celebra a virtuosa beatitude do Princípio Divino Transcendente através de nomes como razão, inteligência, essência (…). Tais representações são, de fato, mais sagradas e superiores que imagens materiais, mas, em verdade, elas não são menos deficientes que as outras quando é necessário representar, em toda sua verdade, o Princípio Divino que ultrapassa qualquer essência ou existência, em nada se parece com qualquer luz, e do qual nenhuma inteligência ou razão poderiam fornecer uma imagem confiável. (…) Assim, se todas as negações são verdadeiras no que diz respeito aos mistérios divinos, ao passo que qualquer afirmação é inadequada, é natural que as realidades divinas sejam melhor representadas por imagens que não guardam nenhuma relação com seu modelo.

 

Em todo momento da história encontram-se exemplos de imagens e situações que o homem tende a sacralizar. Não só o objeto em si, mas a atitude do criador e o caminho trilhado por ambos tornam estas obras sagradas aos olhos do mundo. O objeto se torna sacro por diversas manifestações, não necessariamente ligadas diretamente à religião. Mircea Eliade (1995, p. 18), no texto O Sagrado e o Profano, diz que:

 

Manifestando o sagrado, um objeto qualquer torna-se outra coisa e, contudo, continua a ser ele mesmo, porque continua a participar do meio cósmico envolvente. Uma pedra sagrada nem por isso é menos uma pedra; aparentemente (para sermos mais exatos, de um ponto de vista profano) nada a distingue de todas as demais pedras. Para aqueles a cujos olhos uma pedra se revela sagrada, sua realidade imediata transmuda-se numa realidade sobrenatural.

 

 

Os besouros egípcios, que se referiam ao sol e à criação, e que, há aproximadamente 4.500 anos, são confeccionados e usados na joalheria deste país (PHILIPS, 1996, p.12). São exemplos de peças artísticas onde o animal está aliado à arte e ao ouro, no caso dos besouros egípcios, confeccionados também em turquesa e que são símbolos sagrados para seu povo, símbolos de luz que ainda hoje carregam um “manto religioso” sobre estas peças.

Para auxiliar na reflexão sobre a representação do animal na arte conta-se com Jacques Derrida em seu texto O animal que logo sou (2002). Nele, Derrida inicia uma discussão a partir de uma experiência onde se viu nu observado por seu gato; essa experiência o fez constatar que na relação dos homens com os animais, há duas possibilidades. Uma é o homem observar o animal e nele, muitas vezes, projetar sua própria psique e sentimentos, o que gera inúmeras metáforas e fábulas onde os animais – então humanizados –recebem um papel importante, esta é a mais freqüente. A outra, mais complicada, somente tentada por “poetas e profetas” (2002, p. 34), é tentar imaginar como o animal nos vê, não lhe atribuindo nossas características e sim tentando criar este impossível: ver-nos como um animal nos vê – tal como ele mesmo, Derrida, se viu observado nu por um gato. A própria questão da nudez já marca a imensidão do abismo que nos separa, a nós homens, dos animais. Derrida, em sua desconstrução do conceito animal, faz duas proposições – uma é evidenciar a enorme agressividade e destrutividade praticada pelos homens contra estes outros viventes que chamamos animais, coisa que nos últimos dois séculos atingiu níveis nunca antes alcançados. Neste período as formas tradicionais de tratamento do animal foram subvertidas, é evidente e pode-se comprovar este fato observando as técnicas de intervenção e transformação do objeto, o vivente animal: pela criação e adestramento em uma escala demográfica sem nenhuma comparação com o passado, pelas experiências genéticas, pela industrialização do que se pode chamar a produção alimentar de carne animal, pela inseminação artificial, pela redução do animal não apenas à produção e reprodução superestimuladas (hormônios, cruzamentos genéticos, clonagens, etc.) de carne alimentícia, mas a todas as outras finalidades a serviço de um suposto bem-estar humano (2002, p. 51). É através desse inegável sofrimento que podemos nos aproximar dos animais e superar a negação que permite o atual trato da questão, abrindo espaço para o respeito com a vida, seja qual for sua manifestação. Onde se enquadra o uso das larvas por Duprat nesta reflexão?

A segunda proposição de Derrida diz respeito à forma defensiva com a qual a palavra animal é usada, que não faz justiça à enorme variedade de formas animais e à conseqüente singularidade das relações que o homem pode estabelecer com elas. Ao desconstruir conceitos e categorias de animal, chamando-nos a todos de viventes e animots, Derrida não apaga os limites e o abismo que nos separa dos animais. Mas mostra como o que nos é próprio fica às vezes muito pouco claro. Faz-nos encarar o enigma da vida e o respeito que lhe devemos.

Em resumo, pode-se dizer que é com a ajuda de Bataille, Caillois, Deleuze, Mircea Eliade, Guattari, Rosalind Krauss e Derrida entre outros já citados, que esta pesquisa tentará ler e mapear a importância do ouro na obra de alguns artistas contemporâneos, para buscar entender, mais amplamente, algumas de suas múltiplas significações simbólicas e a relação do animal, presente na arte há milhares de anos, bem como o conceito de sagrado que ambos despertam, e despertaram, em diversas culturas e momentos da história.

 

 

REFERÊNCIAS:

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DERRIDA, Jacques. O Animal que Logo Sou. São Paulo: UNESP, 2002.

 

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MANGUEL, Alberto. Lendo Imagens. 2. Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

 

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XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

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SOCIABILIDADE, CULTURA E MEMÓRIA: relatos de moradores de uma localidade litorânea da Ilha de Santa Catarina[392]

 

                                                                                                          Tereza Mara Franzoni[393]

 

Palavras-chave: Sociabilidade; Cultura; Memória; Ilha de Santa Catarina

 

RESUMO: O trabalho procura fazer uma reflexão sobre a percepção de moradores tradicionais do litoral sul da Ilha de Santa Catarina sobre as transformações sócio culturais ocorridas nos últimos anos em sua localidade a partir do estudo das formas de sociabilidade, em especial aquelas que envolvem as formas associativas e que, na localidade, estão diretamente relacionadas ao planejamento do uso e ocupação do solo.

           

            A pesquisa foi desenvolvida a partir de relatos de vida coletados no segundo semestre de 2005 e início de 2006 (Franzoni, 2005), envolvendo 12 moradores. O procedimento adotado foi: Identificação da lógica interna de cada relato; Identificação dos pontos comuns e divergentes entre os relatos; Identificação das principais categorias nativas e seus significados.

Entre os moradores entrevistados, a imagem do passado é marcada pela quantidade de terras disponíveis. Esta se contrapõe à impressão da falta de terras atual. Para muitos tudo está ocupado, ou, como, dizem “está tudo cercado”. A visão de um território livre, sem cercas e de circulação livre, está ligada a memória de um Campeche agrícola, e remete diretamente para as experiências vividas na infância e na adolescência[394].

Através dos depoimentos, foi possível identificar a participação de meus entrevistados em muitas das atividades que resultaram na elaboração do Plano Diretor Comunitário[395].  A necessidade de terrenos livres, de caminhos de acesso a praia, de áreas de lazer para as crianças, de conter o crescimento populacional, de espaços de festa e de sociabilidades múltiplas, de espaços para feiras e brincadeiras, de espaços artísticos, de  áreas verdes  de acesso livre, aparecem tanto nos depoimentos quanto nas demandas do Plano Comunitário[396].

Os motivos que os levaram, ao envolvimento com as questões de planejamento urbano, apontavam, via de regra, para relações de parentesco e amizade, principalmente entre aqueles que moravam no Campeche há algum tempo. Mas envolviam também sua determinação em relação as imagens e desejos que tinham e que tem em relação a este lugar. Seus vínculos, com as organizações comunitárias locais também envolviam, relações de amizade e parentesco, além das motivações e escolhas políticas no campo da negociação dos usos do espaço vivido.

Por fim cabe ressaltar a centralidade do processo de elaboração do Plano Comunitário em relação a sociabilidade[397] local e, a possibilidade de, através dele, refletir sobre esta sociabilidade, tanto enquanto objeto de estudo, como, e principalmente, enquanto motivador e provocador de reflexão entre os próprios moradores da localidade. Estabelecendo um diálogo entre passado e futuro, entre espaço e memória, entre o tradicional e o novo.

 

BIBLIOGRAFIA

FRANZONI, Tereza Mara. "Estrangeiros" e "nativos" - sociabilidade e identificação na Ilha de Santa Catarina [apresentado no GT 02 – Fronteiras Urbanas e circulação de sentidos, na VI Reunión de Antropologia del Mercosur]. Montevidéu, 2005.

LACERDA, Eugênio P. 2003. O Atlântico Açoriano: Uma antropologia dos contextos globais e locais da açorianidade (Tese) Programa de pós graduação em Antropologia Social. Florianópolis, UFSC – Departamento de Antropologia Social. Florianópolis.

SIMMEL, Georg. Sobre a sociedade e a cultura (parte 1). In: SOUZA, Jessé e ÖELZE, Berthold. Simmel e a modernidade. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2005. 2a ed.

VIGÂNIGO, Eliane Rotta. Desenvolvimento local e empowerment no Campeche. [Monografia] Florianópolis: CCE/UFSC, 2004.

WAIZBORT, Leopoldo. As aventuras de Georg Simmel. São Paulo: Ed 34, 2006. 2a ed.

www.campeche.org.br/plano/intro_plano.htm acesso em 08/12/2006.

 

  

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GROTESCO[398]

 

 

                                                           Prof. Dr. Antonio Carlos Vargas Sant’Anna[399]

 

Palavras-chaves: Digital art, Grotesco, Ukiyo-e

 

Resumo: O texto apresenta uma pesquisa artística de arte digital apoiada nos  conceitos de apropriação e grotesco. Para tal se serve, preponderantemente, de imagens de ukiyo-e (s) integradas à imagens de violência e sexualidade obtidas na web.

 

                  Muito embora a incorporação de obras de arte – na forma de cópia - para criação de obras artísticas novas seja um fenômeno antigo, as digitalizações das imagens na contemporaneidade e sua veiculação através da internet ampliaram potencialmente as possibilidades de apropriações visuais. Esta prática, também definida como citacionismo (CHIARELLI in BASBAUM, 2001),1111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111 pode ser considerada uma  característica da arte contemporânea e faz com que questões como direitos de autor, originalidade, cópia e transgressão ganhem relevância na reflexão estética.   Em paralelo a esta prática da vida imagética contemporânea tendem a se potencializar  as integrações e as fusões  das mídias através da digitalização das imagens e dos sons  (televisão, internet, telefonia e rádio) modificando as formas de recepção pelo público e  redimensionando seu conceito de arte. Igualmente  o conceito de apropriação  se vê maximizado por este fenômeno.

O citacionismo  poder ser considerado como presente na pintura de colecionismo (como nas obras de Brueghel I, Francken II, Gonzáles Coques, Gillis van Tilborch, Willem van Haecht ou David Teniers II) mas o  termo apropriação é usual na história da arte para indicar a incorporação de objetos  não artísticos e fragmentos de obras  remetendo para os procedimentos cubistas e a toda uma gama de collagens usuais da arte moderna de dadaístas e surrealistas chegando a arte contemporânea através de assemblages, instalações e obras digitais que podem ser vistas em artistas como Duchamp, Rauschenberg,  Dubuffet,  Tápies,  Jasper Johns, Koons, Levine,  Duke Lee, Gerchman  ou Leirner,  para citar alguns poucos.

Para pensar através da prática artística a relação entre apropriação e vida contemporânea  propomos a adoção de um outro conceito como contraponto, o de grotesco. Igualmente propomos a utilização de  fragmentos de Ukiyo-e (s) como estratégia de criação justamente pelas características de produção que o Ukiyo-e possuia  já que, a nosso entender, isto cria uma dobra que auxilia na reflexão sobre o conceito de apropriação na arte contemporânea.

            A relevância do grotesco na arte é bastante consolidada (KAISER, 1986). No século XVII a adoção de motivos vulgares ou grosseiros utilizados por Hals ou Rembrandt  pintando gente do povo, dos bairros pobres e das tabernas, brutos comerciantes, taberneros barrigudos, mulheres embriagadas ou idiotas, ampliavam características  grotescas já existentes no gótico e nas obras de Bosch, por exemplo, mas agregavam como no caso de Rembrandt preocupações psicológicas que por sua vez seriam incorporadas por diversos pintores da tradição espanhola e  revitalizadas  por artistas modernistas. Em uma imagem grotesca, a beleza disfarça o improvável, o sórdido e a estupidez. Quando se olha uma imagem grotesca, o prazer e a felicidade se apresentam ao primeiro instante, mas de forma efêmera.  Ocorre o mesmo com boa parte das imagens veiculadas pela publicidade que ocultam atrás do glamour as perversidades e contradições do sistema econômico. Ocorre igualmente com as imagens veiculadas nos noticiários da televisão, cujas formas  sempre tão assépticas e agradavelmente semelhantes relativizam conteúdos teriomórficos e diairéticos.

Talvez pela capacidade de unir opostos  como o cotidiano e vulgar das temáticas com a beleza das soluções plásticas e um desejo de elevação do comum é que o conceito de grotesco ainda   se mostre como extremamente adequado para formar uma lente reflexiva sobre a vida contemporânea. Redimensiona o pensar sobre as práticas midiáticas (noticiários, publicidade, telenovelas, filmes, internet, etc) e algumas de suas características como a veiculação de imagens de violência (terrorismo, guerras, fome e miséria), de sexualidade (revistas, filmes e sites pornográficos), de intimidade (reality show) mediadas por imagens de prazer e conforto que vão das roupas e ambientações dos apresentadores televisivos e imagens publicitárias. Assim o grotesco pode ser uma característica encontrada na obra de muitos artistas contemporâneos como os irmãos Chapmann, Gilbert & George, Serrano, Orfilli, Koons ou Mapplethorpe  para citar apenas outros poucos. 

            Por sua vez, o  uso de imagens retiradas de Ukiyo-e (s) tanto pelas características de suas temáticas  voltadas sobre a vida  comum como pelos métodos de produção é útil. No que tange ao método de produção que se serve de matrizes de madeira, estas   eram “ impressas várias vezes, sendo vendidas, refeitas ou copiadas: título, texto e desenhos são alterados, cortados, acrescidos, parodiados, sem qualquer controle editorial.”(HASHIMOTO:2002,339) Este fato, longe de ser um sinal de desorganização social era uma expressão cultural e sob vários aspéctos indicavam características de uma modernidade que só posteriormente surge no ocidente.

            Em referência ao período Edo, dividido pelos estudiosos em  “Período Incial “e  “Segundo Período”,  Madalena Hashimoto destaca que:

         “Nos dois períodos, os desenhistas  de estampas tentam se organizar em iemoto; sua atividade, entretanto, atende a demandas variadas que impossibilitam a filiação em apenas uma família, como se viu no caso, extremo,de Hokusai, e como se vê na maior parte dos artistas ukiyo-e (o número de , nome de artista, aumenta no segundo período). A adoção de sobrenomes, ou nomes de famílias, somente é permitida para os homens comuns a partir de 1870; assim, a associação de um nome de artista a uma determinada pessoa é, muitas vezes, impossível de ser estabelecida, como no caso de Saraku. Emitir juizos de autoria sobre os desenhistas do período é entrar em um jogo de disfarces e simulações: embora as estampas sejam assinadas (entalha-se o nome do desenhista da estampa na própria matriz chave),o nome gô ,como se viu, indica determinado modo, tópica ou família artística, não uma pessoa. Sendo impressa manualmente, aceitando ela acidentes (ou os tornando característicos) e demandas de público, cada estampa é, no fim, uma pintura, repetível segundo variações através dos anos;pode ser reimpressa até hoje, repetível como uma cerimônia de chá e, na repetição, sempre única.”(HASHIMOTO, 2002: 325)

 

Por sua vez, as temáticas do Ukiyo-e permitem pontes  históricas entres determinados comportamentos sociais, como as atitudes dos guerreiros ou soldados e das mulheres e homens em sua sexualidade.  O termo Ukiyo-e quer dizer imagens do mundo flutuante e com isso define o registro da vida em seu caráter efêmero ou transitório. Particularmente, os Ukiyo-e (s) elaborados durante os séculos  XVIII e XIX são interessantes para a pesquisa por vários motivos, tais como: seu aspecto excessivamente chamativo resultante do uso de cores contrastantes e, portanto, decorativos; sua influência sobre artistas europeus impressionistas, pós-impressionistas e, consequentemente  sobre movimentos modernistas e, também, por escolhas temáticas de alguns artistas sobre o universo vivido por samurais, gueixas e atores, temáticas estas abordadas sob o conceito da crônica (MEDEIROS,2005). Tais características permitem contraposições com imagens de comportamentos de soldados  americanos e europeus em guerras como do Afeganistão e Iraque, policiais em  patrulhamento urbano de grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Moscou, London, assim como com imagens  disponíveis na web de participantes de Reality Shows, de  web-sites pornôs e de outras atividades que pela veiculação digital reivindicam caráter artístico.  Por fim, as estruturas formais de diferentes estampas  de Utamaro, Hokusai, Hirosada, Kunisada e Toyokuni para citar os mais conhecidos são interessante e significativas porque, plásticamente, mostram uma grande capacidade de reter o olhar do observador o que é uma propriedade desejada para a elaboraboração das características grotescas das imagens artísticas propostas nesta pesquisa.

            Dos procedimentos que norteiam a confecção das imagens propostas pode-se destacar a pesquisa on-line na internet de imagens de obras de artistas japoneses dos séculos XVIII e XIX realizadores de Ukiyo-e; a pesquisa on-line na internet de imagens de obras de artistas  que possuam uma ênfase em aspectos decorativos; a pesquisa on-line na internet de imagens não artísticas sobre violência, tais como, atos de terrorismo,  ações de guerra, intervenções militares em favelas, catástrofes naturais e  efeitos das ações humanas sobre a sociedades tais como fome e miséria;a pesquisa on-line na internet de imagens não artísticas  sobre sexualidade; a apropriação digital destas imagens pesquisadas e posterior manipulação digital em software de tratamento digital e a impressão das imagens manipuladas  com  eventual interferência posterior de técnicas artísticas mistas.

            Foram realizadas as seguintes exposições com as obras realizadas:

Individual

Grotesck –Gallas & Mayer Gallery. Goldkronach (Germany) 2006

 

Coletiva

Grafick und Malerei aus Brasilien. Gallas & Mayer Gallery. Goldkronach (Germany),2006

Bibliografia

BASBAUM, R. (Org) Arte contemporânea Brasileira. Ed. Marca dÁgua . RJ .2001

HASHIMOTO, Madalena. Pintura e escritura do mundo Flutuante: Hishikawa Moronobu e ukiyo-e Ilhara Saikaku e ukiyo-zôshi. Ed. Hedra. São Paulo, 2002.

HUGO, Vitor. Do Sublime e do Grotesco. São Paulo: Perspectiva, 1988.

KAYSER, Wolfgang. O grotesco. São Paulo: Perspectiva, 1986.

MEDEIROS, Afonso. Crônica visual ou a modernidade do prosaico:notas sobre a gravura japonesa. In  MARTINS, Alice Fátima e outros.Cultura visual e desafios da pesquisa em artes. 14 encontro ANPAP Vol. 1,  Ed. UFG. Goiania, 2005.

MUNIZ SODRÉ. et PAIVA,Raquel. O Império do grotesco. Rio de Janeiro: MAUAD,2002

REY, Sandra.

A instauração da imagem como dispositivo de ver através. Revista Porto Arte, Ed. UFRGS, No. 21, 2004

Da prática a teoria: três instâncias metodológicas sobre a pesquisa em artes visuais. Revista Porto Arte, Ed. UFRGS, No. 13, 1996

VVAA. Original, cópia, original? Anais  do  III   Congresso Internacional de Teoria e História de lãs Artes XI Jornadas CAIA, 2005, Buenos Aires. Argentina

  

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       Mitologia e identidade artística: uma análise da presença de mitemas

 heróicos nos discursos de artistas e críticos.[400]

 

Dr. Antonio Vargas[401]

 

Palavras-chaves: mito do artista, -mito do herói, -teatro e artes plásticas

 

 

Resumo:  Este artigo em versão resumida exemplifica a ação do mito do herói na construção social da imagem do artista. Explica como o mito do artista atua no cruzamento dos interesses entre o social (coletivo) e o individual, participando de forma efetiva na instauração  e consolidação  do reconhecimento artístico e, portanto, ocupando papel determinante nos jogos simbólicos construtores da identidade artística.  

 

 

 

            A mitocrítica formulada por Durand  (1993) pode ser grosso modo apresentada como uma metodologia para análise ou crítica literária. Trata-se de fato de uma metodologia de apoio (pois fornece substratos) para a realização da análise ou da crítica. Isto porque sua aplicação revela a presença de mitos, ou estruturas míticas que atuam inconscientemente na construção do sentido, influenciando portanto na aceitação ou na rejeição da obra. O mito atua como um fio condutor que guia o leitor durante aquele processo hermenêutico no qual o sentido passa do intuído ao percebido ou significado. 

            Dentre as diferentes etapas metodológicas a primeira  trata da identificação dos mitemas. Sendo o mito uma narrativa, podemos entender o mitologema como uma parte da narrativa de um acontecimento importante do mito. Segundo Durand (1983) é um resumo abstrato de uma situação mitológica; um esqueleto da obra. O mitema por sua vez, é a menor unidade com sentido que compõe o mito. E é este sentido que pela repetição, pela redundância, cria o sentido mítico. Além disso, um mitema pode estar presente em mais de um mitologema. Mas é importante destacar que é o mitema - muito mais que o mitologema -que dá a significação mítica exatamente porque é a repetição afirmativa de uma mesma ação que coloca em destaque a sua qualidade mítica.

            Uma vez realizada a identificação dos mitemas, os mitos passam a ser identificados e sua presença e relação na trama recebem as demais etapas de contextualização, vinculando-os com o autor e com o contexto social.

            Mas as aplicações da mitocrítica não se esgotam em suas possibilidades de análise e crítica literária.  A identificaçao contextualizada de mitemas e mitos podem contribuir para os estudos sobre os processos de construção da identidade artística e também para análises pontuais sobre os processos de aceitação ou rejeição de determinadas práticas artísticas. Para tais situações propus ( vargas, 1997) um cruzamento dos pressupostos epistemológicos e metodológicos apresentados por Durand com outros oriundos dos estudos sobre a mitologia artística.

Esta proposição metodológica permite o uso de uma ferramenta para estudos pontuais. Mas uma análise conjunta dos mitemas presentes no discurso da crítica X discurso do artista  somada a análise das obras correspondente ao período das críticas aporta dados interessantes para um estudo que busque compreender a aceitação ou rejeição da obra  em cada momento histórico.

Porém, a simples identificação dos mitemas heróicos presentes nos discursos da crítica e dos artistas já é suficiente para que tenhamos uma dimensão da influência exercida pela mitologia no processo de reconhecimento artístico, que leva a transformação da imagem social do artista e serve como balizador na construção da identidade artística.

Para visualizar algumas das características heróico-artísticas presente nas declarações de críticos especializados, de artistas e  de jornalistas é preciso  fragmentar os discursos para identificar os mitemas assim como os indicativos dos  mitologemas heróicos. E saberemos que são mitologias, não apenas porque coincidem com as características míticas do heroísmo, mas porque muitas destas declarações quando isoladas carecem de significado maior para a compreensão da obra, sendo algumas até mesmo irrelevantes. Mas em seu conjunto, as diversas referências atuam como um recurso psico-linguístico que por variações sobre um mesmo tema mítico – o da criação – reafirmam o caráter de excepcionalidade da obra ou do artista, imprimindo um significado de diferença que singulariza aquele objeto ou indivíduo de outros considerados comuns. Só assim, as particularidades de cada obra ou indivíduo adquirem um significado artístico, uma vez que enquanto particularidades são históricas e culturais, portanto temporais. Mas a obra de arte é atemporal. Por isso se diz que o mito não fala da história e da cultura e sim que dá sentido a história e a cultura.

Mas apesar disso é importante ter presente que fragmentar os discursos não é a forma correta de se relacionar com o mito. O mito exige vivência. É a narrativa em seu conjunto, com sua beleza estrutural e imagens que nos permite “sentir” o mito. Pois só assim o mito é vivo. Realizar uma análise da mitologia presente nos discursos serve apenas para exemplificar pedagogicamente o que se  disse acima: que a redundância é a forma de atuação mítica e, portanto, é em conjunto nos textos que cumprem sua função ao adquirem seu verdadeiro sentido.  Ao contrário das tautologias que apenas repetem variações de uma mesma situação, as redundâncias míticas  são variações que em sue conjunto possuem uma função de aperfeiçoamento do sentido, ou seja, expressam as tentativas do narrador de “cercar” um fenômeno que em sua totalidade lhe escapa. São esforços de definir a singularidade que, por sua natureza, resiste a definições totalizadoras.

  Por fim cabe lembrar que, embora o mito heróico seja uma narrativa que conta uma história e portanto possui uma linearidade ( o herói encontra o protetor depois de ser abandonado, etc)  os diferentes mitemas que o constituem não aparecem obrigatoriamente todos em conjuntos em cada narrativa e quando o fazem em maior número não aparecem obrigatoriamente em sentido diacrônico, isto é, um após o outro construindo um sentido literal. O sentido que auxiliam a construir não é literal, mas metafórico, simbólico, poético. Mas é claro que, quanto mais longo o texto que descreve o artístico, maior o número de mitemas encontrados e mais a fácil à sua aceitação como um argumento que  de fato descreve o artístico. Por este motivo, um texto deve ser analisado sistematicamente várias vezes para que os diferentes mitemas possam ser evidenciados.

Os resultados das análises foram apresentados em artigos e em congressos. São os seguintes durante a vigência do projeto:

Artigos :

SANT'ANNA, A. C. V. . Apontamentos para o estudo da identidade artística. Urdimento (UDESC), v. 7, p. 75-82, 20 . 2006

Duzzo,F. ; SANT'ANNA, A. C. V. . Fatura e Figuração na obra de Fábio Miguez Casa 7 - (1982 a 1985). DAPesquisa, v. 2, p. https://www.ceart, 2006.

SANT'ANNA, A. C. V. . A pesquisa em artes. Artigo publicado em 2005 no web-site do Ministério de Ciência e tecnologia https://ctjovem.mct.gov.br/index.php?

SANT'ANNA, A. C. V. . Do valor da prática a Prática de valor Artigo  Revista Ponto de vista. Revista de Educação e processos inclusivos. Ed. UFSC 2005

SANT'ANNA, A. C. V. . Financiamento, identidade e produção artística na sociedade contemporânea. Artigo Revista Art & web, Volume 4, 2005. https://www.revista.art.br/site-numero-o4/apresentacao.htm|

SANT'ANNA, A. C. V. . Mitologia e identidade artística através da análise de mitemas heróicos presentes nos discursos de artistas e críticos. Trabalho completo publicado em anais de evento. III Seminário Interinstitucional de projetos Integrados de Pesquisa em Teatro UDESC-UNIRIO-UFU. (2004)

SANT'ANNA, A. C. V. . O papel do mito na aceitação da arte. Trabalho completo publicado em anais de evento. Arte em Pesquisa: Especificidades ANPAP. UNB, 2004

 

 Trabalhos completos publicados em anais de congressos

 

Carreira, A. ; SANT'ANNA, A. C. V. . Héroe, actor y teatro de grupo. In: XV Congreso Internacional de Teatro Iberoamericano y Argentino, 2006, Buenos Aires. Cuadernos de Ponencias PPGT-UDESC XV Congreso Internacional de Teatro Iberoamericano y argentino. Florianópolis : Ed.UDESC. v. 1. p. 4-6

FERREIRA, M. S. ; SANT'ANNA, A. C. V. . A presença do mito herói no percurso teatral e älém do teatro"de Jerzy Grotowski.. In: XV congerso Internacional de Teatro Iberomaericano e Argentino, 2006, Buenos Aires. Cuadernos de Ponencias PPGT-UDESC XV Congreso Internacional de Teatro Iberomaericano e Argentino. Florianópolis : Ed. UDESC. v. 11. p. 23-26

SANT'ANNA, A. C. V. . Financiamento, identidade e produção artística na sociedade contemporânea. In: 52 Congresso Internacional de Americanistas, 2006, Sevilla. 52 Congresso Internacional de Americanistas. Sevilla : Secretariado de Publicaciones Universidad de Sevilla. v. 1. p. 342-34

 

SANT'ANNA, A. C. V. . O mito do herói na interpretação das práticas artísticas. In: 14 ANPAP, 2005, Goiania. Cultura Visual e desafios da Pesquisa em Artes. Goiania : Universidade Federal de Goias, 2005. v. 01. p. 70-83

 

SANT'ANNA, A. C. V. . A influência do mito do herói na aceitação das práticas artísticas. In: IV Seminário Interinstitucional dos projetos Integrados de pesquisa em teatro, 2005, Blumenau. A pesquisa teatral e os objetos 'subalternos' : perspectivas metodológicas. Rio de Janeiro : UNIRIO, 2005. v. 1. p. 9-13.

 

SANT'ANNA, A. C. V. . MItologia e eidentidade artística através da análise de mitemas heróicos presentes nos discursos de artistas e críticos. In: III Seminário Interinstitucional de Projetos Integrados de Pesquisa em Teatro UDESC-UNIRIO-UFU, 2004, Blumenau. Cadernos de comunicações III Seminário Interinstitucional de projetos Integrados de Pesquisa em Teatro UDESC-UNIRIO-UFU. Rio de Janeiro : Editora da UNIRIO, 2004. p. 37-42

 

SANT'ANNA, A. C. V. . O papel do mito na aceitação da arte. In: 13 ANPAP, 2004, Brasília. Arte em Pesquisa: especificidades. Brasília-DF : Da Universidade de Brasília, 2004. v. 1. p. 56-62.

 

 

Resumos expandidos publicados em anais de congressos

 

SANT'ANNA, A. C. V. . Mitologia e Identidade Artística: Um Estudo da Presença de Mitemas Heróicos nos Discursos de Artistas e Críticos.. In: XVI Seminário de Iniciação Científica da UDESC e II Jornada Acadêmica do CEART . www.udesc.br., 2006,

Florianópolis.

 

Patrão, R. ; SANT'ANNA, A. C. V. . Um Estudo da Presença de Mitemas Heróicos no Discurso de Marco Giannotti e da Crítica Contemporânea.. In: : XVI Seminário de Iniciação Científica da UDESC e II Jornada Acadêmica do CEART . www.udesc.br., 2006, Florianópolis. : XVI Seminário de Iniciação Científica da UDESC e II Jornada Acadêmica do CEART . www.udesc.br.. Florianópolis : UDESC, 2006

 

Priori, Monica ; SANT'ANNA, A. C. V. . Um Estudo da Presença de Mitemas Heróicos no Discurso de Leda Catunda e da Crítica Contemporânea.. In: XVI Seminário de Iniciação Científica da UDESC e II Jornada Acadêmica do CEART . www.udesc.br. Resumo nº 008 dos anais, 2006. XVI Seminário de Iniciação Científica da UDESC e II Jornada Acadêmica do CEART . www.udesc.br. Resumo nº 008 dos anais. Florianópolis : UDESC

 

Resumo publicado em anais de congressos

 

SANT'ANNA, A. C. V. . Mitologia e Identidade artística através da análise de mitemas heróicos nos discursos de artistas e críticos. In: Congresso Internacional Espaços Imaginários e Transculturalidade. XIII Ciclos do Imaginário, 2004, Recife. Cadernos de Resumos XIII Ciclo de estudos do Imaginário Congresso Internacional. Recife : Editora da Universidade Federal de Pernambuco, 2004. p. 37-37

 

 

Bibliografia

BRANDÃO, Junito. Mitologia Grega. Vol.III. Ed. Vozes, RJ. 1990

CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Cultrix, 1993

DESVAUX, A.P. in VERJAT, Alain (Org) El retorno de Hermes: hermenéutica y ciencias humanas. Barcelona:Anthropos,1989.

DURAND, Gilbert.

As estruturas antropológicas do imaginário. Lisboa: Presença, 1989

Mito, símbolo e mitodologia. Lisboa: Presença,s/d

A imaginação simbólica. São Paulo: Cultrix,1988

De la mitocrítica al mitoanálisis – Figuras míticas y aspectos de la obra. Barcelona:Anthropos,1993

O imaginário.Ed. Difel, 1998, RJ

Mito e sociedade: a mitanálise e a sociologia das profundezas. Ed. A regra do Jogo, Lisboa, 1983

ELIADE, Mircea. Imagens e símbolos. São Paulo: Martins Fontes,1991

O sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes,1995

GARAGALZA, Luis. Filosofia e historia en la Escuela de Eranos. Anthropos Revista Científica, Barcelona, N.º153,1994

Hermenéutica simbólica: la Escuela de Eranos. Anthropos Revista Científica, N.º57,1986

La interpretación de los símbolos: hermenéutica y lenguaje en la filosofia actual. Barcelona:Anthropos,1990

KRIS, E & KURZ,O La leyenda del artista. Madrid:Catedra,1982

LÉVI-STRAUSS, Claude- Mito e significado, Ed. Alianza,1990

NEUMANN, Eckhard. Mitos de artista. Madrid:Técnos,1992

VARGAS, A. C. .
· O símbolo no estudo da hierofania estética. PERISCOPE MAGAZINE. Internet: , v.1, 2001.

- Antropologia simbólica:hermenêutica do mito do artista nas artes plásticas In: As questões do sagrado na arte contemporânea da América Latina ed.Porto Alegre : Editora da Universidade UFRGS, 1997, p. 55-67.

- A liberdade de criação e a cultura popular. Porto Arte- Revista do Mestrado em Artes Visuais da UFRGS. , v.6, p.16 - 24, 1993.

 

Revistas e Jornais

 

EICHENBERG, Fernando. A Matéria de Hamlet. In revista Bravo! Junho de 2002. Ano 5. N. 57

Kuspit, D. em Revista Creación  No. 5 , do Instituto de Estética de Madrid. 1992

PRADO, André L. Por falar nisso, viva Cacilda Becker! Bravo , SP,  Setembro de 1998. N.12

  

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A ILUMINAÇÃO DE UM PALCO

- O Teatro Álvaro de Carvalho de 1950 à 1999[402]

                                                                                  Vera Regina Collaço[403], Ivo Godois[404]

Palavras-chave: Iluminação Cênica; Casa de Espetáculo; Profissionais de Iluminação; Teatro Catarinense.

 

Resumo: Esta pesquisa propõe uma análise sobre o sistema de iluminação cênica do Teatro Álvaro de Carvalho de Florianópolis no período de 1950 a 1999. O resgate de dados sobre equipamentos e profissionais que ali trabalharam e como os conhecimentos da área eram adquiridos ou repassados, ou se as condições técnicas interferiam nas apresentações dos grupos de teatro catarinense que se apresentavam nessa cassa de espetáculos.

 

 

                        Nos anos 50 o processo de modernização cênica do teatro brasileiro iniciado na década anterior por grupos não-profissionais do Rio de Janeiro e São Paulo tem sua consolidação mais definida. Assim, para Cafezeiro e Gadelha, numa análise mais acurada pode-se dizer que Vestido de Noiva, que estreou em 1943, tem mais um caráter de culminância do que de ruptura deste processo inovador.

Coube a Ziembinsky o papel de protagonista de uma radicalização dos processos que se operavam no palco: ele instaurou de uma vez por todas, a autonomia da encenação perante o texto dramático. [405]

 

            A teatralidade moderna, no Brasil, encontrou em Ziembinsky a figura aglutinadora do encenador e sob sua batuta o espaço, o ator, a luz, o texto, passa a formar uma unidade orgânica. A iluminação cênica brasileira que este encenador deu ênfase nos trabalhos de montagem, dedicando horas no processo para a afinação e experimentos não tem ai seus primeiros passos, mas tem neste gesto sua afirmação definitiva na cena nacional. Encontramos antes os experimentos de Renato Viana nos anos de 1922:

O encenador gaúcho Renato Viana estreou , em 1922, a última encenação de Fausto, no Teatro João Caetano (Rio de Janeiro). Nesse espetáculo teve a ousadia de apagar a luz geral e pontuar com focos algumas áreas de atuação. O livro de ponto deste espetáculo registra quase quarenta movimentos de luz. Paschoal Carlos Magno descreve seu pioneirismo ao relatar que Renato Viana foi vaiado porque teve a coragem de utilizar música de Villa-Lobos e uma estrutura baseada na iluminação e no som (PRENAFETA, DIAS, PIEDADE. 2005: 62).

 

            Posteriormente em 1933 encontramos o feito de Oduvaldo Viana. Esse autor levou ao palco sua peça Amor; “a cenografia do espetáculo utilizava dois planos arquitetônicos e criava várias áreas de ação, permitindo que a luz acompanhasse a divisão do espaço cênico, ampliando dessa forma o emprego da iluminação” (PENAFRETA. 2005: 64).Quanto ao mercado de trabalho em iluminação cênica e produção de equipamentos no Brasil, poucos são os apontamentos encontrados nas bibliografias atuais. Este fato e necessidade só se evidenciam na década de 50, quando houve ênfase na utilização da luz na cena nacional.

O mercado de trabalho, para a iluminação cênica no Brasil, apresentou indícios de sua existência quando a necessidade de mão-de-obra, de peças de manutenção e de equipamentos passou a ser suprida por alguém ou alguma companhia de fora do teatro. A partir dessa demanda iniciou-se a formação de um número razoável de técnicos especialistas. Outras possibilidades de peças para reposição foram geradas e até mesmo surgiram opções de equipamentos artesanalmente fabricados. Esse processo tem início no final da década de 50. Até aquele momento os equipamentos eram importados e os responsáveis pelo funcionamento eram os eletricistas. A iluminação cênica não era feita por um especialista e muitas vezes nem o próprio encenador ou cenógrafo (PRENAFETA. 2005: 64-65).

 

            Com este apanhado da luz cênica nacional apresento como ponto de partida para fechar foco na pesquisa sobre o Teatro Álvaro de Carvalho e a interferência dessa casa de espetáculos nas produções teatrais catarinenses a partir desta deste período de ênfase nacional na área de iluminação. Segundo a página virtual do Teatro Álvaro de Carvalho, Laguna e São José foram as primeiras cidades a contar com edifícios destinados à representação cênica. Florianópolis, como capital da província, não ficou para trás e em 1854 um grupo de pessoas ligadas às artes uniram-se para reivindicar a construção de uma casa para abrigar essas manifestações. O nome sugerido foi Teatro Santa Isabel para homenagear a princesa Isabel. Só em 1871, com a obra ainda inacabada, que as atividades tomaram conta do espaço e em 7 de setembro de 1875 inaugurou-se a casa de teatro. As inúmeras nuances da política brasileira e suas mudanças de comando também interferiram no sistema funcional do teatro. Com a Revolução Federalista e em uma atitude de romper com a monarquia, o Teatro Santa Isabel teve seu nome mudado para Teatro Álvaro de Carvalho, em homenagem ao primeiro-tenente da Marinha e primeiro dramaturgo catarinense. Este havia morrido heroicamente durante a Guerra do Paraguai.

Com Hercílio Luz, que assumiu o governo em outubro de 1894, o Teatro Álvaro de Carvalho voltou a receber atenção, com as primeiras providências de reforma e a aquisição de um lustre para iluminar o salão de entrada do teatro. Na virada do século foi realizada a primeira grande reforma da casa de espetáculo que, em 1955 teve o espaço interno totalmente modificado em um projeto de Tom Wildi Filho. Até 1982, quando foi inaugurado o Centro Integrado de Cultura, manteve-se como o único teatro de porte da Ilha de Santa Catarina, com 470 poltronas na sala de espetáculos (página virtual do TAC).

Com dados como estes, vamos fechando foco sobre a proposta a ser investigada: a iluminação no Teatro Álvaro de Carvalho. Há uma escassez de bibliografias sobre as atividades cênicas nesse teatro. Carreira, em seu livro “Práticas de Produção Teatral em Santa Catarina” aponta informações que fortalecem a proposta aqui apresentada. O TAC era uma casa de espetáculo equipada com aparelhos de luz e havia uma procura pelos grupos locais para exporem suas obras cênicas, também em função disso.

A existência de aproximadamente 2.000 lugares num universo de 4 salas teatrais sugere uma aparente abundância de espaços para o público de teatro. Mas, se consideramos que nem o Teatro Ademir Rosa, no CIC, nem o Teatro Adolpho Mello contêm aparelhagem sonora e de luz instalados, os custos operacionais inviabilizam o uso desses espaços pela maioria dos grupos locais. Conseqüentemente, o TAC e o Teatro da UFSC são os únicos espaços viáveis para esses grupos, por serem de baixo custo (CARREIRA. 2002: 40).

Como se vê, a procura para uma apresentação cênica no TAC também tinha como finalidade a utilização dos seus recursos de iluminação. O outro reforço à investigação proposta também é dado por Carreira. Este salienta a grande utilização do TAC por grupos regionais e expõe os motivos:

No contexto teatral florianopolitano existe uma percepção de que passar pelo palco do TAC é uma referência para que o trabalho de qualquer grupo alcance repercussão local. Isso funciona independentemente do espetáculo conquistar a atenção do público ou espaço nos meios de comunicação de massa. Se observa, no depoimento de diferentes diretores, que o projeto de levar um espetáculo ao TAC aparece como a possibilidade de concretização do ato de fazer teatro num registro de produção cultural madura (...) (CARREIRA. 2002: 41).

 

Durante o século XX o Teatro Álvaro de Carvalho manteve-se como uma casa de espetáculos, com equipamentos necessários que permitia a exibição de espetáculos com alguma qualidade técnica. É sobre essa qualidade técnica que proponho pesquisa. Como essa qualidade interferia nos trabalhos ali apresentados. Em especial, de que forma a iluminação do TAC interagia com os espetáculos cênicos. No ano de 1939 encontramos apontamentos de que este teatro tinha problemas no sistema elétrico e ocorreu a queda de energia durante o espetáculo O Homem que Fica” conforme publicação do jornal DIÁRIO DA TARDE, 4ª feira, 25 de outubro de 1939, p. 4. Nesta data a Companhia Nacional de Comédia Ribeiro Cancela apresentava se espetáculo  que o programa declaradamente dizia ser uma crítica ao antigo regime político. A notícia comenta que “Quasi ao terminar o 2 ato, a luz fez das suas. Apagou-se. O Teatro ficou às escuras e os artistas emudeceram no palco, tal qual os astros da tela, quando a luz falta”.  Os jornais locais clamavam por reformas no teatro.

 

 No ano de 1955 essa casa de espetáculos sofreu modificações em sua estrutura interna. Esse é um fato importante para entender como a iluminação passa a ser tratada nesse recinto. A partir de 1950 a iluminação foi entendida como elemento orgânico na cena teatral brasileira. Passou-se a fabricar produtos alternativos com um caráter nacional diferente dos equipamentos de iluminação importados até então. O Teatro Álvaro de Carvalho, em Florianópolis, nesse período, manteve-se como uma referência de casa de evento no contexto nacional. Os catarinenses também a veneravam como um local de consagração para um grupo cênico. As influências que essa casa de espetáculos teve em sua região, tendo como foco específico a utilização do sistema de iluminação existente, por si só caracteriza a proposta de investigação. Penso ser um enfoque necessário e pouco analisado no âmbito nacional.

 

As discussões sobre os recursos da iluminação cênica e suas interferências na obra cênica carecem de dados, de informações que estão diversificadas em registros, em notícias da imprensa, em materiais de divulgação dos grupos de teatro e de eventos ali realizados. Outra perspectiva é o registro da história viva das pessoas que lá trabalharam por muito tempo e para outros repassaram seus conhecimentos em iluminação, que continuam até hoje no local. A aglutinação dessas informações é um fato relevante e passivo de uma investigação e, para tanto, faço a proposta de iniciá-lo.

 

Bibliografia:

CAFEZEIRO, Edwaldo e GADELHA, Carmem. História do Teatro Brasileiro: De Anchieta a Nelson Rodrigues. Rio de Janeiro: UFRJ:FUNARTE, 1996.

CAMARGO, Roberto Gil. A Função Estética da Luz. Sorocaba, SP: TCM Comunicações, 2000.

CARREIRA, André Luiz Antunes Netto. Práticas de Produção Teatral em Santa Catarina. Florianópolis: UDESC, 2002.

CARVALHO, Enio. História e Formação do Ator. São Paulo: Ática, 1989.

CRUCIANI, Fabrizio. Arquitetura Teatral. México: Gaceta, 1994.

GUIMARÃES, Carmelinda. Teatro Brasileiro: Tradição e Ruptura. Goiânia: Alternativa, 2005.

PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999.

PRENAFETA, Beato.  DIAS, Jamil. PIEDADE, Milton. Iluminação Cênica, Fragmentos da História. São Paulo: AbrIC, 2005.

RATTO, Gianni. Antitratado de Cenografia – Variações Sobre o Mesmo Tema. São Paulo: INAC, 1999.

ROUBINE, Jean-Jacques. A Linguagem da Encenação Teatral. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

Jornal regional da década de 1930

Jornal Diário da Tarde

  

XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

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AS INFINITAS MÁSCARAS DA CIDADE [406]

 

— O Patrimônio Histórico Cultural como Espaço Espetacular —

 

 

Leon de Paula[407]

 

Palavras- Chave: Espaço Teatral; Concepção do Espetáculo; Explosão do Espaço Teatral; Teatro Catarinense

 

Resumo: Com este estudo, tenho por objetivo o resgate das iniciativas realizadas nas décadas de 1980 e 1990 por grupos de teatro de Florianópolis que se serviram do sentido simbólico e monumental de espaços de tipologia não-italiana, componentes do patrimônio histórico e cultural dessa cidade, para a composição da obra de arte teatral.

 

 

Nas décadas de 1980 e 1990 houve em Florianópolis uma recorrência, por parte de alguns grupos teatrais locais, em realizar espetáculos em espaços patrimoniais de tipologia não-italiana. Vários foram os espetáculos apresentados por diferentes grupos que se apropriaram de lugares abertos ou fechados para sua prática cênica espetacular, lugares esses conhecidos como espaços que constituem patrimônio histórico e cultural da cidade, possuidores de arquitetura de tipologia não-italiana.

Numa primeira pesquisa feita nos jornais O Estado, Jornal de Santa Catarina, A Notícia, A Gazeta e Diário Catarinense (de abragência estadual), da década de 1980, foi possível identificar como expoente dessa prática o trabalho desenvolvido pelo diretor Wilson Rio Apa, onde, entre outros trabalhos, A Paixão de Cristo Segundo Todos os Homens, realizado nas dunas da Lagoa da Conceição, é a obra que mais destaca a sua iniciativa. Nessa mesma década, segundo estes jornais, o grupo “Dromedário Loquaz” iniciou esse tipo de apropriação em Florianópolis encenando no antigo prédio da Alfândega da cidade A Importância de Estar de Acordo, Curto Circuito e As Hienas, dirigidos por Isnard Azevedo. Ainda nesse período, tivemos os trabalhos realizados pelo grupo “A de Teatro”, que encenou A Indecisa e Ícaro, na hoje inexistente sede da Sociedade de Tiro Alvo Alemão.

A década de 1990 apontou, na pesquisa inicial, para uma intensificação de utilização de espaços histórico-culturais de Florianópolis de tipologia não-italiana, como espaço possível para realização dos espetáculos por parte dos grupos locais. Destaca-se, nesse período, o trabalho de Sulanger Bavaresco com Agnus Dei, no prédio da Faculdade de Educação-UDESC; o trabalho de Fátima Lima, com Dois, no Forte Sant’Anna; O Auto da Estrela Guia, na Praça XV de Novembro, com direção de Mário Santana; e Nivaldo Matos, com Os Lobos, nos fundos da Casa de Teatro Armação. Além desses, houve também a ópera O Guarani, promovida pela Prefeitura Municipal de Florianópolis, sob regência do maestro Júlio Medaglia, no Largo da Catedral Metropolitana de Florianópolis.

A par desta configuração local, percebe-se que a partir da década de 1970, com novas diretrizes da UNESCO em relação à questão patrimonial, espraia-se, no mundo ocidental, um “pensamento combativo e inovador [...] que motivaram a organização de eventos internacionais para os impasses da preservação do patrimônio diante da expansão urbana e industrial”. (FUNARI E PELEGRINI, 2006:31)[408]

Mas, como dizem Funari e Pelegrini, “devemos ter sempre em mente que as políticas de preservação do patrimônio cultural nos países da América Latina ainda são muito recentes. Em termos práticos, elas surgiram a partir do momento em que a UNESCO reconheceu alguns bens-culturais latino-americanos como patrimônio da humanidade [1972]”. (2006, 29-30).

A partir da década de 1970 ampliou-se também a noção de patrimônio histórico, que passou para patrimônio cultural, implicando numa visão mais abrangente:

 

A definição de patrimônio passou a ser pautada pelos referenciais culturais dos povos, pela percepção dos bens culturais nas dimensões testemunhais do cotidiano e das realizações tangíveis. (FUNARI e PELEGRINI, 2006:32).

 

 

Esta nova percepção ou relação com a cidade e com os espaços para a realização de espetáculos também se difundiu no mundo teatral. Na Europa, de acordo com JAVIER[409] (1998:40) nas décadas de 1970 e 1980 ocorreu a preferência de alguns diretores e produtores teatrais por realizar espetáculos em locais, que ele denomina “parateatrales”, numa recusa dos edifícios — em sua grande parte, de tipologia italiana — construídos especificamente para esse fim.

Diante de tal compreensão, algumas questões começaram a se formular com relação ao teatro produzido em Florianópolis nas décadas de 1980 e 1990, a respeito da concepção desses espetáculos para espaços não-italianos, referenciados como monumentos históricos e culturais da cidade:

 

A valorização do patrimônio cultural e a necessidade de reabilitar os centros históricos, na atualidade, constituem premissas básicas dos debates sobre o desenvolvimento sustentável nas cidades latino-americanas, pois esses centros representam a síntese da diversidade que caracteriza a própria cidade. (FUNARI e PELEGRINI, 2006:29)

 

 

            Afirma ROUBINE (1982:73)[410] que o século XX “parece ter sido o que primeiro tomou consciência do caráter histórico da chamada representação à italiana”. Os questionamentos com relação a este espaço teatral tiveram início, segundo Roubine, com a proposição cênica de André Antoine, em 1890: ou seja, no apagar das luzes do século XIX. Questionamentos iniciais que estiveram interligados com o debate e as tentativas de democratização do teatro.

            As tentativas de reformular o espaço à italiana tanto no final do século XIX quanto na primeira metade do século XX, não romperam com a barreira da mais demorada queda: a que estabelecia a relação fixa entre espectadores e atores. Artaud “foi sem dúvida um dos que primeiro compreenderam, nos anos 1920, que a invenção de um novo teatro implicava a transformação das relações entre platéia e espetáculo, ou seja, em última análise, a explosão do palco”. (ROUBINE, 1982:78).

            No início do século XX o palco italiano torna-se objeto de amadurecida reflexão e argumentação:

 

Quer dizer que ele não é mais considerado como uma estrutura natural, inerente à própria essência da arte teatral, e portanto inexcedível e incontornável, mas como conseqüência histórica de uma evolução em marcha, um sistema aberto suscetível de ser transformado e aperfeiçoado. (ROUBINE, 1982:79).

 

 

            A segunda metade do século XX assistiu e experimentou o rompimento preconizado por Artaud, na primeira metade desse século, com relação ao espaço à italiana:

Nossa época assistiu a um grande florescimento de experiências inspiradas nas teses artaudianas, ou em exata convergência com elas. As tentativas do Living Theatre nos Estados Unidos e, a seguir na Europa, as buscas de Peter Brook na Inglaterra e de Jerzy Grotowski na Polônia constituem sem dúvida dos empreendimentos mais rigorosos e bem-sucedidos sob este aspecto. (ROUBINE, 1982:89)

 

 

            Na década de 1960 do século XX são as experiências cênicas de Jerzy Grotowski, Ariane Mnouchkine e Luca Ronconi — na Europa — e do grupo Living Theater — nos Estados Unidos — que, no ocidente, rompem definitivamente com o espaço teatral de tipologia italiana. Esses novos espaços ocupados para abrigarem os seus espetáculos (galpões, ruas, praças etc.) estabeleceram novas e amplas relações entre os atores e o seu público. O espaço não só aparece “explodido”, como também “fragmentado”. O espectador destes espetáculos não está mais fixado num determinado e exclusivo ponto, o mesmo pode se dar com as cenas, estas podem ser simultâneas, o que fragmenta ainda mais a visão e o acompanhamento do espetáculo. O espaço agora pode não proporcionar “mais nenhuma zona especializada. Ao entrar, o espectador não encontra o seu lugar marcado”. (ROUBINE, 1982:95):

 

Com Grotowski, Ronconi, Mnouchkine e muitos outros [...], o teatro liberta-se das suas amarras. O espaço teatral torna-se, ou volta a ser, uma estrutura completamente flexível e transformável de uma montagem para outra, quer se trate das áreas de representação ou das zonas reservadas ao público. (ROUBINE, 1982: 103)

 

 

                Segundo Javier, a nova relação estabelecida entre ator e espectador, outro processo de comunicação, mais direto, resultou de uma busca de “una comunicación eficente, que alcance al espectador de lleno, y el papel que juega en ello el espacio escénico, explica en gran parte la seducción que los espacios no convencionales [...] exercem sobre os creadores del espectáculo y aun sobre el público”. (JAVIER, 1998:25-26).

            Faz-se necesario apresentar, a priori, algumas definições que devem ser aprofundadas no decorrer do trabalho. Para apontar aqui algumas delas, que são centrais para este trabalho, utilizo como parâmetro o dicionário teatral de Pavis[411]:

 

Espaço Cênico – Termo de uso contemporâneo para palco ou área de atuação. Considerando-se a explosão das formas cenográficas e a experimentação sobre novas relações palco-platéia vem a ser um termo cômodo, porque neutro, para descrever dispositivos polimorfos da área de atuação. (PAVIS, 1999:133).

 

 

            Com relação ao termo que tenho empregado com razoável freqüência neste projeto — Espaço Teatral — Pavis apresenta a seguinte definição:

 

Termo que substitui frequentemente, hoje, teatro. Com a transformação das arquiteturas teatrais — em particular o recuo do palco italiano ou frontal — e o surgimento de novos espaços — escolas, fábricas, praças, mercados etc — , o teatro se instala onde bem lhe parece, procurando antes de mais nada um contato mais estreito com um grupo social, e tentando escapar aos circuitos tradicionais da atividade teatral. O espaço cerca-se por vezes de um mistério e de uma poesia que impregnam totalmente o espetáculo que aí se dá. (PAVIS, 1999:138).

 

           

            Ao trabalhar a questão das estruturas arquitetônicas não-italianas que acolhem o espetáculo teatral contemporâneo, Javier (1998:67) levanta alguns desses espaços recorrentes na encenação atual, tais como: casas particulares, galpões, depósitos, sótãos, garagens, igrejas, castelos e palácios, ruínas, jardins públicos, praças, ruas, campos, bosques, etc. Esta é uma das partes da pesquisa aqui proposta, qual seja, a de levantar os lugares que foram utilizados para a realização do espetáculo, vinculados um ao outro de maneira muito específica: espaços que, sendo detentores de sentido histórico e cultural referenciais da memória da cidade, emprestaram aos grupos teatrais esse sentido simbólico como suporte para a concepção dos seus espetáculos.

            Ao detalhar os diferentes locais onde podem ser realizados os espetáculos contemporâneos, Javier (1998:67) observa que

 

Las características del espacio escénico pueden ser tan variadas como los ámbitos puestos en funcionamiento. Generalmente, esas características dependen de la dramaturgia y de las relaciones que van apareciendo a medida que se ensaya y de las relaciones que se busca establecer entre actores y espectadores.

 

 

            Antes de adentrar-me no Brasil e em específico em Santa Catarina sobre a questão do teatro contemporâneo, desejo apontar alguns referenciais teóricos, sobre uma das bases deste trabalho no que diz respeito ao patrimônio histórico e cultural.

            A cidade-palco dos novos espaços teatrais e os centros urbanos como locais das realizações cênicas mais contemporâneas, no Brasil e especialmente em Florianópolis, são espaços também constantemente mutáveis, como diz Baudelaire (apud LE GOFF, 1998: 143)[412]: “A forma de uma cidade muda mais depressa, lamentavelmente, que o coração de um mortal. Ainda assim, a continuidade se firma em certas formas”. E com isso tentamos “fixar uma representação da cidade que possamos dominar mentalmente, mobilizamos os recursos da história. A cidade contemporânea escapa às definições tradicionais, mas queremos atá-la ao pedestal de um patrimônio”. (LE GOFF, 1998:143).

            As cidades atuais também são fragmentadas, dispersas, justapõem uma multiplicidade de centros fragmentários. “E, consequentemente, os centros nevrálgicos se multiplicam. A cidade atual caminha em direção ao policentrismo”. (LE GOFF, 1998:144). E, de maneira geral, nos centros das cidades é que estão situados os monumentos históricos e culturais. E, como observa Le Goff,

 

Há muito tempo os centros são objeto de ferozes batalhas; eles não querem desaparecer sem combate, eles resistem. Parece-me, entretanto, que a evolução age profundamente contra o centro urbano. Ele não é mais adaptado à vida econômica, à vida das relações que dominam as populações urbanas. Então, o que ele se torna? Centro storico, dizem muito bem os italianos. E se ele ainda brilha, é a beleza da morte. Caminha-se em direção ao centro-museu. (1998:150).

 

 

            Este paradigma está posto também nas grandes e médias cidades brasileiras, especialmente nas capitais e em cidades turísticas, como é o caso de Florianópolis. A cidade expande-se para além do centro. Mas ainda é no centro que temos os referenciais artísticos mais fortes, e normalmente é nele que ainda se localizam muitas casas de espetáculo. E nisso reside o encanto desses espaços e talvez seu fascínio por parte dos novos agentes teatrais. Como afirma Le Goff: “Se o centro perde em energia, ganha em prestígio; é que ele permite ver num relance a cidade: sua beleza o resume”. (1998:153).

            Retomando o eixo teatral, pode-se observar que, estando o Brasil na década de 1970 sob a ditadura militar, poucas foram — em relação à década de 1980 e 1990 — as experiências teatrais realizadas em espaços distintos do espaço à italiana, pois uma relação mais estreita entre ator e espectador sofria uma interferência direta da censura. Mesmo assim, o grupo “Oficina” realizou um trabalho como Gracias Señor e, por conta disso o diretor do grupo - José Celso Martinez Correa - se viu obrigado a deixar o país. Portanto, apenas com a restauração da democracia, que se deu a partir dos anos de 1980, é que foi possível expandir e “explodir” as novidades teatrais em “Terra Brasilis”. Como se pode observar pela seguinte fala, “é verdade que as regras e modelos não se introduzem em tempo real e que é necessária uma intensa circulação de idéias e um ambiente propício para recebê-las”. (LIMA, 2006:35)[413]. Muitos foram os espetáculos que, encenados em espaços não-italianos por todo o Brasil às vésperas da década de 1980 (e também durante a década) questionaram, a sua maneira, o caráter “natural” do espaço à italiana de atender as necessidades dos artistas de teatro naquele contexto.

            No Brasil, além do grupo “Oficina” em São Paulo, outros grupos também apresentavam esses anseios ao fim dos anos de 1970, como os grupos “Tribo de Atuadores Oi Nóis Aqui Traveiz”, de Porto Alegre e o “Tá na Rua”, do Rio de Janeiro, dentre outros; entre as décadas de 1960 e 1970, em âmbito internacional, grupos como “The Living Theater” e “Bread and Puppet” nos Estados Unidos, e encenadores europeus como Peter Brook, Jerzy Grotowski, Luca Ronconi e Ariane Mnouchkine estabelecem suas práticas artísticas para além das limitações dos espaços de tipologia italiana, numa busca teatral preconizada no início do séc.XX por diversos outros encenadores como Antoine e Meyerhold, e poetas do teatro (em especial, Antonin Artaud).

            Na cena contemporânea brasileira, o apuro do trabalho do grupo paulista “Teatro da Vertigem” se destaca pelas investigações das relações do ator e do espectador em espaços não-italianos que — dentre os espaços utilizados para receber os espetáculos Paraíso Perdido, O Livro de Jô, Apocalipse 1,11 e BR-3 — tiveram até mesmo o seu sentido de referência de memória urbana esvaziado pelo crescimento da própria cidade.

            Em Florianópolis, como observamos na exposição do problema a ser trabalhado nesta pesquisa, a questão de ruptura com o espaço de tipologia italiana se fez a partir da década de 1980. Contudo, ainda necessitamos aprofundar a pesquisa iniciada para analisar esse “movimento” realizado nas décadas de 1980 e 1990. Além disso, a pesquisa pretende analisar a razão das escolhas dos grupos de Florianópolis para elaborar seus espetáculos em espaços históricos e culturais da cidade, no mesmo período em que se espraiava no país uma intensa discussão de apropriação e revitalização dos centros históricos e da preservação dos monumentos materiais e imateriais.

 

BIBLIOGRAFIA:

 

ADAMS, Betina. Preservação Urbana: gestão e resgate de uma história: patrimônio de Florianópolis. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2002.

FUNARI, Pedro Paulo e PELEGRINI, Sandra C. A. Patrimônio Histórico e Cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.

JAVIER, Francisco. El Espacio Escénico como Sistema Significante. Buenos Aires: Leviatán, 1998.

LE GOFF, Jacques. Por Amor às Cidades. São Paulo: UNESP, 1998.

LIMA, Fátima Costa. Espaços de Encontro no Teatro e no Carnaval. Florianópolis: Dissertação de Mestrado FAED/UDESC, 2003 (inédita).

LIMA, Evelyn Furquim Werneck. Das Vanguardas à tradição: arquitetura, teatro & espaço urbano.  Rio de Janeiro: 7Letras, 2006.

PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. Tradução para a língua portuguesa sob a direção de Jacó Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. São Paulo: Perspectiva,1999.

ROUBINE, Jean-Jacques. A Linguagem da Encenação Teatral. Tradução e apresentação de Yan Michalski. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

  

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O ATOR NO TEATRO DE RUA

Reconstrução do imaginário cênico em espaços públicos: O Grupo de Teatro Menestrel Faze dô, de Lages / Santa Catarina [414]

 

Loren Fischer Schwalb[415] e Vera Collaço[416]

 

Palavras – chave: Espaços Teatrais, Teatro em Espaços Alternativos, o trabalho do ator em espaços alternativos.              

 

 

RESUMO: O objetivo deste artigo é apresentar o projeto de pesquisa que futuramente constituirá minha dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação de Mestrado em Teatro. O tema central da pesquisa é definido pela problemática do trabalho do ator no espaço urbano através da investigação do trabalho do Grupo Menestrel Faze dô, de Lages/SC, na década de 1990.

 

O presente artigo pretende apresentar o projeto intitulado “O ator do teatro Urbano – Reconstrução do imaginário cênico em espaços públicos: O Grupo de Teatro Menestrel Faze – dô, de Lages / SC”, tal projeto, futuramente constituirá a minha dissertação de mestrado, no Programa de Pós-Graduação de Mestrado em Teatro PPGT-UDESC.

O projeto de pesquisa que será apresentado nesta comunicação tem como foco central, o estudo do trabalho do ator que realiza sua atividade em espaços públicos. Para nortear este estudo foram elaboradas algumas questões-problemas, pertinentes para um aprofundamento da pesquisa, que serão abordadas nesta comunicação. Outro foco deste projeto de pesquisa é a investigação da prática do teatro urbano em Santa Catarina. Para isto é feito um recorte histórico onde se destaca a década de 1990, data de fundação do Grupo de Teatro Menestrel Faze dô que é o objeto desta investigação. A seguir, será apresentado o objeto de estudo e a estrutura do projeto de pesquisa. Serão explanadas questões referentes às questões-problema, que estão norteando a pesquisa, além da metodologia utilizada, justificativa e os objetivos da pesquisa.

 

Grupo de Teatro Menestrel Faze dô

 

O Grupo de Teatro Menestrel Faze dô, da cidade de Lages – SC, atua desde 1993 e durante este período, busca criar uma metodologia própria de trabalho e de treinamento do ator. Fundado como Centro de Pesquisas e Estudos Sobre Teatro, o grupo iniciou suas atividades com cinco integrantes que desenvolviam jogos e exercícios voltados para o movimento, expressão e criação, orientados pela literatura, desenhos, pinturas, esportes, brincadeiras infantis, cinema, capoeira, mundo holístico, tudo que pudesse estimular e transformar o pensamento e o comportamento do artista/ator.

Atualmente o Grupo é formado por três integrantes e tem como objetivo tornar sua arte mais comunicante e aprimorada, para isto busca fundamentar sua metodologia de trabalho na utilização de técnicas específicas de preparação. O grupo desenvolve uma pesquisa com base na experimentação prática. O grupo parte do pressuposto do teatro como um ofício e um instrumento de colaboração social.

 

Tema de estudo e problemáticas

 

Embora a pesquisa proponha desenvolver o resgate da prática do teatro em espaços urbanos de Santa Catarina, o foco central é o trabalho do ator, seu imaginário. E simultaneamente a este estudo a busca de parâmetros estéticos desta prática teatral, ou seja, a formação e os encaminhamentos do ator para o Teatro de Rua. A pesquisa pretende investigar o teatro realizado em espaço urbano em Santa Catarina, realizando um resgate da memória deste teatro no estado. Porém, o tema central da pesquisa, é definido pela problemática do ator no espaço urbano, através da investigação do trabalho do Grupo Menestrel Faze dô, da cidade de Lages/SC, na dácada de 1990.

Para delinear o trabalho que está sendo desenvolvido neste projeto de pesquisa, pautei-me em algumas questões, que estão divididas em três blocos: A cidade como espaço de representação, no qual devo abordar as seguintes questões base: Quando a cidade como espaço da prática cênica começou a ser realizado na cidade de Lages - SC? O que motiva um grupo optar por espaço urbano, público, como local para a realização de espetáculos teatrais? Quais são os espaços urbanos escolhidos para esta prática cênica? Quais os critérios e as motivações ao delimitar o espaço urbano para a prática cênica? Que dificuldades ou facilidades surgem ao se escolher o espaço urbano para a prática cênica, no que diz respeito às liberações legais quanto ao uso deste espaço?

No segundo bloco parto da questão central: O trabalho do ator no espaço urbano, na busca pelas seguintes indagações: Quais são as especificidades do ator que realiza sua apresentação em espaços abertos, no seio da cidade? A relação ator-diretor apresenta diferenciações segundo o espaço cênico para o qual o trabalho foi projetado? Qual o processo de trabalho, utilizado pelo ator do teatro realizado em espaço aberto, com relação à construção da personagem? Quais os desafios que esta modalidade de espetáculo propõe ao ator?

E por fim no último bloco investigo as Relações entre o ator e o público do teatro em espaço urbano, no desejo de verificar: Quais as diferenciações fundamentais que se estabelecem na relação ator-público num espaço fechado e num espaço aberto? Quais as expectativas – o imaginário - do ator em relação à recepção de seu trabalho quando o apresenta num espaço urbano? Quais poderiam ser as expectativas – o imaginário - do público/receptor ao presenciar um trabalho cênico na sua trajetória urbana? Que imaginário estético-social o teatro urbano pode preencher ou despertar?

 

 

Metodologia

 

Na realização da pesquisa estão sendo utilizados vários procedimentos metodológicos a fim de obter o máximo possível de dados sobre o objeto de estudo e de elementos que possibilitem uma análise pertinente e aprofundada do tema proposto. Considerando que os questionamentos levantados apontam para procedimentos metodológicos diferentes, no desenvolvimento do trabalho estão sendo utilizados procedimentos propostos pela História Cultural, pesquisa bibliográfica, além de estudos de historiadores e pesquisadores locais e ainda a utilização da história oral, ou seja, o resgate de informações junto aos integrantes do Grupo, através de entrevistas e coleta de material visual.

Para o debate sobre a cidade e o imaginário cênico do ator de rua a pesquisa está procurando pautar-se nos procedimentos propostos pela História Cultural, observando que a problemática do imaginário é um dos pilares centrais da epistemologia da nova História. Neste aspecto devo pautar-me por autores como: Roger Chartier, Sandra Jatahy Pesavento e outros estudiosos, nacionais ou internacionais, que buscam esboçar o referencial metodológico da História Cultural.

Nos três aspectos torna-se fundamental uma profunda pesquisa bibliográfica para domínio do objeto desta pesquisa. Assim estão sendo realizadas leituras que exponham os aspectos históricos e estéticos, de questões como a cidade, o ator e a problemática da recepção.

Como o objeto da pesquisa tem como recorte espacial a cidade de Lages, e consequentemente o estado de Santa Catarina, a pesquisa bibliográfica com relação a este ponto pauta-se na compreensão do espaço no qual está inserido o objeto de estudo, tanto nos seus aspectos culturais como sócio-político.

Com relação ao trabalho do ator, e mais diretamente sobre o trabalho com o Grupo Menestrel Faze dô, a pesquisa adentra no campo da História Oral, ou seja, o trabalho de resgate de informações com os integrantes do grupo, que se faz através de entrevistas e coleta de material visual.

Para a problemática da recepção a investigação se volta para a análise dos periódicos da década de 1990, extraídas do arquivo do próprio grupo, com o intuito de verificar se o trabalho do Grupo Menestrel Faze dô teve ou não repercussão nos meios de comunicação escrita do estado. Nesta etapa do trabalho pauto-me também por informações obtidas junto ao próprio grupo, com isso levantando se o mesmo possui estudos e, mesmo preocupação, com relação à recepção de seu trabalho junto ao espectador da rua.

 

 

Objetivos

 

O objetivo geral desta pesquisa é estudar o ator do teatro urbano, tendo como objeto referencial histórico o Grupo de Teatro Menestrel Faze dô, de Lages/SC. Além disso, a investigação procura descobrir a origem da prática teatral no espaço urbano na cidade de Lages – SC, contextualizando as intervenções no espaço urbano através da pesquisa da história do Grupo Menestrel Faze dô e eventualmente algum outro grupo que realiza a prática desta modalidade de teatro nesta cidade.

A pesquisa também tem como um de seus objetivos, estudar os locais públicos de atuação cênica e o modo como estes são utilizados, contemplando assim o estudo com a investigação das relações entre teatro e espaço urbano. Neste sentido se pretende investigar os cenários urbanos escolhidos pelos grupos para realizar seu espetáculo no espaço da cidade. Os objetivos da pesquisa ainda permeiam a questão da relação do imaginário tanto do público receptor, quando do ator do teatro urbano.

 A motivação para a escolha do tema proposto nesta pesquisa diz respeito, sobretudo a um interesse pessoal. Desde 2000 meu trabalho como atriz tem se desenvolvido também no espaço urbano. Com isto, minha pesquisa como atriz carece de uma reflexão teórica sobre o tema. Portanto pesquisar o ator deste teatro é de certa forma, estudar minha própria prática. Esta pesquisa parte de uma necessidade do resgate do registro da memória teatral catarinense, aliados a uma identificação profunda e pessoal com o tema e o objeto de estudo.

 

Justificativa

 

O foco deste trabalho como dito acima, está direcionado mais agudamente para o trabalho do ator, ou seja, sua formação e apropriações necessárias para efetuar seu trabalho num espaço aberto. Porém, para compreender o trabalho do ator neste tipo de espaço torna-se inevitável abrir discussões para a arquitetura cênica na qual se insere este trabalho, ou seja, a cidade. E as apropriações que devem ser efetivadas para a concretização de um trabalho, onde as separações entre ator-espectador e palco-platéia se pautam por outros parâmetros que não os estabelecidos nos edifícios teatrais.

Antes de avançar na delimitação do objeto de estudo, penso ser significativo esboçar, ainda que numa abordagem bastante inicial, o que entendo por espaço urbano-público, que numa primeira diferenciação se estabelece como sendo o mundo exterior ao lar, ou seja, a praça, a rua; locais onde interagem os indivíduos. Portanto, como diz PESAVENTO (1996:9) o espaço público se define “por oposição ao espaço privado”. Ou com as palavras de LIMA (2006:42,43) os locais públicos são espaços “onde grupos sociais complexos e díspares têm que entrar em contato inelutavelmente”, diferenciado da esfera privada que se atém à família e amigos íntimos.

Observa-se ainda que o espaço urbano pode ser percebido como local de passagem, e como acrescenta PESAVENTO (1996:64)  “também de encontro e de troca”. Este cenário urbano de passagem pode servir também como meio de vida, onde pode ocorrer um mercado formal e informal de trabalho. Local onde as coisas acontecem, onde novos atores sociais se fazem presentes. Atores estes que podem ser portadores de novas práticas e idéias.

A rua, a praça, enfim os espaços públicos urbanos possuem um dinamismo que lhe é inerente, são caracterizados por LIMA (2006:41) como espaços “de intensa circulação”, e cujo sentido para seus transeuntes pode ser motivado para o trabalho quanto para o lazer.

Ao tomar o espaço urbano como espaço cênico o teatro se apropria da arquitetura da cidade e a transforma em arquitetura cênica, e neste sentido, como observa LIMA (2006:23) “o teatro tem função preponderante de promover a comunhão social, eliminando praticamente a distinção entre palco, platéia, atores e espectadores”.

Ainda dentro do campo de definições exponho, também de forma sumária, possíveis compreensões para o que vem a ser “Teatro de Rua”, ou “teatro no espaço urbano”, e que devem servir de base para o trabalho a ser desenvolvido a partir deste projeto. PAVIS (1999:385) assim define o termo: “teatro que se produz em locais exteriores às construções tradicionais: rua, praça, mercado, metrô, universidades, etc”. GUINSBURG (2006:275) expõe uma definição para este tipo de teatro similar à de Pavis: “Partindo-se da concepção de que o termo compreende a geração da obra dramática intecionalmente produzida para ser apresentada em locais exteriores ao tradicional edifício teatral, especialmente na via pública”.

Ao apontar a finalidade e razões de ser deste tipo de teatro PAVIS (2006:385) observa: “A vontade de deixar o cinturão teatral corresponde a um desejo de ir ao encontro de um público que geralmente não vai ao espetáculo, de ter uma ação sociopolítica direta, de aliar animação cultural e manifestação social, de se inserir na cidade entre provocação e convívio”.

Ser uma manifestação social é apontado por GUINSBURG (2006:275) como a razão de ser da primeira manifestação de Teatro de Rua no Brasil, que segundo este estudioso teria iniciado em 1946, com a criação do Teatro Ambulante, em Pernambuco, por iniciativa de Hermilo Borba Filho e Ariano Suassuna. Este trabalho teve mais fecundidade na década de 1960, com criação do Movimento de Cultura Popular (MCP), em 1961, na cidade de Recife, com o apoio do então prefeito Miguel Arraes, cujo lema era “Educar para a Liberdade”.

Na década de 1960 o Teatro de Rua, no Brasil, teve outro grande impulsionador que foram os Centros Populares de Cultura (CPC), cuja motivação era de intervenção social e política. Experiência que foi drasticamente rompida com o regime militar de 1964.

A objetivação política permeou também o renascer desta atividade no Brasil na década de 1970, “quando a cena retoma a via pública” (GUINSBURG, 2006:276). E transformou-se na década de 1980 “tanto no que diz respeito à quantidade de agrupamentos que surgem, quanto à qualidade e profundidade da pesquisa cênica que se realiza”. O espaço público liberto da censura militar possibilitou que o olho do artista pudesse ir além do político, e trazer para o palco da rua as preocupações estéticas e, principalmente, a pesquisa para aprofundar o trabalho no cenário urbano.

Sobre as origens do Teatro de Rua no ocidente PAVIS (1999:385) coloca que “o teatro de rua desenvolveu-se particularmente nos anos sessenta (Bread and Puppet, Magic Circus, happenings e ações sindicais). Trata-se, na verdade, de uma volta às fontes: Téspis passava por representar num carro no meio do mercado de Atenas, no século VI a.C, e os mistérios medievais ocupavam o adro das igrejas e as praças das cidades”.

Portanto, se a origem do Teatro de Rua remonta as origens do próprio teatro, significa que ao estudarmos o Teatro de Rua estaremos dando encaminhamentos para compreender a própria origem do fazer teatral. E resgatando um valor intrínseco a esta prática que foi perdendo-se no decurso da história, em função do valor que foi sendo agregado, pela burguesia, ao teatro realizado nos edifícios teatrais. Desta forma, estudar o Teatro de Rua é dar visibilidade ao imaginário social que permeia as relações que se estabelecem, de modo passageiro ou não, nos espaços urbanos. E desta forma vir a contribuir para a ampliação da escassa bibliografia acadêmica produzida sobre esta prática teatral.

 

Referências

BRUGGER, Ricardo José Cardoso. Espaço Cênico – Espaço Urbano. Anais do II Congresso Brasileiro de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas, 2001.

CARREIRA, André. Reflexiones Sobre El Teatro Contemporáneo. Revista Los Rabdomantes. Buenos Aires:USAL, s/d.

CRUCIANI, Fabrizio; FALLETTI,Clélia. Teatro de Rua. São Paulo: Haucitec.1999.

CHARTIER, Roger. A História Cultural – Entre Práticas e Representações. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, s/d.

CHARTIER, Roger.  Cultura Escrita, Literatura e História.  Porto Alegre: Artmed, 2001.

GUINSBURG, J.; FARIA, João Roberto; LIMA, Mariângela Alves de (Coord.). Dicionário do Teatro Brasileiro: temas, formas e conceitos.  São Paulo: Perspectiva: SESC/SP, 2006.

LIMA, Evelyn Furquim Werneck. Das Vanguardas à Tradição: Arquitetura, Teatro & Espaço Urbano.  Rio de Janeiro, 7Letras, 2006.

PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999.

PESAVENTO, Sandra Jatahy (Coord.). O Espetáculo da Rua. Porto Alegre: UFRGS, 1996.

_______________________________. História & História Cultural.  Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

  

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POÉTICA, ÉTICA E ESTÉTICA NA PEDAGOGIA TEATRAL DE JACQUES COPEAU[417]

José Ronaldo Faleiro[418]

 

 

 

Palavras-chave: Teatro do século XX — Ética Teatral — Estudos Teatrais — Prática Teatral

 

Resumo : O presente artigo é um dos resultados do Projeto de Pesquisa “Poética, Ética e Estética na Pedagogia Teatral de Jacques Copeau”, inserido na linha de Poéticas Teatrais e financiado pelo PROBIC/UDESC. Tem por objetivo registrar aspectos da Pedagogia Teatral de Jacques Copeau, nas primeiras décadas do século XX, na França, que o levaram a propor uma escola de formação de atores (École du Vieux Colombier) fundada em 1921.

 

 

            A ação desenvolvida por Jacques Copeau (1879 -1949), como homem de teatro (ator, diretor, crítico, pedagogo), teve grande repercussão no movimento de renovação do teatro francês, norte-americano e sul-americano[419]. Sua atividade como pedagogo influenciou a criação de escolas de arte dramática e a ética a ser adotada por elas.

            Como Stanislavski, Craig ou Meyerhold, Copeau considera que formar o ator é um elemento indispensável para a renovação teatral da sua época. Começa a pensar numa escola relacionada com essa formação já no momento em que cria o seu teatro (COPEAU, 1974). O primeiro laboratório da Companhia do Vieux Colombier foi realizado em Limon, nos meses de julho e agosto de 1913. Para preparar a abertura do teatro no outono do mesmo ano, não cabe simplesmente aprender um texto de cor, como era costume na época, mas experimentar várias atividades que possibilitem o enriquecimento do ator: estudo das peças do repertório nacional e mundial, leitura à primeira vista, explicação de texto, exercícios físicos. Depois disso, Copeau faz uma primeira experiência prática com um grupo de aproximadamente doze crianças, no outono de 1915, no Club de Gymnastique Rythmique [Clube de Ginástica Rítmica] em Paris, sob a direção de Paulet Thévenaz e Suzanne Bing. O primeiro projeto orgânico de uma escola é concebido por ele entre janeiro e fevereiro de 1916. Nesse momento, a Rítmica de Emile Jaques-Dalcroze ainda desempenha um papel importante, como disciplina de base, na prática de Copeau, que se interessa pelo jogo infantil e pelas relações entre jogo e teatro.

 

            A seguir, durante a temporada do Vieux Colombier[420] nos Estados Unidos da América (de 1917 a 1919), faz experimentações pedagógicas, em Cedar Court, com os atores da sua companhia. As notas de agosto de 1920, fundamentais na reflexão pedagógica de Copeau, veiculam a idéia de um ensino visto como o resultado de um método geral único; por outro, são testemunhas da distância de Copeau em relação aos « cabotinos do músculo » e à afetação que os novos métodos correm o risco de produzir. Seu autor considera que os problemas prioritários, na formação do ator, são o conhecimento e a experiência do corpo humano e a busca de uma « sinceridade » compreendida como um estado de calma, de descontração, de silêncio, de imobilidade, indispensáveis para atingir a expressão e para harmonizar, no ator, ação externa e ação interna, gerando um agir/reagir físicos que não sejam falseados por uma premeditação excessiva.

 

            A Escola do Vieux Colombier (1921-1924) introduz cursos de cultura teatral, de cultura geral e sobretudo — seguindo o exemplo de Craig, Stanislavski, Dalcroze e outros — disciplinas técnicas que visem a um treinamento corporal, gestual e vocal mais completo. Cabe salientar, portanto, que nessa escola o ensino é baseado na educação corporal[421].

 

            Quanto à linguagem verbal, à fala, no projeto progressivo-evolutivo de Copeau os alunos não partirão do texto, mas chegarão a ele. Ou melhor: voltarão a ele. Isso não significa de modo algum diminuir a importância do texto, da palavra na ação dramática. Ao contrário: para que a palavra exista, ou para que volte a ser « justa, sincera, eloqüente e dramática », como resultado de um pensamento do ator em todo o seu ser, é muito importante trabalhar o movimento, base da formação do ator. Este deve ser antes de mais nada um ser que age, uma personalidade em movimento[422]. A máscara (ou, inicialmente, um pano que encobria o rosto e obrigava o corpo a « falar ») é, então, o principal meio técnico e expressivo para os exercícios e para as dramatizações. Trabalhar com a máscara compreende, portanto, uma série de exercícios gradativos. Da imobilidade e do silêncio com a máscara neutra, até à dramatização coral.

 

            A utilização das máscaras expressivas é evitada no início dos estudos, devido ao risco de influenciar o aluno e de falsear o seu modo de trabalhar. Primeiramente o principiante precisa confeccionar a sua própria máscara, e ela deve permanecer o mais próximo possível dele. Para ousar ser completamente sincero, o aprendiz vai esconder o rosto. Nessa educação do movimento silencioso, precisa, antes de tudo, evitar o que possa levar à « maneira », à « fabricação », à afetação. Salvo raras exceções, a máscara expressiva poderia tornar-se um outro rosto, e estimular a simulação.

 

            As notas de Suzanne Bing (anos 1921-1922) sobre as possibilidades formadoras e criadoras da máscara mostram que sua utilização pode obter do ator a sinceridade, a ousadia, as quais levam a uma descoberta pessoal e a uma assimilação dos princípios do movimento.

 

            Desde o primeiro ano, após ter-se familiarizado com a máscara neutra, os alunos fazem exercícios de mimo alegórico (A Fome, O Medo, O Cansaço, etc.), base das improvisações e das dramatizações dos anos subseqüentes[423]. Improvisando em grupos, também trabalham sobre o movimento não humano e sobre personagens-tipo da Comédia Nova (um dos objetivos fundamentais de toda a pesquisa de Copeau), ao mesmo tempo em que integram os estudos de pantomima com os exercícios verbais e fonéticos. Tais exercícios são relacionados com o estudo da cultura e do teatro grego nos cursos abertos (dirigidos por Jouvet, Chennevière e Copeau), concentrados numa versão do mito de Psyché [Psique], composta, recitada, dançada e cantada coletivamente.

 

            No segundo ano (1922-1923), continua o estudo da máscara e do mimo durante as aulas de Educação Dramática (integradas com as demais, sobretudo com Teoria e Dicção). Prossegue também o trabalho de dramatização de fábulas, mitos e provérbios[424]. São então incorporados os conceitos básicos da escola: o movimento estilizado (pantomima); as máscaras; a composição rítmica.

 

            No terceiro ano (1923-1924), os alunos se empenharam em desenvolver pesquisas sobre o mimo, a máscara, a voz, os grommelots [gromelôs, blablação] e as improvisações sobre personagens-tipo, através de novos exercícios mais complexos e roteiros mais extensos. Esse trabalho resultou em dois espetáculos de conclusão de ano e de experimentação pedagógica de Copeau no Vieux Colombier: o Nô Kantan[425] e uma antologia de trechos variados[426].

 

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            O trabalho de ator idealizado e praticado por Jacques Copeau não visa, portanto, a tornar o ator um virtuose do músculo, um atleta ou um saltimbanco, mas um ser humano consciente de suas possibilidades expressivas. Adquirida a expressividade, trata-se de pôr o corpo do ator a serviço do poeta dramático e do encenador.

 

            Na Escola do Vieux Colombier, a expressão do corpo em silêncio, a improvisação silenciosa e o uso da máscara possuem uma função instrumental, não constituindo um fim em si. O percurso vai da privação inicial do texto à retomada do mesmo no final dos estudos. A apresentação de fim de ano dos alunos começa sempre com exercícios puramente físicos, e acaba por dramatizações coletivas faladas, depois de haver sido mostrados vários exemplos de improvisações mímicas e sonoras, individuais e coletivas. Assim — quer no plano da organização evolutiva da Escola (com duração de três anos), quer no plano da estruturação de cada ano considerado individualmente, quer, ainda, no plano dos diversos cursos (disciplinas) entre si —, Jacques Copeau e Suzanne Bing concebem claramente que o uso da improvisação corporal e do mimo consistem num recurso provisório, num meio, e nunca num fim. Influenciados por eles, os espetáculos dos Copiaus e dos Comédiens Routiers, os trabalhos iniciais do mimo corporal de Etienne Decroux e os mimodramas de Jean-Louis Barrault dão muita importância às cenas mimadas[427]. Pouco a pouco, pelo que Eugenio Barba chama de « a deriva dos exercícios »[428], o que era um meio torna-se um fim em si mesmo.

 

            Apesar dessa « deriva », restam, porém, do ensino inicial, além das aquisições técnicas e das sugestões temáticas, (a) a influência da Escola do Vieux Colombier quanto à concepção de um ator-criador como sujeito central do fato teatral; (b) a convicção de que a base da educação é a educação corporal, pois o drama é ação, antes de mais nada, e a pesquisa da técnica é prioritariamente uma operação corporal, física; c) a obediência a um esquema evolutivo-progressivo que vai do silêncio temporário para obrigar o ator principiante a sentir interiormente a necessidade de expressar-se, até à expressão pela palavra[429]; (d) a necessidade da existência de uma escola que suscite no ator uma educação total, pela acquisição e pelo desenvolvimento de uma concepção elevada e rigorosa do seu próprio ofício.

 

            Sem ignorar a técnica, portanto, a visão de Jacques Copeau sobre a formação do ator dentro de uma escola de teatro enfatiza a concepção ética, a atitude de trabalho do ator perante si mesmo e perante os colegas, os mestres, o público — perante o outro. A escuta do outro e de si mesmo é fundamental.

 

            Movido pela indignação, como declara no seu manifesto de 1913, Jacques Copeau consegue realizar, embora fugazmente, uma quimera que até hoje ilumina os que sonham com um teatro que renove sem modismos e que seja feito por seres humanos em contato com seres humanos.

 

Não sou nem um sociólogo, nem um moralista autorizado. Sou apenas um trabalhador de boa fé, um conselheiro amistoso que só pode pretender tirar seus conselhos da sua própria experiência pessoal. Assim, posso lhes dizer duas coisas. A primeira é que toda grande mudança só é válida, toda grande renovação só é durável se estiver ligada à tradição viva (...).

 

A segunda é que uma renovação dessa natureza, para dar frutos que não sejam factícios nem efêmeros, deve começar pela pessoa humana. (...) Sejam quais forem os desejos e aspirações de vocês, seja qual for a carreira que se propõem a seguir, seja qual for a técnica que têm a intenção de dominar, antes de tudo tratem de ser homens. Não se deixem dessecar, nem corromper, mas pela vontade apliquem-se para fazer reinar em seu caráter uma bela, uma sólida, uma sorridente, valente e flexível harmonia humana13 .

 

 

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Referências

 

BARBA, Eugenio. A Canoa de Papel. Tratado de Antropologia Teatral. Tradução de Patrícia Alves. São Paulo: Hucitec, 1994.

 

BORGAL, Clément. Jacques Copeau. Col. « Le Théâtre et les jours » [O Teatro e os Dias]. Paris: L’Arche, 1960.

 

CHANCEREL, Léon. Le Théâtre et la jeunesse [O Teatro e a Juventude]. 3e éd. Paris: Bourrelier, 1946.

 

COPEAU, Jacques. « Un essai de rénovation dramatique. Le Théâtre du Vieux Colombier » [Uma Tentativa de Renovação Dramática. O Teatro do Vieux Colombier [Velho Pombal]], in Nouvelle Revue Française, 1er septembre 1913. V. Id., Registres I: Appels [Registros I: Apelos]. Textos coletados e estabelecidos por Marie-Hélène Dasté e Suzanne Maistre Saint-Denis. Notas de Claudse Sicard. Col. Pratique du Théâtre [Prática do Teatro]. Paris: Gallimard, 1974.

 

FALEIRO, José Ronaldo. La formation de l’acteur à partir des Cahiers d’Art Dramatique de Léon Chancerel et des Cadernos de Teatro d’O Tablado [A formação do ator a partir dos Cahiers d’Art Dramatique de Léon Chancerel e dos Cadernos de Teatro d’O Tablado].  2 vol. Université de Paris X - Nanterre. Tese de doutoramento orientada por Robert ABIRACHED e defendida em fevereiro de 1998.

 

GODINHO, Ivens Thiwes. Renato Viana: Educador e Dramaturgo. (Uma Trajetória entre a Semana de 22 e Vestido de Noiva). Dissertação de mestrado de Ivens Thiwes GODINHO, orientada pelo Prof. Dr. Edwaldo Cafezeiro, defendida na UNI-RIO em agosto de 1998.

 

JAVIER, Francisco. « Jacques Copeau et l’Amérique Latine », p. 58-66, in Copeau l’Eveilleur [Copeau, Aquele que Desperta]. Textos reunidos por Patrice Paris e Jean-Marie Thomasseau. Lectoure: Bouffonneries, 1995. nº 34.

 

MOREYRA, Álvaro. As Amargas, Não... Lembranças. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1989.

 

MARINIS, Marco De. Mimo e teatro nel Novecento [Mimo e Teatro no Século XX]. Firenze: La Casa Usher, 1993.

 

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OBJETOS PEDAGÓGICOS INCLUSIVOS NO COTIDIANO ESCOLAR[430]

 

 

                                   Profa. Dra. Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva[431], Margarete Bornelli [432]

 

 

 

Palavras- chave: Educação inclusiva - Ensino de Arte - Formação de Professores

 

Resumo: O presente texto diz respeito ao desenvolvimento de um estudo piloto realizado em uma escola pública federal com o objetivo de identificar a produção de objetos pedagógicos para ensinar arte em classes regulares com a participação de crianças com necessidades especiais. Tal investigação identificou também as concepções de inclusão presentes nos textos educacionais.

 

 

 

Apresentação:

 

            Trata-se o presente texto da sistematização de uma pesquisa piloto realizada no ano de 2006 com ênfase no uso do objeto pedagógico pelo professor de Arte em contextos de inclusão. Como estudo de caso investigou-se a prática de uma professora de Arte na adaptação de situações de aprendizagem numa turma de alunos regulares com a presença de uma aluna com baixa-visão. Buscou-se centrar a pesquisa em um indivíduo com o objetivo de reconhecer a prática existente e aprofundar o convívio, buscando ampliar o contato com a professora, com a aluna cega e ter a possibilidade de acompanhar todos os encontros durante um semestre.

 

O uso de instrumentos no Ensino de Artes Visuais:

 

            Na história da educação apontada por Aranha (1996), Comenius (2002) Manacorda (1999) e Ponce (1998), o objeto didático foi utilizado no contexto da educação conforme as tendências metodológicas enfatizavam o fazer pedagógico. Portanto, se a escola defendia os pressupostos tradicionais de escola o objeto era utilizado para reforçar a concepção de aprendizagem por meio da cópia escrita, da reprodução automatizada por meio da oralidade e do saber centrado no professor. Ainda se a escola tinha um pensamento mais aberto como no Movimento Escola Nova, o objeto pedagógico foi utilizado como meio de expressão do aluno, possibilitando-lhe por meio da experiência, uma apropriação dos conhecimentos. Já mais no contexto atual o papel dos objetos pedagógicos se re-significou como elemento de ampliação do acesso dos estudantes ao conhecimento sistematizado. Neste sentido o objeto pedagógico é revestido de novos sentidos simbólicos que permitem ao estudante uma compreensão mais efetiva do contexto social. Diferentemente das correntes tecnicistas que colocavam o objeto pedagógico como fim maior do processo pedagógico, na atualidade entre os educadores que utilizam as teorias críticas da educação, o objeto pedagógico é construído e reconstrói o olhar sobre o contexto e sobre os conhecimentos atuando em colaboração com o complexo processo educacional.

            No contexto do Ensino de Artes, fica mais claro o uso de objetos de mediação, principalmente no contexto das Artes Visuais que privilegiam a construção de um objeto ou a captação de sua imagem. No entanto o uso de objetos pedagógicos com intenção mediadora fica menos explícito no fazer pedagógico dos professores. Conceituando o objeto pedagógico pode se dizer que ele é todo instrumento didático construído ou utilizado pelo estudante ou pelo professor para mediar a aprendizagem. Neste sentido abre-se um leque amplo de possibilidades de artefatos manuais e tecnológicos utilizados no contexto do ensino de arte para ampliar o acesso do estudante ao conhecimento artístico e estético. Partindo do conceito de mediação como:

 

(...) o processo através do qual os pais e outros significativos, ajudam as crianças a decodificar e a compreender as complexidades do meio físico e social, para termos capazes de serem compreendidos pelas crianças nos diferentes níveis de desenvolvimento. Portanto consideramos a mediação como o “construir pontes entre o que a criança sabe e a nova informação a apreender e a estruturar (Pereira, 1998,p.33).

           

            Orientando a perspectiva teórica da investigação utilizou-se a contribuição de Vygotsky (1991) que identifica o papel dos “outros significativos” como adultos em diferentes estágios de desenvolvimento cognitivo em relação a crianças, para que possam ajudar na aquisição de novas aprendizagens.  Acredita o autor que níveis iguais de aprendizagem contribuem menos do que a convivência heterogênea no contexto social. Neste aspecto pode-se citar como exemplo a convivência entre crianças com diferentes matizes culturais e ou físicos. Outro aspecto da contribuição do autor para a teoria do desenvolvimento humano diz respeito ao reconhecimento de que a criança quando chega na escola já traz uma bagagem de conhecimentos socialmente acumulados.

            Talvez a principal contribuição de Vygotsky para a presente investigação diz respeito à análise que o autor faz acerca do uso do instrumento para a aprendizagem, mais especificamente nas relações entre instrumento e aquisição da linguagem. Assim :

 

O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa. Essa estrutura humana complexa é o produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre história individual e história social (Vygotsky, 1991,p. 33).

 

Partindo da abordagem mediadora da aprendizagem para compreender o uso do instrumento com crianças com baixa-visão na aula de Arte, destacou-se o pressuposto de que os professores desenvolviam atividades com as crianças da classe, identificavam a importância da inclusão, no entanto avaliavam que a Escola não estava pronta para receber o estudante da educação especial. Fartos argumentos são colocados pelos professores de Arte em atividades coletivas de formação docente no que diz respeito da falta de formação para atuar nesta área. Alguns autores como Serra (2006) corrobora com esta visão quando diz que: “Infelizmente, a demanda da inclusão chega às escolas antes da preparação do professor, e a solução tem sido a capacitação em serviço, através de programas de formação continuada” (2006,p.34).

Direcionando o olhar para a formação inicial do professor de Arte constata-se que a maioria dos cursos de formação inicial não contempla em suas matrizes curriculares disciplinas que tratem diretamente do tema da inclusão de pessoas com necessidades especiais. Coutinho (2002) ressalta que na formação de professores de Arte os aspectos da autonomia de decisão devem ser estimulados porque na atualidade o professor assume novas responsabilidades no contexto escolar. Entre estas responsabilidades está colocada a ação diante das temáticas inclusivas.

Quando a apropriação se realiza na escola, isto é, de forma institucionalizada, o professor desempenha a mediação necessária entre o aluno e o conhecimento. Tanto Leontiev (1978, p. 271-273), como Vygotsky (1991b, pp. 97-101) apontam essa ação mediadora dos homens no processo de apropriação e objetivação. Esse conceito de mediação dos outros indivíduos do grupo social entre o indivíduo que se forma e o mundo cultural, desenvolvido por Vigotski e sua escola, é de suma importância para a compreensão do trabalho que se realiza na escola. Basso,1998,p.06).

 

            Quando o professor de Arte assume o papel de professor reflexivo e se apropria de um olhar sócio-histórico ele possibilita uma abertura afetiva para receber a pessoa com necessidades educativas especiais e reconhecer sua condição de professor mediador. Ainda que este seja um ato de complexidade social, pois está vinculado com o contexto mais amplo das funções por parte do Estado, o professor precisa estar conectado com a perspectiva de uma sociedade que reconhece o direito a diferença.

 

O contexto  da Inclusão no Brasil:

 

            Como resultado de uma política internacional de “educação para todos” que ganha força a partir da década de 1990, o Brasil amplia sua legislação e propõe o modelo de educação inclusiva nos moldes americanos.  Dinari (2006) resgata este vínculo com o modelo americano e Mendes (2006) vai mais além fazendo a crítica ao modelo brasileiro que valoriza os “modismos internacionais”, que enfatiza a proposição de juristas nas políticas públicas, na dicotomização do debate entre educação inclusiva e educação total e na interpretação de que a educação inclusiva diz respeito apenas a educação especial.

            Abordando sinteticamente o tema, dois movimentos foram mais contundentes na proposta de educação das pessoas com necessidades educacionais, um que propunha a integração onde a criança era colocada na escola e era responsável pela integração e outro chamado de inclusão onde a proposição era um serviço obrigatório de apoio e sustentação do trabalho, por meio de financiamento, contratação e formação de profissionais.  Neste cenário atual de uma inclusão de direito que não acontece de fato, interessa a pesquisa aqui relatada, investigar os conceitos de inclusão presentes na literatura.

            Foram mapeados a parir de uma extensa bibliografia três conceitos que configuram um mapa das tendências de conceitos de inclusão. Um que aponta para as transformações necessárias na escola para atendimento da diversidade:

 

“A inclusão implica uma reforma radical nas escolas em termos de currículo, avaliação, pedagogia e formas de agrupamento dos alunos nas salas de aula. Ela é baseada em um sistema de valores que faz com que todos sejam bem vindos e celebra a diversidade que tem como base o gênero, a nacionalidade, a raça, a linguagem de origem, o background  social, o nível de aquisição educacional ou a deficiência (Mitller 2003,p.34).

 

Uma segunda linha que propõe a construção de “todas as formas possíveis por meio das quais” pretende-se uma educação inclusiva.

Quando falamos em inclusão escolar, referimo-nos a construir todas as formas possíveis por meio das quais se busca, no decorrer do processo educacional escolar, minimizar o processo de exclusão, maximizando a participação do aluno dentro do processo educativo e produzindo uma educação consciente para todos, levando em consideração quaisquer que sejam as origens e barreiras para o processo de aprendizagem (Santos, 2006,p.24).

 

            Uma terceira que identifica a diversidade de termos utilizados para designar a inclusão, mas que, o fazem somente no discurso. O conceito não se reflete na prática pedagógica. “A inclusão, assim, não é mais do que uma forma solapada, às vezes sutil, ainda que sempre trágica, de uma relação de colonialidade com a alteridade” (Skliar, 2006,p.28).

 

 

A mediação do objeto na aprendizagem de Artes Visuais:

 

            A pesquisa piloto foi realizada em uma escola pública na cidade de Florianópolis com foco em uma turma regular de 1ª série do Ensino Médio, onde também estuda uma aluna cega de nome Sara (nome fictício para resguardar a identidade da estudante). Foi observado um conjunto de dezesseis aulas de 50 minutos, focando o olhar na produção de objetos de mediação pedagógica, constituídos a partir da criação da professora e dos alunos. Inicialmente realizou-se uma entrevista com a professora e no final da pesquisa, outra decorrente da observação dos dados e das dúvidas surgidas no processo. Na primeira entrevista buscou-se o conceito de inclusão apresentado pela professora. No campo da construção teórico utilizou-se como estratégia conhecer o percurso do objeto pedagógico na história da educação, mapear um conjunto de conceitos de inclusão existentes na literatura, identificar uma parcela de textos que apresentam formulações inclusivas no ensino de arte e investigar como o conceito de mediação perpassa estes espaços.

As observações das aulas na turma de Sara consistem em analisar a rotina da aula de arte. Foi alvo de estudo também a prática da professora, percebendo como ela constrói as mediações de aprendizagem, tendo uma aluna com baixa-visão em sala. Um importante aspecto foi o direcionamento à observação do material que a professora criou com os alunos como elemento de aproximação da aluna cega e dos alunos videntes. Para complementar e também pela indissociabilidade entre o desejo do professor e o indivíduo que faz uso do objeto, observou-se  o andamento das aulas do ponto de vista dos alunos, como utilizam os objetos pedagógicos e como se relacionam com Sara neste contexto.

Na dinâmica de sala de aula observou-se um ambiente fraterno de amizade e solidariedade entre alunos e professora. No trabalho proposto pela professora havia por parte dos alunos o interesse em envolver Sara na participação, nas decisões e atividades que estavam sendo criadas pelos alunos. Era usual a professora descrever as imagens, com a ajuda dos estudantes para que Sara pudesse ter noção da imagem projetada. No estudo da figura humana a professora enfatizou as medidas canônicas, gregas e romanas, mostrando como a proporcionalidade era considerada neste momento histórico como elemento de padronização de tamanhos e medidas. Para completar a mediação em construção, facilitando a compreensão das medidas canônicas que são utilizadas ainda na atualidade, à professora propôs uma atividade prática.

 Na atividade que consistia em desenhar a figura humana, o desenho foi aliada a produção de bonecos de papel, fazendo comparações dos modelos canônicos, da arte grega e romana, com os corpos reais dos alunos. Os bonecos de papel foram utilizados na condição de objetos pedagógicos de duas maneiras: uma na possibilidade de participação de Sara no processo de experienciar as medidas, porque o desenho deixava de ser “bi-dimensional para ser tri-dimensional”. Uma outra pelo enriquecimento do universo pedagógico dos estudantes que acessaram duas possibilidades de compreensão, como desenho sobre o papel e como recorte que possibilitou o dimensionamento do corpo humano dos alunos.

 Neste sentido, desenharam a figura humana, tendo os próprios alunos como modelo. A turma foi dividida em dois grupos, um grupo ficou com o corpo feminino, e outro grupo com o corpo masculino. Sara estava no primeiro e serviu de modelo. O desenho foi feito com os contornos do corpo de Sara. Depois de feito o desenho, foi recortado em partes (braços, antebraço, mãos, cabeça, pescoço, etc) e então usado para as medidas proporcionais do corpo. As medidas encontradas do corpo de Sara foram: o corpo inteiro mediu sete cabeças; do pescoço até a cintura mediu duas cabeças; do pescoço até o pé mediu nove mãos, e assim encontraram outras medidas. Cada parte que foi recortada Sara pintava (com giz de cera), para que conseguisse sentir a textura, e assim entender melhor. Depois pegaram outra folha e então foi montado um outro desenho a partir das medidas encontradas. Este segundo desenho foi todo pintado em cores diferentes, e fortes para que Sara pudesse visualizá-lo (Sara tem baixa visão, e quando é possível, utiliza os resíduos de visão para enxergar). Ela consegue visualizar as cores primárias, se estiver bem forte. Todo esse processo de pintar com cores diferente, sentir a textura, perceber os tamanhos, foi o que no momento a professora se utilizou para adaptar a atividade. Depois de completar o desenho a partir das medidas, o grupo todo apresentou o trabalho, com grandes contribuições de Sara.

Outra atividade dentre as observada que merece destaque foi a da confecção de cenários e personagens para a execução de uma animação. Cada grupo teria que criar a história, o cenário e os personagens. O grupo em que Sara estava resolveu fazer uma animação no fundo do mar, onde os personagens seriam confeccionados de massa de modelar para que Sara pudesse contribuiu na confecção dos mesmos.Novamente é possível presenciar a construção do objeto pedagógico para a inclusão da aluna com baixa-visão. E ela gostou tanto que fez vários peixes e estrelas do mar, de diversos tamanhos. No início não sabia como fazer e os colegas ensinaram, a professora também colaborou, algumas vezes descrevendo cada passo a ser feito, ou somente mostrava os que tinha modelado, depois de tateá-los, fazia igual. Houve um momento em que Sara quis saber como era a escama do peixe, disse que não lembrava. A professora deu como exemplo a própria unha, estendendo o dedo para que Sara o tateasse. Depois de tatear o dedo, a unha, da professora, disse ter lembrado um pouco de como era, e até contou do dia em que seu pai lhe colocou um peixe na mão, e ela achou “... molhado, melado e áspero...” (neste momento fez careta de nojo, e riu). E então com ajuda de um palito fez uma textura imitando a escama.

A atividade de construção do cenário para o fundo do mar se estendeu por seis aulas. Iniciaram com as discussões sobre qual seria o tema. Definida a temática realizaram a composição dos personagens, e por último, tudo foi fotografado. Utilizando-se do princípio do desenho animado, de movimentação das cenas paradas colocaram as fotografias no programa flash,3 e gravaram em DVD. Posteriormente a proposta do grupo foi exibida na TV dentro da sala de aula.   Os alunos manifestaram satisfação com as atividades desenvolvidas, todos gostaram, e Sara era a mais animada (ria muito), se divertiu com as histórias e com o movimento dos personagens, que ela mesma fez, que conseguiu visualizar pela tela da TV. E todos se animaram fazendo planos para o próximo semestre.

Diversos outros exemplos poderiam ser descritos mostrando como a criação de objetos pedagógicos possibilita a ampliação do acesso ao conhecimento de estudantes com necessidades especiais em classes regulares. Neste sentido foram selecionados aqueles mais significativos que puderam dar uma noção do papel do professor na mediação pedagógica como estratégia de inclusão no ensino de arte em uma determinada classe escolar.

 

 

 

 

 

            5. Considerações finais

           

            Considera-se como um importante elemento a destacar-se a formação do professor de Arte necessária para uma prática qualificada. Quando se observou na prática da professora em questão o uso dos materiais pedagógicos, a familiarização da aluna com baixa-visão com os elementos presentes na aula de arte, quando reconstruiu seu planejamento em função de Sara, quando trocou exercícios que não possibilitariam acesso a participação por outros que ampliavam sua participação, buscou o princípio da inclusão.

            Acredita-se que uma trajetória de formação inicial ou continuada de professores requer uma ênfase nos aspectos para a inclusão, ainda que elementos da trajetória do professor, também possam definir uma prática pedagógica voltada para a inclusão. Denari destaca que:

 

Particularmente importante é o processo de identificação das necessidades educacionais especiais. Se este processo não ocorrer com o devido cuidado nas adequações curriculares, a seleção dos materiais educativos de apoio e a escolha de estratégias metodológicas e didáticas podem não corresponder ao que realmente o aluno requer. (2006,p.37).

 

  Outro aspecto a considerar diz respeito as condições materiais e físicas da escola que não determinam uma boa prática de ensino de arte inclusivo, mas colaboram com as necessidades do professor que deseja fazer um trabalho de qualidade. Os aspectos de estruturais da vida do professor, baixos salários, má gestão educacional na escola e nos sistemas de ensino, atendimento a populações de baixa renda, influenciam o trabalho, mas não determinam sua precariedade.

            No país existe ampla legislação pública que ampara a pessoa com necessidades educacionais especiais, no entanto a existência de legislação não garante a efetivação da inclusão de qualidade nas escolas.

 

 

Bibliografia:

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. São Paulo: moderna, 2006.

BASSO,Itacy Salgado. Significado e sentido do trabalho docente In.:Cad. CEDES vol.19 n.44  Campinas Apr. 1998.

COMENIUS. Didática Magna. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

COUTINHO, Rejane G. A formação de professores de arte In.: BARBOSA, Ana Mae (org.).Inquietações e mudanças no ensino da arte.  São Paulo: Cortez, 2002. 153-160.

MENDES, Enicéia Gonçalves. A radicalização do debate sobre inclusão no Brasil. Revista Brasileira de Educação. V.11, n. 33 set/dez 2006.

MITTLER, Peter. Educação Inclusiva: contextos sociais. Porto Alegre: Artmed, 2003.

MANACORDA, Mario Alhiguiero. História da educação: da antiguidade aos nossos dias. São Paulo, Cortez. 1999.

 PEREIRA, Sara de Jesus Gomes – “A televisão na família : processos de mediação com crianças em idade pré-escolar”. Braga : Instituto de Estudos da Criança, Universidade do Minho, 1998. ISBN 972-97323-6-1. https://hdl.handle.net/08/03/2007.

SANTOS, Júlia Maia. Dimensões e diálogos de exclusão :um caminho para a inclusão.In.: Santos, M.P. dos. E PAULINO, M. M. Inclusão em Educação: culturas políticas e práticas. São Paulo: Cortez, 2006.

RODRIGUES, David. (Org.) Inclusão e educação: doze olhares sobre  a educação inclusiva. São Paulo: Summus, 2006.

VYGOTSKY, L.S. Formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1993

  

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JACQUES COPEAU: Uma vida dedicada à renovação DO TEATRO

 

 

                                                                                                                      Evandro Luis Teixeira[433]

 

 

Palavras Chave: Jacques Copeau – Teatro Françês

 

RESUMO: O presente artigo é resultado do Projeto de Pesquisa Poética, Ética e Estética na Pedagogia Teatral de Jacques Copeau – financiado pelo PROBIC/UDESC – que se propõe a pesquisar os textos de Jacques Copeau ainda não disponíveis em Língua Portuguesa, através das traduções do orientador Prof. Dr. José Ronaldo Faleiro[434] e de outros autores que discutem a sua obra. O objetivo deste artigo é possibilitar maiores esclarecimentos sobre a vida e a obra de Jacques Copeau.

           

                       

            Filho de uma família burguesa de fabricantes e comerciantes, Jacques Copeau nasceu no dia 4 de fevereiro de 1879, no número 76 da rua do Faubourg Saint-Dennis em Paris, na França. Copeau, ao que tudo indica, teve uma infância povoada de sonhos, dominada por uma viva sensibilidade, um senso agudo de observação e uma imaginação fértil.

Jacques Copeau realizou seus primeiros estudos no Lycée Condorcet (de 1887 a 1896). Escreveu sua primeira peça nessa época: Brouillard du matin [Cerração matinal], representada em 27 de março de 1897 no Novo Teatro, pelos seus colegas, durante uma festa da associação dos alunos do Liceu Condorcet.  Nesse período Copeau conheceu a jovem dinamarquesa Agnès Thomsen e se apaixonou por ela.

Em 1897, após passar nos exames, Copeau ingressou no curso de Filosofia da Sorbonne. Mas não chegou a concluí-lo, abandonando-o no ano seguinte. 

            A morte de seu pai (1901) parecia desviá-lo de seus objetivos, incitando-o a dirigir os negócios da família. Copeau, desconsiderando os avisos de sua mãe, casou-se com Agnès na Dinamarca; onde nasceu sua primeira filha, Marie-Hélène. Durante essa época, Copeau, após se impressionar com os livros de André Gide, começou a se corresponder com o escritor.

Em 1903, a jovem família de Copeau voltou para a França. Copeau passou uma temporada no interior, onde continuou a escrever ao mesmo tempo em que dirigia os negócios da família. Ele se aproximou de Gide enquanto freqüentava o meio intelectual parisiense fazendo seu nome como crítico. 

De volta a Paris, em 1905, Copeau trabalhou na galeria de Georges-Petit, enquanto colaborava como crítico de arte e crítico dramático. Foi através da análise do teatro contemporâneo e do seu aguçado senso crítico que teve artigos publicados em diversas revistas. Em 1905 nasceu sua segunda filha, Hedvig.

            O ano de 1907 representou um considerável progresso na carreira de crítico para Copeau, Jacques Rouché lhe confiou em 1907 a crônica dramática de La Grande Revue [A Grande Revista] na qual sucedeu a Léon Blum. É também o ano do nascimento de seu filho Pascal. Com a venda da fábrica da família em Racourt, Copeau conseguiu exercer suas atividades literárias com maior afinco.

Em 1908, ao lado de escritores de destaque da época,  fundou  La Nouvelle Revue Française (N.R.F.) [A Nova Revista Francesa]. Através dessa revista Copeau difundiu grande parte de suas reflexões.

Em 1910, Copeau comprou uma propriedade em Limon, em Seine-et-Marne, longe das distrações de Paris. Nessa época, trabalhou ao lado de Jean Croué sobre uma adaptação do romance Os Irmãos Karamazov de Fiodor Dostiesvski, que ele acabou no fim de 1910. No dia 6 de abril de 1911, no Teatro das Artes, sob a direção de Jacques Rouché, foi representado o drama em cinco atos, adaptado por Copeau.

Em setembro de 1913 Copeau publicou «Un Essai de Rénovation Dramatique» [Uma tentativa de renovação dramática] na N.R.F., um manifesto que anunciava a sua determinação de « [...] construir em bases absolutamente intactas um teatro novo [...] »[435], em que os grandes clássicos seriam apresentados « [...] como antídoto para a falta de gosto [...] »[436]. Nesse manifesto, Copeau prestou homenagem a Antoine, a Rouché, e aos inovadores estrangeiros como Fuchs, Reinhardt, Meyerhold e Stanislavski. No entanto, afastou-se deles, pregando o retorno a uma convenção feita de simplicidade e naturalidade, repudiando as fórmulas decorativas e negando a importância de toda e qualquer maquinaria: « Que os outros prestígios desapareçam e, para a obra nova, que nos deixem um tablado nu! ».

Impelido pelo sentimento de indignação perante a situação em que se encontrava o teatro francês de sua época, Copeau dedicou esforços para a fundação de um novo teatro: o Théâtre du Vieux-Colombier [Teatro do Velho Pombal]. Em julho de 1913, para preparar a abertura do teatro, Copeau viajou com uma jovem equipe de atores a Limon, em Seine-et-Marne, para desenvolver e ensaiar duas peças: La Femme tuée par la douceur [A Mulher Assassinada com Suavidade], do escritor Thomas Heywood, e L’Amour médecin [O Amor Médico], de Molière, que viriam a compor o repertório de seu teatro. Copeau reuniu uma companhia jovem. Entre aqueles que o acompanharam, estavam Louis Jouvet, Charles Dullin e Suzanne Bing. Essa empresa representou o marco inicial das concepções de educação e formação do ator – através de leituras em voz alta, estudos dos textos, ginástica e jogos – realizadas por Jacques Copeau ao longo de sua vida.

            Durante a primeira temporada (1913-1914), Copeau encenou treze espetáculos nos quais estrelou como ator representando nove papéis, organizou conferências, leituras e matinês musicais e poéticas. No final da temporada, no dia 18 de maio de 1914, o Teatro do Vieux-Colombier representou A Noite de Reis, de Shakespeare.

Em 1914 o Vieux Colombier suspendeu suas atividades por causa da Primeira Guerra Mundial. Copeau, Louis Jouvet e Charles Dullin foram chamados para servir às forças armadas francesas. Em setembro de 1915, após ser dispensado pelo exército, Copeau foi ao encontro de grandes mestres do teatro que exerceram influências no modo de trabalho do Vieux-Colombier: Gordon Craig em Florença e Adolphe Appia na Suíça.

Depois disso, Copeau e Suzanne Bing deram início às suas primeiras tentativas de formar uma Escola de Arte Dramática. No outono de 1915, no Clube de Ginástica Rítmica em Paris, sob a direção de Paulet Thévenaz, Copeau fez sua primeira experiência prática com um grupo de 12 crianças e a partir dessa experiência criou um plano para aplicar em sua escola. Nesse momento, a Rítmica de Emile Jaques-Dalcroze desempenhava um papel importante na prática de Copeau. Ele também se interessava pelo jogo infantil e pelas relações entre jogo e teatro.

Ainda em meio à guerra, Copeau se correspondia com seu colaborador Louis Jouvet, que lutava no front. Eles desenvolveram, auxiliados por Theo Van Rysselberghe, dispositivos cênicos chamados de tréteau [tablado] e loggia [camarote], compostos em madeira, e que serviriam para obter o aproveitamento total do espaço.

Por solicitação do governo francês, Copeau aceitou, em 1917, uma missão cultural nos Estados Unidos, com o objetivo de neutralizar a propaganda alemã e valorizar a cultura francesa. Copeau passou uma temporada de quatro meses nos EUA, onde proferiu apresentações, conferências e leituras. Obteve o apoio para a direção do Teatro Francês de Nova Iorque e voltou para a Europa a fim de reagrupar e reorganizar a Companhia do Vieux Colombier. Copeau compôs e ensaiou um novo repertório com sua trupe parcialmente reconstituída, já com Dullin e Jouvet desmobilizados. Ele e Jouvet trabalharam nos princípios de um novo dispositivo cênico.

No dia 27 de novembro de 1917, foi inaugurado, no Garrick Theatre, o Vieux Colombier de Nova Iorque, onde Copeau e Jouvet materializaram a idéia de estrutura cênica. Esse novo ambiente não impediu que eles criassem uma cenografia simples e funcional, e a partir da qual obtivessem diferentes espaços num único lugar. No decorrer de duas temporadas (1917-1919) a companhia representou quarenta e quatro peças (muitas vezes forçada por um repertório encomendado) e fez trezentas e quarenta e cinco apresentações. Copeau terminou sua estada nos EUA com uma turnê de conferências no Oeste americano. No dia 7 de abril de 1919 inaugurou a Associação dos Amigos do Vieux Colombier de Nova Iorque. E, em junho, regressou à França.

Ao retornar à Paris no final de 1919, Copeau promoveu a reabertura do Vieux Colombier. Criou os Ateliês de eletricidade e carpintaria, sob a direção de Jouvet, para servir tanto ao teatro quanto ao público.

Copeau trabalhou com Louis Jouvet para a transformação do palco do Vieux-Colombier, na tentativa de instalar ali um dispositivo arquitetural fixo já experimentado em Nova Iorque. Esse dispositivo deveria proporcionar um maior aproveitamento do espaço de cena e atender exigências dramatúrgicas. Realizadas as mudanças, nada restou da forma original da moldura da caixa cênica do antigo Vieux-Colombier. Copeau e Jouvet eliminaram a boca de cena e construíram uma escada frente ao palco, com o objetivo de obter uma relação mais direta entre a cena e o público. Depois das reformas, Copeau foi criticado pela terrível acústica do teatro (conseqüência de cobrir o chão de cimento). Ao que tudo indica, Copeau mostrou ressentimentos por não ter tido autoridade suficiente para impedir graves erros.

Copeau e Suzanne Bing fizeram novas tentativas de montar uma Escola de Arte Dramática. Em 1920 Copeau escreveu várias notas sobre as suas experimentações pedagógicas. Esse período representou uma etapa fundamental na sua reflexão sobre a pedagogia teatral. « A idéia da Escola e a idéia de teatro são uma só idéia. Nasceram juntas », afirmou Copeau em 1920. A sua tentativa pedagógica já havia começado, efetivamente, em 1913, durante o verão que precedeu a abertura do Vieux-Colombier, quando ele instalou a sua jovem companhia na sua propriedade do Limon. Copeau havia estabelecido um esquema de ensino no qual se alternavam estudos de texto e exercícios físicos. A Escola do Vieux Colombier só surgiu oficialmente a partir de 1920, ainda chamada de « escola embrionária ».

Copeau aumentou a Escola com a colaboração de Jules Romains, todas as regras do ensino dramático foram estabelecidas, assegurando as finalidades e funcionamento das atividades. A Escola foi dividida em três segmentos, que eram destinados a cursos específicos: a divisão A comportava alunos iniciantes a partir de 12 anos; a divisão B comportava alunos iniciados acima de 18 anos; e a divisão C era para aqueles alunos que não se dedicavam à atuação, mas que poderiam recolher benefícios de suas atividades — um espaço reservado para autores, escritores e críticos.

            A Escola, sob a direção de Suzanne Bing, estava trabalhando em atividade intensa. Até 1924, Copeau produziu espetáculos, conferências, exposições, palestras e cursos. Foi um período muito rico em experiências, que o consagrou como pensador e pedagogo teatral. Inquieto, estava sempre em busca de uma estrutura que lhe desse condições espaciais e temporais de dedicar-se à renovação do teatro através da formação do ator. Mas Copeau estava insatisfeito e anunciou o fechamento anual do Vieux-Colombier. Sua intenção era dedicar-se por completo à Escola e ao trabalho de pesquisa. Em maio, no dia 15, apresentou o espetáculo de encerramento em benefício da École du Vieux-Colombier. Este foi o último dia de Jacques Copeau no Vieux-Colombier.

            No dia 13 de setembro de 1924, Copeau visitou e alugou o castelo de Morteuil, por Demigny (Saône-et-Loire), com o intuito de transplantar para lá a Escola. Transmitiu a companhia do Vieux Colombier à Louis Jouvet em 23 de setembro e partiu para a Borgonha em outubro do mesmo ano. Acompanhado de trinta e três pessoas (entre elas, Michel Saint-Denis, Léon Chancerel e Georges Chennevière, Marie-Hélène Copeau, Jean Dasté, Aman Maistre e Étienne Decroux), com o objetivo de pesquisar a linguagem teatral. O retiro na Borgonha é primeiramente uma espécie de laboratório, que deveria funcionar como um prolongamento da Escola. A formação e a educação continuaram a ocupar o primeiro plano. Mas, por razões financeiras, Copeau foi obrigado a renunciar a seu projeto em fevereiro de 1925. Alguns daqueles que o seguiram até a Borgonha resolveram permanecer com ele em Pernand-Vergelesses (de 1925 a 1929) e passaram a ser chamados pelos habitantes locais de Copiaus. Dentre eles, um pequeno núcleo retornou mais tarde a Paris e constituiu, em 1931, o Théâtre des Quinze [Teatro dos Quinze] ou o grupo Quinze du Vieux Colombier [Quinze do Velho Pombal], já sem a direção de Copeau.

Os  Copiaus apresentaram pequenos espetáculos em Lille, e depois, com um novo repertório, em Demigny e noutras pequenas cidades da região, além da celebração da festa dos vinhos em Nuits-Saint-Georges. Os Copiaus afirmaram com êxito as experiências de descentralização, promovendo excursões pelas cidades e povoados, apresentando o repertório que, de acordo com as propostas de um teatro popular defendidas por Copeau, variavam entre as pequenas farsas e os grandes clássicos.  Copeau adaptou e escreveu para eles diversos espetáculos, entre os quais estavam L’Illusion [A Ilusão], encenado pelos Copiaus em 3 de outubro de 1926, e L’Anconitaine [Anconitana], de Ruzante.

Copeau realizou durante esse período turnês de conferências e de leituras no interior e no exterior da França. De passagem pelos Estados Unidos, encenou, no Theatre Guild de Nova Iorque, sua adaptação de Os Irmãos Karamazov.

            Entre 1926 e 1929, Copeau realizou pesquisa com Os Copiaus e turnês pela França, Suíça, Bélgica, Holanda, Inglaterra e Itália. Em junho de 1929, Copeau dissolveu os Copiaus. 

Aos cinqüenta anos, Copeau desejava pôr em prática a sua experiência numa esfera mais oficial. Foi iniciada então uma primeira campanha para levar Jacques Copeau à direção da Comédie-Française. Ela fracassou. Copeau encenou Œdipus rex [Édipo Rei], de Igor Stravinski, na Ópera de Paris, em 1929. Depois disso, continuou a exercer a atividade de crítico dramático. Voltou a Pernand, com o intuito de escrever artigos para revistas e jornais. Em 1930, retomou as turnês de conferências e de leituras.

Depois de um acidente ocorrido com Édouard Bourdet, administrador da Comédie-Française, em 14 de maio de 1940, Copeau foi nomeado “Administrador Provisório”, após diversas campanhas pedindo pelo seu nome. Pouco tempo depois teve início a grande ofensiva alemã. A guerra e a Ocupação Nazista não permitiram que Copeau prosseguisse com o trabalho. Depois de ter montado Le Carosse du Saint-Sacrement [A Carruagem do Santo Sacramento], Le Cid [O Cid] (no qual contratou Jean-Louis Barrault para o papel de Rodrigo) e La Nuit des Rois [A Noite de Reis], foi forçado a pedir demissão em março de 1941, tendo permanecido no cargo por apenas dez meses. Após a demissão, voltou para a Borgonha ainda no mesmo mês.

Em 1941 Copeau publicou Le Théâtre Populaire [O Teatro Popular], um opúsculo que trata das formas teatrais populares ao longo da história do Teatro Ocidental e define as perspectivas de Copeau acerca da descentralização teatral. A partir desse ano até 1948, ele publicou ensaios, escreveu peças, encenou e interpretou novos espetáculos, sempre dando continuidade às suas turnês de conferências e leituras. Em julho de 1943, adaptou, encenou e interpretou Le Miracle du Pain doré [O Milagre do Pão Dourado], no Hospital de Beaune, para os quinhentos anos de sua fundação, utilizando um dispositivo cênico de André Barsacq. Terminou de escrever a sua peça sobre Francisco de Assis, Le Petit Pauvre [O Pobrezinho].

Após intensa atividade dedicada ao ofício do teatro, Jacques Copeau morreu no Hospital de Beaune no dia 20 de outubro de 1949. Foi enterrado quatro dias depois, em Pernand-Vergelesses.

 

 

Bibliografia

 

COPEAU, Jacques. Souvenirs du Vieux-Colombier [Lembranças do Vieux-Colombier]. Paris: Les Editions Latines, 1931. Tradução de José Ronaldo Faleiro. (inédito). 

 

COPEAU, J. Registres I; Appels [Registros I; Apelos]. Textes recueillis et établis par Marie-Hélène Dasté et Suzanne Maistre Saint-Denis. Notes de Claude Sicard. [Textos coletados e estabelecidos por Marie-Hélène Dasté e Suzanne Maistre Saint-Denis. Notas de Claude Sicard]. Paris: Gallimard, 1974. – Trad. de José Ronaldo Faleiro (inédito).

___________. Registres III; Les Registres du Vieux Colombier. I (Première partie) [Registros III; Os registros do Vieux Colombier {Velho Pombal}. I (Primeira parte)]. Textes recueillis et établis par Marie-Hélène Dasté et Suzanne Maistre Saint-Denis. Notes de Norman Paul. [Textos coletados e estabelecidos por Marie-Hélène Dasté e Suzanne Maistre Saint-Denis. Notas de Norman Paul]. Paris: Gallimard, 1979. – Trad. de José Ronaldo Faleiro (inédito).

___________. Registres VI. L´École du Vieux-Colombier [Registros VI. A Escola do Vieux-Colombier]. Textes établis, présentés et notés par Claude Sicard. [Textos estabelecidos, apresentados e anotados por Claude Sicard.] Paris: Gallimard, 2000. Trad. de José Ronaldo Faleiro (inédito).

 

JOMARON, Jacqueline. Jacques Copeau: le tréteau nu [Jacques Copeau: o tablado nu], p. 731-741, in JOMARON, Jacqueline (org.) Le Théâtre en France du Moyen Âge à nos jours [O Teatro na França da Idade Média aos nossos dias]. Prefácio de Ariane Mnouchkine. Paris: Armand Colin, 1992. — Tradução de José Ronaldo Faleiro (inédito).

  

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Jogando no Intervalo

Proposições colaborativas em Arte [437]

 

 

Tatiana Rosa dos Santos[438]

 

 

 

Palavras Chaves: arte colaborativa, trânsito, alteridade, arte-vida

 

Resumo: Este artigo é resultado do levantamento teórico sobre os procedimentos que envolvem projetos artísticos colaborativos, um dos eixos centrais da minha pesquisa de mestrado. Tomando algumas proposições artísticas da dupla MalWal, busco olhar e pensar o artista enquanto propositor que transita entre espaços e públicos não-especializados, tornando, assim, fluída a fronteira entre arte e vida.

 

 

 

 

            A partir da década de 90, vemos surgir no cenário da arte contemporânea proposições artísticas que se utilizam do procedimento colaborativo que, muitas vezes, articula artistas e profissionais de diferentes áreas. São projetos que estão marcados por transitarem entre as instituições de arte e a trama social, por vezes, de comunidades bastante específicas.

            Os acontecimentos que daí resultam, possibilitam o encontro do artista e colaboradores com um público não especializado criando uma nova convivência que torna as fronteiras entre arte e vida rarefeitas. Este convívio difere daquele que tenta, cinicamente, tornar todos iguais dentro de um rótulo identitário global ou ainda, não menos perverso, provocar abismos entre realidades sociais, impossibilitando diálogos. A alteridade está posta e a evidência da mesma aqui não passa pela via do assistencialismo ou da vitimização do outro, os conflitos existem, o que se quer é tornar consciente a representação artificiosa que a sociedade de consumo impõe aos sujeitos, confundindo seu potencial subjetivo com a limitação material.

            A motivação que impulsiona tais projetos artísticos, portanto, parece ser o vislumbre de poder atuar em uma dinâmica suspensa daquela imposta pelo capitalismo cognitivo[i], são intervalos que buscam evidenciar sonhos e desejos e concretizá-los por meio da arte. Michel Foucault em “De Outros Espaços” situa a nossa época como aquela que problematiza o espaço. Dentro desta perspectiva, o autor desenvolve o conceito de heterotopia que pode ser lido como o sítio do intervalo, descontínuo, que neutraliza, secunda ou inverte a rede de relações por si designadas, espelhadas e refletidas. Sobre o conceito de heterotopia, o autor descorre:

 

Há também, provavelmente em todas as culturas, em todas as civilizações, espaços reais – espaços que existem e que são formados na própria fundação da sociedade – que são algo como contra-sítios, espécies de utopias utopias nas quais todos os outros sítios reais dessa dada cultura podem ser encontrados, e nas quais são, simultaneamente, representados, contestados e invertidos. Este tipo de lugares está fora de todos os lugares, apesar de se poder obviamente apontar a sua posição geográfica na realidade[ii].

 

            Deste modo, os lugares criados a partir de projetos artísticos colaborativos e por vezes transdisciplinares, são considerados aqui, em relação aos modelos tradicionais de arte, heterotopias, pois constituem lugares reais que criam possibilidades suspensas da rede de relações legitimadas pelo sistema sócio-cultural dominante.

            O artista, nesta dinâmica, passa a atuar como um propositor, catalizador das pessoas envolvidas com os poderes públicos ou ainda da comunidade com artistas e profissionais convidados. O processo em arte passa a não ter mais autoria pois é polifônico resultado da colaboração entre público, artistas e convidados. O abandono do estúdio e atelier para atuar no espaço da esfera pública constitui uma das características constantes nestas proposições, o artista não pode mais ser compreendido dentro do seu isolamento subjetivo, trabalha em colaboração pois quer problematizar e significar o espaço do mundo que o circunda e do qual ele também é agente.

            Alguns projetos vem ao encontro do pensamento de Nicolas Bourriaud no que se refere a sua teoria da Estética Relacional, segundo o autor:

 

Aprender a habitar melhor o mundo, em lugar de pretender construí-lo em função de uma idéia pré-concebida de evolução histórica. Em outros termos, as obras não se fixam já ao objetivo de formar realidades imaginárias ou utópicas, senão que buscam construir existências ou modelos de ação no interior da realidade existente, seja qual for a escala escolhida pelo artista para tratar com tal categoria.[iii]

 

            A escala poderá ser o cenário urbano, comunitário ou mesmo uma instituição artística. Entretanto, esta última não é mais vista somente numa abordagem crítico-institucional, nem em sua eventual recusa absoluta, o que está posto em questão são maneiras alternativas de uso que se dão para este espaço, resignificando-o, tornando-o o local de encontros possíveis, de divulgação, fóruns de discussões. A instituição arte, sob esta nova perspectiva, torna-se local de desdobramento onde o processo continua atuando de forma ativa e relacional, em suma, o uso se dá não pelo cenário em si (o cubo branco de O’Doherty,2002) mas pela forma de habitação.

Em alguns dos trabalhos da dupla Maurício Dias e Walter Riedweg[iv] percebemos uma aproximação mais pessoal com a alteridade, enfatizando sobretudo, as estratégias de construção do encontro com o outro.

            A abordagem às questões relacionadas a uma subjetividade sufocada pela identidade-estigma estabelecida na lógica do capitalismo contemporâneo é uma constante em suas proposições.  Estas identidades-estigmas resultam das imagens fantasmagóricas produzidas a partir da marginalização das pessoas que não se enquadram aos modelos hegemônicos estáveis propostos, sobretudo, nas campanhas publicitárias ou nos códigos sociais dominantes. Segundo Rolnik(2003):

 

Nestas imagens, a miséria material é confundida com miséria subjetiva e existencial, mais precisamente com uma miséria ontológica, a qual passa a definir a suposta essência destes seres. [v]

 

 

Dentro da hierarquia cultural desta realidade que estabelece fronteiras e engendra categorias humanas baseadas em cor, raça, credo, nível econômico e comportamento, pessoas à margem dos padrões, constituem o lugar de uma subjetividade-lixo[vi]. É neste lugar onde se manifesta uma alteridade radical, que situam-se a problematização dos projetos  da dupla conhecida por MauWal.

            O processo dos artistas passa pelo encontro com o outro considerado subjetividade-lixo, buscando criar estratégias que desmobilize a identidade-estigma na qual estão atrelados e faça surgir sua presença vibrátil, dando por fim, uma visibilidade a presença viva de sua verdadeira subjetividade. Em uma matéria da Folha de São Paulo, é o próprio artista Maurício Dias que comenta este aspecto: “Fazemos trabalhos com e sobre as pessoas. Como nós vemos o outro, no eixo político e social, mas também no que elas vivem de mais subjetivo.”[vii]

            Entretanto, é preciso enfatizar que seus trabalhos tem o cuidado de não vitimizar o outro, ou seja, não se trata aqui de uma atitude politicamente correta ou de caridade afim de amenizar uma suposta culpa, mas sim de tornar consciente a fronteira fictícia que  separa os artistas do outro. Trata-se de uma contaminação recíproca, onde há um convite a uma aventura num território diferente e até estranho daquele habitualmente vivenciado.

           

             Contaminar-se pelo outro não é confraternizar-se, mas sim deixar que a aproximação aconteça e que as tensões se apresentem. O encontro se constrói - quando de fato se constrói - a partir dos conflitos e estranhamentos e não de sua denegação humanista.[viii]

           

O trabalho da dupla de artistas Maurício Dias e Walter Riedweg é um exemplo de como os projetos artísticos podem gerar fóruns de discussão que extrapolam tanto a comunidade envolvida (rua), quanto as instituições onde os projetos são expostos (museus, galerias, etc.). Refiro-me, sobretudo, aos trabalhos do Ex-Votos  ou Devotionalia que tem seu início em 1994 com a criação de ateliê-móvel para crianças e adolescentes moradores de rua na Lapa, Rio de Janeiro. A designação moradores ou meninos de rua como tantas outras identidades-estigmas reduz a existência destas crianças e adolescentes a um rótulo que suprime a complexidade social que envolve sua visibilidade. É como se esse meninos já nascessem ali, na rua. O projeto envolvia ainda assistentes sociais e ONGs, que já vinham interagindo no local o que possibilitou a ampliação do projeto pelas favelas cariocas durante os três anos seguintes. O projeto conta com atividades ligadas a workshops ministrados e documentadas em vídeos pelos artistas. No caso específico da Devotionalia foram criados 1286 ex-votos ou seja, cópias moldadas em cera branca de parte dos membros, pés e mãos, das crianças e adolescentes envolvidos. Utilizando-se do imaginário que remete ao universo de crenças populares, a dupla de artistas registrou depoimentos que uniam a peça moldada a partir de um corpo singular com os desejos e sonhos também singulares dos meninos de rua.  

Os desdobramentos foram intensos e surpreenderam os próprios propositores. Os ex-votos e os depoimentos em vídeo foram expostos no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Três mil pessoas compareceram à exposição, cerca de metade do público meninos vindos das favelas visitavam o local pela primeira vez. Cinco exposições subseqüentes foram realizadas em três diferentes países da união européia, Suíça, Holanda e Alemanha. Em cada uma destas exposições os artistas trabalhavam com crianças e adolescentes locais, os quais eram convocados a responder ao desejo expresso pelos ex-votos e vídeos dos cariocas com objetos que eles criavam ou levavam de casa.

Os artistas voltam ao Brasil e retomam o projeto com as mesmas pessoas envolvidas anteriormente, desta vez trazendo o material dos meninos europeus. Em setembro de 1997 foram realizados dois eventos simultâneos: uma exposição da Devotionalia, no Congresso Nacional em Brasília e através de estações de internet uma no Congresso e outra móvel pelas favelas cariocas, estabeleceu-se durante dezoito dias, um diálogo direto entre os meninos e os deputados federais e senadores. Em suma, foi criado um programa de bolsas permanentes para menores da Fundação São Martinho, que seria financiado pelo governo federal em troca da instalação Devotionalia ao Ministério da Cultura, onde ela faria parte de uma coleção pública. Entretanto, seis meses depois as bolsas foram suspensas e a instalação nunca mais foi remontada.

Em 2003, a dupla fez uma reedição do material coletado e registraram, através de alguns depoimentos, o que havia ocorrido depois do final do projeto com as crianças e adolescentes. Com relatos detalhados, os artistas puderam saber e levar à público que 50% deles haviam morrido. Novamente, a dupla se moblizou e através de material coletado na mídia carioca sobre a morte prematura daqueles meninos de rua, montou um novo vídeo onde o calor dos depoimentos dos que viveram uma situação traumática de perda e insegurança contrasta com a frieza das matérias veiculadas na mídia.

A resignificação do espaço do museu e de instituições artísticas são constantes nos trabalho de Maurício Dias e Walter Riedweg, a exposição faz parte da tática de contaminação e da produção de sentido nos espaços públicos, possibilitando diálogos e diluição de fronteiras hierárquicas que desqualificam os desejos e saberes populares. Suely Rolnik na apresentação do catálogo dos artistas no Museu de Arte Contemporânea de Barcelona em 2003 fala sobre os aspectos que envolvem a comunicação nos trabalhos da dupla e que diferem significativamente, das intenções de denuncia para com os espaços instituídos dos artistas conceituais.

 

 [...] para eles, não se trata de inverter sinais, atribuindo por princípio um valor negativo aos espaços tradicionalmente destinados à comunicação pública de obras de arte. Os artistas não fazem qualquer leitura moral sobre tais espaços, os quais para eles não são em si mesmos nem bons nem maus, mas dependem das forças que os investem e de como os investem. Para ambos trata-se de colocar também estes espaços em obra, faze-los funcionar a favor da problematização que o dispositivo realiza, incorporando-os como um de seus componentes.[ix]

 

Ao trazer à instituição arte um processo em andamento, o espaço oficial se contamina com a vida, as paredes neutras do cubo tornam-se rarefeitas deixando que o mundo adentre, driblando, por fim, o estatuto que legitima os espaços de arte. O espaço que fora criticado na arte conceitual passa a ser resignificado, transforma-se no local do encontro, do laboratório, enfim, no terreno do jogo. A este respeito Nicolas Bourriaud fala:

 

 Mientras que el lugar de exposición constituía un medio  en sí mesmo para los artistas conceptuales, actualmente se há convertido em um lugar de producción entre otros. En lo sucesivo, se trata menos de analizar o criticar ese espaço que de situar su posición dentro de sistemas de producción más amplios, con lo cual se intentan estabelecer y codificar relaciones[...][x]

 

 

Seria possível, então, a experiência em arte transpor os limites do universo artístico, lançando-se de volta ao mundo, mas também apontar para um mundo mais amplo de possibilidades que existe fora dele?

Michel De Certeau[xi] reconhece o desvio por meio do uso que damos às coisas que compõem o nosso cotidiano. Este uso é qualitivo, fruto de mapas de trajetórias subjetivas, que escapa às estratégias estatísticas da ciência mais tradicional ou do capital especulativo. A arte de cunho colaborativo, pode ser compreendida sob este ponto de vista, pois provoca aos envolvidos, um deslocamento, uma descontinuidade que faz com que reinventemos o nosso dia à dia, reconfigurando a realidade na qual estamos inseridos. Nos empodera quando nos torna consciente das possibilidades que envolvem o processo criativo, onde, por meio da imaginação podemos materializar e compartilhar nossos desejos.

O que buscamos apontar aqui como procedimentos que envolvem a arte colaborativa desestabilizam categorias artísticas legitimadas pelo circuito oficial em arte. No encontro com alteridades por meio da colaboração e de uma experiência compartilhada que envolve criação, podemos perceber as diferenças que separam e as similitudes que conectam. O enfrentamento de categorias artísticas - tais como autoria, obra enquanto mercadoria, espaço institucional enquanto cubo branco neutro - também se faz presente, criando um descompasso, um jogo com as formas de arte instituídas, reinventando as maneiras de habitar o mundo. 

 

            Referências Bibliográficas:

 

 

            BOURRIAUD, N. Post-Produccion. Buenos Aires: Adriana Hidalgo, 2004.

 

            _____________. O que é um Artista Hoje? In: Revista do Programa de Pós-Gradução em Artes Visuais. Rio de Janeiro: EBA/UFRJ, s/nº, 2003

 

            _____________. La Esthetica Relacional. In: BLANCO, P. et alli. Modos de Hacer. Salamanca: Universidade de Salamanca, 2000

 

            DE CERTEAU,M.  A Invenção do Cotidiano: 1. Artes de Fazer. Petrópolis: Vozes, 1994

 

            FOUCAULT, M. Outros Espaços. Edição revisada 2005, disponível on line <www.virose.pt>

 

 

            MORIN, F. A Quietude da Terra: Vida Cotidiana, Arte Contemporânea e Projeto Axé. Porto Alegre: Pallotti, 2000 

 

 

            NOVAES, T. Poética sem Fronteiras. Os artistas Maurício Dias ganham retrospectiva na Finlândia e preparam intervenção em Londres. Folha de São Paulo: 22 de Novembro de 2004

 

            RIEUX, B. Entrevista a Suely Rolnik. In:Colectivo Situaciones, 2006

 

            ROLNIK, S. Alteridade a céu aberto - o laboratório poético-político de Maurício Dias e Walter Riedweg, Barcelona, 2003. Disponíveonline:<www.Pucsp.BR/nucleodesubjetividade/textos/SUELY/alteridadewalter.pdf>

  

XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

Centro de Artes - CEART

 

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A ILUSTRAÇÃO  DE LIVROS INFANTIS – UMA

 RETROSPECTIVA HISTÓRICA[439]

 

                                                                             Neli Klix Freitas[440], Anelise Zimmermann[441]

 

Palavras-chave: ilustração, livro infantil, ilustrador

 

Resumo: O presente estudo visa destacar a relação entre  leitor e livro infantil a partir de uma retrospectiva histórica da ilustração na literatura, considerando o seu surgimento, ideologias presentes e modificações através dos tempos, buscando, com isso, uma melhor compreensão da participação do livro na infância, além de valorizar o ilustrador, lembrando que os livros infantis são resultado da combinação de texto e imagem.

 

Introdução

 

Para compreender-se a relação entre os livros infantis ilustrados e a criança, considera-se indispensável o estudo do histórico da ilustração e do livro, visando destacar o momento em que ambos se encontram e passam a ser desenvolvidos especificamente para o leitor infantil, com características específicas e objetivos diversos que vão se modificando dentro de cada período. O estudo dessas modificações, relacionado principalmente aos acontecimentos sociais, econômicos e tecnológicos pelos quais a sociedade tem passado nos permitem melhor entender o valor atribuído ao livro na infância, tanto no passado, quanto no presente.

 

A ilustração: dos pergaminhos aos websites

 

No livro Alice no País das Maravilhas (CARROL, 2001), a personagem principal, tenta acompanhar a leitura de um livro com sua irmã, mas se sente entediada pois o livro "não tinha figuras nem diálogos; e 'para que serve um livro', pensou Alice, 'sem figuras ou diálogos'?[442]" (CARROLL, 2001, p. 37).

Essas figuras, das quais Alice fala, são as ilustrações do livro, que, principalmente na infância, instigam a curiosidade e convidam à leitura. Para a Associação dos Designers Gráficos (2000, p.59) uma imagem é considerada ilustração quando seu objetivo for "corroborar ou exemplificar o conteúdo de um texto de livro, jornal, revista ou qualquer outro tipo de publicação". Completando essa definição, a ilustração pode ser também uma imagem que substitui um texto, que o amplia, que adiciona a ele informações, ou que o questiona.

Conforme estudos de Dalley (1982) oficialmente não se tem exatidão de quando datam as primeiras ilustrações, principalmente devido às diferentes definições que o termo apresenta. Para alguns autores, tanto a ilustração, como a escrita, possuem suas origens na pré-história, a partir das inscrições rupestres.

As ilustrações consideradas documentais, ou seja, que tinham como objetivo registrar acontecimentos da época, como por exemplo, a construção dos monumentos, aparecem no Antigo Egito. É também desse período os primeiros pergaminhos ilustrados.

Durante o período das civilizações grega e romana é a função descritiva e objetiva da ilustração que prevalece, consolidando-se dentro das áreas das ciências, como na topografia, medicina e arquitetura.

Na Idade Média, a ilustração aparece a serviço da religião, assumindo uma nova função: a de levar os ideais da igreja à grande parte da população analfabeta. Um exemplo desse período é a Bíblia Pauperum, reproduzida através da xilogravura.

Com o retorno à cultura greco-romana e consequentemente, ao predomínio da razão e da ciência, durante o Renascimento, as ilustrações aparecem fortemente voltadas ao desenho técnico. Leonardo da Vinci é considerado o mais importante ilustrador técnico dessa época. Surge nesse período também, a chamada ilustração satírica.

À medida que novas técnicas de impressão surgem, como a água-forte, a xilografia em cor, a litografia (1796) e a cromolitografia (1851), a ilustração ganha maior espaço dentro da área editorial. Outro importante invento do século XIX é a fotografia (1839) que, por seu realismo, fez com que ilustradores se voltassem mais ao estímulo à imaginação do que ao realismo.

No início do século XX surge no ocidente a serigrafia, são feitos avanços consideráveis na área de produção de tintas, além do desenvolvimento da impressão em meio tom, aumentando substancialmente as possibilidades técnicas de reprodução ao ilustrador. A ilustração passa então a ser reconhecida como arte comercial.

Nos últimos anos, entre as mais recente e importantes inovações na área estão a introdução e o aperfeiçoamento da computação gráfica, além do surgimento das mídias digitais, como jornais, livros, revistas eletrônicas e websites, abrindo novos campos de atuação para  ilustradores.

 

O livro infantil: das fábulas às ficções científicas

 

Conforme pesquisas de Lajolo e Zilberman (2006) as primeiras publicações de livros apareceram no século XV, porém, é somente no século XVIII que surgem os livros especificamente voltados para a criança. Até então, obras como as Fábulas de La Fontaine (1668 e 1694) e os Contos da Mamãe Gansa de Charles Perrault (1697), atualmente associados ao gênero infantil, haviam sido publicados visando o público em geral. Por serem obras originárias de histórias contadas pelo povo, não se enquadravam dentro dos parâmetros exigidos pelas Academia de Letras, o que dificultava o interesse dos escritores pelo gênero. É após o sucesso das obras de Perrault que a literatura infantil adquire espaço, caracterizada principalmente pelos contos de fadas.

Apesar das publicações francesas de La Fontaine e Perrault é na Inglaterra que a literatura infantil, como produto de consumo, ganha importância, fortalecida pelo forte comércio do país, abundância de matéria-prima e, principalmente, seu desenvolvimento com a Revolução Industrial. Este é o período do crescimento das cidades e consolidação da burguesia. Entre as instituições que garantem o seu fortalecimento está a família. Cada membro assume um papel específico na sociedade, até mesmo a criança, "motivando o aparecimento de objetos industrializados (o brinquedo) e culturais (o livro) ou novos ramos da ciência (a psicologia infantil, a pedagogia ou a pediatria)" (LAJOLO E ZILBERMAN, 2006, p. 17). São associadas à criança características como a fragilidade e a dependência, cabendo à escola prepará-la para a vida adulta, que passa a ter freqüência obrigatória.

Considerando a expansão da industrialização e comércio nesse período histórico, o livro infantil surge com características de produto, pensando-se num consumo. Para tanto, era necessário a alfabetização do seu público. Daí decorre a relação dos livros com a escola, fazendo com que muitas publicações adotassem uma postura bastante pedagógica.

Destacam-se nesse século as publicações adaptadas de clássicos ao gênero infantil, como Robinson Crusoé (1717) de Daniel Defoe e Viagens de Gulliver (1726) de Jonathan Swiff.

No início do século XIX, surgem na Alemanha, as obras dos irmãos Grimm, (1812), feitas a partir de adaptações de histórias folclóricas populares. Entre alguns dos seus contos estão: A Bela Adormecida, Os sete anões e a Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho, Joãozinho e Maria (1825). São também do mesmo século as publicações de Hans Christian Andersen, na Dinamarca, com os contos O Patinho Feio, A roupa nova do imperador (1835-1842), entre muitos outros.

Como apresentado por Lajolo e Zilberman (2006) a partir de então repetem-se alguns temas que conquistaram a predileção dos leitores. São eles: as histórias fantásticas, como em Alice no País das Maravilhas (1863) de Lewis Carrol; jovens desbravadores vivendo aventuras em lugares exóticos, como Cinco Semanas num balão, (1863) de Jules Verne; e histórias do cotidiano infantil como As Meninas Exemplares (1857) da Condessa de Ségur. Com isso torna-se consolidado este gênero literário na Europa, aumentando, a cada ano, o número de produções, exportando-se muitos títulos a outros continentes. É assim que a literatura infantil chega ao Brasil, através de produções européias traduzidas. Somente no século XX é que aparece no país uma literatura, dentre essa categoria, que pode ser chamada de brasileira.

Assim como nos outros países, o livro no Brasil também surge numa relação com a industrialização, o comércio, a urbanização e a propagação da escola como instituição, Alguns exemplos de obras são: Contos Infantis (1886) de Júlia Lopes de Almeida e Adelino Lopes Vieira e Contos Pátrios (1904) de Olavo Bilac e Coelho Neto. Nessa época, prevalecem nos livros, valores como o patriotismo, o civismo, a brasilidade, o moralismo, a obediência, a exaltação à natureza, além de temas relacionados ao folclore brasileiro.

Em 1912 Monteiro Lobato publica Narizinho Arrebitado e a partir de então passa a se dedicar a esse gênero literário marcando para sempre a história da literatura no país. Posteriormente surgem e se fortalecem outros nomes como José Lins do Rego, Érico Veríssimo e Graciliano Ramos, falando de temas até então inusitados na literatura infantil.

Nas décadas de 30 e 40, período marcado pelo Estado Novo e pela ditadura, ocorrem diversas reformas na área da educação e prevalece a preocupação na formação da criança como cidadã. Os livros que remetem à fantasia passam a ser considerados inadequados à infância. Em 1934 o Ensino Fundamental no Brasil torna-se finalmente obrigatório. (RADINO, 2003).

Os anos 50 são marcados pelos avanços tecnológicos e o advento dos meios de comunicação audiovisuais. Acontece a massificação da imagem, levando ao que Radino (2003, p. 107) considera uma "crise na leitura".

Já, a década de 70, é caracterizada por um grande salto de qualidade e criatividade, com inovações no gênero infantil, assumindo finalmente uma postura crítica. "Valoriza-se, neste momento, o espírito questionador, lúdico, irreverente e bem-humorado" (ibid, p. 108). São alguns títulos dessa nova fase: Bisa Bia Bisa Bel e História do Contrário de Ana Maria Machado; A Fada que tinha idéias, de Fernanda Lopes de Almeida e A Bolsa Amarela, de Lygia Bojunga Nunes.

Os temas abordados nos livros infantis também se ampliam, aparecendo as histórias policiais e as ficções científicas, ambas associadas ao cenário urbano contemporâneo: "mistérios a serem resolvidos e a manipulação de engenhos e fórmulas são atributos do homem urbano, mesmo quando reduzido à faixa etária de uma criança. (...) se originam grandes inventos e superpoderes" (LAJOLO e ZILBERMAN, 2006, p. 161).

Já nos últimos anos, o imaginário passa a ser bastante explorado, através de histórias baseadas em temas tanto universais como regionais, como elementos de nosso folclore, ocupando espaço de destaque dentro da literatura. "(...) após ter conquistado a duras penas o direito de falar com realismo e sem retoques da realidade histórica, e ao mesmo tempo que redescobre as fontes do fantástico e imaginário, a literatura infantil contempla-se a si mesma em seus textos" ( ibid, p. 161).

 

O livro infantil ilustrado: das cartilhas escolares aos livros de imagens

 

Os livros religiosos, as cartilhas escolares, principalmente as gramáticas, alfabetos (hornbooks) e enciclopédias com imagens são considerados, por muitos, os precursores do livro infantil ilustrado. Nesse período são raros os ilustradores que assinavam os seus trabalhos, permanecendo, na maioria das vezes, no anonimato. Além disso, à participação de diferentes "gravadores" (profissionais responsáveis pela reprodução dos originais nas matrizes de impressão) em uma mesma obra dificulta ainda mais a identificação de autoria. Um exemplo dos quais se tem conhecimento é o Orbis Sensualium Pictus (O livro visível em imagens, 1658) de John Amos Comenius (BURLINGHAM, 2007).

No final do século XVII (1697) são publicados os contos de fadas de Perrault, ilustrados por Gustave Doré, com imagens em preto e branco caracterizadas principalmente pela grande riqueza de detalhes.

Em contrapartida às fábulas, aparecem publicações de caráter moralista e religioso como Songs of Innocence do Illuminated Book (1789), de Willian Blake, que inovou no gênero ao trabalhar imagem e texto de forma integrada (BLAKE, 2003).

     Já no século XIX, na Inglaterra, destacam-se as traduções dos Irmãos Grimm, German Popular Stories ilustradas por George Cruikshank (1823), com ilustrações carregadas de humor e ritmo (BLAKE, 2003).

Outra importante publicação deste mesmo século é Alice no País das Maravilhas (1865), escrita por Lewis Carrol e ilustrada por John Tenniel. Até hoje, suas ilustrações da obra são as mais memoráveis, apesar do grande número de reedições feitas por diferentes ilustradores.

In Fairyland (1870), livro ilustrado por Richard Doyle e escrito por Willian Allingham, também obteve grande sucesso entre o público infantil por suas imagens povoadas por duendes e fadas.

É também deste século um grande número de publicações elaboradas com efeitos de pop-up (ilustrações tridimensionais), cortes especiais, peças para serem recortadas, livros que se tornavam cenários, bonecas de papel e os chamados harlequinade (ilustrações em abas móveis que imagens escondidas). Um dos principais ilustradores desse gênero foi Lothar Meggendorfer. Com a I Guerra Mundial esse tipo de livro deixou de ser publicado em função de seu alto custo e dificuldades de importação (BURLINGHAM, 2007).

Já, carregando as imagens de grande humor, destacam-se as obras ilustradas por Walter Crane. Uma de suas publicações, The Frog Prince (1874) salienta-se justamente por trazer certa comicidade às cenas mais pesadas, além da forte presença da bidimensionalidade nas imagens. Outra importante ilustradora da época, Kate Greenaway, obteve grande sucesso por representar principalmente crianças em cenas bucólicas, o que cativou o público infantil (Under the Window -1878).

Citado por Benjamim (1984) como importantes publicações ilustradas no mesmo século estão as obras dos irmãos Grimm ilustradas Peter Lyser, como o Livro das Fábulas (1827).

No início do século XX, destacam-se as obras Beatrix Potter, que inovou ao associar comportamentos humanos a animais como em The Peter Rabbit, além de demonstrar grande preocupação com as características físicas do livro, de forma a ser facilmente manuseável pelas crianças. Outro nome importante nesse período é E. H. Shepard, criador do até hoje famoso ursinho Pooh. Este personagem chama a atenção por ser, não apenas um urso, mas também, um bicho de pelúcia que em alguns momentos deixa de ser um brinquedo e ganha vida (BLAKE, 2003).

Também merecem destaque as diversas reedições de clássicos, como as histórias dos Irmãos Grimm, ilustradas por Arthur Rendak, Edmund Dulac e Key Nielsen, as quais apresentam forte influência do estilo Art Nouveau e grande apelo à fantasia e ao imaginário.

O final do século é marcado pela grande variedade de estilos de ilustrações, estimulada pelo desenvolvimento tecnológico na área editorial. No Brasil, é apenas nesse período que a ilustração começa a receber atenção dentro do livro infantil e nomes de ilustradores passam finalmente a serem conhecidos, como Eva Furnari, Elvira Vigna, Rui de Oliveira, Roger Mello, Graça Lima, Ciça Fittipaldi, Nelson Cruz, entre outros.

Cada vez mais ilustradores passam a escrever seus próprios livros, como Ziraldo, com a célebre publicação de O Menino Maluquinho, entre muitos outros, além do aparecimento dos livros de imagens, ou seja, livros sem texto, como o Cântico dos Cânticos de Ângela Lago, mostrando que é possível construir uma história usando apenas ilustrações.

Atualmente destacam-se, mundialmente, entre tantos, alguns nomes como Lauren Child, cujos protagonistas de seus livros, Charlie e Lola, acabaram virando personagens de desenhos animados, Quentin Blake, que utiliza muito mais a ilustração do que o texto escrito para contar suas histórias, David Roberts (ilustrador) que, juntamente com seu irmão, Lynn Roberts (escritor) adapta clássicos da literatura aos tempos atuais e Babette Cole, trazendo temas como homossexualismo e a morte para os livros infantis.

No Brasil, além nos nomes de ilustradores já mencionados, pode-se citar Mariana Massarani, Elizabeth Teixeira e André Neves, que têm conquistado o público infantil por explorarem o imaginário da criança através do inusitado.

 

Considerações Finais

 

O estudo do histórico da ilustração e do livro infantil nos permite compreender a visão tida pelo adulto do universo da criança através dos tempos, como se deram as modificações dentro dessa área e em função de que, auxiliando também na identificação das ideologias presentes em muitos obras e no entendimento da relação que entre leitor e livro nos dias de hoje. Além disso, tal pesquisa visa valorizar o trabalho e a participação do ilustrador na elaboração e desenvolvimento do livro infantil, lembrando que este é o resultado da combinação entre texto e imagem. É, geralmente, o bom entrosamento entre ambos que faz as históricas contadas nos livros ganharem vida. "Frente ao livro ilustrado a criança (...) vence a parede ilusória da superfície e, esgueirando-se entre tapetes e bastidores coloridos, penetra em um palco onde o conto de fadas vive" (BENJAMIN, 1984, p. 55).

 

Referências

 

ADG. ABC da ADG. Glossário de termos e verbetes utilizado em design gráfico. São Paulo: Melhoramentos, 2000.

BENJAMIM, Walter. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São Paulo: Summus, 1984.

BLAKE, Quentin (selec.). Magic Pencil. Children’s book illustration today. London: The British Library, 2003.

BURLINGHAM, Cynthia. Picturing childhood. The evolution of the illustrated children's book. Disponível em: <http//: www.library.ucla.edu/special/childhood/pictur.htm> Acessado em: 28 mai. 2007.

CARROL, Lewis. Alice in wonderland. London: Wordsworth, 2001.

LAJOLO, Marisa e ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira. Histórias e Histórias.  6. ed. São Paulo: Ática, 2006.

RADINO, Glória. Contos de fadas e realidade psíquica. A importância da fantasia no desenvolvimento. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.

  

XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

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QUESTÕES  PARA PENSAR UMA TEORIA E HISTÓRIA DA  ARTE FORA DOS GRANDES CATÁLOGOS.

                                                                                                           *Rosângela Miranda Cherem[443]

 

Palavras-chave: História, Teoria e Crítica de Arte; Academicismo; Modernismo; Arte latino- americana. 

           

Resumo: O presente artigo aborda quatro questões para pensar o academicismo e modernismo na arte latino-americana: a perspectiva caleidoscópica, a distinção entre leitura de sinais e de sintomas; a sensibilidade vanguardista como parte da modernidade; a retícula como duplicação sem origem.

 

            1-Como pensar uma história da produção artística situada fora dos centros considerados recorrentemente como palcos produtores e disseminadores de cânones e tendências? Encarar esta indagação implica em  pensar uma história da arte menos através de um campo cronológico- evolutivo e mais considerar as questões que reverberam, possibilidade que se torna particularmente interessante se as obras enfocadas não pertencerem ao repertório legitimado, mas puderem ser reconhecidas pelo seu caráter de recorrência e sobrevivência. Todavia, para examinar melhor tal inquietação será  preciso antes proceder  um movimento capaz  de responder como se operam, mesmo para artistas inseridos num circuito chamado periférico, as referências que resultaram na incorporação de certas  perspectivas modernas.

            Interrogando os regimes de verdade que sustentam a história da arte como disciplina, Aby Warburg e Walter Benjamin comparecem como interlocutores  favoráveis ao recurso da montagem, vindo na contra-mão dos manuais que simplificam a relação vida e obra ou que tomam  a obra de arte como mera expressão de sintomas culturais e  políticos ou meros componentes de contextos históricos e econômicos, bem como os catálogos que reduzem a obra aos estilos e escolas. Daí decorre a noção de sintoma como  aquilo que  interroga a imagem em sua relação com o tempo,  interrompendo o fluxo regular das coisas e tornando-se uma espécie de lei avariada e  subterrânea que persiste como retorno de uma enfermidade. Nem conceito semiológico, nem conceito clínico, trata-se de uma   noção operatória que recusa submissão ao tempo eucrônico, destacando-se como aparição de uma latência que conjuga diferença e repetição, proximidade e distância, interior e exterior, imobilidade e aceleração(1) .

            Antes de avançar convém destacar a perspectiva do historiador da arte Didi-Huberman, para quem  Walter Benjamin não apenas tinha conhecimento do objeto inventado em 1817 por Alphonse Giroux, como recorreu ao caleidoscópio como um modelo teórico para abordar as variedades e combinações da modernidade. Assim como no tubo de imagem polido ficavam guardados pedaços desfiados de tecido, pequenas conchas, plumas, poeiras e cacos de vidro, a passagem do século XIX ao XX poderia ser lida pela moda, os panoramas, a fotografia, as exposições, o ambiente privado, os reclames, o cinema. O paradigma dos novos tempos não poderia mais ser dado pela materialidade irrepetível da pintura, repleta de simbologias partilhadas através de um repertório erudito, inscrita numa longa tradição referenciada pela noção de beleza, juízo estético, gosto e estilo.

            Dispensando a memória e a experiência em prol das vivências, o caleidoscópio continha por  princípio o movimento constante e o reembaralhamento infinito das formas cujas semelhanças seriam mantidas um processo de reprodutibilidade, sendo assimiladas com sentidos semelhantes aos das novidades pelas  crianças, ou seja, sem vínculos de temporalidade contínua com o passado. O que emergia eram as formas tornassoladas e o elevado poder de configuração dos detritos e da cintilância dos resíduos. No movimento errático  das dessimetrias multiplicadas, a estrutura inesgotável da imagem moderna era dada pelo caráter ilusório da novidade e pela constante desmontagem interior das coisas conjugada com elementos díspares.

            Através de um movimento incessante que produzia tanto o sobressalto e a  queda de formas como os choques e as recomposições, a imagem surge como uma reconfiguração, remontagem visual que testemunha um tempo de perturbações e turbulências, variações e alterações. Desse modo, Benjamin esboçava não apenas um  modelo ótico mas um novo modo de conceber a História da Arte, voltada para a leitura da catástrofe insidiosa do mundo, sendo  o passado um arsenal de escombros e fragmentos. Recusando a retenção temporal, a transformação progressiva e historicista, bem como as tramas hierarquizadas com pretensões à objetividade, os acontecimentos como as imagens, só poderiam ser pensados pelos procedimentos de recombinação e montagem. Tratava-se de considerar  a sobrevivência das formas menos como o  que foi herdado e  mais os desdobramentos das possibilidades resultantes. Interrogando a estrutura do tempo, sob a variedade iridescente do caleidoscópio encontra-se a própria modernidade em seus procedimentos intempestivos, extemporâneos e anacrônicos, ainda que arriscando-se  num dado momento a cair e partir-se como se fora o próprio objeto deixado na mão da criança. Por sua vez, confronto das metamorfoses sobre os sentidos e concepções acerca da obra de arte, se o museu foi um dia o local onde as obras puderam sobreviver, apesar de quase todas que ali estavam terem sido arrancadas de seu sentido original, o museu imaginário, alimentado pela ampliação da reprodutibilidade técnica, permitia que as obras se afundassem num mundo aparentemente possível a todos, esvaziando o antagonismo entre criação artística e ficção, ao mesmo tempo em que esta última reduplicava infinitamente a própria obra (2).

            Tal fenômeno alteraria a noção de arquivo,  ultrapassando sua condição de lugar fundador da memória dos nomes próprios e dos eventos singulares, remetendo a uma alteridade infinita, posto que os conceitos, como as imagens, jamais se encontram consigo mesmo, vivendo apenas como verdade espectral. Eis um território  instigante para pensar as faces da modernidade, especialmente quando se considera a sobrevivência e multiplicação de um vasto repertório através dos detritos  e de seus efeitos de resplandecência.

2- Como encarar o arsenal pictórico em relação a uma  história da arte feita de detritos e resíduos?  Para além de levantar seus nomes e atributos artísticos será preciso não apenas um mergulho no registro documental, como também um esforço analítico para alcançar como se teceram as redes que reconheceram os artistas e legitimaram  as distintas singularidades modernistas. Para começar é preciso frisar o território sobre o qual incide o sentido da palavra Ursprung, ironizada e depreciada por Nietzche devido à pretensão de atingir uma origem essencial ou de tocar a precisão daquilo que foi em seu instante primordial. Na mesma clave do filósofo alemão, Foucault lembra que o sentido da palavra origem está associado à discórdia, à desrazão e ao disparate, constantemente encobrindo o acaso e o óbvio e lentamente forjando a pureza e verdade do criador, uma vez que atrás da verdade sempre recente, avara e comedida, existe a proliferação milenar dos erros.

Daí também decorre uma compreensão de proveniência, rede difícil de desembaralhar, onde enumeráveis acontecimentos e acidentes, vistos em sua dispersão e exterioridade, agitando o que parecia imóvel, acabam por reconhecê-lo num começo repleto de ínfimos desvios e falhas de apreciação, maus cálculos e resultados acidentais, e marcas sutis e difíceis de desenlaçar. Sendo que na raiz do que se conhece não há verdade nem ser, também não há parentesco, pois o conhecimento é baixo, mesquinho e inconfessável: Nada que se assemelha a evolução de uma espécie, ao destino de um povo. Já a noção de emergência serviria para designar o ponto de surgimento singular de um acontecimento, produzido a partir  de um determinado estado de disputas,  num jogo casual de dominações, um lugar investido de afrontamentos e forças e da entrada das mesmas em cena: O salto pelo qual elas passam dos bastidores para o teatro, num longo combate travado contra as condições mais desfavoráveis(3).

Persistindo neste raciocínio, Foucault também colocou em xeque os limites do pensamento e da linguagem avistando o nascimento da própria epistémê moderna, onde as verdades históricas e os campos de saberes ordenadores se constituem e configuram. Discutindo a rede secreta que, escondendo o arbitrário e o tateante, ordena as coisas e os fenômenos, naturaliza as semelhanças e diferenças e produz aproximações, o autor de As palavras e as coisas argumentava que sobre as classificações incidem estranhos e vertiginosos encontros, séries que dispõem, hierarquizam e regulam coisas díspares, até que as mesmas possam ser reconhecidas e apaziguadas como familiares. Mas, mal são esboçados, todos esses agrupamentos se desfazem, pois a orla de identidade que os sustenta, por mais estreita que seja, é ainda demasiado extensa para não ser instável (4).

            Por outro lado, face à crise dos cânones estéticos, alimentada a duras penas pelos especialistas feridos no coração das incertezas contemporâneas, pode-se recorrer ao dispositivo do zapping, procedimento que recusa a assimilação autômata para adentrar num arsenal, em busca tanto de retroleituras como de aggiornamentos. Profanando verdades legitimadas ou avançando sobre indefinições, opera-se por uma indébita appropriatio. Combinando e sobrepondo, rearticulando códigos e evitando simplesmente repetí-los, alimentara-se da suspeita de que a reta é a rota rota da arte. Face à ordem catalográfica já dada, o que conta são menos as leituras de entrelinhas e mais os dilemas e contribuições de seus portadores, avistados em certos rasgos produzidos pelo manuseio documental, cujas fontes se des-hierarquizam e embaralham incessantemente.

            Do ponto de vista de uma certa história, teoria e crítica das artes plásticas na América Latina, pode-se compreender que não se trata de apenas colher evidências, seguir pegadas e trabalhar sobre vestígios, assentados como base para compreender um contexto político, cultural e estético particular. Tampouco se trata de um conformismo diante das especificidades e precisões de um tempo, cujos afetos explicativos devem estar voltados para encontrar na distância algo que os torne reconhecíveis e familiares num processo destinado a preencher lacunas, fazendo falar o silêncio que pairava anteriormente. Entre sinais considerados como fontes reveladoras que iluminam uma época, inscrevendo-se num meio específico e seqüência temporal dada, e sintomas, reconhecidos como elementos recalcitrantes que fulguram como vibrações e ecos de sentimentos indômitos e inquietações irresolutas, as diferenças não parecem fáceis de distinguir e nem necessariamente são incompatíveis. Passando pela combinação de imagens diversas e opostas, pela composição de séries através da qual se produz sua recolha ou estoque e pela recombinação ou associação proliferante de fragmentos estanques,  chega-se ao território onde sobrevive uma potência plástica  capaz de ativar o pensamento teórico.

            3-Como encarar o modernismo no concerto da modernidade? A  despeito das infindas demarcações e polêmicas, a modernidade pode ser compreendida como um longo processo vivido no ocidente e cujos centros foram  tão diversificados em sua dinâmica de difusão como  em seus desdobramentos (5). Reconhecer tal fenômeno implica menos considerar um centro difusor e mais um desdobramento difuso de vários focos que se contaminaram, referenciaram e produziram ressonâncias ainda que não ao mesmo tempo e nem com a mesma intensidade. Ângulo distinto mas complementar deste raciocínio, encontram-se as sensibilidades e percepções modernistas, assinaladas no campo artístico como um recorte correspondente à história dos grupos e movimentos denominados de vanguardas. A despeito de suas particularidades, paradoxos e contradições, partilhavam  um sentimento de estar fora não apenas das convenções, mas de seu tempo e lugar,  daí a identificação com os bhoêmios, bem como a denominação de  avant-garde, podendo relacionar-se através de um desejo de ruptura e quebra dos padrões estéticos, bem como uma percepção de experimentação, combate e heroísmo.

            Assim como o processo civilizatório deslizou das cortes para as camadas burguesas e a cultura burguesa  foi se infiltrando nas camadas urbanas e medianas até que este processo de individualização envolvesse um amplo contingente popular, o modernismo,  como sensibilidade engendrada na modernidade e cujas nuances remetem à história das vanguardas, encontrou diferentes focos de vibração e ressonância, disseminando-se e reelaborando-se através de novas tonalidades e tensões. Então, se podemos reconhecer que as sensibilidades artísticas burguesas chegaram na América Latina, ou pelo menos se intensificaram com as estéticas acadêmicas, também não é difícil reconhecer que as sensibilidades vanguardistas vão encontrar seu contraponto reverberando particularmente de meados do século XIX até depois de meados do século XX. Eis a perspectiva pela qual o modernismo na América Latina pode ser lida como variedade de focos disseminadores e seus diferentes graus  de combinações e intensidades.

            Bem verdade que as novas teias urbanas, patrocinadas por certa ampliação do sistema de bolsas e premiações acadêmicas, bem como pelas possibilidades de viagens de estudo, somadas ao acesso mais recorrente dos impressos como livros, jornais revistas, favorecem esta possível percepção de estar no mundo num sentido mais amplo, mas  desejando deixar ali suas marcas mais particulares. Valores esboçados especialmente num tempo em que os sistemas explicativos iam sendo substituídos pelos sentimentos de extravio e errância, visibilizados na arte pela noção de bellum em contraposição a de bellus e de desastre em substituição ao eixo das grandes certezas e crenças.

             4-Em que medida a retícula como estrutura sem origem pode ser ponto de partida para pensar as proliferações da modernidade? Distanciada das noções de hierarquia e centro, a retícula pode ser concebida  como uma noção operativa que compreende a reduplicação de uma estrutura sem origem e encarada. Por sua vez, tais características permitem uma analogia com o procedimento psicanalítico, especialmente considerando os conceitos  de aliteração, situação em que os sentidos da linguagem permitem variações dentro de um mesmo código e de  representação, considerando os procedimentos que levam de um código a outro, todavia como espelho sem referente ou estrutura sem matriz que se desdobra infinitamente fazendo com que a originalidade seja apenas uma questão de efeito. Há também o conceito de alteração, equivalente a um signo lingüístico constantemente esvaziado e resignificado e, como tal, configuração, duplicação labiríntica e aparição.

            Para Rosalind Krauss a leitura da retícula na superfície pictórica se desdobra como  desmaterialização da exterioridade e do mundo circundante. Emblema da arte moderna, ao problematizar uma estrutura repetitiva e modular, destaca-se um caráter auto-referencial e autônomo, cujos elementos recorrentes são também   concebidos como grade. Conforme esta característica,  o mito da originalidade consistiu no mais forte elemento vanguardista, servindo tanto   para delimitar um sentido literal de origem e vida primordial salva da contaminação da tradição, como metáfora daquilo que possui potência de auto-gestão e regeneração resguardada das tramas externas. Porém, criando um silêncio que imobilizava a leitura, acabou também por subtrair  um debate sobre o lugar das reduplicações, impedindo que a sensibilidade romântica  se confrontasse com a desmistificação do processo artístico, onde tudo pode ser reconhecido como tradução,deriva e repetição. Eis o ponto em que é possível alcançar a retícula não apenas como tipologia ou procedimento pictórico, mas especialmente como condição operatória da própria modernidade(6).

            Neste sentido, a duplicação como jogo combinatório infinito encontra-se também nos acervos de artista latino-americanos, tal como uma biblioteca babélica e incongruente, cujos fragmentos cintilantes puderam ser reembaralhados  pelo encolhimento da distância produzido pela reprodutibilidade técnica. Condição que disponibilizava de modo potencializado os acontecimentos mundanos e as imagens da arte através de  luminescências estéticas  e resíduos artísticos que, como apropriações impuras, lançavam-se para fora dos grandes catálogos, sabotando a história monumental e fissurando os  empilhamentos ordenadores do próprio arsenal e catalogação da modernidade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 1-DIDI-HUBERMAN, G. Ante el tiempo. Buenos Aires, Ed Hidalgo, 2006, pág. 119 e seg.

 2-MALRAUX, André. O museu imaginário. Lisboa/ São Paulo,Ed. 70,2000, cap.IV.

      DERRIDA,J. Mal de arquivo.R.J. Relume Dumará,2001, pág.109 e seg.

 3-FOUCAULT, Michel. Nietzche, a genealogia e a história. In: Microfísica do poder. R.J.: Graal,      1985, 5ª ed, pág. 15 e seg.

4- FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. S.P.: Martins Fontes, 1990, 5ª ed., pág. 8

5-ELIAS, NORBERT. A Sociedade da Corte. R.J. Ed.Zahar,2001, pág.61 e seg.

CORBIN,ALAIN. Bastidores. In: História da vida privada. S.P. ,Cia das Letras,1993, vl.IV, pág.413 e seg.

GAY, Peter. A Educação dos sentidos. S.P., Cia das Letras, pág.23 e seg

6-KRAUSS, R. La originalidad de la Vanguardia. Madrid, Alianza Editorial, 1996, pág 165 e seg.

  

XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

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Florianópolis: Conjuntos históricos urbanos tombados[444]

 

Sandra Makowiecky[445]

Armando Athayde Carneiro Filho[446]

 

Palavras- chave: Patrimônio Histórico; Conjuntos urbanos tombados; Florianópolis; Memória.

 

Resumo

 

Este trabalho pretende mostrar em uma visão geral, a situação dos conjuntos históricos urbanos tombados de Florianópolis, que possui um acervo significativo de edificações tombadas como Patrimônio Histórico, a maioria dos períodos colonial e neoclássico. No centro histórico, temos dez conjuntos urbanos tombados, compreendendo aproximadamente trezentos e trinta edificações.

 

Contextualização histórica

 

Historicamente a Ilha de Santa Catarina, e posteriormente a Póvoa de Nossa Senhora do Desterro, se destacou como núcleo central do processo de ocupação do litoral sul brasileiro, e foi uma das principais portas de entrada para o Brasil Meridional.

A fundação efetiva da Póvoa de Nossa Senhora do Desterro ocorreu por iniciativa do bandeirante paulista Francisco Dias Velho, por volta de 1651. Em 1678 ele deu início à construção da Capela de Nossa Senhora do Desterro, definindo o centro do povoado e marcando o nascimento da Vila. Aos poucos foi se processando uma ocupação litorânea lenta e espontânea, por meio de sesmarias.

A partir da fundação da Colônia de Sacramento (1680), e da conseqüente necessidade de dar-lhe cobertura militar, a ilha catarinense passou a representar um ponto estratégico de importância para a Coroa Portuguesa.

A sua posição era valorizada por situar-se praticamente a meio caminho entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires, na época as duas maiores cidades litorâneas da face atlântica da América do Sul. A localização geográfica e as vantagens físicas do porto desterrense impuseram-se às razões políticas e econômicas, justificando a criação da Capitania da Ilha de Santa Catarina (11/08/1738), e motivando a implantação do mais expressivo conjunto defensivo litorâneo do Sul do Brasil.

A partir deste evento, o afluxo populacional tomou impulso, incrementando-se novas doações de sesmarias. Entre 1748 e 1756, aqui aconteceu o maior movimento organizado de transferência em massa de colonizadores açorianos (em torno de 6.000 pessoas). Estes colonos, além de se fixarem no núcleo central, fundaram diversas freguesias no interior da Ilha e no litoral da região continental.

No século XVIII, em 23 de março de 1726, Desterro foi elevada à categoria de Vila, e tornou-se Capital da Província de Santa Catarina em 1823, um período de grande prosperidade, com o investimento de recursos federais. Com o advento da República (1889), e a vitória das forças comandadas pelo Marechal Floriano Peixoto, em 1894, houve a mudança do nome da cidade para Florianópolis, em homenagem a este oficial. A cidade, ao entrar no século XX, também passou por profundas transformações, sendo que a construção civil foi um dos seus principais suportes econômicos. Hoje, felizmente, encontramos ainda marcos da história na fisionomia da cidade, representados através da sua arquitetura e de seu traçado urbano. Este acervo expressa a memória da cidade, onde os acontecimentos históricos, econômicos, políticos, sociais e culturais ficaram refletidos nos conjuntos urbanos e edificações.

 

2. A Trajetória da Preservação do Patrimônio Histórico Edificado em Florianópolis.

 

Para que a cidade não perdesse sua identidade e tivesse seu expressivo acervo reconhecido e valorizado, o Município de Florianópolis, em 1974, deu início ao processo de preservação, através da Lei Municipal nº 1.202, ( que dispõe sobre a proteção de seu patrimônio e instituiu o instrumento do tombamento (preservação com proteção legal).

O tombamento é uma palavra antiga, que hoje significa o registro especial de construções, monumentos, objetos, lugares, considerados importantes por razões históricas, artísticas, tecnológicas ou afetivas, e que, por isso, merecem a proteção do governo e da comunidade. Assim, os bens tombados passam a ser preservados, não podendo ser destruídos.

Esta lei também criou o SEPHAN - Serviço do Patrimônio Histórico, Artístico e Natural do Município, que conta com a colaboração da COTESPHAN [447] (Comissão Técnica do SEPHAN), que, através da representação de diversas entidades indicadas, atua como assessoria sobre as questões pertinentes ao patrimônio histórico/cultural. Na época tratava-se de uma iniciativa pioneira, pois até então as ações de preservação geralmente restringiam-se à atuação federal ou estadual. Especificamente em Santa Catarina, a proteção se deu pela esfera federal, contemplando a preservação, através do mecanismo do tombamento, das fortalezas que faziam parte do sistema defensivo português no período colonial.

Com a transferência do SEPHAN para o IPUF, em 1979, a preservação passou a ser compreendida como um dos elementos integrantes do planejamento urbano. Além do tombamento de grandes monumentos, foi dada prioridade à preservação de conjuntos arquitetônicos que ainda testemunhavam a evolução urbana, mantendo assim os referenciais culturais. Através do Decreto Municipal nº 270/86, de 30 de dezembro de 1986, foram tombados 10 conjuntos urbanos no centro da cidade . Posteriormente, através do Decreto Municipal nº 521/89, de 21 de dezembro de 1989, todos os prédios integrantes destes conjuntos históricos foram classificados, de acordo com sua importância histórico/arquitetônica, em 3 (três) categorias distintas:

P1 - são aqueles imóveis que, pela sua monumentalidade e valores excepcionais, são totalmente preservados, ou seja, tanto no seu interior como no seu exterior.

P2 - são aqueles imóveis que fazem parte da imagem urbana da cidade e que não podem ser demolidos, devendo ser preservada sua volumetria externa, ou seja, fachadas e cobertura. São admitidas reformas internas, desde que não interfiram com o exterior da edificação.

P3 - constituem-se em unidades de acompanhamento dentro das áreas tombadas, sendo importantes para a harmonia do conjunto. Poderão ser demolidas, mas a reedificação está sujeita à restrições que evitem a descaracterização do conjunto no qual está localizado, ou do qual é vizinho.

Além da preservação dos 10 (dez) conjuntos da área central, houveram tombamentos individuais, realizados através de decretos municipais.  Também foi tombada parte da malha viária central, identificada como elemento estruturador de todo o conjunto, através do Decreto Municipal n.º 190/90, objetivando preservar parte da estrutura urbana colonial de Florianópolis, em uma área que foi objeto de generalizada substituição da arquitetura definidora do conjunto original.

O Plano Diretor do Distrito Sede (Lei Complementar n.º 001/97) também definiu Áreas de Preservação Cultural (APC), objetivando o resgate da identidade urbana pela manutenção de conjuntos ou edificações de arquitetura relevante.  Qualquer intervenção nestes bens deverá ter prévia anuência do órgão municipal competente.

A partir de uma maior conscientização da população também surgiram algumas solicitações voluntárias para a proteção legal de imóveis particulares. A preservação não se restringe só ao patrimônio histórico edificado. Desde 1988 estão sendo desenvolvidos trabalhos de restauração da arquitetura religiosa.

 

3. Sobre os conjuntos históricos urbanos tombados

 

 

Em Florianópolis, a atuação da municipalidade priorizou a preservação de conjuntos arquitetônicos que ainda podiam testemunhar a evolução da cidade, mantendo assim estes referenciais culturais, elementos importantes na humanização dos espaços urbanos. A história da Ilha de Santa Catarina foi se materializando através de diferentes formas de ocupação, inseridos em um contexto natural de extrema beleza, com limites físicos bem marcados. A antiga função estratégica da Ilha resultou no aparecimento de monumentos na arquitetura oficial, tanto civil quanto militar e na arquitetura religiosa, propiciando a formação de assentamentos, tais como o do Centro Histórico, na Área Central, que se apresenta hoje consolidada através da preservação de dez conjuntos urbanos.

O início do povoamento se deu no entorno da atual Praça XV de Novembro, onde se localiza o chamado “Centro Histórico” da cidade. A região apresenta o maior adensamento de edificações preservadas, cuja tipologia é típica do período colonial, ou seja, lotes estreitos e fundos, com os prédios geminados uns aos outros. Com o desenvolvimento e expansão da cidade foram aparecendo outros bairros, com características próprias, tais como o Bairro do Menino Deus, junto com o Hospital de Caridade, o da Tronqueira no entorno da Rua General Bittencourt, o do Mato Grosso no entorno da Praça Getúlio Vargas. Esta evolução da cidade, com a modernização, trouxe novos padrões arquitetônicos, que enriqueceram a imagem urbana.

Remanesceram alguns exemplares, de várias tipologias arquitetônicas, que puderam ser preservados na forma de conjuntos urbanos e que refletem momentos distintos da memória da antiga Desterro, guardando um pouco do cenário da época – iremos encontrar influências da arquitetura européia, notadamente a colonial portuguesa, o neoclássico, o art- nouveau e o art- deco, de origem francesa.

Outras medidas foram tomadas por lei, através de decreto municipal. Neste contexto, a mais importante foi a de preservação da área central de Florianópolis, por Decreto Municipal nº 270, de 30 de dezembro de 1886, em que foram tombados 10 conjuntos urbanos na área central que corriam maior perigo de desaparecimento, representando aproximadamente 330 unidades presentes no Centro da Cidade.

 

Fig. - Mapa de localização dos 10 conjuntos urbanos tombados

5- Breve descrição dos Conjuntos Tombados

 

1. CONJUNTO I – Centro Histórico

É o núcleo inicial da antiga Vila de Nossa Senhora do Desterro, que se ergueu segundo os moldes expressos nas ordenações portuguesas de 1747, e cujos traços sobrevivem até hoje.

Em torno da praça foram erguidas a primeira capela (hoje substituída pela Catedral Metropolitana), as primeiras edificações oficiais (Casa da Câmara e Cadeia, Palácio do Governo), e as primeiras moradas de alvenaria. Inicialmente a povoação se estendeu à leste da praça, e posteriormente à oeste, ocupando as áreas mais baixas, limitadas pelo mar e pelas colinas. Posteriormente foram surgindo os primeiros caminhos, em função da necessidade de ligação com as fortificações, construídas no séc. XVIII para defesa da povoação, formando assim os embriões dos futuros bairros.

 

2. CONJUNTO II - Hospital de Caridade

Este conjunto é representado principalmente pelo Hospital de Caridade e Capela do Menino Deus e a Rua Menino Deus, antigo caminho de ligação ao sul da Ilha. A preservação desta rua, que dá acesso ao Hospital, é fundamental para a valorização de um dos mais importantes referenciais da paisagem urbana. Esta rua possui uma ocupação típica do período colonial, com lotes estreitos e profundos, além de edificações geminadas, que testemunham o período colonial na arquitetura.

 

3. CONJUNTO III – Bairro do Mato Grosso

O caminho de acesso ao Forte São Luiz, existente desde o séc. XVIII, inicialmente era ocupado por chácaras residenciais das camadas mais abastadas da população. No fim do séc. passado iniciou-se o desmembramento destas glebas, que aos poucos foram sendo loteadas, constituindo-se em novas áreas residenciais, e dando origem ao Bairro do Mato Grosso. Tem como principal referencial urbano a Praça Getúlio Vargas (antigo Largo Municipal). A importância deste conjunto está evidenciada pela presença de edificações de vários estilos da arquitetura.

 

4. CONJUNTO IV – Bairro da Tronqueira

Este conjunto ainda guarda os vestígios mais antigos da ocupação da cidade. A Rua Gen. Bittencourt, antigamente conhecida como Rua da Tronqueira, recebeu seu nome em 1874, e era um dos importantes eixos de ligação com o norte da Ilha. Apresenta edificações antigas, representativas de vários períodos da evolução urbana e da arquitetura da cidade.

 

5.CONJUNTO V - Rua General Bittencourt

Este conjunto também é de ocupação bastante antiga, e ainda hoje apresenta edificações antigas, representativas dos vários períodos da evolução urbana da cidade. As edificações típicas do período colonial, embora esparsas, ainda evidenciam o antigo caminho de acesso ao norte da Ilha.

 

6.CONJUNTO VI – Rua Hermann Blumenau

Este conjunto possui ainda o casario remanescente da arquitetura eclética do início do século, com lotes pequenos e estreitos. A Rua Hermann Blumenau chamava-se Rua Uruguai, até 1931. Era a antiga ligação do Vale das Olarias (região da atual Av. Mauro Ramos) ao antigo Largo Municipal (atual Praça Getúlio Vargas). Caracteriza-se pela horizontalidade, e pela semelhança entre as edificações, além da estreita dimensão dos lotes, que inviabilizam uma ocupação mais densa.

 

7. CONJUNTO VII – Nossa Senhora do Rosário

A Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, construída no séc. XVIII, é o principal elemento deste conjunto, e uma das mais antigas da cidade. Situada no alto de uma escadaria, voltada para a Baía Sul, a Igreja, juntamente com a Rua Trajano, forma um eixo visual de grande importância.

 

8. CONJUNTO VIII – Praia de Fora

Foi na Praia de Fora (atual Beira Mar Norte), que Dias Velho, fundador da póvoa de Nossa Senhora do Desterro, aportou no séc. XVII. Nesta orla foram construídas duas fortificações (Forte de São Francisco Xavier e Forte de São Luiz), e a ligação entre ambas era feita pela Rua da Praia de Fora. Durante muitos anos foi o local onde as famílias mais abastadas possuíam chácaras.

 

9. CONJUNTO IX – Rua do Passeio

Conhecida no séc. passado como Rua do Passeio e Rua Formosa, servia de ligação entre o centro da cidade e o antigo Forte de São Francisco Xavier, localizado na Praia de Fora, e se caracterizava pela presença de chácaras, com imponentes residências. Conserva ainda hoje as estreitas dimensões da malha viária original, e é um dos poucos locais que permitem a vista do mar emoldurada por palmeiras imperiais e exemplares do casario tradicional.

10. CONJUNTO X – Rita Maria

Nesta área situava-se o antigo cais Rita Maria, a zona portuária da cidade, onde, além dos diversos armazéns e fábricas, formou-se uma pequena vila operária, formada por casas geminadas, originalmente idênticas e que constituíam as moradias dos operários. Mesmo com a implantação do aterro da Baía Sul, as características urbanas da área se mantêm.

 

6. A presença de elementos da arquitetura européia nos conjuntos históricos urbanos tombados da cidade de Florianópolis.

 

Em todos os sítios históricos do litoral de Santa Catarina vamos encontrar traços urbanísticos - arquitetônicos comuns diferenciados apenas pela maior singeleza de alguns e o desenvolvimento de outros. E destes elementos os que mais guardam semelhanças são as praças e as igrejas que nelas se encontram.

Na maioria dessas cidades, o início do séc. XX traz consigo muitas mudanças na arquitetura e no urbanismo. Este período é marcado pela adoção de novos valores estéticos e ornamentais, além de inovações de ordem da comodidade e da higiene. Influências do estreito contato cultural com a Europa através, principalmente, da abertura dos portos que proporcionaram o acesso e atualização de materiais e de tecnologias.

As antigas edificações começam a ganhar nova roupagem, mesmo que, em alguns casos, as fachadas não consigam esconder a estrutura colonial original. Pouco a pouco a arquitetura foi se liberando dos limites do lote, com recuos laterais e frontais. O nível térreo é elevado buscando dar mais privacidade às residências, criando-se o porão alto. A entrada principal passa a se dar pela lateral.

As edificações se revestem de roupagem romântica neogótica, neoclássica, e os chalés entram na ordem do dia. São introduzidos ornamentos em profusão, moldados em estuque, na forma de cimalhas, florões, pilastras, capitéis, e frisos em geral. Os balcões ganham gradis em ferro e as janelas assumem a transparência das vidraças. Ficando desta forma caracterizado o chamado Ecletismo. Mais tarde as novas tendências do art-nouveau, e do art-dèco vêm simplificar e abrir caminho para a arquitetura moderna.

Hoje a maioria desses núcleos apresenta - se como a superposição dos diversos momentos históricos, tendo como base o período colonial, em alguns deles não restando mais que o traçado das ruas, a igreja e a praça.

Encontramos unidades de habitações coloniais luso-brasileiras, térreas ou assobradadas, casas ecléticas de porão alto, bangalôs, casas de fachada art-decô e art- nouveau do início do século XX e arquitetura pré-modernista. Influência de modismos importados além da imposição dos diversos códigos municipais

Referências bibliográficas

ADAMS, B. Maria; ALBERS, Suzane; VEIGA, Eliane. Ilha de Santa Catarina: aspectos da colonização luso-açoriana. In: SEMANA DE ESTUDOS AÇORIANOS, 1988, Florianópolis, Anais... Florianópolis: Ed. da UFSC. p.105.

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VIEIRA FILHO, Dalmo. Notas para Estudos das Primeiras Praças de Santa Catarina, Inédito, Florianópolis, s/d.

  

XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 

 

Centro de Artes - CEART

 

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QUEM ESTÁ ATRÁS DO MURO? CRIMINALIZAÇÃO, REEDUCAÇÃO E VIVÊNCIAS NO SISTEMA PENITENCIÁRIO DE FLORIANÓPOLIS NAS ÚLTIMAS DÉCADAS DO SÉCULO XX[448]

 

Luiz Felipe Falcão[449], Cíntia Ertel Silva[450]

 

Palavras-chave: Cidade – Criminalidade – Penitenciária – Presidiários

 

Nos últimos anos, a criminalidade vem tendo grande visibilidade nos discursos produzidos no Brasil em torno de temas como o crescimento demográfico, o inchaço das cidades e, sobretudo, a falta de oportunidades em termos de educação, saúde, emprego, etc., e esta situação não tem sido diferente em Florianópolis. Em realidade, não existem números confiáveis acerca de um eventual aumento da criminalidade, mas é inegável que houve um grande crescimento da discursividade a respeito disto. Logo, um dos focos deste projeto é verificar, dentro do universo penitenciário o que presos e funcionários falam sobre criminalidade e em que medida se pode estabelecer relação entre as transformações ocorridas em Florianópolis nas últimas décadas, a produção de discursos sobre crime, assim como o debate o paradoxo representado pelo sistema prisional.

 

  

XVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2007

 



[1]              Orientador do Projeto de Projeto de Pesquisa: “Estudos de Música Popular: uma contribuição para a Musicologia Brasileira”(UDESC-CEART)Pesquisa Departamento de Música -   e-mail: acacio@udesc.br

[2]              Bolsista de Iniciação Científica(PROBIC), Estudante do curso de Música

                e-mail: kako_rea@hotmail.com

[3]              Música Instrumental Brasileira, ou Jazz Brasileiro.

[4]              Movimento do jazz norte americano de diálogo com sonoridades pop, funk, caribenha entre outras; período de abertura do jazz.

[5]              T=notas do acorde e tensões disponíveis

[6]           Estudos de música popular: contribuição para a musicologia brasileira CEART/UDESC.

[7]              Orientador, Professor do Departamento de Música – Centro de Artes.

[8]              Acadêmico do Curso de Licenciatura em Música – CEART/UDESC, bolsista de iniciação científica do PROBIC/CNPq.

[9]                      No caso, quando Calvisius fala sobre a ação de duas classes de figuras retóricas, ele se refere às figuras já presentes no texto da composição e as presentes na música.

[10]             As letras das canções se encontram em anexo.

[11]             As Partituras das canções se encontram em anexo, com anotações analíticas.

[12]             Pode-se imaginar que a pessoa chamada “Dotô” seja um advogado, porém é interessante pensar que talvez possa ser um médico.

[13]             Sub-projeto do Projeto Integrado de Pesquisa “O Teatro de Grupo e a construção de Modelos de Trabalho de Ator” – UDESC – CNPq

[14]             Orientador, Professor do Departamento de Artes Cênicas – CEART/UDESC

[15]             Acadêmico do Curso de Artes Cênicas – CEART/UDESC, Bolsista IC/CNPq

[16]             Em entrevista concedida dos bolsistas Éder Sumariva e Camila Ribeiro (Núcleo de Pesquisas Teatrais / CEART / UDESC)

[17]             Ele refere-se aqui ao que se costuma chamar, como vimos, de processo colaborativo.

[18]             ARAÚJO, 2005.

 

[19]             FISCHER, Stela R. Processo colaborativo: experiências de companhias teatrais brasileiras dos anos 90. Pesquisa de Mestrado da Universidade Estadual de Campinas/SP)

[20] Projeto de Pesquisa CEART/UDESC

[21] Orientador, Professor do Departamento de Artes Cênicas - CEART/UDESC.

[22]Acadêmica do Curso de Artes Cênicas – CEART/UDESC, bolsista de iniciação científica do PIBIC/CNPq no Projeto de Pesquisa O Teatro de Grupo e a Construção de Modelos de Trabalho de Ator.

[23] O grupo é formado por Elisa Santana, Cida Falabella, Antônia Claret, Michele Ferreira, Gustavo Falabella Rocha, Ludmilla Ramalho, Wesley Rios e Renato Hermeto.

[24] O grupo é composto por Antônio Rodrigues, Cláudia Henrique, Guilherme Théo, Gustavo Bartolozzi, Wagner Vasconcelos e Fred Antoniazzi.

[25] Entrevista cedida ao grupo de pesquisa em setembro de 2006.

[26] Fonte: Site Cia Candongas https://www.ciacandongas.com.br/carte.htm Acesso em 23/05/07.

[27]         MITOLOGIA E IDENTIDADE ARTÍSTICA: UM ESTUDO DA PRESENÇA DE MITEMAS HERÓICOS NOS DISCURSOS DE ARTISTAS E CRÍTICOS

[28]             Prof. Dr. Do Departamento de Artes Plásticas e Coordenador do Projeto de Pesquisa.

[29]             Bolsista de Iniciação Científica PROBIC-UDESC, aluna do Curso de Artes Plásticas.

[30]             Organização interdisciplinar de análise científica e filosófica, com caráter multicultural, cujo objetivo principal consistia em explorar vínculos entre o pensamento oriental e ocidental. Perpassa o discurso do Círculo de Eranos a busca pelo sentido, a hermeneútica simbólica e a conjugação dos opostos.

[31]             Informações retiradas da enciclopédia virtual do Itaú Cultural.

[32]          Refere-se ao tema central do espetáculo “Lições de abismo”.

[33]          Artista plástico polonês, teórico e diretor teatral, fundador (com Maria Jarema) da companhia teatral CRICOT 2 (1995), nasceu em Wielopole, Polônia.

[34]             Diretor do Teatro da Vertigem, grupo teatral de São Paulo que trabalha por meio do processo colaborativo.

[35]             Projeto de Pesquisa Mitologia e identidade artística: um estudo da presença de mitemas heróicos no discurso de artistas e críticos – CEART/UDESC.

[36]          Orientador, Professor do Departamento de Artes Plásticas – Centro de Artes – Av. Madre Benvenuta, 1907 – CEP 88035-001 – Florianópolis – SC.

[37]          Acadêmica do curso de Bacharelado em Artes Plásticas – CEART/UDESC, bolsista de iniciação científica do PIBIC/CNPq.

 

[38]         Rudolf Otto (1992) conceitua o elemento especial compreendido no sagrado, denominado numinoso. Destituído de toda ordem ética e moral, este elemento possui uma qualidade singular que escapa a toda racionalidade, constituindo uma arrêton (indizível), algo de inefável.

[39]             Artigo produzido pelo trabalho realizado através do Projeto de Pesquisa “ O Teatro das Missões – uma nova perspectiva histórica sobre o teatro no Brasil Colônia” - CEART / UDESC.

[40]             Orientador, professor do Departamento de Artes Cênicas, do Centro de Artes – Av. Madre Benvenutta, 1907. Florianópolis, S.C. Cep. 88035-001.

[41]             Acadêmica do curso de Licenciatura em Artes Cênicas – CEART / UDESC, bolsista de iniciação científica do PIBIC/CNPq.

[42]         BARTHES, Roland. Sade, Fourier, Loyola. Lisboa. Edições 70, s/d, p. 56.

[43]             Idem., p. 58.

 

 

[44]             Idem. Pg. 133.

[45]             Ibidem. Pg. 137

[46]             Ibidem. Pg 150.

[47]             Projeto de pesquisa O teatro nas Missões Jesuíticas – uma nova perspectiva para o teatro no Brasil Colônia, CEART/UDESC.

[48]               Orientador, Professor do Departamento de Artes Cênicas – Centro de Artes – UDESC.

[49]             Acadêmica do Curso de Artes Cênicas – CEART/UDESC, bolsista de iniciação científica do PIBIC/CNPq.

[50]            Para tanto, basta verificar uma tese recente da Dra.Magda Maria Jaolino Torres aonde a autora refuta a autenticidade dos mesmos e  observa  as razões pelas quais tais escritos foram manipulados com propósitos os mais diversos, como por exemplo, o de corroborar com a “natureza santa” de Anchieta.

                ( TORRES, 2006)

[51]             GREGOLIN, 2004.

[52]             BRANDÃO, 2000.

[53]             CARVALHO,  2001, p. 159-180

[54]               A sexualidade  da mulher neste artigo será entendida com sendo as suas preferências, predisposições ou experiências sexuais.

[55]             Para analisar a sexualidade também foram  considerados os pressupostos de Michel Foucault, que entende a sexualidade como  um dispositivo histórico que de acordo com as estratégias de poder e saber, incitam discursos.

[56]               Durante a seleção e escolha das peças de José de Anchieta, foi observado que embora sejam raríssimas as personagens femininas, entre ela são a Virgem Maria em A visitação de Santa Isabel, que aparece dialogando com um romeiro; e a Velha em Na Festa de São Lourenço, que aparece e foge rapidamente quando reconhece que a figura disfarçada é o diabo. Ou ainda  essas duas figuras feminina serão citadas ou referida na grande maioria dos autos de  Anchieta sendo. (Ver anexo II)

[57]             LEITE, 1999, p.101

[58]             . BRANDÃO, 2000,  p. 111

[59]             Id. Ibid., p. 113

[60]             Cauim: bebida fermentada grossa de cereais e frutas, mastigados pelas velhas. ANCHIETA (1977) p. 121

[61]             CARVALHO, 2001, p. 159-180.

[62]             Artigo organizado a partir do projeto de pesquisa “ A técnica de modelar o vestuário e a moda desenvolvido no Centro de Artes – UDESC.

[63]            Coordenadora do Projeto de Pesquisa. CEART/UDESC – c2iss@udesc.br

[64]            acadêmica do Curso de Moda – CEART/UDESC, bolsista de iniciação científica do PROBIC/UDESC, thaicalegari@yahoo.com.br

[65]             Projeto de Pesquisa CEART/UDESC.

[66]             Orientador, Professor do Departamento de Artes Cênicas — Centro de Artes — Av. Madre Benvenuta, 2007, Itacorubi — 88.035 - 001 – Ilha de Santa Catarina, Florianópolis – SC — <jrfalei@gmail.com>

[67]             Álvaro Moreyra (1888-1965), além de ser poeta e dramaturgo, desenvolveu uma atividade pedagógica, ao viajar pelo Brasil apresentando peças e proferindo conferências sobre teatro. Teve a idéia de criar o Teatro de Brinquedo ao assistir a ensaios do Vieux Colombier, em Paris, em 1913 (MOREYRA, 1989). — Renato Vianna (1894-1953) foi outro inovador que, defendendo infatigavelmente o teatro, o aprimoramento do jogo e da ética do ator, lança um manifesto, « A Última Encarnação do Fausto », no qual cita, entre outros renovadores, Jacques Copeau. (V. GODINHO, 1998).- V. também JAVIER, 1995 : o autor faz referência, na p. 65, à tese (1987) do Prof. Dr. Armando Sérgio da Silva sobre A Escola de Arte Dramática do Doutor Alfredo: Uma Oficina de Atores, na qual se confirma a importância de Copeau no teatro brasileiro.

[68]             Durante esse período, o training físico se precisa e enriquece: treinamento ginástico (ginástica rítmica e dança), dirigido pela manhã por Jessmin Howarth, aluno de Dalcroze; à tarde, vários tipos de exercícios — de ação muda sem acessórios, de  expressão de um sentimento ou de uma emoção, de imprvovisação. Copeau transcreve em seu Cahier de notes sur l’école [Caderno de Notas sobre a Escola] os que lhe parecem mais importantes.

[69]             São ensinados: acrobacia, ginástica, dança, jogos de força e destreza, música, mas também canto coral e individual; exercícios de expressão dramática (máscara, interpretação corporal, fisionomia, mímica), improvisação (plástica e dialogada); elocução, dicção, declamação; cultura geral; teoria do teatro (leis da expressão dramática, estudo das grandes épocas, artes e ofícios da cena); iniciação progressiva em trabalhos manuais (desenho, modelagem, artes decorativas, figurino, acessórios). Por fim, jogos livres que resultavam em pequenas apresentações em que os alunos trabalhavam como criadores e operários.

[70]             Jacques COPEAU. « Place aux jeunes » [Deixem Passar os Jovens]. Registres I: Appels [Registros I: Apelos]. Paris: Gallimard, 1974. p. 112-116.

[71]             Tais exercícios, transformados ou não, serão encontrados mais tarde no trabalho dos Copiaus, na Borgonha, e no dos Comédiens Routiers [Atores Itinerantes], em Paris. Não esqueçamos o que lhes devem, entre outros, Charles Dullin e Etienne Decroux.

[72]             O projeto mais importante diz respeito a duas fábulas: La Belle au bois dormant [A Bela Adormecida no Bosque] e Le chant du jeudi [O Canto da Quinta-feira]. - Esse tipo de trabalho foi remontado por Chancerel com os Comédiens Routiers [Atores Itinerantes]].

[73]             A apresentação de um Nô é justificada por oferecer a Suzanne Bing a oportunidade de reunir, de integrar estudos musicais, dramáticos e plásticos que haviam sido trabalhados durante três anos. Além disso, trata-se de mergulhar no estudo da forma dramática mais rigorosa, a que requer do intérprete uma excepcional formação técnica. O teatro japonês surge, assim, como um formidável meio de verificação do trabalho pedagógico desenvolvido intensamente durante três anos por um mesmo grupo de alunos e professores.

[74]             Programa de novembro de 1923, segundo as notas de um dos professores, Vitray: « (1) Uso da máscara para aumentar a consciência das possibilidades do corpo; (2) pôr-se a si mesmo num estado de disponibilidade; (3) continuidade, direção do movimento: a parte do corpo mais focalizada guia o movimento; (4) desenvolvimento do sentido da duração e da estrutura de uma cena através de mprovisações de duas a quatro pessoas, estabelecendo claramente o início, o ponto culminante e a conclusão; (5) o estudo das relações entre as partes de uma ação e de uma improvisação — idéia da construção dramática; (6) mimo e trabalho coral para desenvolver a sensibilidade em relação ao espaço dos outros atores e a adesão à estrutura de base através de jogos, charadas e histórias, como pura improvisação ». - V. Marco De MARINIS. Mimo e teatro nel Novecento [Mimo e Teatro no Século XX]. Firenze: La Casa Usher, 1993. p. 87.

[75]             Léon Chancerel descreve o « jogo dramático » apresentado pelos Copiaus em 1928, durante o seu retiro borguinhão, para um público de viticultores, num salão de festas em Mersault. Num palco nu, usando máscaras brancas, « por gestos dos braços e das mãos, por oscilações do corpo, fazem aparecer árvores diante de nós (um grupo à direita, um grupo à esquerda). Nunca tínhamos visto árvores tão reais. (...) tudo isso através do jogo da mímica coral sublinhada, ampliada por uma música muito primitiva e por  onomatopéias harmoniosas » (Le Théâtre et la jeunesse [O Teatro e a Juventude]. 3e éd. Paris: Bourrelier, 1946. p. 44.

 

[76]             Eugenio BARBA. A Canoa de Papel. Tratado de Antropologia Teatral. Trad. de Patrícia Alves. São Paulo: Hucitec, 1994. p. 156: « A deriva dos exercícios teatrais encontra-se entre os muitos acontecimentos singulares na história do teatro do Novecentos. Uma deriva lenta (...) » e, no último parágrafo da p. 157: « Um caso sintomático é constituído da vicissitude de um mestre cujo nome apareceu muitas vezes nestas páginas: Etienne Decroux. O mimo que ele define como arte pura e autônoma, era no início uma constelação de exercícios da escola do Vieux Colombier de Jacques Copeau [grifado por JRF]. Decroux desincorporou os exercícios do contexto laboratorial e, desenvolvendo-os, os fez independentes como gênero artístico autônomo ».

 

[77]             Tal esquema evolutivo fundamenta quase todas as demais experiências pedagógicas e teatrais decorrentes, direta ou indiretamente, da experiência do Vieux Colombier, a começar pelo Atelier de Dullin e pela escola borguinhona dos Copiaus, para continuar com Chancerel, Saint-Denis e sua Compagnhie des Quinze [Companhia dos Quinze], Dasté, Barrault e Lecoq. Apenas Decroux torna finalidade o silêncio e o movimento silencioso, que constituíam um momento passageiro no ensino da Escola de Jacques Copeau.

[78] Projeto de Pesquisa: “ poética, ética e estética na pedagogia teatral de Jacques Copeau”.

[79]          Bolsista do Projeto de Pesquisa “Poética, Ética e Estética na Pedagogia Teatral de Jacques Copeau”, financiado pelo PROBIC/UDESC

[80]          Professor do Departamento de Artes Cênicas do CEART/UDESC e coordenador do projeto de pesquisa já citado.

[81]          Mariana Godinho dedicou-se à Dramaturgia, Luciana Holanda à relação Ator&Ética, Julie Knabben ao Espaço , Mariana Schmitz à Pedagogia e Paula Farias ao Teatro Popular.

[82]          Théâtre du Vieux-Colombier – Teatro do Vieux-Colombier (1913-14 França; 1917-19 EUA; 1919-24 França): Teatro criado por Jacques Copeau inaugurado no ano de 1913 que colaborou para diversas reformações da cena francesa do início do século XX. Neste teatro Copeu formou diversos artistas reconhecidos pela crítica da época e subseqüente. Tais como: Louis Jouvet (1887 – 1951), Charles Dullin (1885 – 1949), Suzanne Bing (1885 – 1967).

[83]          HAUSER, Arnold, A História Social da Literatura e da Arte. Tomo II. São Paulo: Ed. Mestre Jou, 1980-1982 – Trad. De Walter H. Geenen, p.970.

[84]          Ver  FALEIRO, José R. A Formação do Ator a partir dos Cadernos de Teatro de Léon Chancerel e dos Cadernos de Teatro do Tablado; A Escola do Vieux Colombier. IN: O Teatro Transcende; e SCHMITZ, M. A VOCAÇÃO PEDAGÓGICA EM JACQUES COPEAU: L´ÉCOLE DU VIEUX COLOMBIER (1920-1924).

[85]          COPEAU, J. The Spirit in the Little Theatres. In: Registros I, Apelos. Textos coletados e estabelecidos por Marie-Hélène Dastè e Suzanne Maistre Saint-Denis. Notas de Claude Sicard. Paris: Guillimard, 1974,  p. 120-130 – Trad. de José Ronaldo Faleiro, p.4.

[86]          COPEAU, J. André Antoine. In: Registres I. Appels. P. 69-73. Paris: Gallimard, 1974. – Tradução José Ronaldo Faleiro. p. 3.

[87]          Idem. Uma Tentativa de Renovação Dramática. In: Registres I. Appels. P. 19-32. Paris: Gallimard, 1974. – Tradução José Ronaldo Faleiro. p. 1.

[88]          Ibidem, p. 1-2.

[89]          COPEAU, J. The spirit in the little theatres. In: Registres I. Appels. P. 120-130. Paris: Gallimard, 1974. – Tradução José Ronaldo Faleiro. p. 2.

[90]          Id. Ibid. p. 3.

[91]          COPEAU, J. Apelos. In: Registres I. Appels. P. 105-112. Paris: Gallimard, 1974. – Tradução José Ronaldo Faleiro. p. 2.

[92]          Ver COPEAU, J. The Spirit in the Little Theatres. In: Registros I, Apelos e Apelos. In: Registres I. Appels.

[93]         RUDLIN, J. Copeau e a juventude: a formação do ator. In: Copeau l’Éveilleur « La Cerisaie »/Lectoure: Bouffonneries, 1995. nº 34. p. 104-115. - Tradução de José Ronaldo Faleiro. p. 05-06.

[94]          CARLSON, Marvin. Teorias de Teatro: Estudo histórico-crítico, dos gregos à atualidade. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997 – Trad. de Gilson César Cardoso de Souza, p. 329-330.

[95]          COPEAU, J. Aos Atores. In: Registres I. Appels. P. 203-215. Paris: Gallimard, 1974. – Tradução José Ronaldo Faleiro. p. 7.

[96]          Homem é aplicado aqui no sentido de Ser Humano e não se referindo a questões de gênero.

[97]          Ibidem, p. 8.

[98]          COPEAU, J. A Cena. In: Registres I. Appels. P. 217-226. Paris: Gallimard, 1974. – Tradução José Ronaldo Faleiro. p. 2.

[99]          In: SICARD, C. Jacques Copeau e a Escola do Vieux Colombier. In: Copeau l´Eveilleur. p. 116-126 – Trad. José Ronaldo Faleiro. p. 09.

[100]            Projeto de Pesquisa CEART/UDESC.

[101]            Orientador, Professora do Departamento de Moda – Centro de Artes - Av. Madre Benvenuta, 1907
Itacorubi - CEP 88.035-001 – Florianópolis - SC.

[102]            Acadêmica do Curso de Moda – CEART/UDESC, bolsista de iniciação científica do PROBIC/UDESC.

[103]            “Aquele que parece com um outro, que estabelece semelhança entre si e um outro, mas também, aquele que dá ares de ser uma coisa ou que leva ao julgamento de ser, provavelmente, aquela coisa, aquela matriz de onde se parte para avaliar o visto” (SANT’ANNA, 2005, 624).

[104]            “... são aqueles que se tornaram um outro pelo consumo que fizeram de uma sociedade que se constituiu como existente a partir da mediação dos seres com as coisas, que constituiu o moderno, o que vale dizer novo, como sempre belo. (...) Como consumidos das coisas e, logo, de si, tornaram-se um ser parecido” (SANT’ANNA, 2005, 624).

[105]            Mediada pelo desejo de ser um outro, uma imagem (valente) para manter-se na superficie (metáfora da realização desse projeto, pois representa a efemeridade que o caracteriza).

[106]            Nome da família, ações filantrópicas, defesa da boa moral...

[107]              Projeto de Pesquisa Banco de Dados em Teatro para o Desenvolvimento de Comunidades. CEART/UDESC

[108]              Orientadora, Professora do Departamento de Artes Cênicas – Av. Madre Benvenuta, 2007 CEP: 88.035-001 Itacorubi – Florianópolis – SC

[109]            Acadêmico do Curso de Artes Cênicas – CEART/UDESC – bolsista de iniciação científica PROBIC

[110]            Coordenado pela professora Marcia Pompeo Nogueira.

 

[111]            Os contatos feitos durante a pesquisa foram: Douglas Estevam, integrante do grupo Filhos da Mãe... Terra, de São Paulo, tanto para observar trabalhos do seu grupo em São Paulo (nosso primeira tentativa), como para observar uma formação de grupo que aconteceu em Santa Catarina, em abril deste ano (segunda tentativa). Novos contatos foram feitos posteriormente, com o apoio de sindicalistas e professores universitários, mas também não resultaram em possibilidade de acompanhamento da prática teatral do MST.

[112]        Coletivo de Cultura. Este “veio a se solidificar de forma sistemática a partir de 1996, embora a produção cultural faça parte das ações do MST desde o início de suas atividades” (Estevam, 2005. www.mst.org). Uma das tarefas, do Coletivo de Cultura, é articular nos assentamentos e acampamentos, as produções que são trazidas de fora do movimento, como: seminários, oficinas culturais e grupos de teatro profissionais.

 

[113]            Espect-atores é como Augusto Boal refere-se ao público.

[114]              A função do curinga [é a de] explicar as regras do jogo, corrigir erros e encorajar uns e outros a interromper a cena e intervir. [Porém, ele] não é um conferencista, não é dono da verdade. Seu trabalho consiste em fazer com que as pessoas que sabem um pouco mais exponham seu conhecimento, e aqueles que se atrevem pouco ousem um pouco mais, mostrando aquilo de que são capazes (BOAL, 1999. p.33).

[115]            Homenagem ao grande poeta popular cearense” (Bôas, 2006. https://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=1500)

[116]            Brasil de Fato, ano 5, No 225, 2007.

[117]           Grupo de Pesquisa: “Banco de Dados para o Desenvolvimento de Teatro em Comunidade” - CEART / UDESC

[118]            Márcia Pompeo Nogueira Professora do Departamento de Artes Cênicas do CEART / UDESC.

[119]           Acadêmica de Artes Cênicas CEART / UDESC, bolsista de Iniciação Cientifica PIBIC.

 

[120]            A peça estreou em 06/ 11/ 1972,

[121]            Joaquim é nome fictício.

[122]            Projeto de Pesquisa CEART-UDESC.

[123]            Orientadora, Professora do Departamento de Música - Centro de Artes – Florianópolis - SC.

[124]            Acadêmico do Curso de Bacharelado em Piano – CEART/UDESC, bolsista de iniciação científica do PROBIC/UDESC.

[125]            Acadêmica do Curso de Bacharelado em Piano – CEART/UDESC, bolsista de iniciação científica do PIBIC/CNPq.

[126]            Projeto de Pesquisa CEART/UDESC.

[127]           Orientadora e coordenadora do projeto: Profa. Dra. Maria Bernardete Castelan Póvoas, Professora do Depto de Música, CEART/UDESC - Av. Madre Benvenuta,  1907 – CEP 88035-001 Florianópolis-SC.

[128]            Bolsista de iniciação científica do Sistema PIBIC/CNPQ - UDESC, aluna do Curso de Bacharelado em piano, CEART/UDESC.

[129]              Evento: notas que ocorrem simultaneamente no sentido vertical.

*              Doutora em Antropologia Social e Professora do Departamento de Música da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Endereço institucional: Centro de Artes, Av. Madre Benvenuta, 1907, 99.035-001 Florianópolis – SC.Tel.: (048) 3231-9747. E-mail: migmello@ig.com

*                      * Acadêmica do curso de Música – CEART/UDESC, bolsista de iniciação científica UDESC/PROBIC. E-mail: legrala1@yahoo.com.br

*

[130]            O grupo já foi premiado com 2° e 3°  lugares  no  Show de Talentos da Terceira Idade, festival promovido pela prefeitura de Florianópolis.

[131]            Cantam na igreja católica algumas vezes.

[132]            Os versos são chamados de improvisos, contudo, os participantes os sabem de cor. Existe um repertório de versos conhecidos pelos praticantes.

[133]            Projeto de Pesquisa CEART/UDESC.

[134]            Acadêmico do curso de Licenciatura em Música CEART/UDESC e Bolsista de Iniciação Científica do PROBIC/UDESC.

[135]            Orientadora, Professora do Departamento de Música CEART/UDESC – Av. Madre Benvenuta, 1907, CEP 99.035-001 Florianópolis – SC.Tel.: (048) 3231-9747.

[136]            Assim como Small (1989), referimo-nos a “performance” não como aquela ligada às habilidades técnicas, físico-motoras, mas sim ao evento social onde uns tocam e outros ouvem, onde a experiência do fazer e da interação entre as pessoas é mais relevante do que o produto final.

[137]            O artigo de Brett e Wood (2002) – traduzido e comentado por Carlos Palombini, professor adjunto de Musicologia da Escola de Música da UFMG – revela como e porque discussões relacionadas à diversidade sexual (homossexualismo, bissexualismo, transsexualismo, etc), assim como as temáticas de gênero, foram mantidas à margem dos debates pela musicologia moderna positivista. Segundo os autores, questões como homossexualismo e gênero desviam o aspecto da “música centrada em si” – fenômeno da “música absoluta” – representando uma ameaça à hegemonia viril, ao status da ciência marcada pela lógica do raciocínio, pelo culto ao intelecto, pela demonstração de força e seriedade, na tentativa de manter-se como fonte absoluta de verdade e poder. Deste modo, a música afastou-se dos elementos básicos da vida comum, do cotidiano das pessoas, centrando-se em aspectos essencialmente técnicos e racionais.

[138]           Holanda e Gerling (2005) e Mello (2006) revelam que pesquisas sobre música e gênero tiveram maior abrangência em países como EUA e Inglaterra, sendo estes considerados os precursores na abordagem deste assunto. Segundo as autoras, os primeiros vestígios começaram por volta anos 80 nos Estados Unidos, com as primeiras antologias de partituras e biografias de compositoras. Nos anos 90 Susan McClary (1991), Lawrence Krammer (1990) e Marcia Citron (1993), levantaram os primeiros debates sobre as metáforas de gênero no código musical, mostrando como convenções e construções retóricas da teoria e análise musical podem estar repletas de metáforas sexuais construídas a partir de sensações e impressões que refletem majoritariamente o modelo de masculinidade. Ainda na década de 90, outras autoras como Ellen Walterman (1993), Suzanne G. Cusick (1994) e também as já citadas Marcia Citron (1993) e Susan McClary (1991) procuraram perceber pontos diferenciais nas estruturas e elaborações de composições, arranjos e interpretações em atividades femininas, a fim de revelar como as mulheres encontram mecanismos para expressar sua subjetividade em um sistema musical construído sobre o domínio patriarcal. 

[139]           Joana Holanda (2006) conduz uma investigação sobre a música de Eunice Katunda e Esther Scliar, a partir de suas trajetórias individuais e pela análise musical das obras Sonata Louvação e Sonata para Piano das respectivas compositoras. Esta pesquisa é um importante referencial sobre os estudos de gênero em música, visto que “esta questão é problematizada tanto no estudo do texto musical [análise], a partir do referencial teórico de estudos de gênero em música, [mais especificamente focalizando código e conceitos musicais], quando na abordagem de suas trajetórias” individuais (p. 19); onde a questão é problematizada a partir do contexto sócio-cultural; do engajamento das compositoras em diversos movimentos como o grupo ‘música viva’, o nacionalismo, o partido comunista (PCB); e também pela sua intransferível identidade social, como sujeito ‘mulheres’.

[140]            Com os grupos de outras localidades os contatos foram realizados na sua maioria via Internet. Com alguns desses foi possível uma aproximação maior através do envio de um questionário via e-mail, como por exemplo, as bandas S.A.44, RNA, Give Me a Break, Lazy Moon, Blush Azul e o grupo Elas e Eu.

[141]            Lewis Carroll, Edward Lear, Samuel Becket e James Joyce são os principais autores apontados pelas integrantes.

[142]            Embora este artigo trate especificamente de grupos femininos, durante a pesquisa também foi atribuída uma atenção aos grupos mistos de Florianópolis, focalizando principalmente a presença de mulheres em funções culturalmente pouco atribuídas a elas, como: bateristas, baixistas, compositoras, produtoras, etc. Apesar da ampliação do foco, as circunstâncias pouco se alteraram, pois, ainda assim, a presença de mulheres foi muito mais significativa no rock do que em outros gêneros musicais. Entre os grupos mistos pesquisados podemos citar Kratera (rock), Oh Sugar! (rock), Maltines (rock), Squadrão da Rima (hip-hop), Mary Black (hip-hop), Missiva (reggae), Black Diversity (funk), Alessandra Sipriano e banda (pop/rock).

[143]            Esta categoria surgiu primeiramente em entrevistas realizadas ao longo da pesquisa, mas verificou-se sua utilização por diferentes bandas em sites da Internet.

[144]            A Rádio Feminina é uma iniciativa da Organização Punk Feminino que nasceu após o I Festival Nacional de punk feminino de 2006. Embora especializada no gênero rock’n’roll, ao contrário do festival, a rádio não restringe estilos, mas só toca banda com vocal feminino. Pode ser ouvida pela Internet através do endereço: <https://www.radiofeminina.cjb.net/>

[145]            O Mundo Rock de Calcinha é um programa que toca músicas de bandas de rock e metal formadas somente por meninas ou com mulheres no vocal. Foi criado em março de 2007 por Gisele Santos, criadora também do MundoRock.net, no ar há mais de 07 anos. Pode ser ouvido através do endereço: <https://www.mundorockdecalcinha.com/>

[146]            Vários autores utilizam a idéia de impureza a partir da observação dos discursos de vários roqueiros que enfatizam a “oposição entre a pureza da autenticidade e a impureza [da] alienação da comercialização” (JACQUES, 2007, p.84).

[147]            Jussara Pereira Lima, vocalista do grupo de hip-hop Declínio do Sistema e coordenadora estadual da UNEGRO, entidade de âmbito nacional, fundada em Florianópolis em março de 1994, com a finalidade de contribuir para a erradicação do racismo e pelas condições de exercício dos direitos de cidadania.

[148]            Elisa Rebelo, empresária do grupo de pagode Entre Elas.

[149]            Giselle Xavier Lucena, baixista da banda de rock Blush Azul.

[150]            Fernanda dos Santos Martins, vocalista da banda de rock S.A.44.

[151]            Idem Nota 15.

[152]            Juliano Silveira, baixista da banda de rock Oh, Sugar! de Florianópolis. Hoje a banda já não é mais formada exclusivamente por mulheres.

[153]            Idem Nota 16.

[154]            Idem Nota 16.

[155]            Renata de Oliveira Figueiredo, baterista da banda de rock RNA.

[156]            Idem Nota 16.

[157]            Idem Nota 16.

[158]            Idem Nota 16.

[159]            Idem Nota 15.

[160]            Idem Nota 16.

[161]            Thanira Rates, vocalista, ex-integrante da banda de rock Dorotéia vai à Praia.

[162]         Projeto de Pesquisa CEART/UDESC.

[163]            Orientadora, Professora do Departamento de Moda – Centro de Artes - Av. Madre Benvenuta, 2007 - CEP 88035-001- Florianópolis - SC

[164]            Acadêmica do Curso de Bacharelado em Moda – CEART/UDESC, bolsista PROBIC 2007/1

4              Acadêmicas do Curso de Bacharelado em Moda – CEART/UDESC, bolsistas PROBIC 2006/1

[165]            Acadêmicas do Curso de Bacharelado em Moda – CEART/UDESC, bolsistas PROBIC 2006/1

[166]            Acadêmica do Curso de Bacharelado em Moda – CEART/UDESC, bolsista PIVIC 2007/1

[167]            Acadêmicos do Curso de Bacharelado em Moda – CEART/UDESC, bolsistas PIVIC 2006/2

6              Acadêmicos do Curso de Bacharelado em Moda – CEART/UDESC, bolsistas PIVIC 2006/2

[168]            Projeto de Pesquisa DAP / CEART / UDESC.

 

[169]           Artigo de Pesquisa produzido por Francine Regis Goudel.

 

[170]           Orientadora, Professora do Departamento de Artes Plásticas – Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC - Av. Madre Benvenutta, 1907. Itacorubi – CEP 88.035-001 Florianópolis – SC.

 

[171]           Acadêmica do curso de Artes Plásticas com habilitação em Licenciatura – DAP / UDESC, bolsista de iniciação científica do PROBIC / CNPq.

 

[172]           Acadêmica do curso de Artes Plásticas com habilitação em Bacharelado – DAP / UDESC, bolsista de iniciação científica do PROBIC / CNPq.

[173]           Modo também de assimilação bem européia, pois a publicação de manifestos e textos foi à maneira encontrada pelas vanguardas estrangeiras para tal disseminação de seus ideais. 

[174]          Dois movimentos de concepção altamente nacionais: pelo novo código construtivo dos artistas de São Paulo e principalmente pela vertente do Rio de Janeiro com Hélio Oiticica, Lygia Clark, Lygia Pape e outros, onde se criou uma nova concepção de arte. “O neoconcretismo estabeleceu a crise da representação no plano bidimensional e um novo estatuto da obra de arte. [...] mas foi no texto ‘teorias do não-objeto’, de Ferreira Gullar, [...] que um olhar mais amplo sobre as pesquisas poéticas dos artistas neoconcretos e um anuncio da questão do objeto forma vitais para se entender os anos 60 na arte brasileira e suas relações com a sociedade. [...] O objeto trazia, implicitamente, uma nova posição do espectador no acionamento de seus significados e a ‘participação do espectador na obra de arte’ [...]” In: REIS, Paulo R. O. Arte de Vanguarda no Brasil: os anos 60. RJ. Jorge Zahar Ed. 2006.

[175]            Projeto de Pesquisa DAP / CEART / UDESC.

 

[176]            Artigo de Pesquisa produzido por Muriel Bombana Garcez.

 

[177]           Orientadora, Professora do Departamento de Artes Plásticas – Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC - Av. Madre Benvenutta, 1907. Itacorubi – CEP 88.035-001 Florianópolis – SC.

 

[178]            Acadêmica do curso de Artes Plásticas com habilitação em Licenciatura – DAP / UDESC, bolsista de iniciação científica do PROBIC / CNPq.

 

[179]           Acadêmica do curso de Artes Plásticas com habilitação em Bacharelado – DAP / UDESC, bolsista de iniciação científica do PROBIC / CNPq.

[180]           Projeto de Pesquisa: Ritos da metamorfose corporal:  entre a dança, a dramaturgia do corpo e a psicofísica do ator

[181]            Orientador - Departamento de Artes Cênicas/ Centro de Artes - Av. Madre Benvenutta, 1907, Itacorubi - Florianópolis – SC.

[182]            Bolsista de Iniciação Científica  do Curso de Artes Cênicas – CEART-UDESC.

[183]            Acadêmico Curso de Educação Artística - Habilitação em Artes Cênicas, CEART/UDESC, bolsista de iniciação científica do PROBIC/ UDESC.

[184]            Acadêmica Curso de Educação Artística - Habilitação em Artes Cênicas, CEART/UDESC, bolsista de iniciação científica do PROBIC/ UDESC.

[185]            Participante da Pesquisa e Acadêmico Curso de Educação Artística - Habilitação em Artes Cênicas, CEART/UDESC.

[186]            Participante da Pesquisa Acadêmica do  Programa de Pós-graduação em Teatro, CEART/UDESC. 

[187]        A estréia e a temporada do espetáculo Butterfly aconteceram na sala Lindolf Bell, de 28 de outubro a 05 de novembro de 2006, no Centro Integrado de Cultura (CIC) em Florianópolis (SC).

[188]            Tal pesquisa foi proposta e aprofundada por Monica Siedler, participante de nosso projeto de pesquisa, através da elaboração de sua dissertação a ser apresentada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Teatro (PPGT) da UDESC.

[189]            Artigo produzido a partir do  Projeto de Pesquisa: Ritos da metamorfose corporal: entre a dança, a dramaturgia do corpo e a psicofísica do ator.

[190]            Professor do departamento de Artes Cênicas e Coordenador do Projeto

[191]            Bolsista de Iniciação Científica do Curso de Artes Cênicas – CEART-UDESC

[192]            Acadêmico Curso de Educação Artística - Habilitação em Artes Cênicas, CEART/UDESC, bolsista de iniciação científica do PROBIC/ UDESC.

[193]            Acadêmica do Curso de Educação Artística - Habilitação em Artes Cênicas, CEART/UDESC, bolsista de iniciação científica do PROBIC/ UDESC.

[194]            Participante da Pesquisa e Acadêmico Curso de Educação Artística - Habilitação em Artes Cênicas, CEART/UDESC.

[195]            Participante da Pesquisa Acadêmica do Programa de Pós-graduação em Teatro, CEART/UDESC. 

[196]            Isa Partsch-Bergsohn: Professora da Universidade do Arizona, Tucson, autora do livro Modern Dance in Germany and the United States (A Dança Moderna na Alemanha e nos Estados Unidos), Hardwood Publisher, 1994; ensinou para a Folkwang Schule, em Essen  (Alemanha), por sete anos.

[197]            Projeto de Pesquisa CEART/UDESC

[198]            Subtítulo da pesquisa

[199]            Orientadora, Docente do Departamento de Artes Plásticas – Centro de Artes – Av Madre Benvenuta, 1907, Itacorubi, Florianópolis/SC.

[200]            Discente do Curso de Licenciatura em Artes Plásticas – CEART/UDESC, bolsista de iniciação científica do PIBIC/CNPq.

[201]        1 Projeto de Pesquisa CEART/UDESC.

[202]        2 Orientadora, Professora do Departamento de Artes Plásticas – Centro de Artes – Av. Madre Benvenutta, 1907, Itacorubi, Florianóplois/SC, CEP 88.035-001.

[203]        Acadêmica do Curso de Licenciatura em Educação Artística – Habilitação Artes Plásticas – CEART/UDESC, bolsista de iniciação científica do Probic/UDESC.

[204]        Acadêmica do Curso de Bacharelado em Educação Artística – Habilitação Artes Plásticas – CEART/UDESC, bolsista de iniciação científica do Pibic/CNPQ.

[205] Professores de Arte do ensino formal – Voluntários.

[206] Professores de Arte do ensino formal – Voluntários.

[207] Professores de Arte do ensino formal – Voluntários.

[208]            Artigo elaborado a partir do Projeto de Pesquisa “ Os efeitos da legislação educacional para a educação musical nas séries iniciais: 10 anos de ldben e outros documentos.

[209]            Bolsista de Iniciação Científica do Curso de Música – CEART-UDESC.

[210]            Professor do Departamento de Música e Orientador do Projeto de Pesquisa

[211]          Artigo organizado a partir do Projeto de Pesquisa CEART/UDESC “ Aprendendo a ser design ensino a distência e gestão do design”..

[212]            Prof. Dra.Departamento de Design – CEART-UDESC e coordenadora do Projeto.

[213]            Bolsista de Iniciação científica, aluna do Curso de Design.

[214]            Bolsista de Iniciação científica, aluna do Curso de Design.

[215]            Projeto de Pesquisa CEART/UDESC

[216]            Orientador, Professor do Departamento de Artes Cênicas – Centro de Artes - Av. Madre Benvenuta, 1907 - Itacorubi - CEP 88035-001 - Florianópolis - SC.

[217]            Acadêmica do Curso de Artes Cênicas – CEART/UDESC, bolsista de iniciação científica do PIBIC/CNPq.

 

[218]            Segundo Beltrame (2002:4) a escolha do termo Teatro de Animação se justifica por este termo dar conta de meios de expressão tão diversos e variados como máscaras, objetos, silhuetas, sombras, figurinos excêntricos, cenografias ousadas e as diversas formas do trabalho do ator-animador visível em cena. O termo Teatro de Bonecos é mais adequado para caracterizar formas de expressão popular, onde são utilizados bonecos construídos com as técnicas de luva, vara ou fios, com o uso do palquinho como espaço cênico e uso preponderante da palavra.

[219]            Ainda segundo Beltrame (2002:5) o termo ator-animador é mais adequado para identificar este artista, pois contempla a idéia de anima, alma, referindo-se muito especialmente a animar o inanimado, a dar vida ao objeto inerte, além de também expressar a idéia de diálogo entre matéria, forma e animador. Já o termo ator-bonequeiro pode conotar aquele artista que utiliza apenas o boneco enquanto o termo ator-manipulador aquele que anima o boneco através do uso exclusivo das mãos.

[220]            BELTRAME, Valmor. Animar o Inanimado: A Formação Profissional do Ator no Teatro de Bonecos. São Paulo: ECA/USP, 2001. Tese de Doutoramento. Universidade de São Paulo

[221]            JURKOWSKI, Henryk. Métamorphoses. 2ª ed. Charleville-Mezières: Éditions L’Entretemps, 2000.

[222]            Do termo épico. Segundo Jurkowsky, (2000:123) o jogo á vista, precede a chegada de um teatro narrativo, onde o ator-animador pode ser comparado a um narrador, a um contador de histórias. Este teatro remonta a um passado muito distante e não está necessariamente ligado ao teatro épico proposto por Brecht. Ainda hoje, existem na Ásia e na Europa inúmeros contadores que ilustram suas histórias com desenho, bonecos ou figuras esculpidas. Suas palavras e suas imagens se completam umas as outras sem recorrer ao chamado distanciamento, que é a base do teatro épico de Brecht.

[223]            JURKOWSKI, op. cit., p.84

[224]            Boneco-objeto, visto como escultura ou artefato, confeccionado ou preparado com antecedência na oficina de trabalho do grupo.

[225]            HOUDART, Dominique. Manifeste pour un Théâtre de Marionnete et de Figure. Tradução: José Ronaldo Faleiro. Gennevilliers: Théâtre de Gennevilliers, 2000.

[226]            COSTA, Felisberto Sabino da. A Poética do Ser e Não Ser: Procedimentos Dramaturgicos no teatro de Animação. São Paulo: ECA/USP, 2000. Tese de Doutoramento. Universidade de São Paulo

[227]            Os filmes do gênero Noir, já considerado um gênero cinematográfico clássico, são estereotipados e de temática policial, que conheceram o auge de sua produção na Hollywood dos anos 1940. Os filmes eram produzidos em preto e branco, e foram batizados pelos críticos franceses com o termo noir, que em francês é o nome a cor preta, por conta de um arrojado trabalho de luz e sombra.

[228]            Gibi: nome popular de revista em quadrinhos infanto-juvenil.

[229]            A marionete, ou boneco de fios, tem uma estrutura corporal que imita a estrutura corporal humana e suas articulações, o que permite que seus movimentos se aproximem dos movimentos humanos.

[230]            O boneco de luva é uma das mais populares e expressivas linguagens de animação. Anatomicamente se constitui de uma cabeça e um vestido vazio. Para ser manipulado, o ator-animador veste o boneco em sua mão, por isso essa técnica recebeu o nome de luva. Desta forma, a mão e o antebraço do seu manipulador se tornam o corpo do boneco. Neste tipo de boneco a fonte de seu movimento e sua estrutura são a mesma coisa.

[231]            O boneco de manipulação direta é uma técnica derivada do Bunraku, tradicional teatro de bonecos japonês. Esta técnica consiste em manipular a quatro ou a seis mãos um bonecos de corpo inteiro, colocando-se a mão diretamente na parte do boneco a ser manipulada, exceto a cabeça, que costuma ter uma pequena vareta de controle.

[232]   CONVERSO, Carlos. Entrenamiento del Titiriteiro. México: Escenologia. 2000.

 

[233]            Projeto de Pesquisa CEART /UDESC

[234]            Orientadora, Professora do Departamento de Artes Cênicas – Centro de Artes – Av. Madre Benvenuta, 1907  88035-001 Florianópolis - SC

[235]            Acadêmica do Curso de Artes Cênicas – CEART/UDESC, bolsista de iniciação científica do PROBIC/UDESC.

[236]            Acadêmico do Curso de Artes Cênicas – CEART/UDESC.

[237]            VENEZIANO,1996 p. 17

[238]       CORRÊA, 2004 p. 277

[239]       CORRÊA, 2004

[240]       FLORES, 2006

[241]       NAHAS, 1927, p. 08.

[242]       Ibidem, p. 25

[243]       Ibidem p.25

[244]       Ibidem p. 29

[245]            Acadêmico do curso de Licenciatura em Educação Artística – Artes Cênicas e bolsista de Iniciação Científica-PROBIC, vinculado ao projeto “Teatro de Revista em Florianópolis”, que tem como proponente a Profª Vera Collaço.

[246]            Profª Drª do curso de Artes Cênicas, do Centro de Artes – UDESC. Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC.   Centro de Artes – CEART.             volmircordeiro@yahoo.com.br

[247]            VENEZIANO, Neyde. Teatro de Revista no Brasil: Dramaturgia e Convenções. Campinas/SP, Unicamp, 1991, p.12.

[248]            ANTUNES, Delson. Fora de Sério: Um Panorama do Teatro de Revista no Brasil. Rj. Funarte, 2004.

[249]            NAHAS, Nicolau Nagib. Ilha dos Casos Raros. 1928.

[250]            Poeta, jornalista, teatrólogo, nascido no Rio de Janeiro, chegou ainda criança em Florianópolis, lugar onde se tornou muito popular, tido como figura que trabalhava em prol da cultura da cidade. Era visto pela cidade como legítimo artista, apaixonado pela terra onde vivia.

[251]            ANTUNES, Delson. Fora de Sério: Um Panorama do Teatro de Revista no Brasil. Rj. Funarte, 2004. p.15

[252]            VENEZIANO, Neyde. Teatro de Revista no Brasil: Dramaturgia e Convenções. Campinas/SP, Unicamp, 1991. p.120.

[253]            BONFITTO, Mateo. O Ator Compositor, Perspectiva, São Paulo: 2002. p.131.

[254]            O compére seria o “nosso compadre”, um tipo oriundo do modelo francês de Revista, que nos chega por intermédio de Portugal. Ele é o costureiro dos quadros, interage e estabelece o pacto com a platéia, apresenta, comenta, dança e liga um quadro no outro, comentando-os. Com o tempo foi desaparecendo da estrutura da revista brasileira.

[255]            Um esboço, um desenho de uma peça teatral.

[256]            CORREA, Carlos Humberto P. História de Florianópolis – Ilustrado. Florianópolis. Insular, 2004 (p.287).

[257]            VENEZIANO, Neyde. Não Adianta Chorar Teatro de Revista Brasileiro...Oba! Campinas/SP, Unicamp, 1996.

[258]            Ver: COLLAÇO, Vera e CORDEIRO, Volmir Gionei. Alusões do Corpo na Revista: Paralelos entre o Jornal e a Cena, VI Jornada de Pesquisa, UDESC: 2006.

[259]            VENEZIANO, Neyde. Não Adianta Chorar Teatro de Revista Brasileiro...Oba! Campinas/SP, Unicamp, 1996

[260]            Projeto de Pesquisa CEART/UDESC

[261]            Orientador, Professor do Departamento de Design

[262]            Bolsista PMUC/FAPESC

[263]            Bolsista de Iniciação Tecnológica Industrial – ITI-A/CNPq, mestrando em Engenharia Mecânica - UFSC

[264]            Bolsista de Desenvolvimento Tecnológico Industrial – DTI-G/CNPq, mestrando em Design – Politécnico de Milão

[265]            Bolsista de Desenvolvimento Tecnológico Industrial – DTI-G/CNPq

[266]            Artigo publicado na revista Camarim da Cooperativa Paulista de Teatro em 2007, ano 10, n. 39.

[267]            Diretor do grupo teatral Experiência Subterrânea, professor do Mestrado em Teatro da UDESC e pesquisador do CNPq.

[268]            Professor do Mestrado em Teatro da UDESc e diretor geral do Centro de Artes da UDESC.

[269]            Outros sub-projetos da pesquisa atualmente em desenvolvimento:  Teatro de grupo e uso do espaço (Patrícia Barrufi); Ator Criador e Teatro de grupo (Daniel Olivetto); Relação público e grupo (Adriana Santos); Modelos de formação do ator (Ana L. Fortes); A identidade do ator (Margareth Rueckert); Projetos pedagógicos e o teatro de grupo (Éder Sumariva); Arquivo ÁQIS (Camila Ribeiro); Artistas e professores no grupo (Rosângela do Amaral); Mito do herói e teatro de grupo (Renata Padrão)

[270]            Subprojeto do Projeto de Pesquisa Teatro de Grupo e a Construção de Modelos de Trabalho do Ator

[271]            Orientador – Professor do Departamento de Artes Cênicas – CEART/UDESC

[272]            Acadêmica do Curso de Artes Cênicas – CEART/UDESC, bolsista de iniciação científica do PIBIC/CNPq

[273]         Projeto de Pesquisa CEART-UDESC.

[274]         Orientadora, Professora do Departamento de Música - Centro de Artes – Florianópolis - SC.

[275]         Acadêmico do Curso de Bacharelado em Piano – CEART/UDESC, bolsista de iniciação científica do PROBIC/UDESC.

[276]            Projeto de Pesquisa Construção metodológica do fazer pedagógico de arte:desafios da inclusão – Centro de Educação a Distância – CEAD – Mestrado em Artes Visuais – Linha de Investigação “Ensino de Arte”.

[277]            Orientadora – Departamento Pedagógico – DPED – CEAD/UDESC.

[278]            Bolsista Voluntária de Iniciação Científica. PIVIC.

[279]            Orientador do projeto “O TEATRO DAS MISSÕES – uma nova perspectiva  histórica sobre o teatro no Brasil Colônia”, Professor do Depto. de Teatro e Programa de Pós-Graduação em Teatro, situado à Av. Madre Benvenuta, 1907, cep 88035-001, Florianópolis, SC, fone: 3321-8353, e.mail: c2emo@udesc.br

[280]            Para desdobramentos ver, entre outros, SCHERER, J. La dramaturgie classique en France. Paris. Nizet, s/d.; LAGRAVE, H. Le théàtre et le public à Paris de 1715 à 1750. Paris. Bordas: 1972; THOORENS, Leon. Le dossier Molière. Verviers. Gerard & Co.: 1964; LARTHOMAS, Pierre.  Le langage dramatique. Paris. Puf: 1972; ROUBINE, Jean-Jacques. A linguagem da encenação teatral. Rio de Janeiro. Zahar: 1982; CHARTIER, Roger. Do palco à página. Rio de Janeiro. Casa da Palavra: 2002. 

[281]            No Ocidente, esse texto integra uma coletânea de seus escritos: EVREINOV, Nicolai. El teatro y la vida. Buenos Aires. Leviatã: s/d, p. 35. Em 1909 Evreinov lançou A teoria do monodrama, um novo enfoque para a construção dramatúrgica, fundamentalmente alicerçada sobre a auto-imagem e a narratividade, que passou quase despercebido em sua época. Pensador impregnado pelo simbolismo então vigente, sua grande tese pode ser assim resumida: “voltar a teatralizar o teatro para teatralizar consciente e intensamente a vida”.

[282]            Idem, ibidem, pg. 37.

[283]            JAUSSE, Marcel. “ A evolução pedagógica da criança, laboratório de ritmo-pedagogia 1933-1934”, in L’anthropologie du geste. Paris. Resma: 1969, p. 37.    

[284]            HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. São Paulo. Perspectiva: 1971, p. 7.

[285]            Idem, ibidem, p. 11.

[286]            WINNICOTT, D.W. O brincar &a realidade. Rio de Janeiro. Imago: 1975, p. 14.

[287]            GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Rio de Janeiro. 13ª ed.Vozes: 2005, p. 221.

[288]            BURKE, Peter. O mundo como teatro, ensaios de antropologia histórica. Lisboa. Difel: 1992.

[289]            Idem, ibidem, p. 157.

[290]            MARAVALL, José Antonio. A cultura do barroco. Lisboa. Instituto Superior de Novas Profissões: 1997, p. 176.

[291]            DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro. Contraponto: 1997, p. 25.

[292]            Idem, ibidem, p. 41.

[293]            Professor do Departamento de Música do Ceart e Orientador do projeto de Pesquisa “Procedimentos analíticos e princípios filosóficos: uma avaliação crítica da obra de Heinqich Schenker

[294]            Professora do Departamento de Música  do Ceart e participante do Projeto de Pesquisa

[295]            Schenker, Heinrich, The Masterwork in Music, v.2, New York: Cambridge University Press, 1996, p.23, grifo nosso

[296]            Schenker, assim como os românticos, aprendeu a "lição kantiana que liga gênio e totalidade orgânica." (Suzuki, Marcio. O Gênio Romântico – Crítica e História da Filosofia em Friedrich Schlegel, São Paulo: Iluminuras, 1998, p.6)

[297]            Schenker, Heinrich. Free Composition (Der Freie Satz) – Volume III of New Musical Theories and Fantasies, 2 v., New York: Longman Inc., 1979, p.9

[298]            ibid, p.24

[299]            ibid, pp.24 e 25

[300]            Schenker, 1996, p.27

[301]            Schenker, 1996, p.28

[302]            ibid, p.29

[303]            ibid

[304]            ibid, pp.29 e 30

[305]            Schenker, 1996, p.31

[306]            ibid, p.32

[307]            ibid

[308]            ibid

[309]            ibid, p.34

[310]            ibid, p.35

[311]            ibid, p.53

[312]            Gottfried van Swieten (1733- 1803) , aristocrata,  médico da Imperatriz da Áustria, exerceu funções diplomáticas junto a Frederico da Prússia e Augusto da Saxônia. Foi igualmente amigo de Beethoven.

[313]            Gesellschaft der Associierten. Haydn também participava ativamente desta sociedade.

[314]            Citamos como exemplo o fugato do Zauberflöte e o último movimento da sinfonia Júpiter.

[315]            Mozart, Wolfgang Amadeus. Briefe, Berlin: Henschelverlag,1989, p. 292-293

[316]            Einstein, Alfred. Mozart – His Character, His Work, Oxford University Press, 1945

[317]            Como se sabe, Mozart, Haydn e Beethoven (para citar apenas os clássicos) estudaram contraponto segundo o método de Johann Joseph Fux. Em contrapartida, o estudo da harmonia como disciplina somente foi estabelecido no Conservatório de Paris no início do século XIX.

[318]            Rosen, Charles. The Classical Style – Haydn, Mozart, Beethoven, New York: W.W. Norton & Company, 1972, p. 19

[319]           Adorno, T. W. Filosofia da Nova Música, São Paulo: Editora Perspectiva, 1989, p.50

1              Projeto de Pesquisa CEART- UDESC

2              Professor da Graduação e do PPGAV – Mestrado em Artes Visuais do CEART/ UDESC

3     O termo Arte relacional em sua forma complexa parte do que  Nicolas Bourriaud definiu como horizonte teórico-prático da arte relacional: “a esfera das relações humanas e de seu contexto social mais que a afirmação de um espaço simbólico autônomo e privado”

4     Sobre complexidade Edgar Morin pontua que, “existe complexidade, de fato, quando os componentes que constituem um  todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico) são inseparáveis e existe um  tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre as partes e o todo, o todo e as partes.”  MORIN (2004:14)

5    Entendemos Representação enquanto capacidade de gerar realidade, de pertencimento a esfera pública. Neste sentido estamos em sintonia com o pensamento de José Luiz Brea quando afirma que, “O trabalho de arte já não tem mais a ver com a representação. O modo de trabalho que chamamos artísticos deve, a partir de agora, consagrar-se a um produzir similar na esfera do acontecimento, da presença: nunca mais no da representação.. LUIS BREA, citado por GALVANO (2001) Disponível: https://www.euskonews.com/01182bk/gaia11803es.html

6     No sentido derridiano: .A descontrução propõe um exercício do pensar que supõe, mais que tentar escapar-se da metafísica,    permanecer nela realizando um trabalho que implique corroer-la desde suas próprias estruturas para levá-las até seu limite;  solicitação (no sentido etimológico de fazer tremer) que permita que ditas estruturas mostrem suas fissuras.. (CRAGNOLINI, 1999)

7     O acontecimento é uma experimentação que escapa à história, não está determinada por ela, e uma espécie de desvio, uma emergência do novo sentido, um devir, uma ruptura com a sucessão causal e determinista dos trilhos paralelos da história.” (LIMA,G. ; TIBURI,M. Que tipo de historia é possível. Disponível em  https://www.humanas.unisinos.br/refundamentar/textos/novo/historia.htm

8     Segundo MORIN, a estratégia encontra recursos, faz contornos, realiza investimentos e desvios; é aberta, evolutiva, enfrenta o imprevisto, o novo. Para alcançar seus fins, se desdobra em situações aleatórias, utiliza o risco, o obstáculo, a diversidade. Tira proveito de seus erros. Precisa de um controle e de uma vigilância, mas também, a todo o momento, de concorrência, iniciativa, decisão e reflexão.. MORIN, CIURANA & MOTTA (2003: 29)

9              La esencia de la práctica artística radicaría entonces en la invención de relaciones entre sujetos; cada obra de arte encarnaría la proposición de habitar un mundo en común, y el trabajo de cada artista, un haz de relaciones con el mundo que a su vez generaría otras relaciones, y así hasta el infinito. Disponível em  https://www.um.es/campusdigital/Libros/textoCompleto/poliCultural/05asanchez.pdf, Pág 9, acessado em 12/05/2006. Tradução nossa.

1                      0              Brea, José Luiz - Por tres vías diferentes las nuevas prácticas artísticas están asumiendo esa responsabilidad. En primer lugar, por la vía de la narración. La utilización de la imagen-técnica y la imagen-movimiento, en su capacidad para expandirse en un tiempo-interno de relato, multiplica las posibilidades de la generación de narrativas. En segundo lugar, por la vía de la generación de acontecimientos, eventos, por la producción de situaciones. Mas allá de la idea de performance -y por supuesto mucho más allá de la de instalación- el artista actual trabaja en la generación de contextos de encuentro directo, en la producción específica de micro-situaciones de socialización. La tercera vía es una variante de esta segunda: cuando esa producción de espacios conversacionales, de socialización de la experiencia, no se produce en el espacio físico, sino en el virtual, mediante la generación de unamediación.El artista como productor es: a) un generador de narrativas de reconocimiento mutuo;b) un inductor de situaciones intensificadas de encuentro y socialización de experiencia;  y c) un productor de mediaciones para su intercambio en la esfera pública.  Disponível em https://www.alfonselmagnanim.com/debats/84/quadern04.htm. Tradução nossa.

1                      1              Guatarri, Felix – Las Tres Ecologías. Madrid : Pretextos, 1996. p. 18

1                      2              O projeto está disponível em https://www.thequietintheland.org/introduction.php

1              3                 Catálogo do Projeto A quietude da terra, Vida cotidiana, Arte Contemporânea e Projeto Axé, 2000. MUSEU DE ARTE MODERNA DA BAHIA ;  Bahia, 2000.

1                      4              A proposta The Land está disponível  em https://www.thelandfoundation.org/?About_the_land

[320]Mestre em Gestão de Design pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC

 Professora de Desenho de Moda na Universidade do Estado de Santa Catarina

 C2lmp@udesc.br

 

[321]            Artigo organizado a partir do Projeto: Colunismo social em Santa Catarina – a construção de uma sociedade de moda. CEART/UDESC.

[322]           Profa. Dra. em História. Lotada no Departamento de Moda/CEART. sant.anna03@bol.com.br

[323]            CANCLINI, N. ,1997. p. 190.

[324]            ORTIZ, R., 1994. p. 7.

[325]            ANDERSON, B. 1997. p. 23.

[326]            HOBSBAWN, E, 1990.

[327]            RENAN, E., 2001.

[328]            ANDERSON, B. 1997. p. 23.

[329]            La cultures des apparences, p. 487. Tradução livre.

[330]            BOLLON, 1993, p. 164.

[331]            [331]  Projeto de Pesquisa Banco de Dados em Teatro para o Desenvolvimento de Comunidades. CEART/UDESC

[332]              Professora do Departamento de Artes Cênicas – Av. Madre Benvenuta, 2007 CEP: 88.035-001 Itacorubi – Florianópolis – SC

[333]            Artigo produzido a partir do Projeto de Pesquisa “ Raízes antropofágicas: labirintos e paradoxos na constituição formativa do modernismo brasileiro.

[334]            Professora do Departamento de Artes Plásticas e coordenadora do Projeto de Pesquisa. CEART-UDESC

[335]            STADEN, Hans. Primeiros registros escritos e ilustrados do Brasil e seus habitantes. SP: Terceiro Nome, 1999. O estado de latência do “Brasil” de Hans Staden é contemporâneo dos primeiros núcleos europeus nesta parte meridional das Américas.

[336]            De ANDRADE, Oswald. Manifesto Antropófago. In: SCHWARTZ, Jorge. Vanguardas Latino-Americanas. Polêmicas, manifestos e textos críticos. SP: Iluminuras/Edusp/ Fapesp, 1995.

[337]            STADEN, Hans. Op Cit, p.104.

[338]            CANDIDO, Antônio. “Da Vingança” .In:Tese e Antítese .SP. Companhia Editora Nacional, 1971.pp.1/29.

[339]            Alguns títulos dos ensaios de Candido neste livro, tais como, “Os bichos do subterrâneo”, “Catástrofe e sobrevivência” e “O homem dos Avessos”, além de uma imagem que evoca um calabouço na novela de Dumas, e que é citada já na primeira página de “Da Vingança”, parecem indicar a consciência política do autor, diante da censura militar. Esta escolha, que se dá por uma evocação aparentemente apolítica, ou de cunho apenas literário, revela, no entanto, uma dicção onde as palavras sugerem um duplo sentido. Cf. CANDIDO, Antonio. Op. Cit. passim.

[340]            IDEM. p 12.

[341]            CANDIDO, Antonio. Op. Cit. p. 13.

[342]            Seguimos aqui as informações do historiador  Fernando Novais em ensaio introdutório à nova edição do texto de Hans Staden. Primeiros Registros escritos e ilustrados sobre o Brasil e seus habitantes. SP; Terceiro Nome, 1999.Editada por Mary Lou Paris e Ricardo Othake. Esta edição contém a tradução revisada de Angel Bojadsen feita a partir da edição alemã atualizada por Karl Fouquet em edição da Trauttveter & Fischer Nachfs; Marburgo de 1981. Esta versão havia também sido publicada originalmente em alemão em 1941, pela sociedade Hans Staden. Cf. NOVAIS, Fernando. O “Brasil” de Hans Staden. Op. Cit.pp 12/25.

[343]            Novais pontua que a aldeia de Ariró, do chefe Cunhambebe, talvez fosse próxima de Angra dos Reis, mas  a identificação verdadeira ainda  é problemática. Cf. NOVAIS, Fernando. Op. Cit, p. 16.

[344]            NOVAIS, Fernando. “O ‘Brasil’ de Hans Staden”. In: STADEN, Hans, séc. 16. Primeiros Registros Escritos e Ilustrados Sobre o Brasil e Seus Habitantes. Tradução de Angel Bojadsen. SP: Editora Terceiro Nome, 1999. P:12. Vale lembrar aqui  que Novais na citação acima,(grifo nosso)  incorpora textualmente, sem o uso de aspas ou de  crédito,  a  bem conhecida frase com a qual Sérgio Buarque de Holanda inicia o parágrafo de abertura do clássico Raízes do Brasil cuja importância como estudo pioneiro de interpretação histórico-sociológica do país retomamos adiante: “Trazendo de países distantes nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas idéias, e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil, somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra.” Cf: Buarque de Holanda, Sérgio. Raízes do Brasil. SP: Companhia das Letras, 1995; P 31.

[345]            STADEN, Hans. Op. Cit. PP: 98.

[346]              De LÉRY, Jean.Viagem à terra do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1980.

[347]            Esta ambivalência entre assimilação e recusa é detectada por Raúl Antelo na cultura de outros indígenas, os füeguinos, habitantes do extremo sul da Argentina, como parte de um sofisticado jogo cultural de mimetismo. Experts em imitar as expressões dos brancos, tiveram este talento mal interpretado, como sendo uma capacidade adquirida pelo entorno da natureza. Cf: ANTELO, Raúl.”Por um auto-exotismo abismal (na terra do jogo)”. In:  Transgressão e Modernidade. Ponta Grossa: Editora da UEPG, 2001.

[348]            VIVEIROS de CASTRO, Eduardo. “O mármore e a murta: Sobre a inconstância da alma selvagem.”In: A inconstância da alma selvagem.( e outros ensaios de antropologia. SP: Cosac&Naify, 2002.

 

[349]            15“Chama-se unheimlich tudo que deveria permanecer secreto, escondido e se manifesta”. escreve Freud em texto publicado em 1919, e posteriormente como  “O estranho” em português; “El sinistro” ao espanhol, “Le inquietante etrangeté” ao francês, e ainda “The uncanny” ao inglês.Trata-se de uma análise de um conto de Hoffmann, “O homem de Areia”, onde o psicanalista observa que a operação textual dentro desta narrativa extrapola os limites da ficção codificada, fechada em seu próprio regime, para ir além, ao apresentar o ponto de vista do personagem como realidade possível e não como puro delírio. Algo ao mesmo tempo familiar e inquietante, o unheimlich na leitura freudiana extrai de um estudo sobre o mitológico e literário, elementos que potencializariam a psicanálise ao circundar os limites da representação. FREUD, Sigmund. “O estranho”. In: Obras Completas.Vol. XVII. RJ: Imago, 1996.

[350]            Embora a consciência da condição colonial em relação à metrópole, esta diferentia specifica -  para usar ainda as palavras de  Fernando Novais – tenha sido comum a todos os povos de igual formação no Novo Mundo, na América portuguesa foi mais lento, tardio e diluído. Para Novais, “enquanto nas Índias de Castela, os colonos foram desde cedo chamando-se a si próprios de ‘criollos’ para marcar a distância com os espanhóis metropolitanos, aqui entre nós tudo o que se fazia era chamar ‘reinóis’ aos nascidos em Portugal. Quer dizer: os hispano-americanos identificavam-se orgulhosamente, por aquilo que eram ou julgavam ser (“nós somos criollos’); os luso-americanos, negativamente, opacamente, por aquilo que julgavam não ser (‘não somos reinóis’).” Op. Cit. Pg. 13. Novamente aqui percebe-se a forte referência e o uso que faz Novais das idéias de Sérgio Buarque, neste caso, oriundo da  temática  do “ladrilhador- semeador”, um dos temas de Raízes,  no qual  recorta epistemologicamente aspectos  formativos da América  portuguesa em relação a da América hispânica.

[351]              Recorde-se que a Semana de Arte Moderna realizada no Teatro Municipal em São Paulo, em 1922, foi  um  evento seminal no sentido de reunir as novas tendências das expressões literárias,  plásticas,  arquitetônicas,  e  musicais  em defesa  da arte  moderna, mas que fosse  baseada  na  realidade  brasileira- tensionando uma incorporação “antropofágica” das novas formas estéticas propostas pelas vanguardas européias da época, (exemplificados em movimentos como construtivismo, dadaísmo, futurismo, cubismo, entre outros) devidamente mesclados a  motivos ou temas da cultura popular local-  que iria instaurar daí por diante, um modelo de problematização estética e conceitual. Entre as diversas publicações oriundas do movimento da Semana destaca-se a primeira, Klaxon, antecessora de revista Estética e que postulava no primeiro número, ter “uma alma coletiva” em relação aos artigos, poemas, comentários, críticas de arte, piadas e farpas, tão  reveladores do estado de espírito dos jovens que elaboraram a ideologia modernista.Renovadora, criativa e abertamente cosmopolita, Klaxon negava a realidade em favor da idéia da arte como expressão cerebral e construtiva, que aparece na seguinte afirmação feita por Mário de Andrade: “KLAXON sabe que a natureza existe. Mas sabe que o moto lírico, produtor da obra de arte, é uma lente transformadora e mesmo deformadora da natureza.”[351] Lembremos também que a  irreverência e sarcasmo do periódico revela um perfil daquela agressividade tipicamente avant-garde que se confirma nas palavras do poeta Menotti del Picchia: “É uma buzina literária, fonfonando, nas avenidas ruidosas da Arte Nova, o advento da falange galharda dos vanguardistas.”[351]  O  conceito de Antropofagia  deriva do periódico mais radical da vanguarda dos anos 20, a Revista de Antropofagia onde já no primeiro número (1928), é publicado o famoso Manifesto Antropófago do poeta Oswald de Andrade.O manifesto, pedra de toque  do movimento celebra a “América livre, pura, descolombisada, encantada e bravia”, e propõe uma revisão do indianismo romantizado da literatura alencariana e, ao mesmo tempo, uma tentativa de retorno ao primitivo devidamente distanciado dos pressupostos do “Bom Selvagem” na linha enciclopedista de Rousseau.

[352]            VIVEIROS de CASTRO, Eduardo. “O mármore e a murta: Sobre a inconstância da alma selvagem.”In: A inconstância da alma selvagem.( e outros ensaios de antropologia. SP: Cosac&Naify, 2002.pp. 181/264.

[353]            VIVEIROS de CASTRO. Op. Cit. p. 234.

[354]            Cf.RAMINELLI,Ronald . Canibalismo, amor e ódio.In: JBonline.terra.com.br/destaques/500anos/ahtml.

[355]            RAMINELLI, Ronald. Op. Cit.

[356]            ANDRADE, Ana Luísa. “Saturno devorador da Modernidade. Imagens/Sensações”.In: Revista Brasileira de Literatura Comparada. Fpolis: Abralic, 1998. pp. 147/160. A partir da imagem de uma pintura de Goya, Saturno devorando seus filhos, a ensaísta estabelece um cruzamento entre os escritos de Benjamin e Clarice Lispector, na ordem do resíduo.

[357]            Idem. p. 148.

[358]            Ibidem. p. 150.

[359] Título da Pesquisa

[360] Título do Artigo

[361] Prof. Dra. Coordenadora da Pesquisa, desenvolvida com apoio da UDESC.Centro de Artes/Departamento de Artes Plásticas/Pesquisa vinculada ao Mestrado em Artes Visuais, tendo como participante a acadêmica de Artes Plásticas Janaí de Abreu Pereira/Bolsista PROBIC/UDESC

[362]            Artigo organizado a partir do Projeto de Pesquisa “Exposições Portáteis”.

[363]            Prof. Dra. Departamento de Artes Plásticas CEART-UDESC.

[364]         Tomo de empréstimo o termo estruturas de inspeção que era a denominação que Helio Oiticica atribuía aos seus Bólides, objetos que eram dados à manipulação e uso do espectador e, a partir daí, transformarem-se em espaços poéticos tácteis.

 

[365]         Esta estrutura agenciadora e intercambiável parte de conceitos e idéias apresentadas pelo artista Ricardo Basbaum quando propõe os termos artista-etc/curador-etc como aquele que questiona a natureza e a função de seu papel, promovendo trânsitos entre as partes componedoras do sistema da arte e fora dela, a partir de híbridos que se instauram e questionam em novas combinações, tais como: artista-curador, artista-professor, artista-ativista, curador-artista, curador-diretor, curador-engenheiro, curador-produtor, entre outros.

 

 

[366]         Participantes da Oficina de desenvolvimento: O espaço como configuração de um campo específico (semestre 2005/2) e Oficina avançada: Processos, mediações e ampliações do corpo na arte contemporânea (semestre 2006/1), ambas ministradas para o curso de Licenciatura e Bacharelado em Artes Plásticas.

 

[367]         Participantes da Disciplina eletiva: Incorporações – agenciamentos do corpo no espaço relacional (semestre 2006/2), ministrada no Programa de Pós Graduação em Artes Visuais - Mestrado.

 

[368]         Foram convidados 12 artistas brasileiros (Alex Cabral (PR), Ana Paula Lima (SP), Daniela Mattos (RJ), Jorge Menna Barreto (SP), Julia Amaral (SC), Laercio Redondo (PR), Melissa Barbery (PA), Nara Milioli (SC), Orlando Manescky (PA), Raquel Stolf (SC), Ricardo Basbaum (RJ), Yiftah Peled (SC)) e a artista mexicana Minerva Cuevas, na época como artista residente aqui no país, participante da 27a. Bienal Internacional de São Paulo.

 

[369]         Espaço de performação entende-se como sendo o espaço que surge do encontro do espectador com a obra-proposição, possibilitando a criação de uma estrutura relacional ou comunicacional. Ou seja, o espaço de ação do espectador, estendendo portanto a noção de Performance como um procedimento que se prolonga também no participador.

[370]         Disponível no site: www.terreno.baldio.nom.br

 

[371]         Participantes da Oficina avançada: Processos, mediações e ampliações do corpo na arte contemporânea (semestre 2006/1).

 

[372]         Participantes do Seminário Temático: Relações Obra-Espaço, Circuitos e Sistemas (semestre 2006/1).

 

[373]         Alexandre Antunes (RS), Alex Cabral (PR), Aline Dias (SC), Ana Miguel (RJ), Ana Paula Lima (SP), Brígida Baltar (RJ), Bruno Machado (PR), Carla Zaccagnini (SP), Carlos Asp (SC), Clevenson Salvaro (PR), Daniel Acosta (RS), Daniel Horsch (SP), Daniela Mattos (RJ), Dennis Radüns (SC), Diego Raick (SC), Eliane Prolik (PR), Glaucis de Moraes (RS), Jose Rafael Mamigonian (SC), Jorge Menna Barreto (SP), Julia Amaral (SC), Laércio Redondo (PR), Lucia Koch (SP), Lucio Agra (SP), Luiz Rodolfo Annes (PR), Maikel de Maia (PR), Marcos Chaves (RJ), Mariana Silva da Silva (RS), Melissa Barbery (PA), Milton Machado (RJ), Nara Milioli (SC), Nazareno Rodrigues (SP), Nicolás Varchausky (AR), Orlando Manescky (PA), Paulo Bruscky (PE), Raquel Garbelotti (ES), Raquel Stolf (SC), Ricardo Basbaum (RJ), Rimon Guimarães (PR), Rodrigo Garcia Lopes (PR), Roseline Ranoch (Al), Sergio Basbaum (SP), Suely Fahry (RJ), Tatiana Ferraz (SP), Teresa Riccardi (AR), Yara Guasque (SC), Yiftah Peled (SC). 

[374]         É interessante destacar aqui que Dick Higgins, artista integrante do Fluxus, manteve durante parte dos anos 60 e 70 uma editora própria, destinada à publicação de seus ‘experimentos’, bem como de diferentes artistas daquele período: Something Else Press e, posteriormente, nos anos 70, Unpublished Editions.

[375]         O projeto Do It iniciou em 1994 com uma série de exposições com obras-instruções, realizadas em diferentes locais, em diferentes paises. Dez anos depois, o projeto ganha a versão dita domiciliar, reunindo uma gama considerável destas participações. Em formato livro ou na web (www.e-flux) podemos acessar a qualquer momento e realizar qualquer uma das instruções ali contidas.

 

                 

[376] Altitudes de algumas das localidades em metros: América Latina: Caracas: 40; La Paz: 3829; Santiado: 522; Bogotá 2548; Quito: 2764; Assunção: 55; Lima: 108; Cajamarca: 2567; Arequipa: 2580; Cuzco: 3329. Europa: Berlim: 35; Antuérpia: 4; Bruxelas: 77; Paris: 32; Florença: 91; Roma: 15; Amesterdã: 1; Londres: 20; Berna suíça: 524; Estocolmo: 16; Genebra: 411; Basiléia suíça: 279 Infomação digital disponível em: www.meteoconsult.fr .

[377] Costumbrismo: Movimento artístico que pretende que a obra de arte seja uma exposição dos

usos e costumes sociais. O Costumbrismo se extende a todas as artes, podendo falar de

quadros costumbristas, novelas costumbristas, etc, sendo o folclore amiúde uma forma de

costumbrismo. Informação digital disponível em https://es.wikipedia.org/wiki/Costumbrismo

[378] ANTELO, Raul. Informação anotada em aula proferida na Pós-Graduação na Universidade Federal de

Santa Catarina, Disciplina Literatura Comparada I, em 17/10/2006.

[379] Lógica do contato, da fricção são expressões da mesma aula de Raúl Antelo

[380] Referência à fragmento do bem conhecido afresco, de Miguel Ângelo na Capela Sistina.

[381]            Projeto de Pesquisa CEART/UDESC

[382]            Professora do Departamento de Artes Plásticas do Centro de Artes, Av. Madre Benvenuta, 1907- Itacorubi, CEP88.3500-01 Florianópolis

[383]                            Sistema - baseado no que descreve Edgar Morin no seu livro Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Editora Sulina, 2005, p.19, é “associação combinatória de elementos diferentes”.

4                              GOERGEN, Pedro. Universidade em tempo de transformação. www.prg.unicamp.br/texto. Acesso em : 9fev2007.

5                          Morin, p.11

6                          Idem, p. 38

7                          DERDYK, Edith. Linha de horizonte: por uma poética do ato criador. São Paulo: Escuta, 2001, p.16.

 

[384]            Pesquisa do Centro de Artes – UDESC com recursos do CNPq

[385]            Orientadora, professora do Departamento de Artes Plásticas do Centro de Artes - UDESC.

[386]            Acadêmico do Curso de Licenciatura em Artes Plásticas - Ceart/UDESC, bolsista PMUC/FAPESC

[387]             A COTESPHAN é composta por representantes de diferentes instituições vinculadas à cultura e à área natural: IPHAN/SC - Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, FCC - Fundação Catarinense de Cultura, FATMA - Fundação do Meio Ambiente, UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina, UDESC - Universidade do Estado de Santa Catarina, IAB/SC - Instituto de Arquitetos do Brasil. OAB/SC - Ordem dos Advogados do Brasil. FCFFC - Fundação de Cultura de Florianópolis Franklin Cascaes, SUSP - Secretaria Municipal de Urbanismo e Serviços Públicos, PMG - Procuradoria Geral do Município. A COTESPHAN é presidida pelo IPUF.

 

[388]            Projeto de Pesquisa PPGAV – CEART, UDESC.

[389]            Orientadora, Professora do Centro de Artes – Graduação e Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais – UDESC.

[390]            Mestranda regularmente matriculada no PPGAV/2007 – CEART, UDESC.

[391]            Via e-mail em maio de 2006.

[392]            Projeto de pesquisa de mesmo nome CEART/UDESC. 

[393]        Coordenadora da pesquisa, Departamento de Artes Cênicas do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina

[394]            Sobre a memória ilhoa ligada a agricultura ver Lacerda (2003).

[395]            Sobre o processo de elaboração do Plano Diretor Comunitário ver Franzoni (2005) e Vigânigo (2004).

[396]            Para acesso ao Plano Diretor Comunitário consultar www.campeche.org.br/plano/intro_plano.htm

[397]            Sobre o conceito de socialização ver Simmel (2005) e Waizbort (2006).

[398]            Projeto de pesquisa :Grotesco Centro de Artes/UDESC

[399]            Prof. Dr. Do Departamento de Artes Plásticas CEART-UDESC

[400]            Projeto de pesquisa/ Centro de Artes da UDESC

                Bolsistas Ana Luiza Fortes carvalho

                                 Renata Amabilis patrão

[401]            Prof. Dr. Do departamento de Artes Plásticas CEART-UDESC.

[402]            Projeto de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Teatro – Mestrado – Centro de Artes - UDESC

[403]            Orientadora, Professora do Departamento de Artes Cênicas – Centro de Artes, Av. Madre Benvenuta 1907- Bairro Itacorubi – Florianópolis - SC

[404]            Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Teatro – Mestrado, Técnico de Iluminação do CEART.

[405]                CAFEZEIRO, Edwaldo e GADELHA, Carmem. História do Teatro Brasileiro: De Anchieta a Nelson Rodrigues. Rio de Janeiro: UFRJ:FUNARTE, 1996, p. 483.

[406]           Artigo produzido sob orientação da Profa Dra. Vera Regina Martins Collaço, no 1o semestre de 2007, no Programa de Pós-Graduação em Teatro – PPGT – Udesc/Ceart.

[407]            Aluno do PPGT/ Ceart-Udesc, 1o semestre de 2007. Ator integrante do grupo “Teatro, Sim... Por Quê Não?!!” e professor de teatro, formado pelo Curso de Licenciatura Plena em Educação Artística – Habilitação Artes Cênicas da Udesc/Ceart.

[408]  FUNARI, Pedro Paulo e PELEGRINI, Sandra C. A. Patrimônio Histórico e Cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ,  2006.

[409]  JAVIER, Francisco. El Espacio Escénico como Sistema Significante. Buenos Aires: Leviatán, 1998.

[410]  ROUBINE, Jean-Jacques. A Linguagem da Encenação Teatral. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

 

[411]        PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999.

 

[412]        LE GOFF, Jacques. Por Amor às Cidades. São Paulo: UNESP, 1998.

 

[413]  LIMA, Evelyn Furquim Werneck. Das Vanguardas à tradição: arquitetura, teatro & espaço urbano.  Rio de Janeiro: 7Letras, 2006.

 

[414]            Projeto de Pesquisa do Programa de Pós Graduação – Mestrado em Teatro – PPGT/ UDESC.

[415]            Acadêmica do Programa de Pós – Graduação. Mestrado em Teatro – PPGT UDESC. Atriz, pesquisadora e fundadora do Grupo Teatro em Trâmite. Bolsista do Programa de Monitoria de Pós – Graduação – PROMOP.

[416]            Professora Doutora Vera Collaço, orientadora do Projeto de Pesquisa.

[417]            Projeto de Pesquisa CEART/UDESC.

[418]            Orientador, Professor do Departamento de Artes Cênicas — Centro de Artes — Av. Madre Benvenuta, 2007, Itacorubi — 88.035 - 001 – Ilha de Santa Catarina, Florianópolis – SC — <jrfalei@gmail.com>

[419]            Álvaro Moreyra (1888-1965), além de ser poeta e dramaturgo, desenvolveu uma atividade pedagógica, ao viajar pelo Brasil apresentando peças e proferindo conferências sobre teatro. Teve a idéia de criar o Teatro de Brinquedo ao assistir a ensaios do Vieux Colombier, em Paris, em 1913 (MOREYRA, 1989). — Renato Vianna (1894-1953) foi outro inovador que, defendendo infatigavelmente o teatro, o aprimoramento do jogo e da ética do ator, lança um manifesto, « A Última Encarnação do Fausto », no qual cita, entre outros renovadores, Jacques Copeau. (V. GODINHO, 1998).- V. também JAVIER, 1995 : o autor faz referência, na p. 65, à tese (1987) do Prof. Dr. Armando Sérgio da Silva sobre A Escola de Arte Dramática do Doutor Alfredo: Uma Oficina de Atores, na qual se confirma a importância de Copeau no teatro brasileiro.

[420]            Durante esse período, o training físico se precisa e enriquece: treinamento ginástico (ginástica rítmica e dança), dirigido pela manhã por Jessmin Howarth, aluno de Dalcroze; à tarde, vários tipos de exercícios — de ação muda sem acessórios, de  expressão de um sentimento ou de uma emoção, de imprvovisação. Copeau transcreve em seu Cahier de notes sur l’école [Caderno de Notas sobre a Escola] os que lhe parecem mais importantes.

[421]            São ensinados: acrobacia, ginástica, dança, jogos de força e destreza, música, mas também canto coral e individual; exercícios de expressão dramática (máscara, interpretação corporal, fisionomia, mímica), improvisação (plástica e dialogada); elocução, dicção, declamação; cultura geral; teoria do teatro (leis da expressão dramática, estudo das grandes épocas, artes e ofícios da cena); iniciação progressiva em trabalhos manuais (desenho, modelagem, artes decorativas, figurino, acessórios). Por fim, jogos livres que resultavam em pequenas apresentações em que os alunos trabalhavam como criadores e operários.

[422]            Jacques COPEAU. « Place aux jeunes » [Deixem Passar os Jovens]. Registres I: Appels [Registros I: Apelos]. Paris: Gallimard, 1974. p. 112-116.

[423]            Tais exercícios, transformados ou não, serão encontrados mais tarde no trabalho dos Copiaus, na Borgonha, e no dos Comédiens Routiers [Atores Itinerantes], em Paris. Não esqueçamos o que lhes devem, entre outros, Charles Dullin e Etienne Decroux.

[424]            O projeto mais importante diz respeito a duas fábulas: La Belle au bois dormant [A Bela Adormecida no Bosque] e Le chant du jeudi [O Canto da Quinta-feira]. - Esse tipo de trabalho foi remontado por Chancerel com os Comédiens Routiers [Atores Itinerantes]].

[425]            A apresentação de um Nô é justificada por oferecer a Suzanne Bing a oportunidade de reunir, de integrar estudos musicais, dramáticos e plásticos que haviam sido trabalhados durante três anos. Além disso, trata-se de mergulhar no estudo da forma dramática mais rigorosa, a que requer do intérprete uma excepcional formação técnica. O teatro japonês surge, assim, como um formidável meio de verificação do trabalho pedagógico desenvolvido intensamente durante três anos por um mesmo grupo de alunos e professores.

[426]            Programa de novembro de 1923, segundo as notas de um dos professores, Vitray: « (1) Uso da máscara para aumentar a consciência das possibilidades do corpo; (2) pôr-se a si mesmo num estado de disponibilidade; (3) continuidade, direção do movimento: a parte do corpo mais focalizada guia o movimento; (4) desenvolvimento do sentido da duração e da estrutura de uma cena através de mprovisações de duas a quatro pessoas, estabelecendo claramente o início, o ponto culminante e a conclusão; (5) o estudo das relações entre as partes de uma ação e de uma improvisação — idéia da construção dramática; (6) mimo e trabalho coral para desenvolver a sensibilidade em relação ao espaço dos outros atores e a adesão à estrutura de base através de jogos, charadas e histórias, como pura improvisação ». - V. Marco De MARINIS. Mimo e teatro nel Novecento [Mimo e Teatro no Século XX]. Firenze: La Casa Usher, 1993. p. 87.

[427]            Léon Chancerel descreve o « jogo dramático » apresentado pelos Copiaus em 1928, durante o seu retiro borguinhão, para um público de viticultores, num salão de festas em Mersault. Num palco nu, usando máscaras brancas, « por gestos dos braços e das mãos, por oscilações do corpo, fazem aparecer árvores diante de nós (um grupo à direita, um grupo à esquerda). Nunca tínhamos visto árvores tão reais. (...) tudo isso através do jogo da mímica coral sublinhada, ampliada por uma música muito primitiva e por  onomatopéias harmoniosas » (Le Théâtre et la jeunesse [O Teatro e a Juventude]. 3e éd. Paris: Bourrelier, 1946. p. 44.

 

[428]            Eugenio BARBA. A Canoa de Papel. Tratado de Antropologia Teatral. Trad. de Patrícia Alves. São Paulo: Hucitec, 1994. p. 156: « A deriva dos exercícios teatrais encontra-se entre os muitos acontecimentos singulares na história do teatro do Novecentos. Uma deriva lenta (...) » e, no último parágrafo da p. 157: « Um caso sintomático é constituído da vicissitude de um mestre cujo nome apareceu muitas vezes nestas páginas: Etienne Decroux. O mimo que ele define como arte pura e autônoma, era no início uma constelação de exercícios da escola do Vieux Colombier de Jacques Copeau [grifado por JRF]. Decroux desincorporou os exercícios do contexto laboratorial e, desenvolvendo-os, os fez independentes como gênero artístico autônomo ».

 

[429]            Tal esquema evolutivo fundamenta quase todas as demais experiências pedagógicas e teatrais decorrentes, direta ou indiretamente, da experiência do Vieux Colombier, a começar pelo Atelier de Dullin e pela escola borguinhona dos Copiaus, para continuar com Chancerel, Saint-Denis e sua Compagnhie des Quinze [Companhia dos Quinze], Dasté, Barrault e Lecoq. Apenas Decroux torna finalidade o silêncio e o movimento silencioso, que constituíam um momento passageiro no ensino da Escola de Jacques Copeau.

[430]            Projeto de Pesquisa Construção metodológica do fazer pedagógico de arte:desafios da inclusão – Centro de Educação a Distância – CEAD – Mestrado em Artes Visuais – Linha de Investigação “Ensino de Arte”.

[431]            Orientadora – Departamento Pedagógico – DPED – CEAD/UDESC.

[432]            Bolsista Voluntária de Iniciação Científica. PIVIC.

[433]            Acadêmico do curso de Artes Cênicas da Udesc, bolsista de iniciação científica do PROBIC/ CNPq

 

[434]            José Ronaldo FALEIRO é doutor em Artes do Espetáculo pela Universidade de Paris X - Nanterre. Foi coordenador geral do Primeiro e Segundo Festivais Universitários de Teatro de Blumenau. É diretor e professor de Teatro. Leciona no Centro de Artes (CEART) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).

 

[435]            Id. ibid. p. 21.

 

[436]            Id. ibid. p. 25.

[437]            Pesquisa teórica vinculada ao projeto de pesquisa “Terceira Margem: Leituras e Ressonâncias Possíveis à Constituição Urbana da Cidade”, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Ceart com orientação do Prof. Dr. José Luiz Kinceler.

[438]            Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Ceart, turma 2006.2, bolsista do CNPq

[439]            Projeto de Pesquisa de Mestrado em Arte Visuais - CEART - UDESC.

[440]            Orientadora, Doutora em Psicologia, Professora nos Cursos de Graduação e de Mestrado em Artes Visuais do Centro de Artes (CEART - UDESC).

[441]            Acadêmica do Curso de Mestrado em Artes Visuais do Centro de Artes (CEART - UDESC).

[442]            Tradução nossa. "(...) it had no pictures or conversations in it; 'and what is the use of book', thought Alice, 'without pictures or conversation?' ".

 

[443]            Professora do CEART, coordena projeto de pesquisa intitulado Academicismo e Modernismo na América Latina, do qual também fazem parte as seguintes bolsistas PROBIC: Ana Lucia Gil, kamilla Nunes;Letícia Weiduschadt; além da psquisadora voluntária e graduanda do curso de Artes Plásticas Raquel Reis e dos mestrandos do PPGAV Atila Regiani ; Deborah Bruel e Roberto Freitas.

[444]            Pesquisa do Centro de Artes – UDESC com recursos do CNPq

[445]            Orientadora, professora do Departamento de Artes Plásticas do Centro de Artes - UDESC.

[446]            Acadêmico do Curso de Licenciatura em Artes Plásticas - Ceart/UDESC, bolsista PMUC/FAPESC

[447]             A COTESPHAN é composta por representantes de diferentes instituições vinculadas à cultura e à área natural: IPHAN/SC - Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, FCC - Fundação Catarinense de Cultura, FATMA - Fundação do Meio Ambiente, UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina, UDESC - Universidade do Estado de Santa Catarina, IAB/SC - Instituto de Arquitetos do Brasil. OAB/SC - Ordem dos Advogados do Brasil. FCFFC - Fundação de Cultura de Florianópolis Franklin Cascaes, SUSP - Secretaria Municipal de Urbanismo e Serviços Públicos, PMG - Procuradoria Geral do Município. A COTESPHAN é presidida pelo IPUF.

 

[448] Projeto de Pesquisa FAED/UDESC.

[449] Orientador, Professor do Departamento de História FAED/UDESC.

[450] Acadêmica do Curso de História, bolsista de iniciação científica PROBIC/UDESC



 

1

[i]               Segundo Suely ROLNIK (2006), capitalismo cognitivo trata-se de uma forma de capitalismo pós-industrial em que o foco na produção de mercadorias migra para a criação de signos através da publicidade e dos meios da cultura de massas. Através destas imagens de mundos é que o consumidor vai se identificar e desejar aquelas mercadorias.

[ii]              FOUCAULT, M, p.04, edição revisada 2005,disponível on line <www.virose.pt>

[iii]              BOURRIAUD, N. In: BLANCO, P. et alli. Modos de Hacer, p.429, 2001

[iv]             GOTO, Newton, 2005

[v]              In: catálogo de exposição da obra de Maurício Dias e Walter Riedweg, 2003

[vi]             Idem

[vii]             In: NOVAES, Tereza, 2004

[viii]            In: catálogo de exposição da obra de Maurício Dias e Walter Riedweg, 2003

[ix]              Ibid

[x]              BOURRIAUD, N. Pós-Producción, 2004

[xi]              DE CERTEAU, M. A Invenção do Cotidiano: 1 A arte de Fazer,1994